Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
438/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
DENÚNCIA DE CONTRATO DE LOCAÇÃO
NOVO ARRENDAMENTO
Data do Acordão: 04/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 37º DA LCT E 4º DA LCCT. DIRECTIVA Nº 77/187/CEE, DE 14/02 .
Sumário: I – A transmissão de estabelecimento a que alude o artº 37º da LCT deve ser entendida em sentido amplo, de modo a abranger todas as hipóteses em que a titularidade do estabelecimento comercial ou industrial se transfere de um sujeito para outro .
II – A elaboração doutrinal e jurisprudencial à volta deste conceito aponta, no decurso do tempo, no sentido de nele se englobarem as mais diversas hipóteses, como sejam o trespasse, a transmissão decorrente da venda judicial, a mudança de titularidade por força da fusão ou cisão de sociedades, e mesmo a aquisição por transmissão inválida, etc. .

III - O critério determinante para a identificação da transferência ou transmissão do estabelecimento reside na conservação da sua identidade e na prossecução da sua actividade, importando saber se o cessionário tomou a exploração de uma empresa ou estabelecimento que estava e continua em actividade ... e não tanto a existência ou não de uma ligação de direito entre os sucessivos cessionários .

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I -

1 – Com o patrocínio oficioso do Ministério Público, A..., casada, com os demais sinais dos Autos, demandou, no Tribunal do Trabalho de Águeda, os RR. ‘B...’, C... e D..., pedindo, a final, por via principal, a condenação da 1ª R. no pagamento das quantias de 105.750$00, 775.500$00 e juros moratórios, montando já a 57.462$00, a título das rubricas discriminadas, sendo os 2º e 3º RR. condenados como responsáveis solidários e, como pedido subsidiário, a condenação daquela no pagamento das importâncias de 70.500$00 e 846.000$00, com juros, com os 2º e 3º RR. como responsáveis solidários, tudo conforme consta de fls. 8 e 9 do petitório.
Alegou para o efeito, em resumo útil, que foi admitida ao serviço dos antecessores da 1ª e do 2º RR. em Junho de 1990 para exercer as funções de ajudante de cozinheira num estabelecimento denominado ‘E...’, sito em Serém de Cima, Macinhata do Vouga, por tempo indeterminado.
Em meados de 2000, quando a A. se encontrava a gozar férias, recebeu em sua casa uma carta, na qual, a R., invocando motivos estruturais, lhe comunicava que iria encerrar a sua actividade devido à cedência da exploração do estabelecimento a partir de 31.7.2000, devendo desde então considerar-se desvinculada da 1ª R.
Tal carta era assinada por F..., em representação da 1ª R., sendo que o estabelecimento não encerrou e passou a ser explorado a partir de 1.8.2000 pelo 2º R.

2 – Frustrada a tentativa de conciliação a que se procedeu na Audiência de Partes, os RR. contestaram, suscitando a questão prévia da confusão premeditada da A. relativamente às pessoas, estabelecimento e sociedades demandadas, que têm personalidades jurídicas totalmente distintas e não se identificam entre si.
Assim, cessado o contrato de locação do estabelecimento comercial celebrado entre a R. ‘B...’ e tendo este sido dado pelos proprietários à exploração de terceiros, que nada têm a ver com aquela sociedade, é manifesto que não podem estes últimos ser responsabilizados por actos ou contratos celebrados entre a R. ‘B...’ e os seus trabalhadores, posto que não se verifique qualquer situação de trespasse ou cedência de posição contratual entre esta e aqueles.
Não houve cedência de exploração por parte da R. sociedade a terceiros, mas sim extinção do contrato de locação do estabelecimento comercial por iniciativa do seu proprietário H...
A R. ‘B...’ apenas se constituiu por escritura pública em Maio de 1995, pelo que só a partir de então passou a explorar o estabelecimento só estando vinculada perante a A. pelas obrigações da relação laboral desde tal data.
Direitos anteriores tê-los-á a A. de reclamar a quem a contratou como trabalhadora no alegado período de Junho de 1990 a Agosto de 1995.
No mais, o contrato de trabalho celebrado entre a R. ‘B...’ e a A. não vincula os 2º e 3º RR., que não se responsabilizaram pelo quer que fosse relativamente a eventuais direitos laborais da A., que nunca assumiram.

3 – Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção procedente (pedido subsidiário), condenando todos os RR. solidariamente a pagarem à A. o montante de 5.226,55 Euros, a título de retribuições, e a quantia de 4.571,48 Euros, a título de indemnização, com juros moratórios, tudo conforme melhor consta do dispositivo, a fls. 275.

4 – Inconformados, os RR. interpuseram recurso, oportunamente admitido como apelação, com efeito suspensivo, cujas alegações fecharam com estas conclusões:
1ª - Dos factos alegados nos Autos, documentados e provados em audiência, decorre desde logo a existência de 4 pessoas, ou grupo de pessoas jurídicas distintas e autónomas entre si, sem qualquer relação de dependência, ou comunhão de interesses, nomeadamente:
- Os proprietários H... e esposa, do estabelecimento sito no imóvel urbano inscrito na matriz, da freguesia de Macinhata do Vouga, concelho de Águeda, sob o art. 1662°, denominado ‘E...’,
- O I..., empresário em nome individual, a quem os proprietários do estabelecimento, H... e esposa, deram o estabelecimento de locação comercial.
- A "B....", Sociedade Comercial por quotas, constituída por Escritura Pública de 19/05/95, de que eram sócios F... e G... (doc. n.º.2 da Contestação);
- O C..., empresário em nome individual, casado com D....
2ª - Tais entidades têm personalidade jurídica totalmente distinta, e não se identificam entre si, nem isso vem alegado, documentado, ou provado nos Autos e na Sentença de fls. , ora objecto de recurso.

3ª - Com efeito, dos factos constantes dos Autos, dos documentos ali juntos, e da sua sequência lógica e incontroversa, resulta que o estabelecimento comercial (denominado E...) existe como unidade autónoma e inconfundível, relativamente a todos e cada um que o tenha explorado, explore, ou venha a explorar ...
Desse estabelecimento, bem como do prédio onde o mesmo se insere, eram proprietários H... e esposa J... (doc. no. 1 da Contestação) ...
Eram estes, proprietários, quem vinha dando a título de locação, o Estabelecimento Comercial em apreço, sucessivamente aos vários interessados ...
Tal relação locatícia tem sempre a duração estabelecida entre as partes, cessando a exploração do estabelecimento, por cada um dos locatários, sempre que se extingue o prazo do contrato de locação, ou que as partes nisso concertadamente acordem;

4ª - Os proprietários do estabelecimento, enquanto locadores, não respondem pelos actos de gestão e exploração dos sucessivos locatários ... e os locatários que se sucedem no estabelecimento, entre si, são responsáveis pelos trabalhadores que contratam e pelos seus vencimentos, confinando-se a relação laboral à Entidade Patronal que admite os trabalhadores, sem qualquer encargo para outrem (Sociedade ou Pessoa Colectiva) que, pela extinção do anterior Contrato de Locação venha, por sua vez, tomar de locação tal estabelecimento ...
O facto de o exercício da actividade se operar no mesmo edifício sucessivamente, por entidades diferentes, não permite, nem pode permitir que, juridicamente se confundam as pessoas.
5ª - Cessando o contrato de locação do Estabelecimento Comercial celebrado com a Ré "B....." (Sociedade ), e tendo o mesmo sido dado pelos proprietários à exploração a terceiros, que nada têm a ver com aquela Sociedade, é manifesto que não podem estes últimos, neste caso o Réu e Recorrente C... e esposa, ser responsabilizados por actos e contratos celebrados entre a Ré "B...." e os seus trabalhadores, posto que não ocorreu qualquer trespasse, ou cedência da posição contratual entre esta e aquele.

6ª - Através de Escritura Pública de "Locação de Estabelecimento Comercial" outorgada a 30/01/1996, no Cartório Notarial de Sever do Vouga, lavrada de fls. 79 a 81, do Livro 2-D, os então proprietários do Estabelecimento Comercial ‘E...’ (H... e J...), deram-no de locação à Sociedade "B....", assim formalizando um contrato que já vinha vigorando desde 01/08/95 - (doc. n.º.1 anexo à Contestação ).

7ª - Nos termos daquele contrato, Cláusula Primeira, o prazo de duração do contrato era de "5 anos, considerando-se renovado por iguais períodos de duração, enquanto não for denunciado por qualquer das partes, denúncia que deverá ser feita com a antecedência mínima de 60 dias relativamente ao termo do prazo inicial ou dos períodos de renovação que se lhe seguirem".

8ª - A Ré e Recorrente "B...." só entrou, assim, na exploração do Estabelecimento Comercial "E...", e apenas a partir de então celebrou contratos com fornecedores de bens e serviços, com trabalhadores, de modo a desenvolver a sua actividade, desde 01/08/95, nada tendo a ver, rigorosamente nada, com a anterior pessoa colectiva que explorava o dito estabelecimento "E...", nem com os contratos com fornecedores, trabalhadores, ou outros, que esta tenha celebrado, ou assumido, pelos quais não se responsabilizou.

9ª - Aliás, a Ré "B....." apenas se constituiu por Escritura Pública de 19/05/1995 - (doc. no.2 da Contestação), não tendo qualquer existência física nem formal, antes de tal data ...
Com a extinção do contrato de locação do Estabelecimento Comercial celebrado entre os proprietários do estabelecimento e a pessoa colectiva que até então (31/07/95) o explorara (o I...), a Ré e Recorrente B... tomou de locação aquele estabelecimento e, no âmbito da actividade que se propunha desenvolver, admitiu a Autora ao seu serviço subordinado, o que ocorre tão só a partir da data em que passou a explorar o estabelecimento, e, apenas desde então, a Ré está vinculada perante a Autora pelas obrigações da Relação Laboral emergentes do Contrato de Trabalho.

1Oª - Acontece que, através de carta datada de 09/05/2000, remetida sob Registo com Aviso de Recepção a 23/05/2000, e recebida pela Ré a 24/05/2000, os proprietários do Estabelecimento, usando da faculdade que lhes conferia a Cláusula Primeira do Contrato de Locação do Estabelecimento Comercial celebrado com a Ré "B..." ( doc. n°. 1 da Contestação ), denunciaram o contrato para o fim do prazo, ou seja, para 02/08/2000, com a antecedência legal ( docs. nos. 3 e 4 da Contestação ), sendo esse o facto, e tão só esse, que determinou a cessação da actividade da Ré, por não dispor de outro estabelecimento comercial que lhe permitisse continuar a exercer a sua actividade e objecto social, nem lhe ter sido possível tomar de locação um outro estabelecimento para o efeito, que se coadunasse com os seus meios.

11ª - O posto de trabalho da Autora, como aliás o dos outros trabalhadores da Ré, extinguiu-se por força daquela denúncia do Contrato de Locação de Estabelecimento Comercial, que determinou a impossibilidade superveniente, e imprevista, de a Ré continuar a exercer a sua actividade, não sendo tais motivos imputáveis a culpa da Ré e Recorrente "B...", além de que tornou-se, em consequência, praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

12ª - Verifica-se, assim, a situação prevista nos arts. 26° e 27° do DL. 64-A/89 de 27/02, que, apenas, poderia obrigar a Ré a pagar à Autora a compensação prevista na al. e) do n.º1 do art. 27° do citado diploma legal, sendo esta correspondente ao período em que a Autora esteve ao serviço da Ré, ou seja, um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade em conformidade com o disposto no art. 13° no.3, ex vi art. 23° n.º 1 e art. 31º do referido diploma, a que corresponde o total de Esc. 352.500$00 = (5 meses x 70.500$00»), 1.758,26 Euros.

13ª - Face à factualidade tida por provada em (10) e (11) da Sentença, a Ré e Recorrente não terá cumprido integralmente o prazo de aviso prévio, que era de 60 dias, sendo assim responsável pelo pagamento à Autora da indemnização devida pelo prazo de aviso prévio em falta, ou seja, de 19 dias, a que corresponde a importância de Euros 222,72 (351,65 Euros: 30 x 19 dias).

14ª - Da factualidade tida por provada, resulta que a Ré e Recorrente "B..." apenas é responsável pelo pagamento à Autora da quantia de € 1,980,98 (Euros 1.758,26 de indemnização nos termos do art. 13º, n.º3, ex vi art. 23° n.º 1 e art. 31º do DL. 64-A/89, acrescido de € 222,72 de indemnização pelo período de aviso prévio em falta).

15ª - Como decorre do supra-exposto quanto à Ré e Recorrente "B...", o contrato de trabalho celebrado entre esta e a Autora, até pela sua especifica especialidade, vinculação e dependência do contrato, limitado no tempo, de Locação do Estabelecimento Comercial a entregar, quando denunciado, livre inclusive de empregados, não vincula os RR. e Recorrentes C... e D..., posto que se trata de negócio "inter alios", que não diz respeito aos aqui Réus, os quais não se responsabilizaram pelo que quer que fosse relativo a eventuais direitos laborais da Autora, que nunca assumiram.

16ª - Com a cessação da actividade da Ré "B...", por denúncia do contrato de locação do Estabelecimento Comercial, extinguiu-se o vínculo laboral da Autora e o seu posto de trabalho...
Nenhum outro vínculo laboral se gerou entre a Autora e os RR. C... e D... ...
...Que nenhum negócio de cessão de exploração, ou cedência de posição contratual, celebraram com a Ré "B...”.

17ª - Tendo o proprietário denunciado o contrato com a Ré "B...", nenhum vínculo mais, ou dependência, continuou a existir entre o proprietário do estabelecimento e o locatário "B...", nem existe ou alguma vez existiu um qualquer vínculo entre esta Ré Sociedade e os RR. C... e D..., posto que o Réu C... tomou o estabelecimento comercial, que continuou a denominar-se "E..." como sempre aconteceu, directamente do proprietário H..., não sendo responsáveis pelos actos e contratos da Ré "B..." ...
A posição contratual dos RR. C... e D... com o proprietário é totalmente autónoma e independente da anterior, pelo que não é aqui aplicável o disposto no art. 37° n.ºs. 1, 2 e 3 da LCT, não tendo os RR. C... e esposa de responder por quaisquer dos direitos reclamados pela Autora.

18ª - A Ré "B..." e o Réu C... são pessoas jurídicas distintas que não se confundem, não celebraram qualquer negócio entre si, e nenhum dos RR., C.... e esposa, alguma vez fez parte da gerência, ou da dita Sociedade, "B..."...
Sendo até pelos motivos expostos que a Ré "B..." assumiu perante a Autora, e outros trabalhadores, a responsabilidade total pelos referidos direitos, emergentes da extinção dos respectivos postos de trabalho.

19ª - Nem de outro modo poderia ser, pois da Escritura de Locação de Estabelecimento Comercial que aquela celebrou com H... e esposa, resulta expressamente (Cláusula Sexta) que "Quando a locatária entregar o estabelecimento, terá de o fazer sem quaisquer encargos ou responsabilidades, nomeadamente sem empregados, e assim como todas as licenças, contribuições, fornecimentos e dívidas do estabelecimento saldadas. . . " Sic - Doc. n.º1 da Contestação, condição essa que a Ré "B..." aceitou expressamente.

20ª - Atento o disposto no art. 236° do C. Civil, a prova testemunhal e documental constante dos Autos, o único entendimento que se pode extrair do texto daquela carta é que, por força das condições estabelecidas no Contrato (Condições de Ordem Contratual) de Locação do Estabelecimento Comercial ( cedência de exploração do estabelecimento) a Ré e Recorrente B... deixava de dispor de estabelecimento para continuar a sua actividade, pois o Senhorio (proprietário do imóvel) denunciara o contrato para o fim do prazo.

21ª - Face aos termos do contrato de Locação de Estabelecimento Comercial, às condições contratuais nele impostas, nomeadamente quanto à questão da entrega, na sequência da denúncia, ser efectuada livre de responsabilidades laborais, e ao texto da carta junta à p.i. como doc. n°. 4, nenhum outro entendimento se poderia ter quanto à expressão "devido a condições de ordem contratual de cedência de exploração", se não a de que, em cumprimento do contrato, e por força da denúncia pelo senhorio, era inviável a prossecução do vínculo laboral (cfr. Ac. RL. de 06/11/1985, BTE., 23 Série n°. 3 - 4/88, pág. 466).

23ª - O Senhorio, como deu o Estabelecimento de Locação aos RR. C... e D..., podê-lo-ia dar a outro, ou mantê-lo inactivo em definitivo, ou dá-lo de Locação meses depois ...
Posto que, denunciado o contrato com a "B....", estava na sua disponibilidade fazer do estabelecimento, sua propriedade, o que bem entendesse ... Daí não podendo decorrer de forma alguma a transmissão das obrigações juslaborais da Ré "B...", para os subsequentes exploradores do estabelecimento;

24ª - Não houve transmissão da exploração do estabelecimento; houve sim denúncia do contrato da Ré "B..." com todas as consequências que envolvem o cumprimento das cláusulas contratuais relativas ao dito estabelecimento ... Ficando a Ré "B...", se tomasse de exploração outro estabelecimento em outro local, vinculada a cumprir com as obrigações dos contratos de trabalho assumidos com os seus trabalhadores;
Houve sim, e subsequentemente, a celebração de um novo contrato de locação de estabelecimento comercial com o Réu C..., distinto e "ex novo", sem vinculação com o anterior contrato.

25ª - No caso dos Autos, não cabe no espírito nem na Letra da Lei a responsabilização que o Tribunal, na Sentença de fls. , pretende imputar aos RR. C... e D..., na manutenção do vínculo laboral com a Autora e no pagamento das obrigações de um contrato de trabalho a que são totalmente alheios ( art. 9° do C. Civil), não sendo aqui aplicável o disposto no art. 37° da LCT.

26ª - A interpretação da Lei e nomeadamente do art. 37° da LCT., veiculada na Sentença é, desde logo, declaradamente inconstitucional, violando o disposto nos arts. 12° n.ºs. 1 e 2; 61° n.º.1; 202° n°.2; 203º; 204°, todos da Constituição da República Portuguesa.

27ª - Ao decidir nos termos da douta Sentença em recurso, o Tribunal "A Quo " violou o disposto nos arts. 9°; 236° e 1691° n.º.1, als. c) e d) do C. Civil; art. 37° da L.C. T.; arts. 23°; 26° a 33° da LCCT.; arts. 12° n.ºs. 1 e 2; 61°, n°. 1; 202° n.º.2; 203° e 204°, da Const. da Rep. Portuguesa.

5 – Respondeu a A./Ministério Público, concluindo no sentido da inteira confirmação do julgado.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – DOS FUNDAMENTOS

1 – DE FACTO
Vem seleccionada a seguinte factualidade, que assim se fixa:
§ - A A. foi admitida em 1990 para trabalhar como ajudante de cozinha num estabelecimento de café e restaurante denominado ‘E...’, sito em Serém de Cima, Macinhata do Vouga, Águeda, na altura explorado por I...;
§ - Por tempo indeterminado;
§ - Procedendo à confecção e cozedura dos alimentos (arroz, batatas, etc.), por vezes fazia também assados, colocava os alimentos nos pratos e procedia à limpeza da cozinha;
§ - A A. exercia aquelas funções sob as ordens, direcção, orientação e fiscalização dos antecessores da 1ª R. e do 2º R. na exploração do estabelecimento ‘E...’;
§ - Mediante o recebimento da remuneração mensal, acrescida de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de igual montante;
§ - Auferindo ultimamente a remuneração base mensal de 70.500$00;
§ - A A. sempre foi trabalhadora diligente e cumpridora;
§ - A partir de Agosto de 1995 o referido estabelecimento passou a ser explorado pela 1ª R. ‘B...’, de que são sócios F... e G..., mantendo-se o I... como gerente;
§ - Continuando a A. a exercer as mesmas funções, agora ao serviço da 1ª R.:
§ - Em 19 de Junho de 2000, a A. recebeu em sua casa a carta cuja cópia foi junta como doc. n.º4, com a P.I., datada de 1 de Junho de 2000, cujo teor se tem aqui por reproduzido;
§ - Invocando a 1ª R. motivos estruturais, comunicando que iria encerrar a sua actividade devido a cedência da exploração do estabelecimento a partir de 31 de Julho de 2000, data a partir da qual a A. devia considerar-se desvinculada da 1ª R., comprometendo-se a proceder ao pagamento das quantias devidas pela cessação do contrato com o vencimento de Julho;
§ - A referida carta era subscrita pelo sócio Manuel Augusto M. Ferreira;
§ - Sendo certo que o estabelecimento sito em Serém de Cima, Macinhata do Vouga, não encerrou e começou a ser explorado a partir do dia 1.8.2000 pelo 2º R., mantendo o nome de ‘E...’;
§ - O estabelecimento de café e restaurante explorado pela 1ª R. sito em Serém de Cima, passou a ser explorado pelo 2º R. logo que cessou a exploração pela 1ª R.;
§ - O 2º R. passou a desenvolver aí a mesma actividade de café e restaurante a partir de 1.8.2000;
§ - Nem nos 15 dias anteriores à transmissão, nem posteriormente, foi afixada nas referidas instalações qualquer aviso para que os trabalhadores reclamassem os créditos vencidos nos seis meses anteriores à referida transmissão;
§ - Os 2º e 3º RR. casaram um com o outro no dia 14 de Outubro de 1989, com convenção antenupcial, sob o regime da comunhão geral de bens;
§ - O 2º R. passou a explorar o restaurante ‘E...’ no desenvolvimento de uma actividade económica por conta própria;
§ - A 1ª R. não permitiu mais à A. continuar a prestar os seus serviços a partir do dia 31 de Julho de 2000;
§ - A A. não recebeu qualquer nota de culpa indiciadora da existência de processo disciplinar;
§ - Através de escritura pública de ‘locação de estabelecimento comercial’, outorgada a 3.9.1996 no Cartório Notarial de Sever do Vouga, lavrada a fls. 79-81 do Livro 2-D, os então proprietários do estabelecimento ‘E...’ (H...e J...) deram-no de locação à sociedade ‘B..., assim formalizando um contrato que já vinha vigorando desde 1.8.95;
§ - Nos termos daquele contrato (cláusula 1ª), o prazo de duração do contrato era de 5 anos, considerando-se renovado por iguais períodos de duração, enquanto não fosse denunciado por qualquer das partes, denúncia que deveria ser feita com a antecedência mínima de 60 dias relativamente ao termo do prazo inicial ou dos períodos de renovação que se lhes seguirem;
§ - Com a formal extinção do contrato de locação do estabelecimento comercial celebrado entre os proprietários do estabelecimento e a pessoa que até então (31.7.95) o explorava, a 1ª R. tomou de locação aquele estabelecimento e, no âmbito da actividade que se propunha desenvolver, manteve a A. a trabalhar no mesmo estabelecimento, agora ao seu serviço subordinado;
§ - Através de carta datada de 9.5.2000, remetida sob registo com A/R a 23.5.2000, a recebida pela R. a 24.5.2000, os proprietários do estabelecimento, usando da faculdade que lhes conferia a cláusula 1ª do contrato de locação de Estabelecimento Comercial celebrado com a R. ‘B...’, denunciaram o contrato para o fim do prazo, ou seja, para 2.8.2000, com a antecedência legal;
§ - A 1ª R. não dispunha de outro estabelecimento comercial que lhe permitisse continuar a exercer a sua actividade e objecto social.
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2 – O DIREITO
Demandando simultaneamente a R. sociedade «B...» e C... e mulher D..., o A. formulou, a final, como já se referiu, um pedido principal (a condenação da 1ª R. no pagamento das quantias que discriminou, a título de 45 dias de aviso prévio em falta e de compensação pelo despedimento, com juros moratórios, com os segundo e terceiro RR. condenados como responsáveis solidários) e um pedido subsidiário (a condenação da 1ª R. no pagamento das quantias relativas à remuneração dos 30 dias que antecederam a propositura da acção, das prestações que se vencerem a partir da data da propositura da presente acção e até à data da sentença e da indemnização de antiguidade, tudo também com juros moratórios, com os segundo e terceiro RR. condenados como responsáveis solidários).

A sentença ora sob protesto, julgando a acção procedente, acolheu a pretensão consubstanciada no pedido subsidiário.
A estrutura da sua argumentação jurídica assentou basicamente nas premissas de que, quanto à condenação da 1ª R., esta, ao fazer cessar o contrato de trabalho com a invocação dos motivos que pretextou, não cumpriu alguns dos requisitos previstos na Lei para que a extinção pudesse considerar-se válida e regular, sendo as consequências da respectiva nulidade as previstas no art. 13º para o despedimento declarado ilícito, 'ut' art. 32º/3 da LCCT (DL. nº 64-A/89, de 27/2).

Relativamente à responsabilização solidária dos 2º e 3º RR. buscou-se fundamento na previsão do art. 37º da LCT, maxime na normatividade iniludivelmente abrangente do seu nº 4, em cujos termos o que nele se dispõe é aplicável, com as necessárias adaptações, a quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento.

Isto posto:
No termo das suas prolixas (embora doutas) alegações/conclusões, os RR./apelantes visam afinal a absolvição de C... e mulher D... dos pedidos contra eles formulados... aceitando a condenação da 1ª R., ‘B...’, no pagamento à A. apenas e tão-só da quantia de 1.980,98 Euros (1.758,26 Euros de indemnização de antiguidade e 222,72 Euros da indemnização pelo período de aviso prévio em falta).

O objecto da impugnação – que se afere e delimita, como é sabido, pelo teor do acervo conclusivo – circunscreve-se, assim, em síntese, a duas questões fundamentais, que passamos a tratar, na sequência.

2.1 –
Tendo presente, dentre o rol dos factos seleccionados, que:
- A A. foi admitida em 1990 para trabalhar, por tempo indeterminado, como ajudante de cozinha, no estabelecimento de restaurante e café denominado ‘E...’ – na altura explorado por um tal I... – exercendo as respectivas funções sob as ordens, orientação e fiscalização dos antecessores da 1ª R. e dos segundo e terceiros RR. na exploração do dito estabelecimento, e que a partir de Agosto de 1995 o mesmo estabelecimento passou a ser explorado pela 1ª R., ‘B...’, continuando a A. a exercer as mesmas funções, agora ao serviço da 1ª R.;
- Em 19 de Junho de 2000 a A. recebeu em sua casa a carta cuja cópia constitui o doc. nº4, junto com a Petição Inicial, datada de 1 de Junho desse ano, cujo teor integral se tem aqui por reproduzido;
- Sendo que nela a R., invocando motivos estruturais e condições de ordem contratual de cedência de exploração do estabelecimento, (grifámos), comunicava à A. que iria encerrar a sua actividade a partir do dia 31 de Julho desse ano, data a partir da qual deveria considerar-se desvinculada da firma;
- E mais sendo certo que o identificado estabelecimento não encerrou e começou a ser explorado a partir do dia 1.8.2000 pelo 2º R., logo que cessou a exploração pela 1ª R., mantendo o mesmo nome de ‘E...’ – sublinhado agora ;
- Com o 2º R. a desenvolver aí a mesma actividade de café e restaurante;
- Não permitindo mais a 1ª R. à A. continuar a prestar os seus serviços a partir do dia 31 de Julho desse ano de 2000;.
- Os proprietários do estabelecimento comercial ‘E...’ deram-no em locação à sociedade 1ª R., conforme escritura pública de ‘locação de estabelecimento comercial’, outorgada no Cartório Notarial de Sever do Vouga, assim formalizando um contrato que já vinha vigorando desde 1.8.95, sendo o prazo de duração do contrato de 5 anos;
- Por carta datada de 9.5.2000, os proprietários do estabelecimento denunciaram o contrato para o fim do prazo, ou seja, para 2.8.2000, com a antecedência legal;
- A 1ª R. não dispunha de outro estabelecimento comercial que lhe permitisse continuar a exercer a sua actividade e objecto social...
...Vejamos então.

O presente caso encerra a sua especificidade, contendo alguns aspectos peculiares que demandam cuidada reflexão.

Antes de mais, afigura-se-nos que, na tese da contestação da R. ‘B...’ – art. 37º e sts. da defesa, a fls.84 – a cessação da sua actividade por força da denúncia do contrato de locação de estabelecimento comercial onde operava, (determinando, como aí alegado, a impossibilidade superveniente e imprevista, por causa que não lhe foi imputável, de continuar a sua exploração, e a extinção de todos os postos de trabalho dos seus trabalhadores – da A. e dos demais), seria susceptível de constituir-se em causa de caducidade do contrato (art. 4º da LCCT), que não, propriamente, na invocada situação a que respeitam os arts. 26º, 27º e seguintes do DL. nº 64-A/89, de 27/2, uma vez que os motivos estruturais conducentes ao encerramento definitivo da empresa a que a norma (alínea c) do nº1 do art. 26º) se refere são, para o caso, (como se depreende, desde logo da respectiva epígrafe da Secção II do Diploma e da epígrafe do art. 26º que a abre), os especificamente provocados por desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade ou substituição de produtos dominantes.

Todavia, sempre a invocação de tal quadro exceptivo e a demonstração da verificação/factualização dos seus pressupostos (impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o empregador continuar a receber o trabalho) constituiria ónus da R., que não se mostra satisfeito, não bastando, para o efeito, a nosso ver, o facto de a R. sociedade (item 25 do respectivo alinhamento) não dispor de outro estabelecimento comercial que lhe permitisse continuar a exercer a sua actividade e objecto social.

Deixamos esta observação, ‘a latere’, que nos foi suscitada pela análise cursiva dos contornos do litígio, não obstante essa perspectiva do problema não integrar o ‘thema decidendum’ que nos toma – como é óbvio – já que os RR. apelantes, (mais exactamente a 1.ª R.), não se insurgem contra a solução encontrada, no que tange ao quadro da respectiva subsunção legal, que, aliás, assim identificaram ‘ab initio’vide, v.g., os artigos 51º a 54º da contestação.


A reacção da 1.ª R./recorrente contra o ajuizado – constitutiva da primeira questão, ‘proprio sensu’ – analisa-se em saber afinal se apenas é responsável, como propugna, pelo pagamento à A. da compensação prevista na alínea e) do nº1 do art. 27º da LCCT, correspondente ao período em que a A. esteve efectivamente ao seu serviço, acrescida da indemnização devida pelo prazo de aviso prévio em falta (tudo somando a quantia de 1.980,98 Euros, nas suas contas), ou se devem manter-se, antes, a lógica e sentido da sentença que a condenou, (na sequência da consideração da nulidade da cessação do contrato de trabalho), no pagamento das importâncias previstas no art. 13º da mesma Lei para o despedimento declarado ilícito.
Ora, ante o contexto legal em causa, em cujo âmbito se dirime a questão e que não se contestou, antes pelo contrário..., como tal se respeitando pois não é controvérsia que integre o objecto do recurso, como se disse e com arrimo na factualidade adrede fixada, não parece oferecer discussão sustentável que a validade da cessação do contrato de trabalho estivesse sujeita a um conjunto de condições e requisitos formais que a R./recorrente sociedade ‘B...’ não satisfez – cfr. arts. 27º a 30º – sendo necessariamente nula a cessação do contrato ante a verificação de vários dos vícios elencados, como decorre do cominado no art. 32º da Diploma (LCCT), com as consequências previstas no art. 13º para o despedimento declarado ilícito.

Não vemos por isso fundamento jurídico para a pretensão da R. sociedade ao pretender ver a sua responsabilidade limitada apenas à indemnização parcial da antiguidade da A. e ao diferencial relativo ao aviso prévio em falta.
A A. foi admitida ao serviço do estabelecimento de café e restaurante denominado ‘E...’ em 1990, por tempo indeterminado, continuando a exercer aí as contratadas funções de ajudante de cozinha, ininterruptamente, e assim também desde que o dito estabelecimento passou a ser explorado pela R. ‘B...ª’, a partir de Agosto de 1995 e até 31 de Julho de 2000...
A sua antiguidade reporta-se necessariamente ao início da sua admissão ao serviço do/no estabelecimento, enquanto unidade económica ‘a se’, a 1990, independentemente da pessoa física que então o geria e com quem contratou, e a R., tendo ‘recebido’ o estabelecimento, e com ele a A., que nele sempre trabalhou, de forma regular e continuada, não pode ignorar essa realidade e enjeitar a correspondente obrigação, como melhor se explicitará ao abordarmos a questão seguinte.

Não podendo a solução da problemática decidenda ser perspectivada em termos puramente civilistas – conforme cremos e adiante tentaremos demonstrar com a desejada suficiência – a pretensão da R./recorrente é, salvo o devido respeito, inconsistente.

A mesma falta de suporte legal é patente relativamente ao mais, quando, como se disse, as consequências da declarada nulidade da cessação do contrato se escrutinam à luz da previsão do art. 13º (sempre da LCCT).
___

2.2 –
Importa aqui dilucidar a problemática relativa à determinada responsabilização solidária dos 2.º e 3.º co-RR., C... e D....

Vamos ver então – ‘hoc opus hic labor est’ – como solucionar juridicamente a questão que resulta do confronto entre a tese civilista dos RR./recorrentes e a teleologia plasmada no art. 37º da (então vigente e ainda aqui aplicável) LCT, ante a evidente urgência de uma interpretação actualista e dinâmica da sua normatividade, maxime à luz do direito Comunitário e da Jurisprudência que se vem criando a nível do Tribunal de Justiça da CE no que toca à matéria relativa à transmissão do estabelecimento no Direito do Trabalho.

É pertinente lembrar liminarmente, como quadro factual relevante, que o estabelecimento onde a A. sempre exerceu as contratadas funções de ajudante de cozinha já corria com o nome comercial de ‘E...’, assim se mantendo inalterado desde a sua admissão e até ao presente, nomeadamente a partir do dia 1.8.2000, data em que assumiu a sua exploração o 2.º R., sendo que nele sempre foi desenvolvida a mesma actividade de café e restaurante...
E que, por outro lado, os então proprietários da Estabelecimento Comercial ‘E...’, (H... e J...), o deram de locação à 1.ª R. ‘B...’, por escritura pública, formalizando em Janeiro de 1996 um contrato que já vinha vigorando desde 1.8.1995...
E ainda que estes, usando de faculdade prevista no contrato, o denunciaram para o fim do prazo acordado, ou seja, 1.8.2000, sendo que o Estabelecimento não encerrou e passou imediatamente a ser explorado a partir desse dia 1.8.2000 pelo 2º R., que manteve o nome do dito e deu continuação, como se disse, à actividade de café e restaurante que aí sempre se desenvolveu.

Reza assim, no essencial, o art. 37º da LCT:
1. A posição que dos contratos de trabalho decorre para a Entidade Patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade...salvo se, antes da transmissão, o contrato de trabalho houver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento...
2. O adquirente do estabelecimento é solidariamente responsável pelas obrigações do transmitente vencidas nos seis meses anteriores à transmissão...
... ...
4. O disposto no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, a quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento’.


Não nos diz a Lei o que deve entender-se pela expressão transmissão do estabelecimento.
Intui-se, não obstante, que o legislador de então pretendeu consagrar uma noção ampla, ao usar na letra da norma os termos ‘por qualquer título’, de modo a abranger todas as hipóteses em que a titularidade do estabelecimento comercial ou industrial se transfere de um sujeito para outro, como expressivamente anotam Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, in ‘Comentários às Leis do Trabalho’, Vol. I, Edição ‘Lex’, pg. 176, cuja reflexão seguimos de perto, porque absolutamente pertinente e consentânea com a nossa perspectiva e entendimento.
A elaboração doutrinal e jurisprudencial à volta deste conceito aponta, no decurso do tempo, no sentido de nele se englobarem as mais diversas hipóteses, dando-se como alguns exemplos delas, retirados da casuística, o trespasse do estabelecimento, a transmissão decorrente da venda judicial, a mudança de titularidade por força da fusão ou cisão de sociedades, e mesmo a aquisição por transmissão inválida, etc.
E os mesmos autorizados comentadores dão nota de que o facto de não existir uma ligação directa entre os sucessivos locatários não obsta – e citamos – a que se verifique, no plano dos factos e também no jurídico, uma verdadeira continuidade do estabelecimento...mesmo que o meio jurídico através do qual se processou a alteração do respectivo titular não seja qualificável como uma verdadeira ‘transmissão’.
Como vaticinam, o entendimento oposto não poderá manter-se por muito mais tempo face às regras adrede prevalecentes do Direito Comunitário, identificando-se, a propósito, a Directiva nº 77/187/CEE, de 14 de Fevereiro, relativa à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, de estabelecimentos ou de parte de estabelecimentos, a qual se vem entendendo como de aplicação nas situações em que não exista qualquer vínculo jurídico entre os sucessivos cessionários.
Em tais circunstâncias – preconizam em conformidade– o critério determinante para a identificação da transferência ou transmissão do estabelecimento reside na conservação da sua identidade e na prossecução da sua actividade, importando sim saber se o cessionário tomou a exploração de uma empresa ou estabelecimento que estava e continua em actividade...e não tanto a existência ou não de uma ligação de direito entre os sucessivos cessionários.
O que aqui releva – como concluem, ante a filosofia subjacente ao regime laboral da transmissão – é que esta diga respeito a um estabelecimento, entendido enquanto uma ‘organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria’.
(Para maiores desenvolvimentos acerca da interpretação e critérios relevantes na definição do conceito em causa, a nível do TJCE, vide, por todos, in ‘Questões Laborais’ nº 20, Ano IX, 2002, pg. 203 e seguintes, o estudo aí desenvolvido por Joana Simão.
Veja-se ainda Pedro Romano Martinez, ‘Direito do Trabalho’, Almedina, pg. 681, e Júlio Gomes, aí citado, in ‘Estudos do Instituto de Direito do Trabalho’, Vol. I, Coimbra, 2001, pg. 482 e sts.).

Sobre a abertura da Jurisprudência do nosso Tribunal Supremo a uma interpretação mais lata e abrangente da noção em causa, plasmada no falado art. 37º da LCT, por forma a compaginá-la com as exigências normativas e o entendimento do Tribunal de Justiça da CE sobre a matéria, vemos sinais claros, por exemplo, no Acórdão do STJ de 27 de Setembro de 2000, publicado no BMJ nº 499, pg. 273 e seguintes, em cujo sumário – onde se sintetiza naturalmente a essência da respectiva fundamentação, para aí se remetendo para maiores desenvolvimentos – se consigna que ‘Para se determinar se existe uma situação de transmissão de empresa para efeitos do art. 37º da Lei do Contrato de Trabalho – manutenção da identidade económica da empresa, estabelecimento ou parte dele – não é necessário que existam relações contratuais directas entre o ‘cedente’ e o ‘cessionário’;
...A transferência poderá também efectuar-se em duas fases, ou até por intermédio de um terceiro, importando tão-somente a conservação da identidade do estabelecimento e a prossecução da respectiva actividade, ou seja, que a exploração da empresa seja prosseguida sem interrupção pelo novo adquirente’.

E mais recentemente o mesmo Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 22 de Setembro de 2004, publicado no último Tomo da Colectânea de Jurisprudência/STJ, (Ano XII, Tomo III, pg. 254), acabado de distribuir onde se dá nota da evolução do Direito Comunitário constante da falada Directiva n.º 77/187/CEE, de 14.2.1977, e da subsequente, a nº 2001/23/CE, transposta para a ordem jurídica interna, que perfilhamos, (aderindo à respectiva exposição e remetendo para os seus fundamentos, a fim de evitar propositadamente fastidiosas repetições) assume implicitamente, naquilo que interessa concretamente à questão aqui decidenda, uma interpretação de estabelecimento coincidente com a acima expendida, considerando como transmissão relevante do estabelecimento, para o efeito em causa, a que tenha como objecto a sua transferência de facto para outra Entidade Patronal.

Ante a teleologia daquela norma do art. 37º da LCT e a economia daquela Directiva e demais Regulamentação Comunitária identificada, dúvidas não se nos põem de que o claro escopo do Legislador foi/é o de proteger os trabalhadores e manter os seus direitos no caso de troca de empresário.

Acertando o passo com esta visão da realidade, veja-se que o (novo) Código do Trabalho – art. 318º – assimilou já as sobreditas noções, com os contornos preconizados, ao tratar da ‘Transmissão da Empresa ou Estabelecimento’, alterando a previsão homóloga do art. 37º, em conformidade.
Como decorre dos seus nºs 1, 3 e 4 ...em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa...ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente (sublinhado agora) a posição jurídica do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores’..., respondendo solidariamente o transmitente, no ano subsequente à transmissão, pelas obrigações vencidas até à data daquela, sendo que o acima disposto se aplica igualmente ‘à transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica’.


Tudo isto ponderado e considerando, concretamente, com arrimo na factualidade fixada, que:
- a 1ª R., a sociedade ‘B...’, invocando motivos estruturais, comunicou à A. que iria encerrar a sua actividade ‘devido à cedência da exploração do estabelecimento a partir de 31 de Julho de 2000, data a partir da qual a A. se devia considerar desvinculada da 1ª R.’;
- o estabelecimento onde a A. trabalhava não encerrou e começou a ser explorado no dia seguinte, ou seja, em 1.8.2000, pelo 2º R., mantendo o mesmo nome de ‘E...’ e desenvolvendo a mesma actividade de café e restaurante;
- o que releva, para os particulares efeitos da previsão da norma relativa à ‘transmissão do estabelecimento’ é a manutenção da identidade económica do estabelecimento e a prossecução da sua actividade pelo novo titular, não sendo necessário que existam propriamente relações contratuais directas entre ‘cedente’ e cessionário’;
- a extinção formal do contrato de locação do estabelecimento entre a 1.ª R. e os seus proprietários e a imediato início de exploração daquele pelo 2º R., (já anunciada, de algum modo, pela 1.ª R.... sendo um cenário simplesmente virtual ou ficcionado o de que ‘o estabelecimento ficou inactivo, livre e devoluto em poder dos respectivos proprietários’) em continuação da actividade aí desenvolvida, consubstanciando a chamada transferência em duas fases, com a mediação de um terceiro, na concretização de uma relação triangular, irreleva, neste contexto, face ao que se pretendeu acautelar com a previsão do art. 37º da LCT, apenas importando enquanto viabiliza a prossecução da exploração, sem interrupção, pelo novo adquirente;
- e que o contrato de trabalho em causa deixou de vigorar, antes da transmissão, não nos termos legais, (não se verificando a outra situação exceptiva prevista na Lei - nº1, 2ª parte, do art. 37º da LCT), não pode o adquirente do estabelecimento deixar de ser solidariamente responsabilizado, como foi.
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Daí que, em remate, se conclua que a aliás douta decisão impugnada percepcionou e interpretou correctamente a normatividade ínsita na falada disposição constante do art. 37º da LCT, compatibilizando a sua leitura com as normas e sentido da jurisprudência do Direito Comunitário sobre a versada problemática.
Não vemos nela, por isso, qualquer afronta às disposições legais ou Constitucionais referidas pelos Recorrentes, que, no que a estas toca, não especificaram minimamente onde e em que medida se objectiva essa pretensa violação.
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É tempo de terminar, improcedendo de todo as conclusões do recurso.

III - DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se negar provimento à apelação, confirmando a sentença impugnada.
Custas pelos RR./Recorrentes.
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