Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5/06.8TBMLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: COMPRA E VENDA
COISA DEFEITUOSA
PRESTAÇÕES DEVIDAS
Data do Acordão: 12/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 428.º E SS, ART.ºS 913.º E 914.º DO CÓD. CIVIL
Sumário: a) – Não tendo sido reduzido a escrito o depoimento de parte nos termos do art.º 563.º do CPC e não tendo sido arguida nulidade por tal omissão, é de presumir não ter havido lugar a confissão;

b) – É reduzida a credibilidade, para efeitos probatórios, de testemunha, pai do sócio-gerente da Ré., a quem cedeu a sua quota, mas que, na prática e com procuração, continua a assumir-se, de facto, como o representante da firma;

c) – O direito à reparação de máquina industrial hidráulica, comprada em estado de usado, com defeito traduzido na perda de força ao fim de 1 hora de funcionamento, só é excluído se o vendedor provar o desconhecimento do vício, uma vez que por força do contrato de compra e venda estava obrigado a prestar a coisa sem defeito, direito que, no caso, é indiscutível porque, para além disso, se provou que a Ré se dispos a levar a cabo a reparação da máquina;

d) – O comprador de coisa defeituosa pode interromper o pagamento do preço em prestações por que adquiriu a coisa, até que o vendedor proceda à reparação dos defeitos que a mesma apresenta e não resultantes do seu desgaste normal (exceptio non rite adimpleti contractus).

Decisão Texto Integral: Acordam na Relação de Coimbra:

            I. Relatório

”A....” propos no TJ da comarca da Mealhada acção declarativa, com processo ordinário, contra ”B....” pedindo a sua condenação na reparação, em 30 dias, da máquina que, por compra, lhe adquiriu, no pagamento de indemnização pelos prejuízos emergentes da impossibilidade de uso da máquina, a liquidar ulteriormente, ser declarada a nulidade da cláusula 1.ª do contrato “usado sem garantia dado o preço acordado” e ser declarada a licitude de não pagamento da parte restante do preço enquanto a reparação se não mostrar satisfeita.

Alegou, para tanto, em resumo, que em 7.9.05 comprou à Ré uma máquina giratória de rastos, pelo preço de € 33.275,00, a pagar, € 15.000,00 no acto de entrega da máquina e o restante em 3 cheques pós-datados, no valor, os 2 primeiros de € 6.091,66 e € 6.091,68, o 3.º.

Contudo, logo na ocasião da entrega da máquina verificou que esta tinha fugas de óleo e o hidráulico carecia de força para a sua movimentação, impedindo a extracção e transporte de materiais mediante o uso do balde que possui e a que era destinada.

O orçamento para a reparação importa em € 12.746,41.

A Ré emitiu um certificado de bom funcionamento da máquina, obrigou-se a garantir o seu funcionamento e recusou a reparação sustentando que não acordou qualquer garantia, conforme se exarou na cláusula 1.ª, in fine, do documento de fls. 7 (“usado sem garantia dado o preço acordado”).

A A. não pagou do preço os 2 últimos cheques e não o fará enquanto a máquina não for reparada.

Citada, a Ré contestou, alegando que a máquina tinha um preço com garantia de 1 ano e outro, inferior, sem garantia, pelo qual optou a A.

Aquando da entrega a máquina não tinha qualquer defeito e, se algum ocorreu, tal deveu-se a uso imprudente da máquina por parte da A.

A máquina tinha já 5 893 horas de trabalho e foi vendida por acordo das partes sem que a Ré desse garantia do seu bom funcionamento.

A A. não é considerada consumidora à luz do DL n.º 67/03 8.4 pelo que a cláusula impugnada não é nula e está de acordo com o princípio da liberdade contratual.

Concluiu pela improcedência da acção.

 Houve lugar a réplica, onde a A. requereu a condenação da Ré como litigante de má fé e concluiu como na petição inicial.

A Ré respondeu ao incidente de litigância de má fé, impugnando a respectiva matéria, formulando, agora ela, idêntico pedido relativamente à A.

Após alteração do valor dado à causa, foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, que se fixaram sem reclamação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi lida a decisão sobre a matéria de facto, que igualmente não foi objecto de reclamação.

Proferida sentença, veio a acção a ser julgada parcialmente procedente e a Ré condenada a, em 30 dias, reparar os defeitos de fugas de óleo e falta de força suficiente do hidráulico para cargas mais pesadas depois de mais de uma hora de funcionamento da máquina vendida pela Ré à A., tendo esta, até que isso seja feito, direito a não pagar à Ré a parte do preço em dívida, ou seja, o valor dos 2 últimos cheques.

Inconformada, recorreu a Ré, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

a) – Os depoimentos gravados das testemunhas C.... e D.... são de tal maneira concludentes e corroborados pelos documentos juntos aos autos e não infirmados pelos outros depoimentos que justificam uma resposta diferente da que foi dada pelo tribunal a quo aos factos constantes sob os n.ºs 2, 3, 6 e 7 da base instrutória e devem, por isso, ser considerados como não provados;

            b) – A. e R. acordaram, ao celebrar o contrato de compra e venda, que a Ré não daria garantia à máquina vendida à A., por isso, esta pagou menos pelo equipamento;

            c) – A. e Ré sabiam que o equipamento vendido não estava sujeito a garantia;

            d) – A Ré não é responsável por qualquer defeito que a máquina venha a ter posterior à venda ou pelos menos posterior à entrega, pois para a Ré ser responsabilizada teria a A. que demonstrar que o eventual defeito que alega já existia quando comprou a máquina;

            e) – O que ficou demonstrado é que o eventual defeito que a A. reclama terá surgido mais de 1 mês depois de ter adquirido e recebido a máquina;

            f) – Quando a A. recebeu a máquina não existia qualquer defeito, nem foi feita qualquer reclamação;

            g) – A. e Ré reconheceram, quando fizeram o contrato, que a máquina, depois de experimentada, estava em bom estado de conservação e funcionamento, tanto mais que a A. preferiu comprar o bem sem garantia;

            h) – O eventual defeito reclamado pela A. só estaria a coberto da garantia se existisse e, como não existe, a A. não tem direito à reparação.

            Concluiu pela revogação da sentença e sua substituição por outra que considere improcedente a acção.

            Na resposta, a A. remeteu-se ao teor da sentença e ao dos articulados que apresentou.

            Colhidos os vistos, cumpre apreciar, sendo que são questões a decidir:

            a) – Impugnação da matéria de facto;

            b) – Saber se, não havendo garantia de bom funcionamento da máquina objecto do contrato de compra e venda que constitui a causa de pedir da acção, o defeito que apresenta é susceptível de conferir, ou não, direito à sua reparação


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            II. Fundamentos

            1. De facto

            a) - Antes de mais, vejamos a impugnação da matéria de facto à matéria das respostas dadas aos pontos 2.º, 3.º, 6.º e 7.º da base instrutória, que a recorrente entende e pede sejam consideradas não provadas.

            Perguntava-se no 2.º:”O certificado emitido pela Ré e descrito em F) foi-o mediante exigência da A.?” e respondeu-se: “provado que o certificado F) foi emitido pela Ré a pedido da A.”;

            Ao 3.º, “Logo na ocasião da entrega da máquina, nos termos descritos em D), a A. constatou que a mesma não laborava como era devido, nomeadamente apresentando várias fugas de óleo e não tendo o respectivo hidráulico força para a sua movimentação?” e, ao 6.º, “de tal situação deu a A. imediato conhecimento à R.?”.

Em resposta conjunta deu-se como “provado apenas que não mais de 15 dias depois da entrega da máquina referida em D), a A. constatou que a mesma tinha fugas de óleo e que o respectivo hidráulico não tinha força suficiente para cargas mais pesadas depois de mais de uma hora a funcionar, do que logo deu conhecimento à R.”

Ao 7.º “Tendo-se a R. disposto a levar a cabo a respectiva reparação?” e respondeu-se “provado apenas que a Ré dispos-se a levar a cabo a respectiva reparação”.

O Ex.mo Juiz fundamentou as respostas nos depoimentos das testemunhas E.... e F...., aquela, a 1.ª a dar pela fuga de óleo e falta de força da máquina e considerando as boas relações entre ela e o sócio-gerente da Ré, o facto de o cheque de 9.10.05 ter obtido pagamento e ainda da testemunha C..., pai do sócio-gerente da R., a que contrapos a R. os depoimentos gravados das testemunhas C..., do gerente da Ré D..., que foi quem negociou a máquina com o gerente da A. Sr. G.....

Ora, será que os depoimentos destas testemunhas não terão infirmado os depoimentos em que se fundamenta a decisão de facto?

            - Afigura-se-nos que não.

            Quanto ao depoimento de D... tratou-se de depoimento de parte, enquanto sócio-gerente da Ré, depoimento esse que, ao não ter sido reduzido a escrito, em assentada, na acta de julgamento, como obrigava o art.º 563.º do CPC, presume-se não ter levado à confissão, que era o escopo do próprio depoimento, sendo que tal omissão, a integrar nulidade, não foi oportunamente arguida, pelo que ficou sanada (art.s 201.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1, do CPC).

            Daí, a irrelevância do depoimento que prestou.

            Quanto ao outro depoimento que fundamenta a impugnação, ou seja, da testemunha C..., pai do sócio-gerente da Ré, ouvido, não merece reparo o que o tribunal a quo a propósito dele escreveu: “(…) tem pouco valor, pois que, no fundo, ele é quase que directamente interessado na improcedência da acção (…) [a referência a reconvenção deve-se a manifesto lapso, já que não foi deduzida], pois que “trabalha” para a R. e recebe dela “um vencimento”, sendo ele e a mulher que criaram e “doaram” depois as  quotas aos dois filhos (os únicos actuais sócios da Ré”.

            Com efeito, o seu depoimento acaba por seu mais apaixonado, mais parcial, que o do próprio filho D..., actual sócio-gerente da firma, na sequência da cessão de quotas que a seu favor e a outro fez.

            Foi ele quem fez o negócio com o sócio-gerente da A., foi ele, como disse, que emitiu o certificado de bom funcionamento, é ele quem tem seguido os passos da máquina, é ele quem dispõe de procuração para actuar em nome dela…

            Em suma, só juridicamente se não identifica com a sua gerência.

            Ainda assim, explicou que juntamente com o filho foram reparar a máquina no respeitante ao tubo de óleo e que recusou a reparação maior objecto de orçamento da “H...” na medida em que a garantia estava excluída por acordo de comprador e vendedor.

            Assim e pese embora a matéria do ponto 2.º ser irrelevante para a causa dar-se como provado ou não provado, cremos, contudo, que a resposta positiva encontra ainda eco no depoimento da outra testemunha I....., empregada de escritório da A. e sua responsável administrativa e que nesse âmbito acompanhou o negócio da máquina e o pedido de certificado e quanto às demais respostas impugnadas foi ela quem comunicou telefonicamente o problema do tubo de óleo, explicando que, não tendo havido garantia, houve da Ré um compromisso verbal para reparar alguma anomalia e – salientou - tanto que a R. assumiu a reparação, que foi “semi-tratada”.

            Em suma, o depoimento de tal testemunha não tem virtualidade para alterar os demais depoimentos em que o tribunal recorrido, na imediação da prova, se estribou e fundamentou livremente a sua convicção e, daí, que se indefira o pedido de impugnação.


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            b) – Dá-se, assim, como provada a factualidade como tal considerada pela 1.ª instância que é a seguinte:
            a) – A A. é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de inertes;
            b) – A Ré, por sua vez, dedica-se ao comércio e aluguer de máquinas;
            c) – Entre a Ré e a A., respectivamente na qualidade de 1.ª e de 2.ª outorgantes, foi, com data de 7.9.05, celebrado acordo denominado Contrato de Compra e Venda, nos termos do qual:
1. A 1.ª outorgante, no exercício da sua actividade comercial, vende à 2.ª outorgante uma máquina giratória de rastos de marca H..., modelo E 300 série n.º 159-2537, pelo valor de € 27.500,00, acrescido de IVA, ou seja, o total de € 33.275,00, usada, sem garantia dado o preço acordado;
2. A 2.ª outorgante aceita comprar a referida máquina pelo preço referido;
3. O referido preço será pago pela 2.ª outorgante à 1.ª da seguinte forma: 1 cheque na entrega da máquina de € 15.000,00; 1 cheque pré-datado com vencimento em 9.10.05, no valor de € 6.091,66; 1 cheque pré-datado com vencimento em 9.11.05, no valor de € 6.091,66; 1 cheque pré-datado, com vencimento em 9.12.05, no valor de € 6.091,68, todos da J....;
4. O não pagamento de qualquer prestação na data acordada implica o vencimento imediato de todas as prestações ainda em dívida;
5. A 1.ª outorgante reserva o direito de propriedade sobre a máquina até integral pagamento do preço, não se transferindo para o comprador a propriedade do bem até ao pagamento integral do preço, não podendo este vendê-la, trocá-la, dá-la de garantia ou onerá-la por qualquer modo.
d) – Na data da celebração do acordo descrito em c)  a Ré entregou a máquina à A., nas instalações desta, sitas em Ovar;
e) – Na mesma ocasião, a A. entregou à Ré um cheque no valor de € 15.000,00, bem como os 3 cheques pré-datados referidos em c);
f) – Pela Ré foi, em 7.9.05, emitido um documento dirigido à A. e referente à máquina, denominado “certificado de bom funcionamento”, nos termos o qual:
- “No cumprimento do DL n.º 82/99 de 16.3.99 efectuamos a verificação ao equipamento supra referenciado nos termos do Relatório de Verificação em anexo e certificamos que:
Nesta data, a máquina cumpre um bom desempenho dos itens constantes do respectivo Relatório de Verificação considerando-se, portanto, que se encontra em bom estado de funcionamento”;
g) – O certificado F) foi emitido pela Ré a pedido da A;
h) – Não mais de 15 dias depois da entrega da máquina, a A. constatou que a mesma tinha fugas de óleo e que o respectivo hidráulico não tinha força suficiente para cargas mais pesadas depois de mais de uma hora a funcionar, do que logo deu conhecimento à Ré;
i) – A Ré dispos-se a levar a cabo a respectiva reparação;
j) – Mais tarde a A. fez outras interpelações nesse sentido;
l) – A A. requereu à “ H...”, representante da marca de máquinas em questão, um orçamento de reparação, relativo ao material e mão-de-obra necessários e enviou-o à Ré, com um fax de 13.10.05;
m) – O orçamento dado pela “ H...”ascendia a € 10.102,56 (com a menção de que no decorrer da montagem poderá ser necessário outro material não especificado neste orçamento), mais € 2.643,85 de mão-de-obra, tudo com IVA;
n) – A 17.10.05 a A. escreveu à Ré comunicando que:
  - “Na sequência das nossas conversas e de acordo com o nosso fax e ao contrário do que o Sr. inicialmente referiu (tanto que pediu orçamento de reparação) a V. firma não se disponibiliza a dar garantia da máquina, o que além do mais é ilegal. Assim, comunicamos-vos que nesta data revogamos os cheques na V. posse, ficando a aguardar pelo prazo de (?) dias e como última hipótese pela reparação. Caso tal não aconteça, além de mantermos a revogação, iremos resolver o contrato, por incumprimento da V. parte, com as demais consequências”.
o) – Aos faxes de 13 e 17.10.05 a Ré respondeu com uma carta datada de 18.10.05 com o seguinte teor:
- “Lamentamos a atitude que manifesta nos seus faxes. Como sabem adquiriram-nos a máquina supra referida sem garantia, cf. contrato de compra e venda.
Ao contrário do que referem no vosso fax só damos garantia se for convencionado pelas partes o que não foi o caso.
Quando damos garantia, as reparações são feitas nas nossas oficinas.
Contrariamente ao que dizem, não há qualquer fundamento para revogarem os cheques ou invocarem o incumprimento, se o fizerem, caem V. Ex.as em incumprimento e serão responsáveis por todos os prejuízos que nos causem.
Certo que irão respeitar o contrato celebrado”.
p) – A A. não procedeu ao pagamento dos dois últimos cheques respeitantes ao preço acordado;
q) – A actividade comercial de venda explorada pela Ré diz apenas respeito a máquinas usadas;
r) – No exercício da sua actividade a Ré comercializa as máquinas com ou sem garantia, conforme for acordado pontualmente entre as partes;
s) – Ao representante da A., que para o efeito se deslocou às instalações da Ré, com vista à aquisição da máquina descrita em c), foi informado por um vendedor desta última que o preço da mesma seria, um com garantia pelo período de 1 ano, outro, mais baixo, sem garantia;
t) – E o representante da A., depois de examinar e experimentar a dita máquina, optou pelo preço mais baixo e sem garantia.
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            2. De direito

            A única questão que nesta sede vem equacionada tem a ver com a responsabilidade da Ré pelo defeito da máquina, manifestado após a entrega e sem cobertura de garantia de bom funcionamento, que as partes expressamente afastaram no respectivo contrato de compra e venda, a coberto do princípio da liberdade contratual.

            E haverá que antecipar que, a sentença, ao decidir pela responsabilidade da Ré, decidiu com acerto.

            Com efeito, o direito à reparação da Ré advém, quer do art.º 913.º do Cód. Civil (como os demais, sem outra menção) ao definir o que é tido por coisa defeituosa e que, aqui, se trata de vício impeditivo para a A. de a máquina realizar o seu fim, de extracção e carga de inertes ou outras substâncias, quer do art.º 914.º, quando confere o direito ao comprador à reparação, só o excluindo se o vendedor desconhecia sem culpa o vício de que a coisa padecia.

            Este desconhecimento tem de ser alegado e provado pelo vendedor, visto tratar-se de facto impeditivo do direito contra si invocado pelo comprador (n.º 2 do art.º 342.º) e estar obrigado a prestar a coisa isenta de vícios ou defeitos.[1]

            O mesmo é dizer, acompanhando o autor citado, que “o direito à reparação da coisa repousa na culpa presumida do vendedor, a quem cabe elidir tal presunção mediante prova em contrário (350.º, n.º 2), ou seja, a prova da sua ignorância, sem culpa, do vício ou falta de qualidade da coisa, como facto impeditivo do direito invocado pelo comprador”.

            No caso que nos ocupa, estamos face a venda de uma máquina industrial giratória usada e sem garantia de bom funcionamento, conforme assim convencionado entre as partes.

            Ora, nem uma nem outra situação é excluidora da tutela do comprador, mormente do direito à reparação dos defeitos.

            Quanto ao facto de ser coisa usada, o defeito não se identifica com a deterioração motivada pelo uso ou pelo decurso do tempo.[2]

O bem usado pressupõe-se com um desgaste normal em função da sua utilização, (p. ex., n.º de horas de trabalho) ou do tempo (n.º de anos desde o fabrico), mas não tem de ser defeituoso. O facto de a coisa ser usada não pode ser fundamento de exclusão de responsabilidade. E é assim relativamente aos vícios ocultos que excedem o desgaste normal.

Claro que, a tratar-se de vício aparente ou conhecido, sobre o comprador impende a prova de ter aposto uma reserva no momento da aceitação, sob pena de não poder exigir qualquer responsabilidade à vendedora.

Mas não é disso que aqui se trata.

O vício em causa era oculto e respeitante a fugas de óleo e perda de força para cargas mais pesadas ao fim de 1 hora de funcionamento da máquina, ou seja, excede o desgaste normal da máquina enquanto tal, suposto sendo que uma máquina de tal natureza é para dispor de força.

Quanto ao 2.º aspecto - da garantia -  e com o que não pode confundir-se o certificado de bom funcionamento que acompanhou a máquina e relevante somente nos termos do DL n.º 82/99 de 16.3 (que versa sobre as prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização de equipamento de trabalho e não sobre garantia entre particulares), a sua falta não é impeditiva do direito à reparação, nem a tutela para o comprador é, assim, tão díspar.

Autores há para quem, haver ou não garantia, a única diferença está sintetizada em que, havendo-a, o vendedor responde com base em responsabilidade objectiva, isso sendo o que diferencia o regime (geral) do art.º 913.º e ss do art.º 921.º que, afora isso, se limita a repetir as estatuições do regime sem garantia.[3]

Outros destacam-lhe as vantagens, como a de o comprador ter apenas que indicar, no caso de garantia, o mau funcionamento da coisa, sem especificar o vício, respondendo o vendedor por culpa presumida[4].

Independentemente de qualquer enquadramento teórico da questão, parece não haver discordância em como a garantia do bom funcionamento representa um “mais“ relativamente ao regime geral do art.º 913.º e ss e tem o significado e o alcance de uma obrigação de resultado, uma vez que durante o respectivo prazo o vendedor assegura o regular funcionamento da coisa e, relevando em sede do ónus da prova, ao comprador apenas compete a prova do mau funcionamento da coisa durante o prazo da garantia, sem necessidade de alegar e provar a específica causa desse mau funcionamento.[5]

Concordando-se com Pedro Martinez, “mesmo que não tenha sido estabelecida uma garantia de qualidade do bem, não cabe ao comprador a prova da precedência do defeito, impendendo sobre a contraparte o dever de demonstrar que este é posterior ao cumprimento”.[6]

E é assim porque, tendo a lei estabelecido prazos curtos para o exercício do direito de reparação (e para os demais derivados do cumprimento defeituoso) em matéria de compra e venda pressupõe-se que qualquer defeito nesse período é, ele próprio, anterior ou advém de causa preexistente,

Sustenta também o mesmo autor que, além disso, a lei não faz qualquer referência à anterioridade, dando a entender uma presunção nesse sentido.

Salienta ainda que na maioria dos casos a anterioridade resulta de uma presunção de facto, tendo em conta a natureza da coisa e do defeito.

E adverte que, por parte do comprador a prova da anterioridade do defeito é, por via de regra, muito difícil de fazer, ao invés do vendedor que, pelo contacto que manteve com a coisa tem mais facilidade em provar que o defeito foi posterior à entrega, para concluir que fora do caso de garantia, ao comprador apenas compete provar o defeito e a sua denúncia, ao vendedor cabendo demonstrar que o aparecimento do defeito se deveu a culpa do lesado, designadamente à má utilização que fez do bem.[7]

Voltando ao caso dos autos e constatando a A. que poucos dias após a entrega da máquina (não mais de 15) destacou os defeitos, é de presumir, pela natureza da coisa e do defeito, que este era anterior à entrega.

Aliás, a Ré, ainda que sem garantia, dispos-se a levar a cabo a reparação, como resultou provado e, se reparou o tubo do óleo, não terá reparado a parte restante devido ao preço orçamentado.

A A. provou a sua parte: o defeito, ou seja, o mau funcionamento da máquina, que perde força ao fim de 1 hora de funcionamento e provou também a denúncia.

A Ré, nem provou o desconhecimento do defeito, nem que se deveu a culpa do lesado, v. g., por má utilização da máquina, pelo que fundado está o seu direito à reparação, não merecendo a sentença qualquer censura quando, em louvável síntese, assim concluiu e determinou a reparação em prazo razoável de 30 dias.

E de subscrever é, também, quanto à outra parte da condenação da decisão, ou seja, a exceptio non rite adimpleti contractus, como legítimo meio de garantia e coerção defensiva como resulta do art.º 428.º e ss e tem indiscutível aplicação ao caso dos autos[8] respeitadas que se nos afiguram estar as regras da boa fé contratual.


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            3. Resumindo e concluindo:

            a) – Não tendo sido reduzido a escrito o depoimento de parte nos termos do art.º 563.º do CPC e não tendo sido arguida nulidade por tal omissão, é de presumir não ter havido lugar a confissão;

            b) – É reduzida a credibilidade, para efeitos probatórios, de testemunha, pai do sócio-gerente da Ré., a quem cedeu a sua quota, mas que, na prática e com procuração, continua a assumir-se, de facto, como o representante da firma;

            c) – O direito à reparação de máquina industrial hidráulica, comprada em estado de usado, com defeito traduzido na perda de força ao fim de 1 hora de funcionamento, só é excluído se o vendedor provar o desconhecimento do vício, uma vez que por força do contrato de compra e venda estava obrigado a prestar a coisa sem defeito, direito que, no caso, é indiscutível porque, para além disso, se provou que a Ré se dispos a levar a cabo a reparação da máquina;

            d) – O comprador de coisa defeituosa pode interromper o pagamento do preço em prestações por que adquiriu a coisa, até que o vendedor proceda à reparação dos defeitos que a mesma apresenta e não resultantes do seu desgaste normal (exceptio non rite adimpleti contractus).


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III. Decisão

            Face a todo o exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e confirmar a douta sentença recorrida.

            Custas pela apelante.


[1] Calvão da Silva, “Compra e Venda de Coisas Defeituosas”, Almedina, 5.ª edição, pág. 61 e P. Lima e A. Varela “CC, Anot.”, 4.ª ed., pág. 209.
[2] Pedro Martinez, “Cumprimento Defeituoso – em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, Almedina, Janeiro de 2001, pág. 210.
[3] Pedro Martinez, “ob. cit.”, pág. 423 e ss.
[4] Calvão da Silva, “ob. cit.”, pág. 67.
[5] Ac. STJ de 3.4.03, CJ/STJ, 2003, II, pág. 19.
[6] “Ob cit.”. pág. 424.
[7] “Ob. cit.”, pág. 424 e 319 e ss.
[8] P. Martinez, “Ob. cit.”, pág. 290 e Calvão da Silva, “Ob. cit.”, pág. 71.