Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4213/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES
ALTERAÇÃO DA MEDIDA
NOTIFICAÇÃO DOS PROGENITORES
PRONÚNCIA
Data do Acordão: 03/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS ALS. A) A G) DO Nº 1 DO ARTº 35º DA LPCJP – LEI Nº 147/99, DE 1/9, E LEI Nº 31/2003, DE 22/08 .
Sumário: I – As medidas de promoção e de protecção constantes das alíneas a) a f) do nº 1 do artº 35º da LPCJP limitam o exercício do poder paternal, enquanto que a medida de confiança com vista a futura adopção – al. g) – determina a privação da titularidade e do exercício do poder paternal .
II – As alterações que foram introduzidas pela Lei nº 31/2003, de 22/08, visaram fundamentalmente permitir que as situações muitas vezes detectadas de negligência familiar ou mesmo de desinteresse e/ou abandono possam de uma forma mais célere conduzir à adopção dessas crianças-vítimas, permitindo-lhes uma nova vida potenciadora do amor e carinho tão necessários ao seu são desenvolvimento .

III – A inclusão da nova medida prevista na al. g) do nº 1 do artº 35º dessa lei visou evitar a instauração de uma acção autónoma – de confiança judicial – permitindo-se, assim, que no âmbito de processo já instaurado, devidamente instruído com todos os elementos fornecidos pelos diversos intervenientes processuais, se possam encurtar tempos, sem que, por via disso, se mitiguem direitos, evitando-se a duplicação de procedimentos e de diligências .

IV – Quando em processo de promoção e de protecção de menores se começa a delinear a possibilidade de se vir a ter de determinar a aplicação da medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção, há sempre que exercer o contraditório, ouvindo-se designadamente os pais da criança .

Decisão Texto Integral:
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra,

I – Relatório

A..., progenitor dos menores B..., C... e D..., veio recorrer do despacho proferido pela Senhora Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Figueiró dos Vinhos que decidiu, relativamente a tais menores, a alteração da medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição, para a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, pelo prazo de 6 meses.
Com efeito, discordando de tal despacho veio o recorrente apresentar as suas alegações, nas quais exibiu as seguintes conclusões:
A- As medidas de promoção e protecção constantes das alíneas a) a f) do n.º 1, do art.º 35.º da LPCJP, limitam o exercício do poder paternal, enquanto que a medida de confiança com vista a futura adopção (alínea g) do n.º 1, do art.º 35.º da LPCJP) determina a privação da titularidade e do exercício do poder paternal.
B- No âmbito de um processo de promoção e protecção, ao modificar-se a medida aplicada, qualquer que seja, para a medida de confiança a pessoa ou a instituição com vista a futura adopção, obriga à notificação formal dos progenitores de que, a partir daquele momento, a cominação possível do processo é a da perda do poder paternal, concedendo prazo para a defesa.
C- A medida de confiança a pessoa ou a instituição para futura adopção não pode ser tomada sem que os progenitores participem na discussão da medida e tenham a oportunidade de exercer o contraditório.
D- A falta de notificação dos progenitores para o exercício da sua defesa em relação à possibilidade de ser tomada determinada medida, e tendo esta sido tomada, gera a nulidade do despacho proferido pelo douto Tribunal a quo.
O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou as suas contra-alegações, nas quais sustentou não se verificar a aludida nulidade processual dado que os progenitores dos menores teriam sido ouvidos sobre a possível alteração da medida de promoção e protecção.
A Senhora Juíza do Tribunal a quo sustentou o seu despacho em termos semelhantes ao que foi defendido pelo Ministério Público.
Foram colhidos os vistos legais.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, ex vi do artigo 749º, todos do Código de Processo Civil (CPC).
É apenas uma a questão suscitada pelo agravante e que se prende com a apreciação da omissão da sua notificação para que se pronunciasse sobre a alteração da medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição - que se encontrava em vigor e que havia sido aplicada aos seus três filhos menores - para a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, o que, na sua óptica, constituirá nulidade processual.

III – FUNDAMENTOS

1. De facto

A questão a decidir é unicamente de direito, passando-se a indicar a factualidade que se mostra relevante para a apreciação da questão sub judice:
1- O Ilustre Advogado, Dr. E..., desde 16 de Abril de 2002 que é patrono oficioso de A... (pai dos menores), como resulta de fls. 100 a 112, do processo de promoção e protecção apenso (558/2001).
2- Por despacho de 15/07/2005 (fls. 406), aqui dado inteiramente por reproduzido, escreveu-se designadamente o seguinte:
“Nesta fase, concordando-se com a douta promoção do Ministério Público, deverão os sujeitos processuais tomar posição sobre a substituição das medidas aplicadas pela medida de confiança a pessoa relacionada para a adopção.
“Assim, designa-se o dia 20 de Julho de 2005, pelas 10 horas para tomada de declarações aos progenitores, aos menores e ainda à técnica Isabel Monteiro, nos termos do art.º 85.º e 4.º i), da LPCJP.
“…”.
3- O despacho referido no ponto anterior foi notificado ao patrono indicado no ponto 1, tendo-lhe sido enviada cópia do mesmo (fls. 408).
4- Na sequência do despacho referido no ponto 2, os progenitores dos menores, em 16 de Agosto de 2005, foram ouvidos em declarações, sendo que do auto relativo à mãe consta: “Questionada sobre a hipótese dos seus filhos serem entregues a casais com vista à adopção esclareceu que não concorda pois ela é que é mãe deles.
“…”
Quanto ao pai, do respectivo auto pode ler-se: “Quando confrontado com a possibilidade dos seus filhos serem confiados a casais com vista à adopção esclareceu que não concorda com tal medida sendo seu desejo que os menores voltem para a companhia dos pais, achando que já tem reunidas as condições para que os menores voltem a integrar o seu agregado familiar.
“…”.

2. De direito

Como se referiu supra, é apenas uma a questão suscitada pelo agravante o qual entende que terá havido omissão da sua notificação para que se pronunciasse sobre a alteração da medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição - que se encontrava em vigor e que havia sido aplicada aos seus três filhos menores - para a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, o que, na sua óptica, constituirá nulidade processual.
Apreciemos tal questão.
Tem razão o recorrente quando refere que a nova medida de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo, prevista na al. g), do n.º 1, do art.º 35.º da LPCJP [Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99 de 1/9 e actualizada pela Lei n.º 31/2003, de 22/08, diploma a que nos referiremos de ora em diante sempre que expressamente não indicarmos outro.], implica para os envolvidos (pais e filhos) consequências afectivas e jurídicas de grande peso, pois que a mesmo implicará desde logo o fim das visitas por parte da família natural ao menor (art.º 62.º-A, n.º 2).
Mas se assim é, não deixa também de ser verdade que as alterações que foram introduzidas pela Lei 31/2003 de 22/08, visaram fundamentalmente permitir que aquelas situações muitas vezes detectadas de negligência familiar ou mesmo desinteresse e/ou abandono, pudessem de uma forma mais célere conduzir à adopção dessas crianças-vítimas, permitindo-lhes uma nova vida potenciadora do amor e carinho tão necessários ao seu são desenvolvimento.
A inclusão da nova medida prevista na citada al. g) do n.º 1, do art.º 35.º, visou pois evitar a instauração duma acção autónoma – de confiança judicial – permitindo-se assim que no âmbito de processo já instaurado, devidamente instruído com todos os elementos fornecidos pelos diversos intervenientes processuais, se pudessem encurtar tempos, sem que por via disso se mitigassem direitos, evitando-se igualmente a, por vezes frequente, duplicação de procedimentos e diligências.
É óbvio que uma tal alteração legislativa não poderia esquecer que estando em causa direitos de família tão importantes como os que se prendem com a filiação e o poder paternal, haveria que acautelar os direitos de pronuncia dos pais naturais.
A salvaguarda de tais direitos não passa no entanto, logicamente, pela obrigatoriedade da tramitação do processo de promoção e protecção seguir o que está previsto para o processo de confiança judicial – a lei não o impõe, a lógica do diploma não o aconselha.
Assim, quando em processo de promoção e protecção se começa a delinear a possibilidade de se vir a ter que determinar a aplicação da medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção, há sempre que exercer o contraditório, ouvindo-se designadamente os pais.
Tal obrigatoriedade resulta desde logo do princípio da Audição obrigatória e participação, consagrado no art.º 4.º, al. i), sendo este princípio detectado ao longo do diploma, designadamente nos artgs. 85.º, 104.º, n.º 3 e 114.º.
A forma como essa intervenção se processará depende da fase do processo.
Assim, sendo o processo de promoção e protecção constituído pelas fases de instrução, debate judicial, decisão e execução da medida (vd. art.º 106.º, n.º 1) haverá que ver, face a cada uma delas, em que moldes se concretiza tal princípio do contraditório.
Se na fase do debate judicial se prevê um formalismo mais vincado (sinónimo indiscutível de que se está numa fase não muito avançada do processo, em que ainda não houve decisão não provisória sobre a medida a aplicar à criança – vd. art.º 114.º), já numa fase de execução da medida tal não sucederá.
Na revisão da medida (incluída na fase de execução da mesma) os procedimentos processuais são substancialmente mais reduzidos, dado entender-se que nas fases anteriores (instrução, debate judicial e decisão) houve uma escalpelização de toda a situação, tendo então os diversos intervenientes tido a oportunidade de apresentarem as suas posições e provas.
Nesta fase (de revisão), a apreciação sobre a necessidade ou não de substituir a medida tem em conta não só tudo o que levou à decisão da medida aplicada, como também a realidade vivenciada após tal aplicação, verificando-se se a mesma se revelou adequada ou se, pelo contrário, necessita de ser substituída, com vista a satisfazer pela melhor forma os interesses dos menores envolvidos.
Compreende-se assim que nesta fase se conceda aos intervenientes interessados no processo, a possibilidade de se pronunciarem sobre essa eventual necessidade de substituir a medida – podendo mesmo requerer diligências e oferecer meios de prova - mas que tal contraditório decorra de forma simples e célere, sem passar a constituir uma nova fase instrutória.

Com o que se deixa dito, pretende-se demonstrar que o recorrente quando refere que os pais deveriam ter sido notificados formalmente com a estipulação duma cominação, está a verbalizar uma realidade que não consegue demonstrar (porque inexistente) ser legalmente imposta.
Com efeito, os artgs. a que alude a tal propósito – 85.º e 104.º, n.º 3 – não indicam qual a forma como deverá ser exercido o necessário contraditório, muito menos indicam que se tenha de referir que existe um qualquer efeito cominatório, neste caso, pela simples razão de que ele não existe. [Como é evidente não é pelo facto dos progenitores não exercerem o seu direito de pronuncia sobre a medida a aplicar que esta será necessariamente aplicada.]
Daqui resulta que tendo os pais dos menores sido ouvidos em declarações sobre a possível alteração da medida aplicada, visando a sua futura adopção, foi dado cumprimento aos apontados artgs. 4.º, al. i), 85.º e 104.º.
Na realidade, nessa oportunidade, poderiam os progenitores não só apresentar razões para a sua discordância como indicar provas que entendessem pertinentes para sustentar a sua posição, sendo que o art.º 104.º o permite. Certo é que o não fizeram.
Não foi assim omitido qualquer dever especial de notificação, o que implicaria desde logo não estarmos face a qualquer nulidade, situação que levaria a que se concluísse que o recurso não deveria proceder.
Sucede porém que para além da oportunidade que foi dada ao recorrente para se pronunciar sobre a possível medida a aplicar, foi feito algo mais, passível de abalar os próprios pressupostos em que assenta a questão colocada neste recurso.
Vejamos.
O recorrente tem um patrono nomeado desde Abril de 2002 (ponto 1 do probatório), que nessa qualidade o representa no processo para todos os efeitos, sendo que as notificações que não se destinem a chamá-lo a praticar uma acto pessoal são realizadas na pessoa daquele (art.º 253.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil).
Ora, por despacho de 15/07/2005 (fls. 406), o Senhor Juiz do Tribunal a quo, escreveu-se designadamente o seguinte:
“Nesta fase, concordando-se com a douta promoção do Ministério Público, deverão os sujeitos processuais tomar posição sobre a substituição das medidas aplicadas pela medida de confiança a pessoa relacionada para a adopção [Sublinhado nosso.].
“Assim, designa-se o dia 20 de Julho de 2005, pelas 10 horas para tomada de declarações aos progenitores, aos menores e ainda à técnica Isabel Monteiro, nos termos do art.º 85.º e 4.º i), da LPCJP.
Tal despacho foi devidamente notificado ao patrono nomeado (ponto 3 do probatório), sendo que tal notificação, por via do apontado art.º 253.º do Cód. Proc. Civil, traduz o conhecimento que foi dado ao progenitor do teor do despacho proferido, permitindo- -lhe, não só por via das declarações que veio a prestar, tomar posição sobre a eventual substituição das medidas aplicadas pela medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.
Certo é que na sequência de tal notificação o patrono nomeado nada veio dizer.
Assim, mesmo que se considerasse que a tomada de declarações aos pais dos menores não cumpria cabalmente a exigência de respeito pelo princípio do contraditório, para efeitos de substituição de medida de promoção e protecção (posição que não perfilhamos), ainda assim tinha tal princípio sido respeitado pois que foi efectuada a notificação necessária e suficiente destinada a dar a possibilidade ao progenitor de se pronunciar sobre a mesma.
Daqui se conclui pois que não houve por qualquer forma omissão do dever de notificação avançado pelo agravante, não havendo assim a registar qualquer nulidade, estando por isso o recurso vetado ao insucesso.

IV – DECISÃO

Desta forma, face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em negar provimento ao recurso e, nessa conformidade, mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelo agravante, tendo-se porém presente o apoio judiciário de que beneficia.
Coimbra,