Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3057/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
Data do Acordão: 11/30/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 393.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Para que haja lugar à medida cautelar do artigo 393.º do Código de Processo Civil é necessário que aquele que tem a posse de facto a tenha conseguido por meio de esbulho e violência contra o possuidor legítimo.
2. Não preenche tais requisitos a posse mantida para além da cessação dos efeitos dum contrato de cessão de exploração.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A... e mulher B... requereram, na comarca da Guarda, restituição provisória de posse contra C..., do qual é sócio gerente D....
Alegam os requerentes, em síntese, que cederam à ré a exploração dum estabelecimento comercial e que denunciaram o contrato em termos legais, para reaverem o estabelecimento, mas que, apesar de todas as notificações e contactos para o desocuparem, o sócio gerente da requerida recusa-se a fazê-lo. Acresce que os requerentes já estariam a diligenciar no sentido de pôr o estabelecimento a laborar por sua conta e a recusa do gerente da requerida veio causar-lhe os inerentes prejuízos.
Consideram assim os requerentes que há esbulho e violência contra a sua posse e concluem pedindo que a mesma lhes seja restituída provisoriamente, face à natural demora com a competente acção.

2. Produzida a prova veio o tribunal a dar por provados, para efeitos da requerida providência, os seguintes factos:
1) Os requerentes são "donos" de um estabelecimento comercial de restaurante, instalado nas caves do prédio urbano, sito na Pombeira, freguesia de Arrifana, concelho da Guarda, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 454°, o qual confronta a Norte com a E.N. 16, a sul com os requerentes, e a poente e nascente com "Egrauto, S.A.R.L.", do qual são proprietários.
2) Por acordo celebrado entre os requerentes e a requerida, em 31 de Maio de 1994, os primeiros declararam ceder a exploração do estabelecimento comercial descrito em 1) à segunda que o tomou, pelo prazo de cinco anos, automaticamente renovável, quando não denunciado por qualquer das partes.
3) Ainda, na mesma data, foi celebrado o "Anexo ao contrato que regulamenta a cessão de exploração", no qual consta, além do mais, que o contrato pode ser denunciado pelo requerente (primeiro outorgante) "após o terminus do contrato (1 de Junho 1999) através de carta Registada com aviso de recepção a dirigir ao Segundo com antecedência de um ano".
4) Em 13 de Junho de 1994, os requerentes e a requerida celebraram o "Acordo adicional de interpretação do acordo de cessão de exploração celebrado por escritura de 31.05.94 no Cartório Notarial da Guarda".
5) Por carta de 11 de Abril de 2003, recebida pela requerida em 14 de Abril de 2003, os requerentes procederam à "denúncia" do contrato em causa, com efeitos a partir de 31 de Maio de 2004.
6) Na sequência da carta referida em 5), os requerentes enviaram à requerida uma carta datada de 2 de Fevereiro de 2004 através da qual reiteraram a "denúncia do contrato de cessão de exploração" e manifestaram a sua intenção de a partir de 1 de Julho de 2004, iniciarem directamente a exploração do estabelecimento.
7) Sugeriram, ainda, que no dia 1 de Junho de 2004 a requerida procedesse à conferência de todos os bens constantes do inventário anexo ao contrato celebrado, podendo a mesma ser efectuada por acordo entre as partes ou, caso assim não se entendesse, através da nomeação de uma terceira pessoa com conhecimentos técnicos para o efeito.
8) Por carta data de 13 de Fevereiro de 2004, que os requerentes receberam, a requerida expressou a sua intenção de não deixar o estabelecimento, alegando que considera que o contrato em vigor é de arrendamento e não de cessão de exploração, conforme acordo celebrado em 1999, segundo o qual a renda passava para € 648,44 e o restante (€ 498,80 mensais, durante 48 meses) servia como pagamento do trespasse do estabelecimento.
9) No seguimento da carta referida em 8), os requerentes procederam à notificação judicial avulsa da requerida, a qual deu entrada em juízo em 11 de Março de 2004, notificando-a que "Na sequência da carta enviada pelos requeridos, em 11/04/2003, no fim do prazo da renovação do contrato, ou seja, em 01-06-2004, considerar o contrato denunciado" e "Consequentemente, deverá a requerida entregar o estabelecimento livre e devoluto de pessoas e bens, não afectos ao contrato, no final desse mesmo prazo.
10) Apesar da "denúncia" do contrato, a requerida continuou a ocupar o estabelecimento comercial em causa, a partir de 1 de Junho de 2004.
11) Sem qualquer indício de o vir a desocupar e impossibilitando os requerentes de o ocuparem.
12) Com a expectativa de virem a ter o estabelecimento de volta, os .requerentes iniciaram esforços no sentido de contratar pessoas para aí trabalharem.
13) Durante o mês de Junho de 2004, um dos filhos dos requerentes e a requerente mulher deslocaram-se, pelo menos duas vezes, ao estabelecimento comercial dado à exploração.
14) Nessas ocasiões, falaram com o gerente da requerida e solicitaram-lhe a resolução extrajudicial do assunto, tendo o mesmo respondido que não iria sair.
15) Na altura em que o filho e a requerente mulher se deslocaram ao estabelecimento, o requerente marido estava internado no HUC.
16) A requerida recusa-se a entregar o estabelecimento aos requerentes, privando os requerentes do respectivo uso e exploração directa.
17) Desde 1 de Junho de 2004 que a requerente se mantém abusivamente na exploração do estabelecimento, contra a vontade dos requerentes.

3. Com estes factos o sr. juíz considerou que não havia esbulho nem violência, e nem sequer eram os requerentes quem tinha a posse, pelo que, por aí não haveria lugar ao deferimento da providência, por falta dos necessários pressupostos. E nem mesmo considerando a hipótese duma providência cautelar comum poderia atender os requerentes, já que não foram alegadas, nem provadas, quaisquer circunstâncias concretas susceptíveis de integrar os requisitos do receio de que a requerida cause lesão grave e dificilmente reparável do direito dos requerentes conforme o disposto no artigo 395° e 381° e seguintes do Código de Processo Civil.
Por isso indeferiu a providência.
Os requerentes não se conformam o trazem-nos o presente agravo, concluindo:
A) Tendo em conta a matéria de facto dada como provada, verificam-se todos os requisitos de facto e de direito para o decretamento da providência.
B) A requerente é dona e legítima proprietária e possuidora do imóvel, tendo uma posse titulada.
C) Foi por cessão temporária (cessão de exploração) que os requeridos ocuparam o imóvel.
D) Tal ocupação não acarretou a perda da posse e livre uso e fruição pela requerente.
E) Os requeridos actuaram com violência impedindo a posse pacífica e o normal uso do bem pela requerente esbulhando-a da sua posse.
F) Deve a providência cautelar ser decretada, restituindo provisoriamente a posse à requerente.
G) A decisão recorrida viola as normas constantes dos artigos 381.º, 393.º e 394.º do Código de Processo Civil e 1251.º e 1279.º do Código Civil.


4. Sabendo-se que são as conclusões que definem o âmbito do recurso (artigos 684.º, 2 e 3 e 690.º, 1,2 e 4 do Código de Processo Civil) a questão que os agravantes agora colocam é justamente a de saber se os factos apontam para a ocorrência dos pressupostos da restituição provisória de posse, ou seja, a de saber se existe posse dos requerentes, esbulho e violência.
A decisão recorrida refere (e os factos comprovam) que a requerida possui o estabelecimento por virtude de contrato de cessão de exploração. Por isso não adquiriram a posse por violência, nem os requerentes se viram esbulhados dela. O que acontece é que entendem que a requerida lhe deve restituir a posse, por terem cessado os efeitos do contrato e consequentemente os pressupostos da ocupação legítima. Mas, como é óbvio, são coisas bem diferentes. Como refere a sentença recorrida, para que haja lugar à medida cautelar do artigo 393.º do Código de Processo Civil é necessário que aquele que tem a posse de facto a tenha conseguido por meio de esbulho e violência contra o possuidor legítimo.
Nesse contexto, e sem mais considerandos, estamos de acordo com o decidido e sufragamos na íntegra os fundamentos de direito, para onde remetemos, nos termos do artigo 713.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

5. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo-se o decidido.
Custas a cargo dos apelantes.
Coimbra,