Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
671/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
REFORMA DE DESPACHOS:PRAZO PARA DELES RECORRER
ALEGAÇÕES
MATÉRIA DE FACTO
PRAZO
Data do Acordão: 06/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA - 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 666º, Nº 3; 686º, Nº 1, 698º, Nº 6, E 700º, Nº3, DO CPC .
Sumário: I – A reclamação para a conferência (no Tribunal da Relação) – artº 700, nº 3, do CPC – é um meio de impugnação do despacho do relator, configurando um pedido de revisão feita pelo mesmo órgão judicial, mas agora em colectivo, traduzindo-se, assim, num meio não devolutivo .
II – Se alguma das partes requerer a reforma da sentença, determina o artº 686º, nº 1, do CPC, que o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento, aplicando-se de igual forma à reforma dos despachos, como se extrai do artº 666º, nº 3, do CPC .

III – O prazo adicional de 10 dias previsto no nº 6 do artº 698º do CPC, para apresentação de alegações em recurso interposto, apenas tem aplicação quando o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, não bastando, para o efeito, a mera indicação de que se pretende impugnar a matéria de facto e depois apenas se apresentar alegação de direito .

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO

Os Autores – A... e esposa B... – instauraram na Comarca de Coimbra ( 3º Juízo Cível ) a acção de despejo, com forma de processo sumário, contra a Ré – C....
Por sentença de 15/7/05 ( fls.410 a 421 ) decidiu-se:
a) - Julgar a acção improcedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e a Ré relativo ao prédio urbano ( casa de habitação ), sito em Lordemão, freguesia de São Paulo de Frades.
b) – Declarar denunciado o referido contrato e condenar a Ré a desocupar o mencionado prédio, decorridos que sejam três meses contados do trânsito em julgado da decisão, desocupação que fica subordinada ao pagamento pelos Autores à Ré da quantia correspondente a trinta meses de renda, considerando a vigente à data do despejo;
c) – Absolver a Ré do pedido de reposição do local arrendado no estado em que se encontrava antes da realização das obras.

A Ré interpôs recurso independente ( fls.427 ), solicitando no requerimento que se fixasse o prazo de 40 dias para juntar as respectivas alegações ( art.698 nº6 do CPC ), com fundamento de que iria suscitar a reapreciação da prova.
Os Autores interpuseram recurso subordinado ( fls.430 ).
Por despacho de 12/10/05 ( fls.432 ) foram admitidos ambos os recursos como de apelação, com efeito suspensivo, consignando-se dever-se tomar em consideração o disposto no art.698 nº6 do CPC.
Este despacho foi notificado às partes, sendo ao Ex.mo mandatário da Ré em 14/10/05 ( fls.434 ).
A Ré juntou as alegações de recurso em 25/11/05 ( fls.444 ), rematando com as seguintes conclusões:
1º) – Não ficou suficientemente provado o elemento necessidade, condição essencial para ser decretado o despejo;
2º) – Consequentemente, não existe fundamento para que o dito contrato de arrendamento possa ser denunciado;
3º) – A sentença violou o disposto na alínea a) do nº1 do art.69 do RAU.
Os Autores apresentaram as alegações do recurso subordinado em 21/11/05 ( fls.437 ).
Na resposta ao recurso independente, os Autores suscitaram a questão prévia da deserção do recurso da Ré, por apresentação extemporânea das alegações.
Notificada a Ré da resposta ( fls.469 ), nada disse.

Por decisão do Relator ( 1/3/06 ) julgou-se deserto o recurso independente, interposto pela Ré, e caduco o recurso subordinado dos Autores, com custas da extinção de ambos os recursos a cargo da Ré ( rectificação de fls.498 ).

A Ré requereu a reforma do despacho do Relator, cujo pedido foi indeferido, por decisão de fls. 498 e 499, notificada às partes em 7/4/2006 ( fls.500 e 501 ).

Inconformada com o despacho do Relator que julgou deserto o recurso, a Ré reclamou para a conferência, alegando, em resumo:
1º) - No requerimento de fls.427, a Ré requereu expressamente que fosse fixado o prazo de 40 dias para apresentação das suas alegações, nos termos do art.698 nº6 do CPC.
2º) - O recurso foi admitido neste contexto, tendo como pressuposto a vontade demonstrada pela Ré.
3º) - O prazo para apresentar as alegações terminava em 28 de Novembro de 2005.
4º) - O prazo adicional de 10 dias ( art.698 nº6 do CPC ) destina-se a facilitar o cumprimento do ónus imposto no art.690-A do CPC.
5º) - Analisados os depoimentos, a Ré concluiu não merecer qualquer crítica a decisão da matéria de facto.
6º) - Não é admissível que um prazo em curso possa ser reduzido em 10 dias só porque a Ré satisfez as suas dúvidas, concordando com a decisão de facto.
Responderam os Autores alegando ser extemporânea a reclamação para a conferência e subsidiariamente não assistir razão à reclamante.
II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Tempestividade da reclamação:
Os Autores suscitaram a questão prévia da extemporaneidade da reclamação, pois tendo a Ré sido notificada do despacho do Relator que julgou deserto o recurso em 3/3/2006, o prazo de dez dias terminou em 16/3/2006.
Objectou a Ré, dizendo que o pedido de reforma do despacho interrompeu o prazo da reclamação.
A reclamação para a conferência ( art.700 nº3 do CPC ) é um meio de impugnação do despacho do relator, configurando um pedido de revisão feita pelo mesmo órgão judicial, mas agora em colectivo, traduzindo-se, assim, num meio não devolutivo.
Se alguma das partes requerer a reforma da sentença, determina o art.686 nº1 do CPC que o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento, aplicando-se de igual forma à reforma dos despachos, como se extrai do art.666 nº3 do CPC.
Embora não previsto expressamente, é de aplicar analogicamente a regra do art.686 nº1 do CPC, dado que a reclamação constitui também um meio de impugnação ( não devolutivo ), tal como o recurso ( meio devolutivo ), pelo que tendo havido pedido de reforma do despacho do Relator o prazo da reclamação só se inicia com a notificação da respectiva decisão.
Considera-se, por isso, tempestivamente apresentada a reclamação.

2.2. – O mérito do despacho reclamado:
A questão submetida à conferência consiste em saber se as alegações da Ré ( recurso independente ) foram ou não apresentadas tempestivamente.
Entendemos que o não foram, pelas razões expostas no despacho do Relator, a cuja fundamentação se adere.
Dispõe o art.698 nº2 do CPC que o prazo para as alegações de recurso é de 30 dias contados da notificação do despacho de recebimento, podendo o recorrido responder, em idêntico prazo, contado da notificação da apresentação da alegação do apelante.
Estabelece o nº6 do art.698 do CPC um acréscimo de 10 dias se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada.
Este prazo adicional destinava-se a facilitar o cumprimento do ónus de transcrição, imposto no art.690-A do CPC/95, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação ( cf. LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, pág.473, TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág.528 ), mas afastado o ónus de transcrição, com a nova redacção dos nº2 e 3 do art.690-A pelo DL nº138/2000 de 10/8, apesar de as partes terem de ouvir a gravação para poderem indicar os depoimentos por referência ao assinalado na acta ( art. 522-C nº2 do CPC ), o prazo suplementar carece hoje de justificação, havendo mesmo quem proponha a sua eliminação de lege ferenda ( cf. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., pág.180, nota 374 ).
Muito embora houvesse anunciado que iria impugnar também a matéria de facto ( cf. requerimento de interposição de fls.427 ), o certo é que a Ré limitou-se a recorrer apenas de direito, como se extrai das respectivas conclusões, delimitadoras do seu objecto ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC ) sendo de 30 dias o prazo para apresentar as alegações.
Neste sentido, por ex., Ac do STJ de 20/4/04 ( relator Salvador da Costa ) ao decidir que o alargamento do prazo de alegações do apelante por dez dias depende da circunstância de o recurso que interpôs ter efectivamente por objecto a reapreciação da prova gravada, e Ac da RL de 2/2/06 ( relator Sacarrão Martins ), para quem não é o anúncio que legitima o acréscimo do prazo de dez dias, mas antes a concretização do objecto do recurso e respectiva fundamentação nas alegações que venham a ser apresentadas, ambos disponíveis na base de dados, em www dgsi.pt.
Posição divergente foi acolhida no Acórdão desta Relação de 25/1/06 ( relator Helder Roque ), publicado na base de dados, em www dgsi.pt, ao decidir (com um voto de vencido), que o recorrente pode aproveitar o prazo normal de alegações, acrescido de dez dias para a reapreciação da prova, mesmo que o não venha a recorrer da decisão de facto, se não for provada a má fé processual, mas não cremos, com o devido respeito, que seja de seguir esta orientação.
O prazo judicial ou processual é um período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual ( ALBERTO DOS REIS, Comentário, vol.2º, pág.57 ), sendo estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz ( art.144 nº1 do CPC ).
Como o prazo para apresentação das alegações é de natureza processual, imposto por lei, peremptório, contínuo e improrrogável, a sua duração não pode ficar dependente da boa ou má fé processual da parte.
O instituto da má fé tem a ver com o exercício abusivo do direito, originando responsabilidade processual civil, dentro do condicionalismo previsto no art.456 do CPC, e no processo o prazo é anterior ao aparecimento do direito. Daí que decorrido o prazo se extinga a possibilidade da prática do acto, ficando precludido o respectivo direito.
Por outro lado, não obstante o anúncio feito no requerimento de interposição de que iria reapreciar a prova gravada, não pode afirmar-se que o recorrente tivesse já a legítima expectativa de dispor do prazo suplementar, pelas simples razão de que este está condicionado à efectiva impugnação de facto.
Não parece que deva convocar-se o Ac do TC nº24/2005 de 18/1/2005 ( DR IIª Série de 9/6/05 ), no qual se decidiu “ julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação dos artigos 63º, nº 1, do Código do Processo de Trabalho de 1981 e 24º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, na medida em que determina que a admissão da gravação da prova da audiência de julgamento na primeira instância, não implica a extensão do prazo de recurso, à semelhança do que sucede em situações idênticas de reapreciação da prova gravada no Código de Processo Civil, por tal norma violar os artigos 2º e 20º, nºs 1 e 2, da Constituição”.
O que estava em causa na sua ratio decidendi era a aplicação da norma do art.698 nº6 do CPC ao processo do trabalho, tendo havido gravação da prova, não prevista na legislação laboral então em vigor, mas admitida por despacho, transitado em julgado, sendo certo que no recurso para a Relação se havia impugnado expressamente a matéria de facto.
Situação bem diversa é a que ocorre nos presentes autos, em que a recorrente pretende beneficiar do prazo adicional, sem haver impugnado a matéria de facto com base na prova gravada, e mesmo a admitir-se que ele continua a justificar-se, não agora pelo ónus de transcrição, mas ainda pela necessidade de exame, a verdade é que nem sequer resulta comprovado no processo que a Ré houvesse requerido a entrega das cassetes, para o efeito.
Por conseguinte, a interpretação que aqui se adopta de modo algum afronta o princípio da confiança, pois não é a simples gravação da prova que confere o alongamento do prazo.
Acresce que também o recorrido, por força do princípio da igualdade, teria de beneficiar de “idêntico prazo” ( art.698 nº2 do CPC ), ainda que objecto do recurso verse exclusivamente sobre questões de direito, o que implicaria transformar a excepção em regra, significando na prática que o prazo das alegações e resposta redundaria sempre em 40 dias, desde que houvesse gravação da prova, contrariando a lógica do sistema.
Nos termos do art.254 n°3 do CPC, a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, pelo que expedida a carta de notificação do despacho de admissibilidade do recurso em 14/10/05 ( 15 e 16 sábado e domingo ), tem-se por notificada em 19/10/05, e sendo o prazo contínuo, terminou em 18/11/05.
Deste modo, as alegações teriam de dar entrada em juízo até esta data, ou ainda nos três primeiros dias úteis seguintes ( até 23/11/05 ), condicionada a prática do acto ao pagamento da multa ( art.145 nº5 do CPC ).
Como as alegações foram apresentadas no dia 25/11/05, é manifesta a extemporaneidade, por estar precludido o direito de alegar, implicando a deserção do recurso ( arts.291 nº2 e 690 nº3 do CPC ), configurando uma causa de extinção da instância recursiva ( art.287 c) ).
Ficando sem efeito o recurso independente, caduca o efeito subordinado, sendo as custas da responsabilidade do recorrente principal ( art.682 nº3 do CPC ).
III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente a reclamação e confirmar o despacho do Desembargador-Relator de 1 de Março de 2006 ( fls.478 a 481 ).
2)
Condenar a reclamante nas custas.
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Coimbra, 6 de Junho de 2006.