Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5166/06.3TBLRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
PRAZO
Data do Acordão: 04/01/2008
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGOS 145º, NºS 4, 5 E 6;351º, Nº 1 E 353º, Nº 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGOS 279º; 333º, Nº 2 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Os embargos de terceiro mantêm a sua natureza de acção declarativa, autónoma e especial, ainda que, funcionalmente, dependentes, por via de regra, do processo de execução.
2. O prazo para dedução dos embargos de terceiro é extintivo do respectivo direito potestativo de acção, o que significa tratar-se de um prazo de caducidade, cujo decurso, ainda que demonstrado, quando estabelecido em matéria inserida no âmbito da disponibilidade das partes, não pode ser objecto do conhecimento oficioso do Tribunal.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

            “A....., Ldª”, interpôs recurso de agravo da decisão que, nos autos de embargos de terceiro que deduziu contra o exequente B....., na execução com processo comum por este instaurada contra “S….., Ldª”, todos, suficientemente, identificados nos autos, rejeitou, por extemporaneidade, os presentes embargos de terceiro, terminando as suas alegações, onde sustenta a revogação da decisão sob recurso, formulando as seguintes conclusões:

            1ª – O prazo para a dedução de embargos de terceiro previsto no artigo 353º, nº 2, do CPC, tem natureza judicial e é contado por força do disposto no nº 4 do artigo 144º, do CPC, nos termos dos nºs 1 a 3 do mesmo artigo.

            2ª – “(…) apesar de configurados processualmente como incidente de instância, os embargos de terceiro continuam a manter a estrutura de uma acção declarativa, conforme resulta claramente do disposto no artigo 357º do CPC, tendo natureza judicial o prazo (…)”.

            3ª – Tendo a embargante tido conhecimento da penhora no dia 20.07.2007, e tendo instaurado a acção de embargos de terceiro no dia 6.09.2007, tal acção deu entrada em juízo no prazo previsto no artigo 353º, nº 2, do CPC.

            4ª – Na douta sentença não se fez correcta interpretação do disposto nos artigos 353º, nº 2 e 144º, do CPC, normas que foram violadas.
Não foram apresentadas contra-alegações. 
O Tribunal «a quo» sustentou a decisão questionada, entendendo não ter causado qualquer agravo à recorrente.

Este Tribunal da Relação considera que se encontram provados, com interesse relevante para a decisão do mérito do agravo, os seguintes factos:

1 – Por apenso à execução comum em que B….. demanda “S…. Lda”, para dele haver a quantia de 6.801,84€, após acção declarativa condenatória, veio a embargante “A…… Lda”, instaurar a presente acção de embargos de terceiro, pedindo que se ordene o levantamento da penhora que incidiu sobre o veículo, de matrícula 18-80-RC.

2 – Invoca, para tanto, que adquiriu a referida viatura à executada, em 13 de Abril de 2006, pelo preço de 7.500,00€, altura em que esta lhe entregou a mesma e, desde então, o automóvel tem estado nas suas instalações, para venda.

3 - Mais alega que já procedeu à reparação da viatura e à sua revisão, embora não a tenha registado, em seu nome.

4 - Invoca ainda que a penhora ocorreu, em 20 de Julho de 2007, data em que teve conhecimento da mesma.

5 – A petição inicial de embargos de terceiro deu entrada em juízo, no dia 6 de Setembro de 2007.

            6 – O Exº Juiz, entendendo que o prazo da propositura da acção de embargos de terceiro é um prazo de natureza substantiva, que se inicia com o conhecimento de um determinado facto, e que a presente acção deu entrada em juízo, em 6 de Setembro de 2007, esgotado que estava o prazo de 30 dias, legalmente estabelecido, que não pode ser entendido como prazo judicial, que se suspende nas férias judiciais, e porque se trata de matéria de conhecimento oficioso, apreciando a questão da tempestividade dos embargos de terceiro, desde logo, na fase introdutória, julgou-os extemporâneos, rejeitando-os em conformidade.

                                                               *

Tudo visto e analisado, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, no presente agravo, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:

I – A questão da tempestividade da propositura dos embargos de terceiro.

II – A questão do conhecimento oficioso da tempestividade dos embargos de terceiro.

                             I. DA TEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS

            Dispõe o artigo 351º, nº 1, do CPC, que “se a penhora ou qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, prossegue o nº 2, do artigo 353º, do mesmo diploma legal, deduzindo embargos de terceiro”, “…, nos 30 dias subsequentes aquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa,…”.

            Os embargos de terceiro constituem o meio, especialmente, previsto para a defesa da posse ou de qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, judicialmente, ordenada de que o titular seja alvo, sendo um meio de reacção tutelador da posse, dirigido contra diligências judiciais que a ofendem[1].

Não obstante a sua inserção sistemática, com a Reforma do Processo Civil de 1995/96, no capítulo dos “Incidentes da Instância”, esta nova arrumação não alterou, substancialmente, a sua fisionomia, não lhes retirou a natureza de acção declarativa[2], autónoma e especial, ainda que, funcionalmente, dependente, como acontece no caso concreto, do processo de execução, em relação ao qual correm por apenso, nos termos do disposto pelo artigo 353º, nº1, do CPC, consubstanciando-se nas acções de manutenção, com função preventiva, e nas acções de restituição, com função repressiva, em conformidade com o estipulado pelos artigos 1278º e 1285º, do Código Civil (CC), e 359º, do CPC.

Aliás, os embargos de terceiro desempenham a mesma função que as acções possessórias, propriamente ditas, isto é, são meios de defesa e tutela da posse, ameaçada ou violada, acontecendo que exercem essa função, no caso particular de a ameaça ou a ofensa da posse provir de diligência judicial[3].

Ora, desde logo, as acções de manutenção, bem como as de restituição da posse, caducam, se não forem intentadas dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele, quando tenha sido praticado a ocultas, atento o preceituado pelo artigo 1282º, do CC.

            Iniciando-se o prazo para a dedução dos embargos de terceiro, a partir do momento em que o embargante teve conhecimento do acto ofensivo da sua posse, ao respectivo termo, enquanto prazo de caducidade se trata, são aplicáveis as regras gerais de contagem, constantes do artigo 279º, do CC[4].

            Por outro lado, enquanto incidente inserido na tramitação de uma causa, observar-se-ão, neste particular, na ausência de regulamentação especial, as disposições que lhe são próprias e, na sua falta, as regras gerais dos “Incidentes da Instância”, nos termos do disposto pelo artigo 302º, do CPC.

            Porém, sendo omissa a regulamentação geral sobre a contagem do prazo da propositura destes incidentes, importa recorrer às regras gerais aplicáveis à causa principal, pelo que, vivendo os embargos de terceiro, por via de regra, na órbita do processo executivo, nada obsta à aplicação, por força do preceituado pelo artigo 466º, do CPC, das regras do cômputo do termo, previstas no artigo 279º, do CC.

            A isto acresce que, seguindo os embargos de terceiro os termos do processo ordinário ou sumário de declaração, conforme o valor, depois de recebido e de notificadas as partes para contestar, nos termos do estipulado pelo artigo 357º, nº 1, do CPC, não faria sentido, na falta de regulamentação especial, aliás, inexistente, tramitar o mesmo procedimento, segundo regras diversas, consoante a fase processual em que se desenvolvesse, ou seja, com obediência às regras do prazo judicial ou processual, na fase introdutória, a que alude o artigo 354º, e com sujeição ao figurino do prazo substantivo ou civil, na fase contraditória posterior.

            Efectivamente, o prazo a que aludem os artigos 351º, nº 1 e 353º, nº 2, do CPC, para a dedução dos embargos de terceiro, é extintivo do respectivo direito potestativo de acção, o que significa tratar-se de um prazo de caducidade[5], porquanto define a vida de um direito, ou seja, o direito à propositura ou não dos embargos de terceiro, integrando a própria arguição do direito que se visa tutelar, devendo, consequentemente, observar-se o disposto no 343º, nº 2, do CC, por força do qual não tem o embargante de alegar e provar a sua dedução tempestiva, cabendo antes ao embargado a prova de que aquele tinha conhecimento da penhora que ofendeu a sua posse, há mais de trinta dias[6].

            A este propósito, estipula o artigo 343º, nº 2, do CC, que “nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei”.

Por seu turno, o ónus da alegação e prova da extemporaneidade da petição de embargos de terceiro recai sobre o requerido-embargado, em consequência de se tratar de matéria de defesa excepcional, nos termos do preceituado pelo artigo 342º, nº 2, do CC.

Ora, tendo a penhora ocorrido, em 20 de Julho de 2007, data em que a embargante tomou conhecimento da mesma, e tendo a petição de embargos de terceiro dado entrada em juízo, a 6 de Setembro de 2007, por se tratar de um prazo substantivo e não de um prazo judicial, a respectiva contagem não obedece às regras do artigo 145º, nºs 4, 5 e 6, do CPC, mas antes aos princípios próprios do artigo 279º, do CC, devendo, consequentemente, aquela petição ter dado entrada em juízo, no dia 3 de Setembro de 20007, primeiro dia útil após o términus das férias judiciais, por força do estipulado pelo artigo 279º, e), do CC[7], e não, como aconteceu, quatro dias depois.

Estipula, por sua vez, o artigo 333º, nº 2, do CC, que “ se [a caducidade] for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303º”, ou seja, “o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita…”.

A isto acresce que ocorre a exclusão da disponibilidade das partes quando o objecto da relação jurídica substancial controvertida faz parte das relações jurídicas indisponíveis.

Ora, muito embora com os presentes embargos, a agravante pretenda inutilizar o acto de penhora do automóvel, ordenado pelo Tribunal, em consequência da instauração da acção executiva apensa, e, assim, defender a relação jurídica substancial afectada, a matéria em causa não é disciplinada por preceitos cuja imperatividade os torna inderrogáveis, não se encontrando, consequentemente, excluída da disponibilidade das partes.

            Assim sendo, considerando que o prazo prescrito pelos artigos 351º, nº 1 e 353º, nº 2, do CPC, consubstancia um prazo de caducidade, estabelecido em matéria inserida no âmbito da disponibilidade das partes, o seu decurso, ainda que demonstrado, não pode ser objecto do conhecimento oficioso do Tribunal[8].

            Importa, pois, revogar a decisão recorrida, ainda que com base em fundamentação diversa da alegada pela agravante.

                                                               *

CONCLUSÕES:

            I – Os embargos de terceiro mantêm a sua natureza de acção declarativa, autónoma e especial, ainda que, funcionalmente, dependentes, por via de regra, do processo de execução.

            II - O prazo para dedução dos embargos de terceiro é extintivo do respectivo direito potestativo de acção, o que significa tratar-se de um prazo de caducidade, cujo decurso, ainda que demonstrado, quando estabelecido em matéria inserida no âmbito da disponibilidade das partes, não pode ser objecto do conhecimento oficioso do Tribunal.

                                                               *

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar provido o agravo e, em consequência, declaram que não ocorre o fundamento da rejeição dos embargos, consistente na sua dedução extemporânea, devendo o Exº Juiz substituir a decisão questionada por outra que os não julgue deduzidos, intempestivamente, admitindo-os, preliminarmente, e determinando a demais tramitação processual pertinente.

                                                     *

 

Sem custas, atento o disposto pelo artigo 2º, nº 1, g), do CCJ.

Voto de vencido do sr. Desembargador Nunes Ribeiro:
«Declaração de voto
Vencido quanto aos fundamentos.
Não aceito, por um lado, que o tribunal não possa conhecer oficiosamente da extemporaneidade dos embargos de terceiro nem, por outro, que à contagem do prazo para a sua dedução se apliquem as regras do art.º 279º do C. Civil.
Resulta claramente do art.º 354º do C.P.Civil vigente – como, aliás, vem acontecendo desde 1939 (vide Processos Especiais, de Alberto dos Reis, vol. I, pag 441 e segs) – que a dedução dos embargos fora do tempo é (e sempre foi) motivo de indeferimento liminar ou de rejeição. E, também não pode oferecer dúvidas que, de acordo com o estatuído no nº 4 do art.º 144º do C.P.Civil resultante da reforma de 95/96, à contagem do prazo para a dedução dos embargos de terceiro, uma vez que previsto expressamente nesse diploma, mais precisamente no nº 2 do seu art.º 353º, se aplica o regime estabelecido em tal preceito processual (neste sentido, o Ac. desta Relação, de 19/10/99, in Col. Jur. tomo IV, pag 36/37, de que fomos relator), como, aliás, já explicitamente sucedia desde a alteração introduzida a esse preceito pelo Dec. Lei nº 457/80, de 10/10.
Assim, julgaria igualmente provido o agravo, mas por os embargos estarem em tempo».


[1] Antunes Varela, RLJ, Ano 119º, 244.
[2] Alberto dos Reis, Processos Especiais, I, 1982, 438; STJ, de 9-11-95, BMJ nº 451, 344.
[3] Alberto dos Reis, Processos Especiais, I, 1982, 402.
[4] STJ, de 11-7-89, BMJ nº 389º, 638; RL, de 6-7-89, BMJ nº 389º, 638.
[5] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1966, 463 a 465; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, 374.
[6] Anselmo de Casto, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1973, 357; STJ, de 29-4-98, BMJ nº 476, 341; STJ, de 13-7-88, BMJ nº 379, 561; RP, de 12-10-95, BMJ nº 450, 560; RP, de 14-3-94, BMJ nº 435, 898; RC, de 7-3-89, CJ, Ano XIV, T2, 38.
[7] STA, de 6-2-90, BMJ, 394º, 510; RL, de 13-11-90, BMJ nº401º, 629; RE, de 7-3-96, BMJ nº455º, 589.
[8] RC, de 2-5-2000, BMJ nº 497, 451; RL, de 13-3-97, BMJ nº 465, 628; RE, de 14-11-96, BMJ nº 461, 544.