Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
443/10.1TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
CADUCIDADE
NOVA ADMISSÃO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Data do Acordão: 11/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 129º, 131º, 143º, Nº 1, E 344º, Nº 1 DO C.T.
Sumário: I – A contratação a termo não só tem que ser fundamentada, como, em regra, obedece a limites temporais definidos (artºs 129º e 131º do CT).

II - A cessação de contrato de trabalho a termo por caducidade impede nova admissão através de contrato a termo para o mesmo posto de trabalho, considerando-se sem termo o contrato celebrado em violação do que se dispõe no artº 143º/1 do CT.

III – Mas a celebração de novo contrato não invalida a anterior comunicação de caducidade, transfigurando-a num despedimento ilícito.

IV – A validade da declaração de caducidade está apenas dependente da circunstância de a declaração respectiva ser conforme ao que se dispõe no artº 344º/1 do CT e não de subsequentes actos.

Decisão Texto Integral:    Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Coimbra:

   A..., residente na ..., interpôs recurso da sentença.

   Pede a respectiva revogação com substituição por outra que declare a ilicitude do seu despedimento e condene a Recrdª no pagamento das compensações e indemnizações legais nos termos peticionados nos autos.

   Formula as seguintes conclusões:

[…]

   B..., LDA., sedeada no Parque Industrial da Lorisa, Armazém A, Feital, Loureiro, contra-alegou.

   Conclui pela improcedência do recurso e que a sentença não violou nenhuma das invocadas normas.

   O MINISTÉRIO PÚBLICO junto desta Relação emitiu parecer de acordo com o qual a sentença não merece censura.


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   Os autos resumem-se ao seguinte:

   a... veio intentar a presente acção com processo comum contra B..., Lda., pedindo que se condene a mesma “(a) a reconhecer a ilicitude do despedimento da autora conforme acima se referiu; (b) a pagar à autora a quantia de, pelo menos, 2.505,84€, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação da ré até efectivo e integral pagamento, bem como as demais retribuições que tenha direito até ao trânsito em julgado da sentença nos termos supra referidos”.

   Alegou, para o efeito e em síntese, que celebrou um contrato de trabalho a termo certo com a R., que esta fez cessar esse contrato e contratou uma nova pessoa para desempenhar as suas funções, pelo que o seu contrato não caducou, havendo despedimento ilícito.

   A R. apresentou contestação, defendendo-se por excepção peremptória de remissão abdicativa e por impugnação motivada, concluindo pela sua absolvição.

   Alegou, para o efeito, que a A. declarou ter recebido todos os seus direitos da R. e nada mais ter a reclamar da mesma; que o novo colaborador da R. foi contratado para funções diferentes das da A., nos termos legalmente previstos, não tendo havido qualquer despedimento ilícito.

   A A. respondeu à contestação, alegando que o facto ilegal foi posterior á assinatura que apôs na declaração e que não faz sentido que, 10 dias após a cessação do seu contrato, tenha havido acréscimo excepcional de actividade, e, bem assim, que a dita declaração não traduz qualquer contrato.

   Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. dos pedidos.


***

   Das conclusões acima exaradas, extraem-se as seguintes questões a decidir:

   1ª - A admissão de novo trabalhador acarreta, como consequência, que o contrato celebrado com a A. e declarado caduco, se deva considerar sem termo?

   2ª – Nessa medida, existe, antes, despedimento ilícito?

   3ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?

   4ª – A estipulação de termo no contrato celebrado com a Recrte. é ilegal?

   5ª – Não existe remissão abdicativa?


***

   Por razões de lógica processual, comecemos pelo invocado erro de julgamento da matéria de facto.

[…]


***

   A matéria de facto cuja prova se obteve é a seguinte:

[…]


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   Podemos, agora, deter-nos sobre a questão enunciada em primeiro lugar – as consequências da admissibilidade de novo trabalhador no quadro de cessação do contrato a termo da Recrte..

   Convém, desde já, e porque o pedido limita a decisão jurisdicional, relembrar o pedido na acção em presença: reconhecimento da ilicitude do despedimento da A. e pagamento de indemnização e retribuições deixadas de auferir.

   É, assim, a esta luz, que a decisão terá que orientar-se.

   Posto isto, também não é despiciendo afirmar que, muito embora vigore, no nosso ordenamento jurídico, o princípio da liberdade contratual, tal princípio, no âmbito das relações laborais, padece de algumas restrições, uma das quais se prende, desde há muito – embora com alterações sucessivas e significativas –, com a celebração de contratos a termo e tem como fundamento a natureza do negócio.

   Na verdade, não só tal contratação não é livre, como é formal.

   O fundamento de tal restrição à liberdade contratual advém da vocação de perdurabilidade do contrato de trabalho, ela própria derivada de uma necessidade de estabilidade no emprego – estabilidade que encontra consagração constitucional (Artº 53º da CRP) –, já que esta constitui garantia do sustento não só do trabalhador, como da sua própria família e, assim, garantia de paz social.

   É por isso que a contratação a termo não só tem que ser fundamentada, como, em regra, obedece a limites temporais definidos (Artºs. 129º e 131º do CT).

   O contrato de trabalho a termo encontra, assim, vincada protecção legal, devendo obedecer a exigências de excepcionalidade e temporalidade.

   No caso sub-júdice, em causa está a repercussão na declaração de caducidade da celebração sucessiva de contratos a termo, tendo, porém, como partes, trabalhadores distintos.

   Na verdade, tendo a A. visto ser posto termo ao seu contrato de trabalho a termo com a R. mediante comunicação de caducidade, o que ocorreu em 18/09/2009 para produzir efeitos em 13/10/2009, verifica-se que a R., em 23/10/2009, vem a celebrar com terceiro novo contrato de trabalho a termo para o exercício das funções desempenhadas por aquela.

   Pretende a Recrte. que daqui decorre que a comunicação de caducidade comporta antes um despedimento ilícito.

   Sem razão, porém!

   O Artº 143º/1 do CT dispõe que a cessação de contrato de trabalho a termo, por motivo não imputável ao trabalhador, impede nova admissão ou afectação de trabalhador através de contrato de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho, ou ainda contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, celebrado com o mesmo empregador... antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo renovações.

   O essencial desta norma foi introduzido no nosso ordenamento jurídico no CT de 2003 (Artº 132º) e por força da Directiva nº 1999/70/CE do Conselho de 28/06/99, que, por sua vez, visou a adopção de um acordo quadro relativo a contratos de trabalho a termo em cuja base esteve a preocupação com os abusos decorrentes da celebração de contratos a termo sucessivos.

   Ocorre, porém, que no confronto com o que acabou por ficar consagrado com o que era o regime legal anterior (Artº 41ºA do DL 64A/89 de 27/02), se constata uma “significativa regressão em matéria de protecção do trabalhador contratado a termo contra o principal perigo que o legislador comunitário identificou nesta matéria, o risco da espiral de contratação a termo” (Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 600), concretizada na formulação legal ora assumida, por referência, não ás funções desempenhadas, mas sim por referência ao posto de trabalho.

   De todo o modo, a questão que nos ocupa não se prende com esta problemática, porquanto não se discute que a nova contratação tenha sido para o mesmo posto de trabalho.

   Antes se pretende que a nova contratação se repercuta na declaração de caducidade, invalidando-a.

   Contudo, da análise que fazemos da lei não é essa a conclusão a extrair.

   A lei dispõe claramente sobre as consequências da nova admissão em violação do preceituado no Artº 143º, consequências essas que se reflectem no contrato celebrado a posteriori, e não na declaração que configura a anterior cessação.

   Na verdade, é agora claro que se considera sem termo o contrato de trabalho celebrado em violação do disposto no Artº 143º/1 do CT (Artº 147º/1-d)), seja o contrato de trabalho celebrado entre as mesmas partes, seja aquele que envolva um terceiro, situação que, em face do anterior código oferecia dúvidas como nos dá conta Jorge Leite para quem, se, fora das condições expostas na norma em referência, “o mesmo posto de trabalho for ocupado pelo mesmo trabalhador, o seu contrato se considera sem termo”. Já o “Código nada diz, porém, sobre as consequências da admissão a termo de outro trabalhador por contrato celebrado com violação do disposto no nº 1 do Artº 132º” (Questões Laborais, Coimbra Editora, Nº 27, 25). Entendimento este também defendido no Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e Outros, Almedina, 2º Ed., 242).

   Porém, o Artº 143º reporta-se ás repercussões que a anterior cessação de contrato a termo tem sobre a nova contratação, pelo que, não estando esta aqui em causa, é irrelevante a discussão sobre se se preenchem ou não as situações excepcionadas no nº 2 da mesma disposição legal.

   Do mesmo modo, não se pode extrair da nova contratação em violação do Artº 143º/1 a consequência da invalidade do termo do contrato de trabalho celebrado com a A. em data anterior e sem qualquer nexo causal com o que ali se dispõe (o que parece pretender a Recrte. na conclusão 2ª), porquanto os vícios relativos à aposição da clausula de termo devem verificar-se no momento da respectiva aposição.

   Também é claro que a celebração de novo contrato em violação do que se dispõe no Artº 143º/1 do CT constitui contra-ordenação grave.

   Mas, quer do que se dispõe no Código, quer dos princípios inerentes à protecção da contratação a termo não há como concluir conforme pretendido pela Recrte., ou seja, que a anterior comunicação de caducidade traduz, a final, um despedimento ilícito por força da circunstância de se ter vindo a contratar um terceiro em condições eventualmente não admissíveis.

   A validade da declaração de caducidade está apenas dependente da circunstância de a declaração respectiva ser conforme ao que se dispõe no Artº 344º/1 do CT e não de subsequentes actos.

   Quando muito, poderíamos estar em presença de violação da preferência na admissão, circunstância em que haveria lugar indemnização no valor correspondente a três meses de retribuição base (Artº 145º/1 e 2 do CT). Contudo, não é esse o pedido formulado na acção e, por isso, é inócua a discussão acerca de tal questão.

   Termos em que improcede a questão em análise.

   A terceira questão prende-se com a ilicitude do despedimento.

   Esta questão estava dependente da resposta afirmativa á questão precedente, ou seja, dependia de se considerar sem termo o contrato de trabalho celebrado com a Recrte. por força da violação do Artº 143º/1 do CT.

   Fica, pois, prejudicado o respectivo conhecimento em face do que já se explicou anteriormente.

   A quarta questão traduz-se na invalidade da estipulação do termo.

   Ocorre, porém, que esta questão, tal como também vem reconhecido pela Recrte., é uma questão apenas trazida ao recurso. Não foi suscitada na acção, nem constituiu causa de pedir.

   Está, assim, este Tribunal impedido de dela conhecer, pois, como é sabido, os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais (Artº 676º/1 do CPC).

   Dito de outra forma, os recursos “são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre” (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 147).

   Assim, “a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões que já tenham sido submetidas ao tribunal de categoria inferior” (António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil Novo Regime, Almedina, 25).

   Desta regra, excepcionam-se apenas as questões de conhecimento oficioso, o que não é, manifestamente, o caso.

   Termos em que não se conhece da questão.

   Por fim, a quinta questão, que se prende com a remissão abdicativa.

   Não se tendo reconhecido qualquer direito à Recrte., o conhecimento desta questão fica prejudicado.


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   Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar, embora com diversos fundamentos, a sentença recorrida.

   Custas pela Recrte.


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MANUELA BENTO FIALHO (Relatora)

LUÍS AZEVEDO MENDES

JOAQUIM JOSÉ FELIZARDO PAIVA