Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
256/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
ENTIDADE PATRONAL
Data do Acordão: 02/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 37º, Nº 2, DA LEI Nº 100/97, DE 13/09 (LAT) E ARTº8º, Nº 2, AL.A), DO D.L. Nº 441/91, DE 14/11.
Sumário: I – Segundo o artº 8º, nº 2, al. a), do D. L. nº 441/91, de 14/11, o empregador deve aplicar as medidas necessárias, tendo em conta a identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a garantir um nível eficaz de protecção ao trabalhador.

II – Para se poder concluir pela violação das regras de segurança por parte da entidade patronal é necessário a existência de nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança e o acidente.

III – Ou, dito de outra forma, o acidente terá de ficar a dever-se ao facto de a entidade patronal não ter tomado as precauções necessárias.

Decisão Texto Integral:

Autor: A... e B...
Rés: C...
D...

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em processo emergente de acidente de trabalho, os autores intentaram acção pedindo a condenação das rés a pagar-lhes as pensões anuais e vitalícias de € 1.597,72 para cada um, € 2.000,00 pelo custo dos transportes e despesas de funeral, € 1.682,00 de indemnização pelos períodos de incapacidade sofridos pelo seu filho até à morte, € 4.115,08 correspondentes ao custo das deslocações efectuadas pelo seu outro filho e ainda € 872,90 igualmente correspondentes a despesas com transportes, tudo acrescido dos correspondentes juros moratórios.
Alegaram para tanto, em síntese, que são pais de E..., que faleceu no dia 26/01/2001, vítima de um acidente ocorrido no dia 26/06/2000, quando aquele trabalhava numa obra, em Santa Marinha, concelho de Seia, sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª ré. O seu filho, sinistrado, contribuía com € 250,00 para o seu sustento. Isto, porque auferia, € 648,44, acrescidos de € 5,00 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho. A sua empregadora, tinha transferido a sua responsabilidade para a ré seguradora, mediante contrato de seguro que tinha como referencial a remuneração de € 758,44 x 14 meses.
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Citadas, ambas as rés vieram contestar, tendo a ré seguradora impugnado a legitimidade dos autores, alegando ignorância sobre os pressupostos dessa legitimidade. Excepcionou ainda a incompetência territorial deste tribunal, porque a seu ver competente seria o Tribunal de Trabalho da Guarda, por ter sido aquele em cuja área de jurisdição o acidente ocorreu. Além disso, pôs ainda em causa a validade de todos os actos praticados pelo irmão do sinistrado, por o mesmo não ter legitimidade para o efeito. Quanto ao mérito, impugnou a matéria alegada pelos autores, aceitando apenas ter celebrado um contrato de seguro mediante o qual a sua co-ré transferiu para si a responsabilidade por acidentes de trabalho ocorridos com o sinistrado, com referência a uma remuneração de €: 349,16 x 14 meses. Concluiu, pedindo a sua absolvição da instância ou, subsidiariamente, a anulação do processado referente à fase conciliatória, ou ainda, em último recurso, a improcedência da acção.
Por sua vez, a ré empregadora contestou dando a sua explicação para o acidente, que, a seu ver, não lhe pode ser imputado, por ter cumprido todas as regras de segurança. Além disso aceita apenas que o sinistrado auferia € 349,15 x 14 meses, quantia que serviu de base à transferência da sua responsabilidade para a ré seguradora. Impugnou ainda a legitimidade dos autores, por entender, em suma, que não está demonstrado que este contribuísse para o sustento daqueles. Concluiu pela improcedência desta acção e a sua absolvição do pedido.
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Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo as rés do pedido.
Inconformados, os autores interpuseram a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentaram as seguintes conclusões:
1. Não restam quaisquer dúvidas que o sinistrado, filho dos Recorrentes, foi vitima de um acidente de trabalho, pois;
2. “é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.
3. Como consequência do acidente de trabalho, o sinistrado/filho dos Recorrentes, E..., foi assistido no Hospital de Seia, mas atendendo ao seu estado de grande gravidade, tornou-se necessário proceder à sua transferência para os Hospitais da Universidade de Coimbra.
4. Posteriormente, a 11 de Janeiro de 2001, E..., foi transferido para o Hospital da Ordem Terceira, sob a responsabilidade da 1 a Recorrida, C... por motivo de acidente de trabalho, onde ficou hospitalizado até ao seu falecimento, encontrando-se em Coma de Grau I.
5. O filho dos aqui Recorrentes, em consequência das lesões sofridas naquele acidente, permaneceu em incapacidade temporária absoluta no período compreendido entre 27/07/2000 e 30/01/2001.
6. No dia 26 de Janeiro de 2001, o sinistrado, veio a falecer às 2,05 horas, com 20 anos de idade.
7. Conforme doc. junto ao processo a fls. 88,89,90,91,92 e 93, verificou­-se que o acidente de trabalho ocorrido ao filho dos Autores, foi causa directa da morte deste, onde se pode concluir que a causa de morte foi:
8. I-A- Pneumonia pentaboar
9. I-B- Acção de natureza contundente
10. I-C- Acidente de trabalho
11. A pneumonia pentabolar consecutiva deveu-se às graves lesões traumáticas crâneo-encefálicas descritas no doc. citado no art. anterior.
12. As lesões traumáticas referidas na conclusão anterior resultam de traumatismo violento, de natureza contundente, como consequência directa do acidente de trabalho de que foi vítima, o qual provocou no sinistrado muita dor e sofrimento, em todo o período da incapacidade absoluta.
13. Os Recorrentes não aceitam de modo algum que o pedido por estes tenha sido considerado totalmente improcedente por não provado.
14. Os Recorrentes entendem que não foi feita a correcta apreciação da prova, quanto à legitimidade dos aqui Recorrentes.
15. A prova efectuada foi documental, e não se entende de modo algum que venha dizer que a alegação de um facto constitutivo do seu direito de crédito num articulado inapropriado para esse efeito, faltou ainda a alegação de que o sinistrado não tinha feito qualquer disposição testamentária ou contratual de carácter sucessório.
16. E mais quanto ao conteúdo do despacho saneador há que assinalar o processado quanto à legitimidade processual dos AA/Recorrentes;
17. Entendeu o Meritíssimo juiz a quo, relativamente à questão levantada pela Recorrida/ Seguradora, sobre a qualidade dos aqui Recorrentes de únicos beneficiários do direito de que se arrogam.
18. Já para os Recorrentes essa qualidade é inequívoca, na medida em que o sinistrado faleceu no estado de solteiro e sem filhos.
19. Nessa sede, como é sabido, apenas importa aquilatar da legitimidade processual. Esta é uma qualidade ou pressuposto que confere validade à relação jurídica entre determinada entidade e uma concreta demanda."
20. De acordo com a lei, art° 26° do C.P.Civil, essa validade afere-se em função dos potenciais interesses em conflito. O autor é parte legitima se tem interesse em demandar, na qualidade em que pode retirar alguma utilidade da acção e o réu é também parte legitima se, por sua vez, tem interesse em contradizer, porquanto pode vir a sofrer algum prejuízo com a procedência da pretensão do autor."
21. A utilidade ou prejuízo podem aferir-se tanto em função do enquadramento que qualquer das partes dá ao litígio como em função do juízo que o tribunal venha a emitir sobre o mesmo, à luz do direito substantivo.
22. O nosso legislador elegeu como critério relevante na ausência de disposição legal em contrário a versão que é apresentada pelo autor. “Na falta de indicação da lei em contrário - dispõe o nº 3 do art° 26 do C.P. Civil -, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
23. É, pois, à luz deste critério, que cumpre apreciar a legitimidade dos AA/Recorrentes.
24. E segundo estes, os mesmos são únicos beneficiários da pensão por morte do sinistrado. Logo, assiste-lhe legitimidade processual activa para esta demanda.
25. Não se compreende de modo algum, que não tendo sido dado provimento à excepção invocada pela Recorrida/Seguradora, ou seja, a legitimidade dos Recorrentes, excepção essa invoca da aquando da Contestação, venha agora a mesma a ser invocada como fundamento da improcedência da acção, nomeadamente quanto ao pedido formulado pelos Recorrentes, referente os montantes referentes à indemnização pelo período de incapacidades temporárias absolutas sofridas pelo sinistrado até à morte, e como direito reclamam legitimamente.
Termos em que e nos mais de direito deve a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada, e em consequência serem as Recorridas condenadas a pagar aos Recorrentes os montantes referentes à indemnização pelo período de incapacidades temporárias absolutas sofridas pelo sinistrado até à morte.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido de se conceder parcial provimento ao recurso.
Não houve respostas a este parecer.
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II- OS FACTOS:
Da decisão que incidiu sobre a matéria de facto é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
1- No dia 26 de Julho de 2000, em Santa Marinha, no concelho de Seia, pelas 19h, o sinistrado, Gheorhe Tartiu, trabalhava, com a categoria de serralheiro, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, D....
2- O sinistrado, era filho dos AA. e faleceu no dia 26/01/200 I, no estado de solteiro.
3- Em consequência da queda sofrida pelo sinistrado, o mesmo sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 91 a 93, que foram causa directa e necessária da sua morte.
4- A Ré D..., celebrou com a Ré, C..., um contrato de seguro de acidentes de trabalho, mediante o qual transferiu para esta, a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, no que ao sinistrado diz respeito, através da apólice n° 25-10-071828 e mediante a remuneração de €: 349,16 x 14 meses.
5- Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em I, o sinistrado, juntamente com os seus colegas de trabalho, António José Pereira de Oliveira, Nelson Henriques Salgueiro e António da Silva Quina, procediam à colocação de coberturas metálicas.
6- ... Todos eles se encontravam a uma altura compreendida entre os 7 e os 9 metros.
7- Em cima de uma parede com a espessura de um tijolo.
8- Sem qualquer protecção.
9- Os referidos trabalhadores procederam à colocação de três telhas metálicas, mas sem que as mesmas tivessem ficado fixas.
10- A não fixação destas telhas metálicas e o peso dos trabalhadores fizeram com que aquelas se virassem.
11- ... Tendo provocado a queda imediata de uma altura de 6 a 7 metros, no interior da obra, do serralheiro, António José Pereira de Oliveira.
12- O encarregado, Nelson Rodrigues Salgueiro, conseguiu agarrar-se, tendo ficado suspenso até saltar para o chão.
13- O sinistrado ficou inicialmente suspenso.
14- E, quando o empreiteiro, António Quina se apercebeu do ocorrido, tentou agarrá-lo pela roupa.
15- ... Mas, a determinada altura, ao tentar desviar-se de uma telha que se deslocava na sua direcção, não teve outra alternativa senão largar o sinistrado.
16- ... Vindo o mesmo a cair no exterior da obra, a cerca de 9 metros de altura.
17- O sinistrado foi de imediato transportado para o Hospital de Seia, ainda com vida.
18- ... Mas, devido ao seu estado de gravidade, foi transferido para os Hospitais da Universidade de Coimbra.
19- Posteriormente, no dia 11/01/2001, o sinistrado foi transferido para o Hospital da Ordem Terceira, onde ficou hospitalizado.
20- Em consequência das lesões sofridas naquela queda, o sinistrado esteve com Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho de 27/07/2000 a 26/01/2001.
21- O sinistrado auferia a remuneração mensal de, pelo menos, Esc: 70.000$00.
22- A Ré, D..., celebrou com a sociedade F... um contrato de subempreitada para executar os trabalhos de montagem de uma estrutura metálica autoportante numa obra da sociedade Malhas Isabel, Lda, situada na localidade de Santa Marinha, concelho de Seia.
23- No âmbito daquele contrato, a F... forneceu à Ré D... todo o material necessário à montagem daquela cobertura, nomeadamente as telhas, bem como todos os acessórios, o próprio equipamento de elevação com motorista e ainda as instruções de montagem.
24- A execução dos trabalhos de acordo com o previsto no Projecto e Caderno de Encargos de Empreitada Geral e ainda o contrato de empreitada celebrado entre o construtor e a F..., ficaram a cargo da Ré.
25- ... Que seguiu sempre as instruções dadas pela Direcção Técnica da empreiteira, F....
26- A Ré, D..., para realizar os trabalhos necessários à execução da obra, obrigou-se perante a lntertetelha, Lda a fornecer toda a mão-de-obra necessária, bem como todo o restante equipamento, inclusive de segurança.
27- Depois do trabalho preparatório, que consiste na aplicação dos cavaletes e vigas galvanizadas em cima das paredes de tijolo, são fixadas as telhas metálicas.
28- A aplicação dos cavaletes e vigas galvanizadas é feita em cima de escadas, que são encostadas às paredes da obra.
29- ... Sendo aqueles cavaletes e vigas galvanizadas que servem de engate aos cintos de segurança de cada trabalhador.
30- Depois de colocados os cavaletes e vigas galvanizadas e antes da montagem da cobertura, procede-se à aplicação de cabos de aço (ou tirantes), que são ligados interiormente de parede a parede, através dos cavaletes já existentes nas extremidades da obra.
31- Estes cabos de aço ficam a fazer parte da própria obra, evitando a cedência das paredes e onde, por sua vez, são presos os cintos de segurança de cada trabalhador.
32- A aplicação da primeira telha é então feita logo depois da ligação dos cabos de aço precedida das restantes telhas, até completar toda a cobertura.
33- A montagem da primeira telha é feita também em cima de escadas, onde é aparafusada à viga galvanizada.
34- As telhas seguintes são também fixadas com parafusos às telhas anteriores.
35- As telhas montadas e aparafusadas servem de plataforma aos próprios trabalhadores para completar o trabalho.
36- Depois da fixação das primeiras telhas, é colocada uma corda, presa aos cavaletes ou às vigas nas duas laterais (extremidades) da obra, por cima destas, a qual serve também para prender os cintos de segurança.
37- A queda do sinistrado deu-se no momento da aplicação da terceira telha.
38- ... Depois de aplicadas a primeira e a segunda telhas.
39- O sinistrado encontrava-se em cima da parede, numa das extremidades da obra, à espera da ordem para proceder à fixação da terceira telha.
40- Quando a primeira e a segunda telha se viraram em conjunto, projectaram a terceira, que ainda não se encontrava fixa por estar a ser nivelada.
41- Foi essa terceira telha que bateu no sinistrado e o projectou ao chão.
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III. É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artigos 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil.
Decorre do exposto que as questões suscitadas visam essencialmente saber se se verifica o direito dos autores ao montante da indemnização devida ao sinistrado por incapacidades temporárias. O que implica, em primeiro lugar, saber se eles provaram a qualidade de únicos herdeiros do sinistrado. Nesse caso, importará avaliar, em face do conjunto da posição das partes, nomeadamente se o acidente foi causado por violação das regras de segurança pela ré empregadora e determinar a entidade responsável por aquele pagamento.
Vejamos:
1- Na sentença reconheceu-se – sem que esta fosse questão controversa para as partes – que o acidente ocorrido com o sinistrado, e que o vitimou de morte, se tratou de um típico acidente de trabalho.
A qualificação não é, nem foi posta em causa. Observadas as contestações, nem a ré seguradora, nem a ré patronal levantam a questão da violação das regras de segurança como factor causal do acidente. Apenas os autores a levantaram
A questão colocada é relevante em termos da posição da ré seguradora, atento o disposto no artº 37º nº 2 da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro (LAT), já que a resposta afirmativa à questão pode determinar a responsabilidade principal da entidade patronal e apenas subsidiária a da ré.
Mas, como notou a sentença da 1ª instância, o reconhecimento aos autores da sua qualidade de credores é questão prévia.
Não tem exactamente a ver com a legitimidade processual para a acção. Esta foi reconhecida expressamente aos autores no despacho saneador proferido nos autos (v. fls. 357 e 358), seguindo o critério do artigo art° 26 do C.P. Civil, na medida em que essa legitimidade deve ser aferida pela relação controvertida “tal como é configurada pelo autor”.
Tem antes a ver com a sua efectiva “legitimidade substantiva”, como se notou na sentença.
Ou seja, em primeiro lugar, ela foi afastada na sentença, porque afastada a possibilidade de reconhecimento dos mesmos como beneficiários legais das pensões, por direito próprio (art° 20° n° 1 al.d) da LAT), ante a falta de demonstração de que os autores recebiam uma contribuição regular do sinistrado para o seu sustento. Sem que esta conclusão da sentença tenha sido atacada no recurso.
Depois, noutro plano, quanto à indemnização pelo período de incapacidade temporária – e esta é a questão do recurso –, também afastada porque o direito dos autores já não seria um direito próprio, em sentido estrito, imediato, ele apenas seria reconhecível se os mesmos tivessem a qualidade de herdeiros (“legitimidade substantiva”). O crédito à indemnização já estaria radicado na esfera do sinistrado, aquando da sua morte, pelo que se teria transmitido por via sucessória
O que significa que, nesta parte, os autores poderiam habilitar-se como sucessores do seu filho falecido, já que, quanto ao referido direito, ele faleceu sem o exercer. A “habilitação acção”, deduzida na própria petição, era questão prévia.
Os autores teriam então de provar que eram os únicos herdeiros do falecido.
Fizeram-no?
Vejamos:
Correspondendo ao convite para aperfeiçoamento da sua petição, os autores vieram apresentar nova petição, a fls. 248 e segs., na qual (no artigo 47º) alegaram, para além de serem pais do sinistrado, ter este falecido sem ter tido filhos.
A ré seguradora não impugnou directamente esse artigo da petição (o artigo 47º), nem o fez a ré patronal.
A ré seguradora apenas referiu na sua contestação “não ter por linear a qualidade de únicos beneficiários legais a que se arrogam os autores”.
Ora, aceitando a posição do Ex.mo Procurador Geral Adjunto, no seu parecer, devendo, no nosso caso e como já dissemos, distinguir-se a qualidade de “beneficiário” próprio das prestações decorrentes do acidente de trabalho da qualidade de “herdeiro”, tendo a ré seguradora contestado a primeira vertente, mas não a segunda, há que considerar admitido por acordo que o sinistrado faleceu sem filhos.
Como tem entendido a nossa jurisprudência (v. por exemplo, o Ac. do STJ de 15-07-2007, in www.dgsi.pt, proc. 07A1002), na falta de contestação dos factos da habilitação, estes têm-se por admitidos.
Pelo que esta Relação, no âmbito dos seus poderes (712º nº 1 do C. P. Civil), dispondo de todos os elementos, pode alterar a matéria de facto. Assim, o ponto de facto 2., acima descrito, deve ter a seguinte redacção “o sinistrado, era filho dos AA. e faleceu no dia 26/01/2001, no estado de solteiro, sem filhos”.
Daqui que, sem dúvida, os autores sejam herdeiros legitimários do falecido sinistrado (alínea b) do n° 1 do artigo 2133º, artigos 2134°, n° 2 , 2142°, 2156º, 2157° e nº 2 do artigo 2161°, do Código Civil).
Na sentença referiu-se, contudo, que ainda assim não seria de reconhecer aos autores a qualidade de únicos herdeiros, porquanto se ignora se o sinistrado fez, ou não, alguma disposição de última vontade.
Vejamos:
A qualidade de herdeiros legitimários já confere aos autores o direito, pelo menos, a uma fracção da herança, direito este que, como diz o Ex. PGA, não é afastado pela concorrência de eventuais beneficiários de alguma disposição de cariz testamentário que porventura houvesse.
Entendemos que a exigência, manifestada na sentença, de demonstração de inexistência de disposição de última vontade é excessiva. Por esta lógica de exigência, teria que ficar demonstrado que não houve nenhuma das modalidades de sucessão voluntária previstas na lei, se os herdeiros aceitaram ou não a herança e por aí adiante…
Não está em crise, como vimos, a legitimidade processual dos autores.
Estes provam a sua qualidade de únicos herdeiros legitimários, únicos herdeiros no quadro da chamada sucessão legal. Ou seja, um direito próprio à herança.
Neste quadro, afigura-se-nos que a existência de eventuais herdeiros cujo título lhes advenha de modalidade de sucessão voluntária configura-se como facto impeditivo do direito dos autores aos montantes que reclamam, por via sucessáoria, a título de indemnização por incapacidades temporárias - facto que comprimiria o seu direito (elástico) de receberem a totalidade da quantia em causa. Como facto impeditivo, teria de ser alegado e provado pelas demandadas, nos termos do disposto no artigo 342 nº 2 do Código Civil. O que não sucedeu. De alguma forma, colhendo apoio jurisprudencial, é esta a solução que tem conforto no Ac. do STJ de 9-5-96, in www.dgsi.pt, proc. 088357.
Deverá, assim, reconhecer-se aos autores o direito ao montante da indemnização em causa.

2- Prosseguindo, agora, quem é responsável por esse pagamento?
Os autores alegaram que, havendo risco de queda em altura, não foram tomadas medidas de protecção colectiva ou individuais.
Dispõe o artigo 8°, n°2, a), do D.L. n° 441/91, de 14/11, que o empregador deve aplicar as medidas necessárias, tendo em conta a identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a garantir um nível eficaz de protecção.
Ora, da matéria de facto não se retira falta de plano de protecção, antes se sugere que havia procedimentos a seguir em função de avaliação de risco (provou-se que a execução dos trabalhos foi feita de acordo com o previsto no Projecto e Caderno de Encargos de Empreitada Geral e que a ré seguiu sempre as instruções dadas pela Direcção Técnica da empreiteira). Embora se tenha provado que o sinistrado, juntamente com os seus colegas de trabalho, procediam à colocação de coberturas metálicas, a uma altura compreendida entre os 7 e os 9 metros, em cima de uma parede, sem qualquer protecção, não se provou que essa situação tenha sido comandada por acção ou omissão da ré patronal. Verifica-se, também, que procederam à colocação de três telhas metálicas, mas sem que as mesmas tivessem ficado fixas, ignorando-se o porquê dessa falta de fixação, sendo certo que foi a não fixação destas telhas metálicas que determinou que elas se virassem, provocando a queda dos operários, entre os quais o sinistrado.
Ora para se concluir pela violação das regras de segurança por parte da ré é necessário a existência de nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança e o acidente. Dito de outra forma, o acidente terá de ficar a dever-se ao facto de a ré entidade patronal não ter tomado as precauções necessárias.
Face ao que ficou dito, não podemos concluir pela existência do nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança por parte da entidade patronal e a produção do acidente.
Assim sendo, não é de facto possível concluir que o acidente tenha resultado da falta de observação das regras de segurança pela ré patronal e, consequentemente, pela responsabilidade principal desta, em confronto com a seguradora, nos termos do nº2 do artigo 37º da Lei 100/97.

3- Dito isto, ambas as rés terão de responder pelo pagamento aos autores da indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho do sinistrado de 27/07/2000 a 26/01/2001 (artigo 17 nº 1 al. f) da LAT). A seguradora em virtude da transferência de responsabilidade efectuada no âmbito do contrato de seguro, a ré patronal porque o salário efectivamente pago ao sinistrado não tinha sido declarado na totalidade à seguradora.
Provou-se que a ré patronal celebrou com a ré seguradora “um contrato de seguro de acidentes de trabalho, mediante o qual transferiu para esta, a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, no que ao sinistrado diz respeito, através da apólice n° 25-10-071828 e mediante a remuneração de € 349,16 x 14 meses”.
E resulta do auto de tentativa de conciliação, conforme admissão expressa da ré patronal, que o sinistrado auferia a remuneração de € 349,16 x 14 meses, acrescido de € 3,51x22 dias x 11 meses de subsídio de alimentação.
Está em causa o montante de € 1.682,00, referente a indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 27/07/2000 a 26/01/2001.
Tendo em conta a responsabilidade proporcional das rés aferida pelo montante da remuneração efectivamente auferida e a diferença não transferida para a seguradora, esta será responsável pelo montante de € 1.433,07 (85,2%) e a ré patronal pelo montante de € 248,93 (14,8%).
Mais, serão responsáveis pelos juros de mora vencidos desde 26/01/2001 (data da morte do sinistrado) e vincendos até pagamento – nos termos do disposto nos artigos 806 do Código Civil e 135 do Código de Processo do Trabalho.

Por tudo isto, sem necessidade de mais considerandos, a apelação procede em conformidade com a descrita fundamentação.
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III- DECISÃO
Termos em que se decide conceder provimento ao recurso, alterando a sentença recorrida e condenando:
1. A C.... a pagar aos autores a sua quota parte na indemnização por ITA no valor de € 1.433,07, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 26/01/2001 e vincendos até pagamento;
2. A D... a pagar aos autores a sua quota parte na indemnização por ITA no valor de € 248,93, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 26/01/2001 e vincendos até pagamento.

Custas na acção e no recurso pelas rés, na proporção de 85,2% para a ré seguradora e de 14,8% para a ré patronal.
Valor da acção: € 1.682,00.
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Coimbra,
(Azevedo Mendes)
(Fernandes da Silva)
(Serra Leitão)