Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | AZEVEDO MENDES | ||
Descritores: | CRÉDITO PENHORA ISENÇÃO | ||
Data do Acordão: | 06/18/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | VISEU – 1º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 823º, Nº 1, CPC; 1º A 8º DO DEC. LEI Nº 460/77, DE 7/11, ALTERADO PELO DL Nº 391/2007, DE 13/12 | ||
Sumário: | I – Não basta o objecto prosseguido por uma pessoa colectiva para que lhe seja reconhecida a qualidade de pessoa colectiva de utilidade pública. II – Essa qualificação não é de carácter automático, antes resulta de específicas condições de atribuição e de reconhecimento pela entidade estadual competente (artºs 1º a 8º do Dec. Lei nº 460/77, de 7/11, alterado pelo DL nº 391/2007, de 13/12). III – O artº 823º, nº 1, do CPC, contempla a situação de bens de entidades concessionárias de serviços públicos que se encontrem especialmente afectados à realização de fins de utilidade pública. IV – Tendo a executada subscrito os chamados Protocolos de Execução de Acções de Profilaxia Médica e Sanitária da Direcção-Geral de Veterinária (Portaria nº 178/2007, de 9/02), tais acções sanitárias têm de se reputar como um serviço público (acções de utilidade pública). V – Os créditos por subvenções anuais relativas a esses protocolos, destinadas a apoiar a execução das referidas acções, estão isentos de penhora, nos termos do artº 823º, nº 1, do CPC. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Na pendência de execução para pagamento de quantia certa, a requerente – ali executada – deduziu oposição à penhora A executada deduziu oposição à penhora de crédito seu sobre o Instituto A..., I.P., no montante de € 12 727,63, alegando que esse crédito representa parte da “subvenção” concedida à executada enquanto entidade envolvida na “intervenção sanitária e na erradicação das doenças dos ruminantes”, pelo que não é passível de penhora, atento o preceituado no artº 823º, nº 1 do Código de Processo Civil. A exequente respondeu à oposição, defendendo que a executada não beneficia da qualidade de “pessoa colectiva de utilidade pública” conforme exige aquela norma do CPC e tem outras fontes de receita, pelo que “o crédito penhorado (...) não põe em risco a actividade da executada”, razões pelas quais aquele crédito não está isento de penhora. Prosseguindo o incidente processual, o Ex.mo juiz da 1ª instância proferiu despacho decidindo pela procedência da oposição e, em consequência ordenou o imediato levantamento da penhora.
É deste despacho que a requerida vem agora agravar apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões: “1- Constituem receitas da executada: a) as jóias de admissão dos associados; b) as subvenções, os subsídios do estado ou de quaisquer entidades; c) os juros provenientes de importâncias depositadas. 2- As receitas da executada provêm de várias fontes, sendo que as subvenções que recebe são uma das várias modalidades de financiamento para o normal desempenho da sua actividade. 3- O crédito penhorado no montante de 12.727,63 € do Instituto A..., I. P é uma das modalidades de financiamento da executada. 4- Consagra o artº 823 nº 1 do C.P.C. que estão isentos de penhora, salvo tratando-se de execução para pagamento de dívida com garantia real, os bens do Estado e das restantes pessoas colectivas públicas, de entidades concessionárias de obras ou serviços públicos ou de pessoas colectivas de utilidade pública, que se encontrem especialmente afectados à realização que de fins de utilidade pública. 5- Não se encontra provado que o bem penhorado se encontra especialmente afecto á realização de fins de utilidade pública, nem tão pouco foram alegados factos donde o Tribunal possa concluir ou emitir tal juízo assertivo. 6- Não se pode confundir o fim ou escopo social da executada com a afectação especial de determinados bens à realização de fins de utilidade pública. 7- O bem penhorado, a subvenção que recebe do IFADAP sendo uma das várias receitas, era e é pela executada destinado ao pagamento de salários, despesas de transportes, encargos da segurança social, telefones, despesas de instalações (água, electricidade) etc. 8- Quanto a ele não ocorre “qualquer especialidade” ou requisito que determine a sua impenhorabilidade tout court. 9- Ao aceitar-se a posição definida pelo Mº Juiz a quo verifica-se a inexequibilidade do título executivo (sentença), vendo-se a exequente confrontada com a impossibilidade de cobrar o seu crédito. 10- O crédito da Autora integra, além do mais, o pagamento de salários, sendo que à executada não lhe são conhecidos outros bens susceptíveis de penhora. 11- O Sr. Juiz a quo fez uma interpretação errada do artº 823º do C. P. C. e foram violados entre outros os arts. 120 alínea b) e artº 122 alínea a) do Cód. do Trabalho e ainda o artº 59 da C. R. P. 12 - Deve, pois, ser revogado o douto despacho de fls. por outro onde se declare a penhora do crédito e consequentemente o prosseguimento da execução com todas as consequências legais.”
A requerente apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso. Por sua vez, recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto, defendendo que o recurso deve merecer provimento. Não houve resposta a este parecer. * II. As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso. Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, o objecto do recurso, é a de saber, como refere o Ex.mo PGA, no seu parecer, da (im)penhorabilidade da subvenção concedida pelo Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas à executada para que esta desenvolva acções de intervenções sanitária na erradicação das doenças dos ruminantes.
Vejamos: A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:
Prosseguindo, ao que aqui nos interessa, dispõe o artigo 823º nº 1 do Código de Processo Civil: “Estão isentos de penhora, salvo tratando-se de execução para pagamento de dívida com garantia real, os bens do Estado e das restantes pessoas colectivas públicas, de entidades concessionárias de obras ou serviços públicos ou de pessoas colectivas de utilidade pública, que se encontrem especialmente afectados à realização de fins de utilidade pública”. Como refere o Ex.mo PGA no seu parecer, não basta o objecto prosseguido pela pessoa colectiva para que lhe seja reconhecida a qualidade de pessoa colectiva de utilidade pública. Essa qualificação não é de carácter automático, antes resulta, nos termos previstos pelo Dec. Lei nº 460/77, de 7/11, (alterado pelo DL 391/2007, de 13/12) de específicas condições de atribuição e de reconhecimento pela entidade estadual competente (v. arts. 1º a 8º). Ora, a executada não alegou nem demonstrou, como lhe competia, que foi declarada a sua qualidade de pessoa colectiva de utilidade pública. Todavia, o artº 823º do CPC recorta ainda a situação de bens de entidades concessionárias de serviços públicos que se encontrem especialmente afectados à realização de fins de utilidade pública. Importa, assim, verificar se a executada pode ser considerada uma entidade concessionária de serviços públicos. Sustenta ainda que não está provado que o crédito penhorado se encontra especialmente afecto á realização daqueles fins de utilidade pública, nem tão pouco foram alegados factos donde o tribunal assim possa concluir. Sem razão, a nosso ver. Ficou expressamente provado que (factos 9. e 10.) para a execução das acções constantes nos programas sanitários das OPP é atribuída uma subvenção anual, destinada a apoiar a execução daquelas acções, tendo em consideração os efectivos elegíveis de cada exploração e que a quantia de € 12 727,63 referida em d), supra, integra a subvenção anual destinada a apoiar a realização/concretização das acções previstas no Protocolo celebrado entre a Direcção-Geral de Veterinária e a executada, referente ao ano de 2008. Ou seja, perante tais factos, deve considerar-se, sem margem para dúvidas, que o crédito em questão está especialmente afecto á realização daquelas acções (de utilidade pública). A executada terá outras receitas, como refere a agravante, eventualmente afectas a outras actividades. Mas a subvenção em causa não pode deixar de estar apenas afectada aos fins do Protocolo referido. Refere também que a executada utilizava a subvenção no pagamento de salários, despesas de transportes, telefones etc. Tal não se encontra provado. Mas, como diz o Ex.mo PGA, no seu parecer, ainda que tal tivesse sido estabelecido, não seria possível concluir-se daí que a verba não era afecta aos referidos fins de utilidade pública, sendo patente que as acções de profilaxia médica e sanitária nos animais se realiza através de uma estrutura humana e material que as permita, com despesas próprias. Em suma, como se refere no Acórdão da Relação de Évora de 06.11.2003, in CJ, t. 5, 253, (consultável em CJ-online, ref. 8258/2003), tirado a respeito de um caso semelhante ao dos autos, podemos concluir que a subvenção em causa está afectada ao funcionamento de um serviço de utilidade pública, prestado pela executada, não passando esta de uma “entidade delegada ou concessionada, no âmbito do plano nacional de Saúde Animal, agindo no interesse do Estado, numa verdadeira actuação de "outsourcing", tão frequente no mundo de hoje”. Encontra-se, assim e a nosso ver, o crédito penhorado afectado a fins de utilidade pública, pelo que a penhora colide com o disposto no art. 823º do CPC., o qual estabelece a sua isenção de penhora. Assim sendo, tem de improceder o recurso.
* III- DECISÃO Pelos fundamentos expostos, e sem necessidade de outros considerandos, delibera-se julgar improcedente o recurso de agravo e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida, ainda que com diverso fundamento.
Custas do recurso pela recorrente. |