Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3026/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
ACRÉSCIMO DE 10 DIAS AO PRAZO NORMAL DE APRESENTAR ALEGAÇÕES
Data do Acordão: 11/30/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALBERGARIA-A-VELHA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 698º, Nº 6, DO CPC
Sumário: I – Admitido o recurso, ao recorrente passam a caber dois ónus, expressos no artº 690º CPC e que são o ónus de alegar e o de formular conclusões .
II – É nas alegações que cabe ao recorrente expor os motivos da sua impugnação, explicitando as razões porque entende que a decisão é errada ou injusta, através da argumentação sobre os factos, o resultado da prova e a interpretação e aplicação do direito .
III – O recorrente não tem o dever de definir no requerimento de interposição do recurso qual o objecto do mesmo, isto é, não tem de dizer se pretende ou não impugnar a matéria de facto, cabendo ao tribunal admitir essa possibilidade nos casos de julgamento com gravação de prova .
Decisão Texto Integral:
Acordam na Relação de Coimbra:

I – No tribunal supra referenciado e na esteira de uns embargos de terceiro apensados à execução ordinária nº 288/97 do 2ª Juízo em que é exequente a A... e executadas B... e ...C, embargos esses movidos por D... contra a exequente e devidamente contestados, veio depois da pertinente audiência com gravação dos depoimentos, a ser proferida sentença em 16 de Fevereiro findo que julgou os mesmos improcedentes.
A embargante, devidamente notificada, logo interpôs recurso, através do requerimento de fls 255, com uso da habitual e sintética forma sacramental « por não se conformar com a aliás douta sentença proferida, vem dela interpôr recurso que é de apelação ...».
Admitido tal recurso por despacho proferido a fls 257 e com a data de 5 de Março seguinte, foi este notificado à embargante por carta expedida em 8 do mesmo mês.
No dia 22 foi recebido, entretanto , um fax da recorrente a pedir cópia da acta.
Os autos foram, depois, sem a junção de qualquer outra peça das partes, de novo conclusos em 28 de Abril, tendo o Senhor Juiz declarado deserto o recurso por falta de alegações, nos termos do artº 291º,nºs2 e 4 do CPC.
Acontece que a recorrente apresentou no dia seguinte as alegações em que impugnava a decisão da matéria de facto.
E notificada que foi em data ulterior do despacho de deserção, veio dele interpôr recurso de agravo, devidamente admitido para subir imediatamente e nos próprios autos, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo :
1) A recorrente deve beneficiar sem mais do acréscimo sobre os 30 dias dos 10 dias previstos no nº 6 do artº 698º do CPC, pois que recorreu da matéria de facto.
2) Tendo alegado no prazo de 39 dias contados da sua notificação da admissão do recurso , as suas alegações entraram em tempo e o recurso não podia ter sido considerado deserto pela sua falta .
3) O douto despacho ora questionado foi proferido 39 dias depois da notificação do despacho de admissão do recurso, antes , portanto do decurso do prazo de 40 dias permitido por lei.
4) Assim seria mesmo no caso de só em alegações o tribunal verificar que se estava perante um recurso da matéria de facto
5) Mas mesmo entendendo-se que o tribunal deve saber antes do fim do prazo normal de 30 dias para alegações que se está a recorrer também da matéria de facto, no caso em apreço o tribunal soube-o pelo requerimento de 22 de Março a pedir a acta da audiência, indicação inequívoca de que se iria recorrer da matéria de facto, dada a imprescindibilidade dessa peça , nos termos do artº 690º-A do CPC e soube-o também pelo pedido , ainda que verbal feito junto da secretaria e entrega em mão por esta da cassete com a gravação da prova .
6) Se ainda assim se entendesse que ao caso se não aplicariam os 10 dias de acréscimo, então e porque os 30 dias para alegar devem ser líquidos de impedimentos processuais à feitura das alegações deve tal prazo considerar-se suspenso pelo decurso do tempo que medeou entre o requerimento para entrega da acta de audiência a 23 de Março e a entrega efectiva , a 30 desse mês.
7) Com mais estes 9 dias de suspensão , o prazo estender-se-ia por 39 dias contados da notificação da admissão do recurso, não contabilizando evidentemente o tempo de férias judiciais.
8) Em qualquer das situações, as alegações foram produzidas e enviadas ao tribunal em tempo, violando o douto despacho do Mmo juiz «a quo» a lei, devendo ser revogado e decidindo-se pela admissão das alegações.
9) Foi violado o disposto no artº 698ºnº6 do CPC´.
A embargada contralegou sustentando que a recorrente deveria ter explicitado no requerimento de interposição do recurso que este abarcava a decisão da matéria de facto com reapreciação da prova gravada, aduzindo como argumentos o teor do preâmbulo do DecLei nº 39/95 e os princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais, bem como a exigência da seriedade do próprio recurso, por forma a impedir que o alargamento dos poderes cognitivos das relações possa ser utilizado para fins puramente dilatórios.
Por fim, o Mmo juiz proferiu despacho tabelar a manter o decidido
Nesta instância, foram corridos os vistos legais.
Cumpre, pois, decidir.

II – A questão que se coloca neste recurso é puramente de direito.
Trata-se, em suma, de saber se no requerimento de interposição de recurso de apelação, o recorrente que pretenda a impugnar a decisão da matéria de facto, o que comporta um acréscimo de prazo em dez dias, nos termos do artº 698º,nº6 do CPC deve explicitá-lo logo, sob pena de se tomar apenas em conta o prazo dito normal de 30 dias, a que alude o nº2 da mesma disposição legal
Não se ignora que na Relação do Porto tem sido entendido que o apelante que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deve dizê-lo no próprio requerimento de interposição.
A recorrida citou nada menos do que dois acórdãos( procºs nºs 2174/02 e 406/99) e ainda uma decisão individual,(proc.nº1086/02) mas a este há aditar ainda o proferido em 5/07/2004, presente na Internet WWWW nº convencional JTRP 00037087
Não aderimos, contudo a este entendimento, sem quebra do devido respeito.
Na verdade a lei, ou seja , o Código de Processo Civil após a reforma introduzida primeiro pelo DecLei nº39/95 de 15/02 e depois pelo Dec Lei nº 325-A/95 de 12/12 e Lei nº180/96 de 25/09 no tocante ao sistema de registo da prova na 1ª instância nada a esse respeito prevê o no artº 687ºnº1, o qual se insere nas disposições gerais sobre recursos do CPC e que se ocupa do modo de interposição.
Com efeito o nº1 de tal preceito especifica que o recurso se interpõe perante o tribunal que proferiu a decisão por meio de requerimento que lhe é endereçado e onde se manifesta a vontade de recorrer, se especifica a decisão impugnada e se indica a espécie de recurso.
E apenas tendo em conta que algumas decisões, independentemente dos valores em causa admitem sempre recurso e que outras só o admitem em caso de oposição de acórdãos, se razões de alçada ou outras o não excluirem, deve o o recorrente no requerimento de interposição, invocar o fundamento excepcional em que se apoia, sob pena de ver indeferido o recurso, por o juiz ou relator terem que se ater àqueles valores, na falta de indicação em contrário e em sede de admissibilidade do recurso.
Admitido o recurso, ao recorrente passam, então a caber dois ónus, expressos no artº 690º e que são o ónus de alegar e o de formular conclusões.
Ora é justamente nas alegações que cabe ao recorrente expôr os motivos da sua impugnação explicitando as razões porque entende que a decisão é errada ou injusta, através da argumentação sobre os factos, o resultado da prova e a interpretação e aplicação do direito.
Ou seja , não impedindo a lei nos termos do artº 684º,nº3 que no requerimento de interposição o recorrente restrinja o objecto do recurso apenas a parte da decisão desfavorável, ou em caso de pluralidade de decisões a alguma delas, é nas conclusões da alegação que lhe compete definir o objecto do mesmo, o qual pode incidir sobre eventuais erros da decisão da matéria de facto, desde que haja gravação da audiência, incumbindo então ao recorrente satisfazer os ónus específicos que alude o artº 690º-A, sob pena de rejeição.
Ora tendo em conta que o cumprimento destes ónus pressupõe, no caso de impugnação da matéria de facto, mais demora, por implicar a audição das gravações, tendo em conta que na versão inicial do artº 690º-A o recorrente teria que transcrever , mediante escrito dactilografado, as passagens da gravação dos depoimentos em que a dita impugnação se fundava, previu a Reforma que no âmbito da apelação ao prazo normal de 30 dias se adicionasse o suplementar de 10 dias, disposição esta que foi mantida, mesmo após o recorrente passar a ficar aliviado desse ónus, com a nova redacção introduzida pelo Dec.Lei nº 183/2000 de 10/08.
Ora se fosse intenção de legislador entender que para este efeito, devesse desde logo o recorrente dizer no requerimento de interposição que a sua discordância atingia igualmente a decisão da matéria de facto, não deixaria de o expressar com clareza, sendo certo tratar-se isto de um outro ónus imposto ao recorrente, ou seja o de antecipar a definição desse objecto, exclusivamente para efeito de se considerar de imediato aplicável o prazo de 40dias
Mas efectivamente o que se tem de considerar em princípio, com a interposição de recurso de apelação de sentença na sequência de um julgamento com prova gravada é que o prazo aplicável à apresentação das alegações é o de 40 dias, sendo certo que optando o recorrente por restringir o objecto do recurso a questões de direito ou a questões de facto que não impliquem a utilização de prova gravada, não pode deixar de ter em conta o prazo fixo de 30 dias, sob pena, não sendo assim, de ver declarado deserto o recurso por extemporaneidade.
Francamente, não estamos a ver em que medida a exigência do recorrente definir desde logo no requerimento se o recurso envolve a reapreciação da prova gravada possa ser imposta pelos chamados princípios estruturantes da lealdade, cooperação e boa fé processual, estes sim justificativos do específico ónus de alegação que lhe cabe satisfazer e que não sendo satisfeito, com ou sem menção antecipada dessa intenção, determinará a rejeição do mesmo, conforme a letra do nº1 do artº 690º. –A, rejeição essa imediata, conforme o entendimento maioritário da jurisprudência e da doutrina ( v. a este respeito, Lopes do Rego , Comentário, Vol.I, 2ª ed.,585, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 5ªed, 161 e Ac. da RL de 25/03/2003, CJ Ano 28º, T.II, 97) e justamente em nome dos princípios da desincentivação da manobras dilatórias.
Muito menos a argumentação expressa na contra alegação de que a não ser assim, se criaria a possibilidade de um recorrente que por qualquer razão deixasse expirar o prazo de trinta dias, vir até ao limite dos quarenta dias impugnar a matéria de facto, para suprir aquela falta nos parece convincente, já que o beneficio desse prazo alargado tem como contrapartida aquele específico ónus, ou seja não é o anúncio dessa intenção que torna aplicável o prazo, mas antes a concretização do objecto da impugnação e respectiva fundamentação nas alegações que venham a ser apresentadas.
Entendemos que uma leitura diferente das normas apontadas se traduzirá na prática, como atrás dissemos, em impôr um novo ónus ao recorrente, ou seja, o de delimitar no próprio requerimento o objecto do seu recurso, quando haja gravação da prova em casos que nada tenham que ver com a avaliação da respectiva admissibilidade, o que não nos parece defensável á luz dos critérios definidos no artº 9º do CCivil, particularmente do seu nº3
Não cremos mesmo estar perante qualquer lacuna, de resto os argumentos extraídos do preâmbulo dos diplomas que instituíram o novo sistema de gravação da prova em ordem à sua reapreciação pela Relação nada adiantam quanto ao tema em apreço , o que neles se diz é que a recorrente que se sinta prejudicada com a decisão da matéria de facto fica com um ónus específico a seu cargo quer na delimitação do seu objecto, quer na fundamentação, mas na fase das alegações que não na fase de interposição, regida esta na norma do artº 687º, retocada também pela Reforma.
Donde não julgarmos desrazoável que fique na livre disponibilidade do recorrente o uso ou não uso do dito prazo alargado, sempre sancionável «aposteriori» em nada os interesses do recorrente e os deveres de cooperação com o tribunal sendo com isso afectados.

A recorrente tem pois razão nos seus reparos, o despacho a declarar deserto o recurso não tinha que ser proferido antes de esgotado o prazo de quarenta dias, sendo tempestiva a apresentação das alegações da recorrente por nelas ser impugnada ( não interessa se bem ou mal) a decisão da matéria de facto.

III -Nestes termos, decide-se revogar o despacho que declarou deserto o recurso, o qual deverá ser substituído por outro que mande seguir a normal tramitação do mesmo.
Custas a cargo da agravada

Coimbra ,