Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | COELHO DE MATOS | ||
Descritores: | DEPOIMENTO DE PARTE REQUERIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 12/06/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE CELORICO DA BEIRA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 552.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | O depoimento de parte não pode ser requerido para incidir sobre toda a matéria articulada, devendo concretizar-se os factos cujo esclarecimento se pretenda por esse meio de prova | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra 1. A... e mulher B... demandaram, na comarca de Celorico da Beira, C..., e mulher D...; E... e marido F... e G... e mulher H... em que pedem, além do mais, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre um prédio rústico confinante com um outro dos réus e essencialmente sobre uma parcela de terreno de que uns e outros se arrogam donos. 2. Notificado o saneador às partes, veio a ré E... requerer o depoimento dos seus compartes C... e G... a toda a matéria constante da base instrutória. Requerimento que foi indeferido com fundamento de que resulta da conjugação dos artigos 352.º e seguintes do Código Civil com o artigo 552.º do Código de Processo Civil ser o depoimento de parte um meio de prova pelo qual se pretende conseguir que o depoente reconheça a realidade dum facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, sendo um meio pelo qual pode ser produzida uma confissão judicial provocada. E sendo assim só é admissível relativamente a factos que desfavoreçam o depoente e que favoreçam a parte contrária. 3. Inconformada a requerente agrava para esta Relação, concluindo. 1) A decisão em causa faz errónea interpretação dos artigos 552° e 553°, n.º 3, ambos do CPC, bem como dos artigos 352° e ss. do Código Civil. 2) Efectivamente ao propugnar pelo indeferimento do requerimento das compartes alicerçado nos preceitos normativos em referência o Mmo. Juiz omitiu que um facto alegadamente favorável tem sempre um lado simétrico desfavorável. 3) Como refere LEBRE DE FREITAS (ob. e locais citados) "O depoimento da parte sobre um facto que tenha o ónus de alegar e provar pode conduzir à conclusão de que esse facto não se verificou, o que constitui consequência desfavorável ao depoente. " 4) Neste conspecto, a interpretação sufragada dos sobreditos incisos peca exactamente por olvidar as vertentes em causa. 5) Por outro lado, a decisão posta em crise, ao rejeitar integralmente a prestação dos depoimentos das compartes da requerente, também adopta um prisma de actuação incompatível com a filosofia imanente à dinâmica do processo civil. 6) Na verdade, entendendo o Mmo. Juiz que o depoimento de parte só pode versar sobre factos à partida desfavoráveis a quem o presta apenas poderia rejeitar tal meio de prova na parte em que este incidisse sobre factualidade que não merecesse esse juízo, 7) e já não, obviamente, indeferir totalmente o requerido. 8) Efectivamente, a tipologia de actuação sugerida é aquela que se compagina com o perfil do juiz activo, prioritariamente envolvido na descoberta da verdade e na eleição da solução justa, independentemente das falhas -reais ou virtuais -cometidas pelas partes. 4. Não foram apresentadas contra-alegações. Foi confirmado o despacho recorrido. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre conhecer e decidir, com base nos elementos que resultam dos pontos 1. e 2. supra. Sobre o depoimento de parte dispõe o artigo 552.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que “ quando o depoimento seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há-de recair.” E dispõe o artigo 554.º, n.º 1 do mesmo Código que “o depoimento só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.” Daqui parece emergir, liminarmente, o carácter redutor do requerimento de prova por depoimento de parte face ao requerimento da generalidade das provas, e em particular de depoimentos de prova testemunhal. Se assim não fosse não faria sentido a particularização que a lei faz nesta matéria com referência ao depoimento de parte. No confronto destes normativos com o disposto nos artigos 352.º, 356.º, n.º 2, 358.º, n.º 1 e 2 e 361.º do Código Civil permite-se concluir que o depoimento de parte é um dos meios de prova admitidos em Processo Civil, com vista a possibilitar a obtenção de confissão de factos, em juízo, pela parte a quem são desfavoráveis e que, ao requerer-se o depoimento da parte, devem ser discutidos os factos sobre que há-de recair, devendo aqueles ser pessoais ou ser daqueles que ela deva ter conhecimento. A nossa questão incide sobre o depoimento requerido e por isso se fala em confissão provocada. Mas o juiz pode determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento sobre factos que interessem à discussão da causa e nessa medida fica salvaguardada a dúvida da agravante sobre o que diz ser exigido pelo “perfil do juiz activo, prioritariamente envolvido na descoberta da verdade e na eleição da solução justa, independentemente das falhas -reais ou virtuais -cometidas pelas partes”. E nessa medida, compreensivelmente, não existe a limitação imposta ao requerente que provoca o depoimento da parta contrária ou do seu comparte. Como explica o Prof. Alberto dos Reis ( Código de Processo Civil anotado, IV, págs. 131), esta exigência foi introduzida no Código de Processo Civil “para que a parte de quem se requer o depoimento e o juiz que há-de autorizá-lo e dirigi-lo fiquem habilitados a conhecer nitidamente o objecto da diligência, os factos sobre que há-de incidir. A parte carece de o saber para verificar se é obrigada a depor e para, reflectidamente, tomar posição a respeito de cada um dos factos sobre que vai ser interrogada; o juiz carece de o saber para apreciar, com segurança e reflexão, se todos os factos apontados são susceptíveis de constituir objecto de depoimento”. 5. O argumento trazido pela agravante não parece, com o devido respeito, colher apoio legal, na medida em que não respeita a determinação da norma do artigo 554.º, n.º1 do Código de Processo Civil. Mas o argumento de “o depoimento da parte sobre um facto que tenha o ónus de alegar e provar pode conduzir à conclusão de que esse facto não se verificou, o que constitui consequência desfavorável ao depoente”, não significa que o tribunal esteja vedado de conhecer esse tipo de factos e que às partes esteja igualmente vedado fazer sentir a necessidade de produzir a prova, conquanto se entenda que o termo “pode”, inserido no n.º 1 do artigo 552.º do Código de Processo Civil, também significa que “deve”, pois não parece que, em matéria tão crucial, o juiz tenha um poder discricionário, em vez de um poder-dever, legalmente controlável. Por isso continuamos, por enquanto, a estar com a jurisprudência que entende que o depoimento de parte não pode ser requerido para incidir sobre toda a matéria articulada, devendo concretizar-se os factos cujo esclarecimento se pretenda por esse meio de prova.( Cfr. Acórdãos do STJ de 26/06/91, e de 05/11/92, in www.dgsi.pt, n.º convencional JSTJ00010856 e JSTJ00017365 e Acórdão desta Relação, de 02/05/2000, in www.dgsi.pt, Proc. 1309/2000), sendo que também a doutrina mais conhecida nos acompanha neste entendimento. ( Cfr. A. Reis, já citado; A. Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 326 e M. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 247.) 6. decisão Pelo exposto, acordam os juízes desta relação em negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida. Custas a cargo da agravante. Coimbra, Relator: Coelho de Matos; Adjuntos: Ferreira de Barros e Helder Roque |