Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
428/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. SERRA BAPTISTA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
FALTA DE PAGAMENTO DO PRÉMIO
Data do Acordão: 04/27/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ART. 7º DO DL 142/00, DE 15 DE JULHO
Sumário:

1. Tendo o segurado sido avisado para proceder ao pagamento do prémio subsequente à renovação do contrato, nos termos e condições previstas no art. 7º do DL 142/00, de 15 de Julho, e não o fazendo até á data para tal estabelecida, constituiu-se em mora, tendo sido o contrato automaticamente resolvido, sem possibilidade de ser reposto em vigor, 30 dias após aquela mesma data.
2. Pago posteriormente o prémio que era devido, e na sua totalidade, tem o segurado direito a receber o estorno por aquilo que liquidou a mais.
3. E se este foi pago tardiamente pela seguradora, não terá esta, só por isso, procedido com má fé, podendo, quando muito, ter incorrido em mora, com eventual dever de indemnizar o segurado pelo retardamento da sua prestação.
Decisão Texto Integral:


Apelação nº 428/04

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


BB veio intentar acção com processo ordinário contra CC, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 18.988,86 euros, acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Alegando, para tanto, e em suma:
Em 12/9/2000 celebrou com a Ré um contrato de seguro a que corresponde a apólice nº 043/00911459/00 - multicomércio, para a qual transferiu o risco de furto ou roubo de mercadoria e quaisquer outros bens existentes no seu estabelecimento comercial.
Na madrugada do dia 20 para 21 de Maio de 2002, alguém, contra a vontade e consentimento da A., introduziu-se no aludido estabelecimento, forçando a porta, e de lá retirou diverso equipamento informático e outro, tal como melhor especificado é na sua p. i., no valor global de 18.346,90 euros.
A A. participou o sinistro à Ré e solicitou-lhe o reembolso dos prejuízos que sofreu.
Mas a Ré, não obstante o seguro ser válido e eficaz, nada lhe pagou.
Citada a Ré, veio a mesma contestar, alegando desconhecer se são verdadeiros os factos relativos ao alegado sinistro, dizendo ainda que o contrato aludido estava anulado à data daquele.
Replicou a A., pugnando pela validade do seguro.
Foi elaborado o despacho saneador, sem recurso, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.
Realizado o julgamento, decidiu a senhora Juíza a matéria de facto da base instrutória, pela forma que do seu despacho junto de fls 662 a 669 consta.
Foi proferida a sentença, na qual foi a acção julgada improcedente, com absolvição da Ré do pedido.
Inconformada, veio a A. interpor o presente recurso de apelação, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:
1ª - O Tribunal deve alterar a matéria de facto da deci-
são, nos termos do art. 712º, nº 1, al. c) do CPC, porquanto os documentos apresentados dizem respeito aos factos provados em 6., 8. e 9. e fazem prova de factos relevantes para a decisão da causa;
2ª - Devem ser aceites nos termos dos arts 706º com referência ao 524º, ambos do CPC, os documentos que agora se juntam, pelas razões também agora apresentadas;
3ª - Deve dar-se como provado além do envio do estorno pela apelada à apelante, que o mesmo foi enviado em 14/6/2002, seis meses e meio depois do pagamento do prémio;
4ª - Os factos indicados nos pontos 8. e 9. devem dar-se como não provados, alem de ser nulo o contrato de seguro, por falta de assinatura do tomador, ora apelante;
5ª - A não comunicação à apelante após o pagamento do prémio do seguro e a sua comunicação feita só seis meses depois e 24 dias após o sinistro - deve ser visto como uma falta do dever de diligência e dever de zelo que integram o princípio da boa fé;
6ª - A apelada criou deveres contratuais criando na apelante - devido ao envio tardio do estorno - expectativas que o contrato se mantinha válido;
7ª - A apelada forjando um contrato de seguro e enviando-o à apelante na mesma altura do envio do estorno, actuou de má fé;
8ª - E, consequência da actuação de má fé e de negligência da apelada deve esta ser condenada a pagar à apelante a indemnização correspondente ao valor dos bens subtraídos.
Junta dois documentos, nos termos do art. 706º com referência ao art. 524º, ambos do CPC.
A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido. E, quanto aos documentos ora juntos, diz que os mesmos não têm qualquer interesse para a decisão da causa.
Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

Vem dado como PROVADO da 1ª instância:

A A. exerce o comércio de compra e revenda de equipamento de telecomunicações, informático e de escritório - al. A) dos factos assentes;
A A. celebrou com a Ré um contrato de seguro a que corresponde a apólice nº 043/00911459/00 - multicomércio, pelo qual transferiu para esta o risco de furto ou roubo de mercadoria e quaisquer outros bens existentes no seu estabelecimento comercial, sito na Rua do Gravito, 62-B, freguesia de Vera Cruz, Aveiro, designadamente fotocopiadoras, computadores, telefaxes e demais mercadoria de natureza informática - al. B);
A A. participou à Ré a existência de um furto, ocorrido na madrugada de 20 para 21 de Maio de 2002 e solicitou-lhe o reembolso do valor dos prejuízos sofridos, invocando o aludido contrato de seguro - al. C);
O contrato mencionado em B) iniciou-se em 5/8/2000, apesar da respectiva apólice ter sido emitida em 2/9/2000, tendo a Ré informado a A., pelo menos numa primeira comunicação, que o prémio desse contrato deveria ser pago até ao dia 5/8/2001 - als D) e E);
A A. pagou o prémio mencionado em B) após 5/8/2001 e antes de 22/11/2001 - al. F);
A Ré processou a favor da A. o estorno do prémio mencionado em F) correspondente ao período do risco não ocorrido, aquando do pagamento do mencionado prémio, no valor de 86,13 euros - al. G);
A. e Ré celebraram o contrato de seguro a que corresponde a apólice nº 043/0093897/001-multicomércio, pelo qual a A. declarou transferiu para a Ré os riscos descritos na apólice constante de fls 45 a 47 (aqui dada por integralmente reproduzida) sob a epígrafe "garantias da apólice", nela constando como local do risco igualmente a Rua do Gravito, nº 62, freguesia de Vera Cruz, Aveiro, com data de 11/10/2001 - al. H);
Na madrugada de 20 para 21 de Maio de 2002, alguém forçou a entrada do estabelecimento da A., sito na dita Rua do Gravito, 62-B e contra a sua vontade e consentimento, dali retirou o material melhor discriminado na resposta dada ao quesito 2º - resposta dada ao quesito 1º;
Retirando também, de clientes seus, uma central telefónica
de marca Siemens Ricom Office point USV (4-8-12), de valor não apurado e um computador Pentium III 1000 Mhz, de valor não apurado - resposta ao quesito 3º;
A A. não fez até ao dia 4/9/2001 o pagamento do prémio do seguro do contrato referido em B) - resposta ao quesito 4º;
No contrato referido em B) existia uma franquia de 10% sobre o valor da indemnização, com o mínimo de 10.000$00 - resposta ao quesito 5º;
O contrato mencionado em H) visou substituir o referido em B), face ao não pagamento do prémio deste até 4/9/2001 - resposta ao quesito 8º.

Podendo, ainda, dar-se como assente, tendo em conta a apólice de seguro junta pela A., não impugnada pela parte contrária (apólice nº 043/00911459/000 junta de fls 8 a 10):

O contrato vence-se em 5 de Agosto e a forma de pagamento é anual.

*

I - Questão prévia - a da requerida junção dos documentos apresentados conjuntamente com a alegação da apelante:

Com a sua alegação de recurso veio a apelante, invocando o disposto no art. 706º com referência ao art. 524º, ambos do CPC e alegando, a propósito, ter estado impedida de o fazer até ao momento, face ao seu extravio - só agora sendo encontrados - já que o seu estabelecimento foi assaltado, tendo depois mudado de instalações - o que provocou a perda de vários documentos - juntar um cheque do BBVA emitido pela ora Ré apelada com data de 14/6/2002, no montante de 167,09 euros, a seu favor e uma carta registada, com a mesma data e que acompanhava o mencionado título de crédito.
A apelada, nas suas contra-alegações, não se opondo propriamente à junção dos documentos neste momento processual, vem dizer que os mesmos são irrelevantes para a decisão da causa.

Vejamos:
Determina, a propósito, o art. 524º, nº 1 do CPC que depois do encerramento da discussão - momento final até ao qual os documentos podem ser apresentados na 1ª instância (art. 523º, nº 2) - só são admitidos no caso de recurso, aqueles cuja apresentação não tenha sido possível até tal momento - cfr. ainda, art. 706º, nº 1, 1ª parte.
Tratando-se, aqui, e tal como alega o apelante, de um caso de superveniência subjectiva, baseada em extravio dos aludidos documentos face a até agora ter estado impedida de o fazer, devido ao assalto/furto de que a apelante foi vítima e à mudança de instalações, o que originou a perda de vários documentos - A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, p.
522 e seg.
Não estando, assim, tais documentos na sua disponibilida-
de até ao momento do encerramento da discussão da causa, há que presumir-se. Sendo, porém, necessário, para que a junção seja lícita - pois a junção de documentos na fase de recurso reveste carácter excepcional, só devendo os mesmos ser admitidos nos casos especiais previstos na lei - Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, p. 146 e Ac. do STJ de 24/10/95, CJ S., Ano III, T. 3, p. 78 - que a parte demonstre, tendo de assim convencer o tribunal, que não lhe foi possível fazê-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância.
O que in casu, salvo o devido respeito, não logrou fazer.
Quanto á mudança de instalações, e desde logo, jamais tal facto foi alegado, desconhecendo-se de todo em todo se ele existiu e, nessa eventualidade, quando terá tido lugar. Bem como, se por isso se extraviaram documentos - estamos aqui perante originais - se a ora requerente de tal foi a única e exclusiva culpada ou se o ora narrado facto sucedeu por qualquer outra razão.
De qualquer modo, sempre a apelante poderia ter pedido prazo para o fazer, alegando na 1ª instância, em devido tempo, a eventualidade a que agora quer deitar mão.
Quanto ao assalto de que foi vítima, o mesmo terá ocorrido na noite de 20 para 21 de Maio de 2002.
Os originais cuja junção ora pretende têm data de 14 de Junho de 2002.
Pelo que não poderiam jamais ter sido extraviados em consequência de tal sinistro.
Os documentos em apreço, face á intempestividade da sua junção, não podem ser admitidos.
Por isso, serão desentranhados e entregues à parte.

II - Da apelação:

São as seguintes as questões que a apelante nos coloca e que aqui terão de ser decididas:
1ª - A alteração da matéria de facto respeitante aos pontos 6, 8 e 9;
2ª - A violação dos deveres de diligência e zelo por banda da apelada e a actuação desta de má fé

Entremos, pois, na apreciação e decisão das mesmas:

Comecemos pela primeira:
Pretende a apelante a alteração dos factos provados respeitantes aos pontos 6, 8 e 9.
O que o senhor Juiz chama de ponto 6 na resposta à matéria de facto foi eliminado por despacho proferido em audiência de julgamento, sem qualquer reparo das partes.
O facto nº 6 a que o senhor Juiz alude na sua sentença corresponde à al. G) da factualidade dada por assente, da qual não houve sequer oportuna reclamação. Tendo tal alínea resultado de reclamação da Ré feita em audiência de julgamento, decidindo, então, o senhor Juiz que a mesma haveria de ser dada como assente por ter sido pela A. aceite (fls 656 e 657).
Tal despacho, em si mesmo, não se mostra impugnado no recurso interposto da decisão final, ou seja, nesta apelação - cfr. art. 511º, nº 3 do CPC.
O que temos é a apelante (agora representada por outro ilustre advogado, que subscreve a alegação de recurso, por renúncia dos anteriores mandatários da A. após o julgamento) a vir pretender provar a data do envio do estorno a que tal alínea se refere, não tendo, contudo, e desde logo, tal matéria sido objecto de oportuna alegação (art. 664º do CPC).
Mas também os documentos que essa data poderiam comprovar - a mesma, como se disse, jamais é falada nos autos até agora - foram mandados desentranhar, não sendo, por isso, atendidos. E com isto não se está a significar que os documentos ora juntos pudessem comprovar a tese nesta alegação de recurso defendida.
O facto nº 6 será, assim, mantido.
Impugna, também, a A. o facto nº 8, que diz na sentença ter sido dado como provado com esta redacção:
"A Ré processou a favor da A. o estorno do prémio mencionado em 5, correspondente á apólice, pela qual a A. declarou transferir para a Ré os riscos descritos na apólice de fls 45 e 47 sob "garantias da apólice", nela constando o local do risco, igualmente a Rua do Gravito, nº 62, freguesia de Vera Cruz, concelho de Aveiro, contrato que tem a data de início de 11/10/01".
Contudo, e desde logo, tal facto nº 8, na sentença recorrida, tem a precisa redacção da al. H), que atrás está devidamente transcrita.
Não se percebe, assim - nem tal se pode aceitar, já que não é a parte que fixa os factos no processo - a razão de ser de tal discrepância.
De qualquer modo, vem agora a A. dizer que o contrato titulado pela apólice 043/0093897/001-multicomércio é inválido, por não estar assinado pelo tomador (fls 45 e 47).
Trata-se de uma mera cópia que está junta aos autos, a qual, de facto, não está assinada pelo tomador.
Obrigando a lei a que a apólice - estamos perante uma apólice e não perante uma mera minuta - seja datada e assinada pelo segurador - art. 426º, § un. do CComercial e Assento do STJ de 22/1/29.
Estando-se agora perante uma questão nova, que jamais foi suscitada na 1ª instância e que, por isso, o senhor Juiz a quo não tinha de resolver.
Não podendo esta apelação dela tratar, certo sendo que ela não é de conhecimento oficioso.
Pelas mesmas razões não podendo esta Relação tratar da questão suscitada na alegação de recurso quanto a tal apólice ter sido pela apelada forjada quando enviou o estorno à apelante.
Pois nunca a mesma foi suscitada na 1ª instância.
O mesmo se passando quanto ao facto nº 9 que o senhor Juiz a quo deu como provado na sua sentença.
Correspondendo ele à matéria que deu como provada na resposta ao quesito 8º.
Que aqui não pode ser alterada, já que nenhum dos pressupostos da sua modificabilidade, prescritos no art. 712º, nº 1 do CPC.
Tal facto, manter-se-á, pois.

*

Agora, a segunda questão:

Entende a apelante que a apelada violou os deveres de diligência e zelo que integram o princípio da boa fé, por não lhe ter comunicado, após o pagamento tardio do prémio de seguro, que o contrato estava resolvido. Só o tendo feito seis meses e meio depois e 24 dias após o sinistro.
Tendo violado deveres contratuais, devido ao envio tardio do estorno, criando na apelante expectativas da validade do seguro.
Tendo, assim, conclui, actuado de forma negligente e de má fé, deverá a apelada ser condenada a pagar indemnização correspondente ao valor dos bens furtados.

Comprovado o sinistro ocorrido na noite de 20 para 21 de Maio de 2002 e a celebração do contrato de seguro entre A. e Ré, titulado pela apólice nº 043/00911459/00 - multicomércio, o qual teve o seu início em 5/8/2000, veio a aqui apelada excepcionar a sua obrigação de pagamento dos danos alegados pelo facto de a ora apelante não ter pago tempestivamente o prémio devido.
Tendo ficado provado que a Ré, pelo menos numa primeira comunicação, informou a A. que o respectivo prémio deveria ser pago até ao dia 5/8/2001 - al. E) dos factos assentes.
E que a A. não procedeu ao pagamento do prémio até 4/9/2001, tendo-o feito em data posterior, antes de 22/11/2001 - al. F) e resposta ao quesito 4º.
Bem que a Ré processou a favor da A. o estorno de tal prémio, correspondente ao período não decorrido aquando do seu pagamento, no valor de 86,83 euros - al. G).

Como é sabido e não estará em causa os intervenientes do contrato de seguro têm obrigações a cumprir, resultando umas delas da lei e outras das convenções da apólice.
Das obrigações legais, resultam a obrigação do segurado pagar o prémio e a da seguradora de realizar a prestação convencionada em caso de risco.
Sendo o prémio do seguro elemento essencial do contrato em apreço.
Tendo este o seu vencimento em 5 de Agosto e a forma de pagamento anual - cfr. apólice de fls 8 a 10.
Aplicando-se-lhe o regime jurídico do pagamento de prémios
regulado pelo DL 142/2000, de 15 de Julho, entrado em vigor 1 de Outubro de 2000 (tendo havido uma extensão da vigência do regime anterior previsto no DL 105/94, de 23 de Abril até 31 de Dezembro de 2000 (DL 248-B/2000, de 12 de Outubro), por força do estipulado na parte final do seu art. 15º, nº 1. Já que tal regime se aplica, na data das respectivas renovações, aos contratos já existentes. Estando em causa a renovação iniciada em 5 de Agosto de 2001.

Ora, quanto aos prémios subsequentes - já que não está em causa o inicial - determina o art. 7º daquele diploma legal:
"1 - A empresa de seguros encontra-se obrigada, até 30 dias antes da data em que os prémios ou fracções subsequentes sejam devidos, a avisar, por escrito, o tomador do seguro, indicando a data do pagamento, o valor a pagar e a forma de pagamento.
2 - Do aviso a que se refere o número anterior devem obrigatoriamente constar as consequências da falta do pagamento do prémio ou fracção, nomeadamente a data a partir do qual o contrato é automaticamente resolvido, nos termos do artigo seguinte.
3 - Recai sobre a empresa de seguros o ónus da prova relativo ao envio do aviso a que se refere o presente artigo."
Prescrevendo o art. 8º seguinte:
"1 - Na falta do pagamento do prémio ou fracção na data indicada no aviso referido no artigo anterior, o tomador do seguros constitui-se em mora e, decorridos que sejam 30 dias após aquela data, o contrato é automaticamente resolvido, sem possibilidade de ser reposto em vigor.
2 - Durante o prazo referido no número anterior o contrato produz todos os seus efeitos".
Dispondo, ainda, o art. 10º do mesmo diploma legal:
"A resolução nos termos do nº 1 do artigo 8º, não exonera o tomador do seguro do pagamento dos prémios ou fracções em dívida correspondentes ao período em que o contrato esteve em vigor, acrescidos das penalidades contratualmente estabeleci-
das, bem como (...)".

Assim, não tendo a A. posto em causa ter sido pela Ré avisada para pagar o prémio subsequente à renovação do contrato de seguro, nos termos e nas condições previstas no art. 7º citado e não tendo sido pago o prémio na data estabelecida na apólice (5 de Agosto de 2001), constitui-se em mora, tendo sido o contrato automaticamente resolvido, sem possibilidade de ser reposto em vigor no dia 4 de Setembro seguinte.
Pois que até esse dia ela não procedeu, como lhe incumbia, ao pagamento do prémio que era devido.
E, tendo pago, depois daquela data o prémio, por certo na sua totalidade, terá tido direito a receber estorno - designa-
ção dada ao documento que titula a devolução de parte do prémio já pago e não devido - por aquilo que liquidou a mais (art. 10º atrás citado).

Tendo o referido DL 142/2000 visado introduzir alterações que disciplinem e tornem mais equilibradas as relações contratuais entre empresas de seguros e segurados - relatório do mesmo diploma legal. Resultando, em grande medida, da necessidade de se por fim ao crescente incumprimento de pagamento de prémios propiciado pela anterior legislação (DL 105/94, de 23 de Abril) e aos inevitáveis prejuízos causados pela conduta dos tomadores inadimplentes, com repercussão no montante dos prémios a pagar pelos cumpridores.
Tendo tal regime jurídico carácter imperativo, sendo, em regra, indisponível da liberdade contratual - Manuel da Costa Martins, "Regime Jurídico do Pagamento de Prémios de Seguros", III Congresso Nacional de Direito de Seguros (30/10/2002).

Vigorando, mormente para as normas imperativas, o princípio segundo o qual o a ignorância ou a má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas - art. 6º do CC.
O que não afasta a relevância que o eventual erro de direito possa assumir nas relações contratuais das partes - M. Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II vol., p. 243.
Vício esse que a apelante não invoca sequer.

Sendo óbvio que o contrato em apreço tem, não só que estar conformado de acordo com os ditames da boa fé, como as partes devem essencial obediência a tal princípio em todas as suas relações, mormente no cumprimento das obrigações que sobre ambas recaem - art. 762º, nº 2 do CC.
Impedindo o mesmo princípio que alguém exerça o seu direito em contradição com a sua conduta anterior na qual a outra parte tenha confiado (RLJ Ano 105º, p. 28).
Devendo, por força de tal princípio, a conduta de ambas as partes que entre si celebraram o contrato ser presidida pelos ditames da lealdade e da probidade.
Desdobrando-se o mesmo princípio numa série interminável de deveres secundários de prestação e principalmente de deveres acessórios de conduta que recaem por igual sobre os sujeitos da relação jurídica (RLJ Ano 106º, p. 52).
E, sempre que da boa fé derivem regras de conduta e que, pela violação destas, se pergunte por eventual dever de indemnização, a culpa intervém no papel normal que lhe compete. Sendo a prevaricação, nessa altura, dolosa ou negligente, consoante o agente tenha atentado directa, necessária ou eventualmente com o bem acautelado pela boa fé ou o tenha feito apenas com desrespeito pelos deveres de cuidado - Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, p. 1225.

Ora, já vimos que a apelada seguradora não tinha que informar a apelante da resolução do contrato, após esta, de forma automática, se ter verificado face ao seu inadimplemento.
Também desconhecemos o momento do envio do estorno, apenas se sabendo, com certeza, que o mesmo foi processado a favor da apelante.
Mas, mesmo atendendo que tal estorno foi remetido à tomadora do seguro tardiamente, jamais teria esta, por tal facto, direito à indemnização correspondente ao valor do sinistro.
Não havendo qualquer princípio geral de direito que tal impusesse.
Quando muito, poderia a seguradora ter ficado em mora, que a levasse a indemnizar a apelada por essa razão e na medida apemas do eventual retardamento da prestaçãoa seu cargo.
Mas não é isso o que a ora recorrente pretende.

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Face a todo o exposto, acorda-se nesta Relação em:
a) não admitir a ora requerida junção dos documentos, por banda da apelante, os quais, por isso, serão mandados desentranhar, com a consequente entrega à mesma.
Custas do incidente a seu cargo;
b) julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.