Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1253/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: APENSAÇÃO DE PROCESSOS
PARTES
DEPOIMENTO DE PARTE
IMPOSSIBILIDADE DE DEPOR COMO TESTEMUNHA
RESCISÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA
Data do Acordão: 06/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE TRABALHO DE LEIRIA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 617º DO CPC; 34º A 36º DA LCCT (D.L. Nº 64-A/89, DE 27/02).
Sumário: I – Embora as acções apensadas mantenham a sua autonomia do ponto de vista substantivo, a circunstância de comungarem dos requisitos que determinaram a sua apensação impõe-lhes, em termos de disciplina, a sujeição ao escopo da junção que, passando pela economia de actividade, postula a uniformidade do seu tratamento, com instrução, discussão e julgamento conjuntos – em consequência da apensação as várias causas ficam unificadas sob o ponto de vista processual, passando o processo a ser comum a todas as acções apensadas .
II – Sendo a causa de pedir comum às acções apensadas, cujos pedidos apenas divergem em termos quantitativos, e tendo os autores sido ouvidos como partes, não podem a seguir ser também inquiridas como testemunhas umas das outras, sobre os mesmos factos em que, afinal, fundam o seu próprio pedido, sob pena de clara subversão dos princípios de produção de prova, designadamente o disposto no artº 617º o CPC .

III – Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, com direito a indemnização por antiguidade – artºs 34º a 36º da LCCT (D.L. nº 64-A/89, de 27/02).

IV – A justa causa de rescisão comunga da noção geral de justa causa, constante do artº 9º, nº 1, da LCCT, devendo ser apreciada nos termos do nº 5 do seu artº 12º, com as necessárias adaptações .

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –

1 – A..., B... e C... , todas devidamente identificadas, demandaram no Tribunal do Trabalho de Leiria, em acções autónomas posteriormente apensadas, a R. «D...», pedindo, a final, a sua condenação a ver declarada a justa causa da rescisão dos respectivos contratos de trabalho e a pagar-lhes a correspondente indemnização e as demais importâncias discriminadas, acrescidas de juros à taxa legal, desde a citação e até integral embolso.

Pretextaram para o efeito, em síntese útil, que no dia 3.12.2002, por volta das 15:30 horas, quando se encontravam a trabalhar na fábrica que a R., sua Entidade Patronal, explora na produção de artigos de vidro do sector da cristalaria, foi-lhes comunicado que, por determinação dos sócios gerentes, deveriam apresentar-se as três, de imediato, nos escritórios da gerência.
Aí chegadas, o Sr. E..., dirigindo-se às AA., afirmou, diversas vezes, o seguinte: ‘Suas vacas de merda, cabras de merda, suas porcas, suas filhas da puta, cabeças de cimento, chantagistas; andam a fazer sabotagem; quanto é que vos pagaram? Querem destruir a imagem da empresa, para afastar os clientes, querem dar má reputação à empresa!!!
Suas filhas da puta, suas cabras, suas vacas de merda!!!’
Estas afirmações foram proferidas em tom de voz alto e sério.
Acto contínuo, e conforme ia dirigindo às AA. tais expressões, arremessou-lhes à cabeça e à cara diversos plásticos para embalagem, (‘plástico de bolha’), tendo-as de facto atingido em zonas do corpo, arremessando-lhes ainda com uma rolha de vidro com 8 cm de diâmetro e depois uma garrafa, que não atingiu o alvo porque a colega C... conseguiu sustê-la a tempo…
O dito gerente só não continuou por mais tempo a conduta descrita por intervenção da D. F... e de uma funcionária.
As AA. foram sempre trabalhadoras honestas, leais e bem reputadas, respeitadoras da empresa, seus gerentes e colegas de trabalho.
Em consequência da conduta do sócio-gerente da R., as AA. sentiram-se e sentem-se profundamente humilhadas e enxovalhadas, ofendidas na sua honra, consideração, dignidade e integridade física, tendo medo e sendo acometidas de crises de choro nos dias subsequentes à ocorrência dos factos, com depressões nervosas e insónias.
A R., com a descrita actuação, violou os deveres a que está vinculada, nos termos do art. 19.º, alíneas a), c), d) e g), da LCT, conduta muito grave que tornou assim impossível a subsistência do contrato de trabalho.
Por isso, as AA., em cartas enviadas à R. sob registo, rescindiram os seus contratos de trabalho com justa causa fundada nos factos atrás descritos, tudo nos termos do art. 34.º da LCCT.

2 – A R. contestou, por excepção e impugnação, reconvindo também, tudo nos termos que se são aqui por reproduzidos.
Responderam as AA.

3 – Na constância da produção de prova, (cfr. Acta de fls. 184-195, da Sessão de 13 de Abril de 2004), foi proferido despacho - fls. 191, concretamente – a indeferir o requerimento da R. feito no sentido da aplicação aos Autos da regra constante do art. 617.º do C.P.C.
A 23 desse mesmo mês de Abril e ano, 'ut' fls. 289, veio a R. agravar do referido despacho, tendo alegado e concluído (fls. 281-285).

Foi entretanto lavrada a sentença – a fls. 318-338 – no final da qual se emitiu despacho a admitir o agravoa subir com o primeiro que depois dele haja de subir imediatamente e nos próprios Autos e ao qual se fixa o efeito meramente devolutivo’.

4 – Na sentença prolatada decidiu-se julgar as acções improcedentes, por não provadas, no tocante à declaração de rescisão dos contratos de trabalho com justa causa por parte das AA., julgando-as procedentes na parte relativa aos pedidos do pagamento dos proporcionais e diferenças salariais e a uma compensação indevidamente feita pela R. aquando do pagamento da remuneração de Dezembro de 2002, com juros de mora, tudo como circunstanciadamente consta do dispositivo, a fls. 338, a que nos reportamos.

5 – É do assim decidido que as AA. vêm apelar, pedindo a revogação da sentença na parte em que declarou improcedente a justa causa invocada para a rescisão do contrato de trabalho, com a impugnação da decisão de facto e a reapreciação da prova gravada.
Alegando, concluíram assim:
(…)
6 – Contra-alegou a recorrida, (…)

Recebidos e colhidos os vistos legais – com o Exm.º P.G.A. a pronunciar-se, com a ponderação e proficiência a que já nos habituou, no sentido da confirmação da decisão impugnada, a que não foi oferecida resposta – cumpre decidir.
___


II – FUNDAMENTAÇÃO

1 – DE FACTO
Vem provada/seleccionada a seguinte factualidade (referente aos três processos apensados):
(…) ___

2 – O DIREITO
- Arts. 710.º, 744.º e 748.º do C.P.C.
A especificidade do caso e a solução devida.

‘A apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição; mas os agravos interpostos pelo apelado interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada.
Os agravos só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o agravante’.

A R., apelada, interpôs oportunamente recurso de agravo (fls. 265/291) do despacho que indeferiu o requerimento em que se insurgia contra a admissão da inquirição das AA. como testemunhas, nas acções apensadas, 'ut' Acta a fls. 188-191, admitido com subida diferida.

Não foi proferido, como deveria, o despacho a que alude o art. 744.º do C.P.C. (de sustentação…uma vez que o agravo não foi reparado), previamente à admissão do recurso, (fls. 339), não se tendo feito cumprir o preceituado no n.º5 da norma pela única razão, que nos pareceu óbvia, de que o despacho fôra já minimamente fundamentado e a admissão do recurso sempre tem implícita, enfim, a sua sustentação…

A R., apelada, enquanto agravante, estava formalmente adstrita, ao produzir as contra-alegações na Apelação interposta pelas AA., à satisfação do n.º1 do art. 748.º (Ao apresentar as alegações no recurso que motiva a subida do agravo retido, o agravante especificará obrigatoriamente, nas conclusões, qual/se o agravo mantém interesse) …o que não se mostra satisfeito.
Todavia, a forma como estrutura a resposta contém logicamente implicitada a clara noção de que mantém todo o interesse na apreciação do agravo retido, cujo objecto está indissociavelmente imbricado na questão da impugnação da decisão de facto, suscitada pela Apelantes.

Tudo visto:
(…) ___

2.1 -
Como se constata, o objecto da Apelação (delimitado no seu âmbito, como é sabido, pelo teor das respectivas conclusões) analisa-se basicamente em duas questões, que as Recorrentes expressamente sujeitaram às epígrafes ‘Razões de Direito da discordância’ e ‘Impugnação da decisão de facto/Reapreciação da prova gravada’.
Por óbvias razões de prejudicialidade, o tratamento da problemática relativa à fixação da matéria de facto precederá aquela, tendo como pressuposto lógico, do qual depende essencialmente, a solução a dar à questão/objecto do agravo, já que a desenhada impugnação da matéria de facto tem a ver exclusivamente com o conteúdo do depoimento das AA. enquanto testemunhas umas das outras, na medida em que, na tese das impetrantes, foi desvalorizado ou mal apreciado…
Por isso, a abordagem que se enceta responderá necessariamente, de uma vez, aos dois problemas.

Embora com causa de pedir comum, (apenas os pedidos não são de todo coincidentes, por razões atinentes fundamentalmente às diferentes datas de início das respectivas relações de trabalho), as AA. optaram por propor acções autónomas contra a R., onde se ofereceram como testemunhas umas das outras.
Foi todavia determinada a apensação das acções, conforme despachos de fls. 165 e 184, depois de se ter admitido a prestação do depoimento de parte das AA. e os róis de testemunhas.
Na Audiência de discussão e Julgamento, concluída a prestação dos depoimentos de parte das AA.'ut' Acta a fls. 185 e ss. – foram as mesmas ouvidas, a seguir, ora na qualidade de testemunhas umas das outras. (Sublinhado nosso).
Então pediu a palavra o Exm.º mandatário da R. e, no uso dela, disse que nos termos do art. 617.º do C.P.C. estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes, pelo que se deve obstar a que, através de uma gincana processual, seja contornada aquela regra.
Com resposta da parte contrária, enfatizando, (em desabono da tese da R.), os objectivos da apensação (julgamento conjunto/economia processual, mas sem perda de autonomia dos processos apensados), foi proferido o despacho ora sob censura, em que, indeferindo a pretensão da R., se considerou nomeadamente:
‘’É certo que o Tribunal já procedeu à audição das AA. na qualidade de partes processuais em depoimento de parte, sendo que nos processos em que não são partes foram igualmente indicadas como testemunhas…
…O Tribunal entende que é inaplicável à situação o art. 617.º do C.P.C., uma vez que a sua audição como testemunhas é feita em processos que se encontram apensados ao processo em que são partes, mantendo a sua completa autonomia.
Aliás, diga-se que quando o Tribunal proceder à apreciação crítica da prova não poderá deixar de tomar posição quanto à valorização dos seus depoimentos, quer na parte em que foram ouvidas em depoimento de parte, quer quando forem ouvidas como testemunhas’.

…E as AA. lá foram ouvidas como testemunhas…umas das outras, depois de terem prestado o seu depoimento de parte!
Na fundamentação da decisão de facto (fls. 244-248, maxime nesta última) consignou-se porém o que de relevante determinou a apreciação crítica dos respectivos depoimentos, de todo prejudicados pelo condicionamento psicológico das testemunhas/partes, num resultado final que, em condições de normalidade, experiência e senso comum, só surpreenderia se fosse diverso!

A solução constante do despacho impugnado não é tecnicamente sustentável, com o devido respeito, por muito impressiva que seja a circunstância de se tratar de acções que, num primeiro momento, correram autonomamente.
Sem menosprezar a hábil opção, (a de as propor separadamente, não obstante a falada unidade da causa de pedir, integrada por um conjunto de circunstâncias espácio-temporais simultâneas, com os pressupostos da coligação, que até induziriam mais facilmente à sua reunião num único processo…), não pode perder-se de vista a unidade e coerência de objectivos do direito adjectivo, a impor imediatamente uma resposta consentânea com a nova realidade proposta pela apensação das acções em causa.
Sem ceder a argumentos de mera forma, de curto alcance no caso, a ponderação das razões, prática/pragmática, da disciplina adjectiva imporia que se declinasse a inquirição das AA. como testemunhas, logo após as ter ouvido na qualidade de partes.
Com efeito, embora as acções apensadas mantenham a sua autonomia do ponto de vista substantivo, a circunstância de comungarem dos requisitos que determinaram a sua apensação impõe-lhes, em termos de disciplina, a sujeição ao escopo da junção que, passando pela economia de actividade, postula a uniformidade do seu tratamento, com instrução, discussão e julgamento conjuntos.
Como ensinava Alberto dos Reis, em doutrina ainda com plena actualidade, (Comentário ao C.P.C., Vol. 3.º, pg. 219), a junção de causas conexas visa obter os benefícios processuais que se obteriam se as acções, em vez de terem sido propostas separadamente, houvessem sido acumuladas logo no início: quer dizer, a junção há-de conduzir aos resultados a que conduziria a simples cumulação ou a coligação, sendo esses resultados a unidade de instrução e discussão e a unidade de decisão.
Em consequência da apensação as várias causas ficam unificadas sob o ponto de vista processual: o processo há-de passar a ser comum a todos.

É, pois, perfeitamente pertinente a invocação da Jurisprudência desta Relação, em conformidade, (Ac. RC. de 6.1.1987, in BMJ n.º 363/608), que se mantém, em cujos termos de síntese, ‘A apensação de acções – que tem por objectivos a economia processual e o interesse na uniformidade de julgamentos – implica a instrução e apreciação conjunta das acções apensadas’.

Não tem qualquer relevo a circunstância, também invocada em contraposição, de haverem já sido admitidos os róis de testemunhas nos processos que vieram a ser apensados.
A apensação implica, como se disse, uma nova realidade, com um objectivo específico: a unificação processual subsequente, uniformizando as fases da instrução/discussão e decisão.
Por isso, sendo a causa de pedir comum às três AA., (cujos pedidos apenas divergem em termos quantitativos), e tendo já sido ouvidas como partes, não podem a seguir – sob pena de clara subversão dos princípios – ser inquiridas como testemunhas umas das outras…sobre os mesmos factos em que, afinal, fundam o seu próprio pedido!
Ao admitir-se tal possibilidade, estar-se-ia a afrontar, por forma enviesada, a regra constante do art. 617.º do C.P.C.: ‘Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes’.

Assiste, assim, inteira razão à R. quando denuncia, com absoluto a propósito, que – e transcrevemos das suas alegações – …’É, no mínimo, caricato, que a parte preste o seu depoimento de parte, assista aos depoimentos de parte das outras AA. e a seguir venha, essencialmente sobre os mesmos factos, prestar novamente depoimento, desta feita como testemunha’.

Procedem os fundamentos da sua reacção.
As AA., que prestaram depoimento de parte, não deveriam ter sido consentidas a depor como testemunhas.
Tendo-o sido embora, o seu depoimento apenas releva/será valorado na parte relativa aos factos sobre que, enquanto prova por confissão provocada, podia recair.
E esse acabou por ser afinal o resultado prático, materializado na decisão de facto, onde o Tribunal procedeu – conforme cautelarmente deixara já anunciado, ‘malgré tout’, aquando da admissão da prestação dos depoimentos das AA. no papel de testemunhas – à apreciação crítica dessa específica prova produzida pelas AA. na dita dupla qualidade
O seu depoimento não poderia ter outra dimensão.
…. …. …. ….

2.2 –
A solução dada ao agravo da R. condiciona fatalmente, no essencial, como se deixou dito, o resultado da questão proposta pelas AA. relativa à ‘Impugnação da decisão de facto/Reapreciação da prova gravada’.
Sob esta epígrafe pretextavam as AA. que o Tribunal 'a quo' deu como não provados factos que o deveriam ter sido e deu como provado um facto que o não deveria ter sido, de acordo com aqueles que devem considerar-se provados.
O vício de apreciação que se denunciou e se vinha tentar reparar …’prende-se como alegam – com o modo como foram valorados os depoimentos das testemunhas A..., B... e C... (precisamente as três AA.), indicadas por estas, reciprocamente…e da Eng.ª G..., indicada apenas pela R.
A impugnação levada a cabo assenta fundamentalmente no pressuposto que a decisão do agravo jugulou, ou seja, na putativa credibilidade do depoimento das ditas ‘testemunhas’.
Essa questão está, pelo sobredito, fatalmente prejudicada.
A matéria de facto mantém-se, pois, intocada, nessa parte.

O mais impugnado respeita a aspectos menores, de importância residual, que não relevam no conjunto da factualidade significante, nada justificando, mesmo a título acessório ou instrumental, que nos ocupemos na tarefa da sua pretendida rectificação/recuperação.
Lembramos, por exemplo, a suscitada problemática relativa à prova da nacionalidade (dinamarquesa?) do gerente da R., Sr. E...…
…E o facto de falar (ou não) mais ou menos fluentemente a língua portuguesa…
…Ou de falar em inglês (ou dinamarquês) quando se dirige à esposa…
…Ou ainda que, quando entraram no gabinete, o Sr. Mortensen mandou sentar a A. B... de forma rude… e que na altura dos factos esta foi acometida de uma crise de choro…
… … …
Ante a demonstrada inconsistência dos respectivos fundamentos, vencidas ficam as correspondentes asserções conclusivas.

2.3 -
Resta-nos enfrentar a questão de fundo, a de analisar e decidir se, no contexto de facto fixado, a rescisão dos contrato de trabalho por banda das AA. se pode considerar fundada em justa causa e, por isso, com direito à reclamada indemnização.

Tudo visto e ponderado, podemos desde já adiantar que – pese embora o respeitável denodo das AA. na demonstração da pretensa força dos seus argumentos – a decisão ora 'sub judicio' ponderou, criteriosa e sensatamente, todos os factores relevantes, fazendo prevalecer a solução certa.
Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato, com direito a indemnização de antiguidade – arts. 34.º a 36.º da LCCT, o D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
A justa causa de rescisão comunga da noção geral de justa causa constante do art. 9.º/1 do mesmo Diploma, devendo ser apreciada nos termos do n.º5 do seu art. 12.º, com as necessárias adaptações, ou seja, há-de analisar-se num comportamento culposo, que pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, juízo esse alcançável como resultado da ponderação dos vectores e circunstâncias adrede relevantes, que passam pela consideração, no quadro da gestão da empresa, do grau de lesão dos interesses dos trabalhadores versus empregador, do carácter das relações entre as partes e demais condicionantes de contexto que se mostrem pertinentes.
E, na ponderação dos valores conflituantes, privilegiar-se-á a solução que – como tantas vezes se tem dito e visto/ouvido dizer e é aliás consabido – consubstancie, na apreciação do caso concreto, a opção pela manutenção do vínculo, por conhecidas razões, sempre que esta não constitua uma afrontosa, infundada e por isso injusta imposição.

Em síntese, procuraremos averiguar se, no contexto factual de significação, o objectivado comportamento do R./empregador entronca numa sua culpa exclusiva e relevante e se a conduta é, em si e nas suas consequências, susceptível de gerar uma situação de imediata impossibilidade da subsistência do vínculo, sendo inexigível que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.
Tudo isso foi ponderado, como deflui da análise e fundamentação da decisão sob protesto.
E se, num primeiro conspecto, vistas as coisas isoladamente, a actuação do empregador pareceria gratuita e de todo reprovável – a exorbitar o razoavelmente suportável …e a legitimar a pronta reacção das AA. – a consideração do contexto e a (no mínimo…) inexplicável prestação das trabalhadoras, se não justifica de todo (como não justificará…, convimos) a reacção descontrolada/desesperada do gerente da R., sempre mitiga, em grande medida, a densidade da culpa e a consequente censurabilidade.

As AA. não quiseram ponderar minimamente o outro lado do problema, quedando-se na pretensa suficiência da perspectiva unilateral dos seus direitos…esquecendo-se dos seus deveres e…dos direitos dos outros!
Esqueceram-se nomeadamente que eram profissionais competentes, com largos anos de experiência, e que isso lhes acarretava uma particular responsabilidade em termos de envolvimento nos objectivos da empresa, na confiança da hierarquia no seu desempenho e na assunção do dever de cumprir as determinações relativas à sua prestação funcional.
Ignoraram a situação (naturalmente do seu conhecimento) de particular dificuldade económico-financeira por que passava então R., que se encontrava em processo de recuperação de empresa, num sector de actividade em notória crise estrutural.
Ignoraram que a sustentabilidade dos seus salários contava com a intervenção do Fundo de Garantia Salarial.
Surgida, neste contexto difícil, uma encomenda de garrafas, que, de acordo com as instruções dadas, deveriam ser embaladas com a etiqueta da fábrica colada e a rolha colocada dentro de um saco de plástico, preso ao gargalo por um elástico, as AA., sem qualquer justificação ou explicação, (que não se imagina sequer plausível), embalaram as ditas garrafas em pedaços de plástico sujos e velhos, com restos de papel e de fita-cola usada, situação que foi detectada por acaso imediatamente antes da entrega da encomenda ao cliente, levando a que a R. tivesse de refazer totalmente o serviço de embalamento de todas as garrafas…
Ora, não será muito difícil imaginar a reacção do gerente, (de um qualquer gerente de uma empresa nas circunstâncias da R.), ao tomar conhecimento de uma situação como a descrita!
Censuráveis embora os excessos impulsivos/temperamentais de que falam os factos seleccionados, não deixa todavia de ser compreensível, em grande medida, o transtorno e o descontrole do Sr. E...…
…Tanto mais quanto tardava (como ainda não foi adiantada …o que não é normal!) uma qualquer explicação para o sucedido, por banda das AA….
…Que se apressaram a rescindir os contratos de trabalho, com igual ou maior urgência que a R. em lhes mover, como moveu, processos disciplinares…

Em resumo deste ponto se dirá que a reacção do empregador, embora excessiva, não deixa de ser motivada.
Desencadeada por uma prestação funcional injustificadamente defeituosa, em afronta a claras determinações sobre a execução daquela encomenda, num contexto de particular melindre e em plena crise de viabilidade da R., a descrita conduta do legal representante da R. não constitui motivo válido, justa causa para rescisão, na falada dimensão axiológico-normativa postulada pelo art. 35.º da LCCT, susceptível de conferir às AA. a reclamada indemnização.
Bem se ajuizou, pois.
Não foram violadas as normas identificadas, ou outras, soçobrando as conclusões da motivação.
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III – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se:
1 – Conceder provimento ao agravo interposto pela R.;
2 – Negar provimento ao recurso de Apelação, deduzido pelas AA., confirmando a douta sentença, na parte impugnada.
Custas pelas AA.
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Coimbra,