Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
45-C/1992.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
Data do Acordão: 01/16/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1880º DO CÓDIGO CIVIL E 1412º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. A obrigação de custear as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos, quando fixada durante a menoridade, mantém-se e prolonga-se com a maioridade, sem que tal assuma a natureza de nova obrigação.

2. A sentença que fixou os alimentos devidos a menores vale como título executivo após a sua maioridade, competindo ao obrigado promover a cessação da obrigação através do incidente previsto no art. 1412º nº2 do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. Correu termos no tribunal da comarca de Viseu um processo de regulação do poder paternal e alimentos em que A... foi condenado a pagar aos seus filhos B..., C... e D..., a prestação mensal de 428,83 € (85.972$00 – correspondendo o montante de 45.000$00 à prestação de alimentos, equivalente a 15.000$00 para cada filho, e a parte restante ao abono de família) desde Junho de 1992.

Como o obrigado não pagou, ou deixou de pagar, os filhos executaram a sentença e o tribunal decidiu que a execução só será de continuar relativamente à quantia de 25.738,67 €, correspondente ao que ficou por pagar até à maioridade, por entender que a obrigação cessou nessa altura e que só uma nova acção – onde os filhos, ora exequentes, convencessem do seu direito a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil – poderia produzir uma sentença, a executar, pela obrigação de alimentos a filhos maiores.

2. Inconformados com o assim deliberado, vêm os exequentes até nós com o presente agravo em separado, onde concluem:
1. Nos termos do artigo 1880° do Código Civil, se o filho, que atingiu a maioridade ou for emancipado, não tiver ainda completado a sua formação profissional, tem direito a continuar a receber os alimentos que vinha recebendo até completar aquela formação;
2. Só cessará o direito do filho se a não ultimação da respectiva formação se deve a culpa grave daquele;
3. De acordo com o disposto no arte 1412°, n.º 2 do Código de Processo Civil o terem atingido os recorrentes a maioridade não impede que os presentes autos prossigam e se concluam.
4. Tendo havido decisão judicial sobre alimentos devidos a menores, que atingiram a maioridade, mas que ainda não tenham completado a sua formação, mantém-se aquela decisão e a obrigação de alimentos do progenitor só cessará de acordo com nova decisão judicial a deduzir por dependência da acção principal (condenatória).
5. O despacho/sentença recorrido violou além do mais o disposto nos já mencionados artigos 1878°, 1879° e 1880° do Código Civil 1412.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e artigos 36.º, n.º 5 e 68.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
6. Pelo que, dando-se provimento ao recurso, deverá ser revogado, ordenando-se o prosseguimento dos autos e a sua conclusão, com o recebimento pelos recorrentes dos alimentos devidos pelo recorrido pai até à ultimação da sua formação universitária, tudo com as demais consequências legais.

3. Contra-alegou o agravado no sentido da confirmação do julgado. O sr. Juiz mandou subir os autos a esta Relação, com a menção de que mantém a posição assumida no despacho recorrido. Cumpre apreciar e decidir, com base nos elementos que acima, no ponto 1, vêm referidos.

Considerando que são as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o âmbito do recurso (artigos 684.º, 2 e 3 e 690.º, 1, 2 e 4 do Código de Processo Civil), a única questão que se nos coloca é a de saber se cessa automaticamente a obrigação de alimentos fixados a menores não emancipados, logo que atinjam a maioridade, ou se a obrigação se mantém e só cessa se o obrigado a fizer cessar.

A questão coloca-se perante o que dispõe o artigo 1880.º do Código Civil, na medida em que mantém a obrigação de alimentos após a maioridade ou emancipação, quando o alimentado não houver completado a sua formação profissional.

Diz o artigo – sob o título de despesas com os filhos maiores ou emancipados – que “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não tiver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”

A obrigação a que se refere o artigo anterior é, justamente, a de prover às despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos.

O Código de Processo Civil, no seu artigo 1412.º, n.º 1 – na redacção que lhe deu o Decreto-Lei n.º 513 – X/79, de 27/12, que veio adaptá-lo às alterações do Código Civil emergentes do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25/11 – diz que “quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do artigo 1880.º do Código Civil (2), seguir-se-á, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores”.

Ou seja, o preceito indica a regulamentação processual a seguir quando o filho maior ou emancipado pretenda exigir alimentos aos pais para concluir a sua formação profissional. E isto tanto dá para o caso de não ter havido, durante a menoridade, uma decisão de alimentos, como para o caso de ter havido essa decisão.

Daqui não se retira nenhuma conclusão sobre se a continuação da obrigação referida no artigo 1880.º do Código Civil exige um novo processo para o filho dela beneficiar, mesmo que já exista uma decisão proferida durante a menoridade, ou se esse novo processo só serve para os filhos maiores quando não havia uma decisão proferida durante a menoridade a obrigar os pais à prestação de alimentos.

Já o n.º 2 desse mesmo artigo 1412.º do Código de Processo Civil diz que “tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.”

Quer isto dizer que corre por apenso ao processo onde tinha sido fixada a obrigação de alimentos durante a menoridade o incidente em que os pais do menor pretendam fazer cessar essa obrigação.

Ou seja o n.º 2 prevê a hipótese de aquela obrigação, quando fixada durante a menoridade, se manter durante a maioridade do filho, nos termos em que tal obrigação é definida pelo artigo 1880.º do Código Civil.

Prevê, mas não adianta nem tem que adiantar o critério que nos permita encontrar a solução que buscamos. Por isso tem a jurisprudência tentado fazê-lo, seguindo por caminhos diferentes e chegando a diferentes conclusões, afigurando-se-nos, no entanto, que é no próprio artigo 1880.º do Código Civil que se inicia o caminho para a solução do problema.

3. A lei não diz se a obrigação de alimentos, fixada durante a menoridade do alimentado, cessa automaticamente quando este atinge a maioridade, permitindo-lhe depois o recomeço mediante nova acção em que lhe compete alegar e provar os seus pressupostos, ou se a obrigação se mantém e é o obrigado quem tem de a fazer cessar, alegando e provando os pressupostos da cessação.

O que a lei diz expressamente é que “os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação” – artigo 1877.º do Código Civil. O que não diz é se nas situações a que se refere o artigo 1880.º é apenas a obrigação aí especificamente referida que se prolonga pela maioridade adentro, ou se é a situação de menoridade que nesses casos se protela.

Os profs. Pires de Lima e Antunes Varela (3) depois de indicarem as razões por que entendem que cessam, com a maioridade, os poderes típicos da autoridade paterna – “direcção da educação (naquilo em que o direito-dever constitucional de educação transcende o mero custeio das despesas com a instrução do filho), o poder de representação legal do filho e o direito-dever da administração dos bens dele” – concluem que “a síntese que realmente exprime, com o necessário rigor, o verdadeiro pensamento do artigo 1880.º é a de que a obrigação prevista no artigo anterior [4] se mantém excepcionalmente na situação prevista na disposição, apesar de o filho ter alcançado, para todos os efeitos, a sua plena capacidade de exercício de direitos.”

Por conseguinte, apesar de cessar o poder paternal, no sentido típico, com a maioridade do filho, a obrigação de custear a sua instrução mantém-se. O próprio preceito utiliza a expressão “manter-se-á a obrigação”, dando um sinal claro de que se foi fixada durante a menoridade mantém-se quando chega a maioridade. E se se mantém é porque não se exige nova fixação a pedido de quem dela beneficia (o filho); quem está obrigado a ela é que tem de promover a cessação.

Parece ser este o entendimento que melhor se quaduna com as razões que estiveram na origem do próprio artigo 1880.º do Código Civil: o facto de se terem multiplicado substancialmente, com a descida da maioridade (dos 21 para os 18 anos) as situações em que os filhos necessitam ainda do auxílio e assistência dos pais, por não terem completado ainda a sua formação profissional. Situações que têm aumentado também com o aumento acentuado do número de alunos que frequentam o ensino superior, o aumento de duração de alguns cursos, os estágios, etc.

E mantendo-se a obrigação poder-se-à até dizer que se presumem os respectivos pressupostos, cabendo ao obrigado promover a cessão, ilidindo essa presunção. O próprio artigo 1879.º do Código Civil, parece dar um contributo nesse sentido, ao referir as circunstâncias em que os pais “ficam desobrigados” de prover ao sustento dos filhos, numa clara alusão a que lhes compete promover a cessação da obrigação.

Escreveu-se num acórdão da Relação do Porto (5) que “a sentença que fixou os alimentos devidos às menores vale como título executivo após a sua maioridade, competindo ao obrigado requerer a cessação da obrigação através do incidente previsto no art. 1412.º n.º 2 do Código de Processo Civil.

De outro modo, o filho teria de propor uma nova acção cível para o efeito da fixação dos alimentos necessários ao prosseguimento da sua formação profissional, o que não parece consentâneo com a vontade expressa do legislador, de que a obrigação “manter-se-á”. Além disso, o filho ver-se-ia privado dos alimentos até a questão ser decidida, com todo os prejuízos de ordem pessoal e patrimonial que daí resultariam para a sua formação profissional, que é, ao fim e ao cabo, a única razão de ser daquele artigo.”

No mesmo sentido decidiram outros acórdãos da mesma Relação, e da Relação de Lisboa (6). Na doutrina o Prof. Pereira Coelho, (7) escreve que “o direito à prestação dos alimentos só cessa quando, judicialmente ou por acordo, se declara que o direito cessou.”

Podemos assim concluir que:
· A obrigação de custear as despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos, quando fixada durante a menoridade, se mantém e prolonga com a maioridade, sem que tal assuma a natureza de uma nova obrigação.
· A sentença que fixou os alimentos devidos a menores vale como título executivo após a sua maioridade, competindo ao obrigado promover a cessação da obrigação através do incidente previsto no art. 1412.º n.º 2 do Código de Processo Civil.

E nesta óptica procedem as conclusões da alegação dos agravantes.

4. Decisão

Por todo o exposto acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que mande prosseguir a execução sem a limitação nele decidida.

Custas a cargo do agravado.