Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5097/07.0TBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
CHEQUE PRESCRITO
Data do Acordão: 10/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.46º C) CPC, 458º CC
Sumário: 1. O exequente que dê à execução um título cambiariamente prescrito, que respeite a um negócio subjacente não formal, no âmbito das relações imediatas, tem o ónus de alegar, mas já não o de provar, aquele negócio subjacente (art. 458 do CC), se ele não constar daquele título.

2. Se o executado, na oposição à execução que deduzir, não conseguir provar a inexistência de relação subjacente, esta oposição improcederá nessa parte.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:
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              S (…) (= exequente) intentou em 20/12/2007, contra C (…)(= executada), execução para pagamento de quantia certa, baseada num cheque assinado por esta, de 8650€.
              A executada deduziu oposição à execução, invocando a prescrição do cheque dado à execução, e a ineficácia do mesmo como documento particular, bem como a inexistência de obrigação subjacente ao mesmo, pois o cheque foi entregue à mãe do exequente a pedido desta como cheque “emprestado” para apresentar movimentos de conta e para obter crédito junto de outras pessoas, e não como forma de pagamento; por isso, também diz que o exequente está a litigar de má fé; subsidiariamente, invoca a existência de uma dívida de 15.000€ do exequente para consigo, requerendo a compensação com a dívida que eventualmente venha a ser reconhecida; requer a sua absolvição da execução, com a extinção da mesma e consequente levantamento da penhora entretanto efectuada; e, subsidiariamente, a compensação de créditos.
              O exequente contestou, dizendo que o cheque apenas prescreveu como título cambiário, não como título particular, e que foi nesta qualidade que foi dado à execução (invoca diversa doutrina e jurisprudência que admitem esta possibilidade); mantém o alegado no requerimento executivo, ou seja: que vendeu diversa mercadoria à executada, tendo esta entregue, para o respectivo pagamento, o cheque em causa, o qual, apresentado a pagamento, foi devolvido por falta de provisão; nega estar a litigar de má fé; diz não dever à executada os 15.000€, não tendo a letra invocada pela executada sido apresentada a pagamento, por ter sido reformada pelo exequente (e por isso não pode ser exigida judicialmente nem servir para qualquer compensação). Concluiu pedindo a improcedência da oposição. Juntou documento comprovativo de beneficiar de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
              No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção da falta de título [esclarecendo-se que o cheque apenas está prescrito como título cambiário e não como documento particular de um negócio não formal, valendo como reconhecimento de dívida e título executivo: arts. 458/1 do Código Civil e 46/c) do CPC – cita-se neste sentido, Lebre de Freitas, A acção executiva, pág. 53, e o ac. do STJ de 30/01/2001, publicado na CJSTJ, 2001, tomo I, pág. 86].
              Depois procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença - na qual constam como provados apenas o cheque apresentado como título executivo e a sua devolução e a letra invocada pela executada – que julgou a oposição procedente, determinando a extinção da execução, por entender que era ao exequente que cabia o ónus da prova (da existência da relação subjacente) e, consequentemente, não se pronunciou sobre a compensação, por ser questão prejudicada por aquela decisão.
              Inconformado, o exequente interpôs recurso - que foi admitido como apelação, com subida imediata e com efeito devolutivo - no âmbito do qual alegou, formulando as seguintes conclusões:
         A) A sentença recorrida, considerou que “o direito de acção relativamente ao cheque enquanto tal está prescrito mas que “... o cheque vale como quirógrafo, sendo título executivo na medida em que é um documento particular, assinado pelo devedor, nos termos do art. 46 al. c) do CPC”.
         B) A sentença recorrida considerou também que, tendo a executada/oponente colocado em causa a relação jurídica subjacente à emissão do cheque, incumbia ao exequente a alegação e prova de que a relação causal existia e de que desta resulta para si um direito de crédito vencido e exigível através da execução apensa, o qual não demonstrou que existisse uma relação causal que justificasse a emissão do título executivo, concluindo que a execução em causa não era suportada por qualquer título executivo válido, não podendo por isso prosseguir.
         C) O presente recurso engloba as decisões de facto e de direito contidas na douta sentença de que se recorre.                              
         D) Nos presentes autos, o exequente/apelante invocou a causa da obrigação no seu requerimento inicial da execução, alegando para o efeito que o cheque executado fora emitido e entregue pela executada para titular o preço de transacções comerciais existentes entre ambas as partes.
         E) O cheque, enquanto quirógrafo da dívida causal, implícita uma declaração negocial e uma ordem de pagamento, deixando presumir a existência de relações negociais e extra-negociais — a relação fundamental — sendo esta a concreta fonte da obrigação. Pelo que, é ao devedor que, nos termos do art. 458 n° 1 do CC, incumbe a prova da inexistência ou da cessação da respectiva causa, ficando credor dispensado de provar a existência da relação fundamental, dado que a existência desta se presume.
         F) Enquanto documento particular assinado pelo devedor, o cheque enquanto documento particular cuja autoria foi reconhecida pela executada faz prova plena quanto às obrigações atribuídas ao seu autor sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”, nos termos do art. 376/1 do CC, sendo os factos neles compreendidos considerados provados, nos termos do n°2 do mesmo artigo.
         G) Nos presentes autos não foi arguida nem provada a falsidade do documento (cheque), tendo a executada reconhecido e emissão do cheque, à ordem do exequente, no montante de 8650€, nem a executada alegou (ou provou), que o exequente não era legítimo portador do cheque.
         H) Pelo que, ao contrário do que entendeu a sentença recorrida, nos termos do qual se considerou que a prova da existência da relação causal subjacente competia ao ora exequente, a verdade é que impendia sobre a executada, ora recorrida, provar o que alegou na oposição à execução — inexistência da relação fundamental — para concluir que não devia a quantia de 8650€, conforme o disposto no artigo 342/2 do CC.                    
         i) Não tendo a executada/apelada feito prova da inexistência ou modificação da relação fundamental que serviu de causa e motivação à emissão do cheque, deveria ter improcedido a presente oposição à execução, apensa à acção executiva.  
         Sem prescindir,
         J) No entanto, ainda que se considere que o cheque apresentado nos presentes autos não se subsume ao elenco dos negócios unilaterais que produzem as consequências previstas no artigo 458/1 do CC, cabendo assim ao credor o respectivo ónus da prova, ainda assim é obrigatória a conclusão que, da prova produzida, e dos documentos juntos aos autos, se conclui pela verificação dos factos constitutivos do direito de que o exequente se arroga.
         K) Por erro na apreciação e valoração dos meios de prova produzidos, as respostas dadas aos factos constantes nos números 1 a 5 da Base Instrutória, não correspondem à verdade dos factos, denotando falta de intuição na avaliação, em concreto, da situação material controvertida, pelo que se impugna as respostas que lhes foi dada, a qual deve ser alterada, parcial ou integralmente, nos termos propostos.
         L) Foi dada por inútil e irrelevante toda a prova documental produzida pelo exequente, não havendo qualquer menção à mesma na motivação da matéria de facto, entendendo o recorrente haver uma deficiente motivação.
         M) A análise crítica da prova efectuada pela douta sentença recorrida é manifestamente insuficiente, devendo o tribunal a quo ser condenado a fundamentar devidamente a decisão sobre a matéria de facto, incluindo aquela que foi julgada “não provada”.
         N) Os factos constantes dos números 1 e 2 da Base Instrutória, dever-se-iam ter considerados admitidos por acordo, nos termos do artigo 490/2 do CPC, uma vez que, não foram impugnados pela executada.
         Sem prescindir,
         O) O facto n° 1 constante da base instrutória deveria ter merecido a resposta de “provado”, atendendo aos documentos contabilísticos juntos aos autos e aqui largamente referidos nos pontos 10, 15, entre outros, bem como o depoimento da testemunha (…).
         P) O facto n° 2 constante da base instrutória deveria ter merecido a resposta de “provado”, atendendo aos depoimentos das testemunhas (…)
         Q) O facto n° 3 constante da base instrutória deveria ter merecido a resposta de “provado”, atendendo aos documentos contabilísticos juntos aos autos e aqui referidos na alínea O) bem como ao depoimento da testemunha (…)
         R) O facto n° 4 e 5 constantes da base instrutória deveriam ter merecido a resposta de “provado”, atendendo aos documentos contabilísticos juntos aos autos e aqui referidos na alínea O); ao depoimento da testemunha (…)
         S) A sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 342/2, 372/1, 376, n° s 1 e 2 do 458, do CC, e 490/2 e 653/22, CPC.
         T) Mesmo que se entenda não dever ser revogada a douta Decisão de Facto, deve, não obstante, revogar-se a douta Decisão de Direito.
         U) Em consequência, deve ser revogada a douta Sentença recorrida, julgando-se improcedente a oposição à execução e procedente a execução.
              A executada contra alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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  No despacho anterior a este acórdão, dado ainda pela minha antecessora neste processo (e que no essencial se esteve a seguir até aqui), deixou-se dito o seguinte:
         Compulsados os autos, verifica-se que, mesmo que a matéria de facto impugnada não venha a ser alterada, é provável a procedência do recurso, relativamente à única questão apreciada na sentença recorrida, ou seja, relativamente à questão do ónus da prova.
         Não se provando a versão do exequente (de que existia um negócio causal subjacente ao cheque prescrito), nem se provando a versão da executada (de que não existia negócio causal subjacente ao cheque prescrito), a acção tem de se resolver contra a executada, ao invés do que foi decidido na sentença recorrida.
         Na verdade, se é certo que o cheque não contém em si a causa subjacente à ordem de pagamento (se contivesse, caberia à executada subscritora o ónus de provar que tal conteúdo não seria verdadeiro, nos termos do art. 376 do CC), tem sido entendido que os títulos de crédito prescritos sem indicação da causa respectiva poderão relevar como documentos em que é reconhecida dívida sem indicação de causa, a que se refere o art. 458 do CC, havendo então inversão do ónus da prova, que caberá ao subscritor do documento.
         Havendo divergência na doutrina e jurisprudência sobre se nestes casos o credor deverá alegar os factos constitutivos da relação causal para poder beneficiar da inversão do ónus da prova prevista no art. 458 do CC, tem sido maioritário o entendimento de que deverá ser feita tal alegação (cfr Lebre de Freitas em “A acção declarativa comum à luz do código revisto”, página 185 [trata-se de um aparente lapso: o local em causa é nas págs. 137/138, ao menos na 3ª edição da obra] e, entre outros, ac. da RL 17/12/2009 em wwwdgsi.pt), o que o ora exequente fez, no requerimento executivo.
         Assim, beneficiando o exequente da inversão do ónus da prova previsto no art. 458 do CC, deverá ser alterada a sentença recorrida.
         Contudo, não se pronunciou a sentença sobre a questão da compensação invocada pela executada no requerimento de oposição, por ter entendido que a mesma estava prejudicada.
         Deste modo, ao abrigo do artigo 715/3 do CPC, deverão as partes ser ouvidas sobre esta matéria.
                                                                 *
              Sobre esta questão pronunciou-se então o exequente, dizendo, em síntese, o seguinte:
              a) nada deve à executada; b) não resultou provado que a executada tivesse um crédito sobre o exequente; c) a executada nega dever ao exequente a quantia referida no cheque, pelo que não tem sentido invocar a compensação de créditos; d) a compensação não foi deduzida com a exigência formal prevista no art. 488 do CPC; e) como o suposto crédito da executada é superior ao do exequente, a compensação só poderia ser aceite como excepção se a executada tivesse renunciado à diferença; f) na fundamentação da decisão da matéria de facto, o tribunal disse que os factos relativos à compensação não resultaram provados já que não foi demonstrado em que circunstâncias é que a letra chegou à posse da executada; g) a letra foi parcialmente paga, embora o tribunal não se tenha convencido disso por ter desconsiderado documentos e um testemunho e daí que o quesito 8 tenha sido dado como não provado (o que o exequente vê como inevitável, ao mesmo tempo que sugere que se trata de uma resposta errada); h) a letra não pode valer como título cambiário (devido à ausência de vários requisitos legais), nem como documento particular (aqui por falta de alegação das circunstâncias concertas de como é que a letra chegou ao poder da executada); i) a letra foi reformada e por isso essa dívida já não existe; j) a letra que a reformou não está em litígio.
              A executada respondeu que a sentença deve manter-se inalterada e, subsidiariamente, ser proferida decisão quanto à compensação.
                                                                 *
              As questões que se colocam são, assim, as seguintes:
              Não tendo ficado provada, nas respostas aos quesitos, quer a versão do exequente quer da executada, deve ou não considerar-se como existente o negócio subjacente alegado pelo exequente no requerimento executivo e por isso considerar-se como eficaz o título dado à execução?
              No caso afirmativo, fica por resolver a questão da excepção da compensação deduzida pela executada.
                                                                 *
              Os factos dados como provados são, como já decorre do que antecede, apenas os seguintes:
              1. O exequente deu à execução o cheque nº. 6768749237, emitido em 31/06/2004, em Viseu, pela executada, sobre uma conta desta no ...., no montante de 8650€, à ordem do exequente.
              2. O cheque foi devolvido na compensação do Banco de Portugal “por falta de provisão”.
              3. A executada é portadora da letra nº. 500792887033977305 emitida em 03/03/2005 e com vencimento a 31/05/2005, no montante de 15.000€ e em que figura como aceitante o exequente.
                                                                 *
              Quanto à 1ª questão:
              Existem actualmente quatro correntes jurisprudenciais sobre esta questão:
              Uma 1ª corrente entende que os títulos cambiários (letras, livranças e cheques) prescritos não podem servir como documentos particulares base da execução, seja em que condições for.
              Esta corrente não tem sequer em conta o disposto no art. 46/c) do CPC, na redacção actual (no que importa, em vigor desde 1995/96), nem o fim visado com a respectiva alteração. E a posição contrária, a tal alteração, de resto, já antes era seguida por quase toda a doutrina e jurisprudência (como, por exemplo, se pode ver nas inúmeras citações feitas no ac. do STJ de 11/05/1999 e do TRL de 27/06/2002 - ambos citados abaixo, a propósito da 4ª corrente).
              É uma corrente minoritária, mas ainda hoje com defensores: por exemplo, os acórdãos do STJ de 04/05/1999, publicado na CJSTJ.1999, II, pág. 82; de 29/02/2000, na CJSTJ2000, I, 124; de 16/10 ou 16/11/2001, na CJSTJ.2001, III, 89; de 20/11/2003, na CJSTJ.2003, III, 154; de 18/10/2007 (07B3616 – estes números, sem mais, reportam-se sempre à base de dados do ITIJ); do TRP de 25/01/2001, CJ2001, I, 192; e do TRL de 26/02/2004 (1090/2004-8).
                                                                 *
              Contra esta corrente, existe uma posição base comum a duas outras, de admissibilidade de os títulos cambiários prescritos valerem como títulos executivos, que parte, no essencial, da sistematização feita Lebre de Freitas (A acção executiva, 3ª edição, 2001, Coimbra Editora, págs. 53/54): entende-se que um título cambiário prescrito pode servir como documento base da execução desde que a) nele se faça referência ao negócio subjacente ou que se alegue esse negócio no requerimento executivo, b) esse negócio não seja formal; c) e se esteja no quadro das relações imediatas (credor original/devedor original). Tal título funcionará como reconhecimento de uma dívida, presumindo-se a respectiva relação subjacente (art. 458 do Código Civil).
              Esta base comum é afirmada pela maioria da jurisprudência, em inúmeros acórdãos, como posição de princípio, sem que dela se tenham retirado outras consequências a nível do ónus da prova dos factos, dadas as fases processuais em que foram proferidos ou a inexistência de outros requisitos do título ou o facto de não ter sido posto em causa o negócio subjacente invocado.
              É, por exemplo, o caso dos seguintes acórdãos, por exemplo:
              do STJ de 18/01/2001, CJ/STJ 2001, I, 71 (embora dúbio, por também remeter para os ac. do STJ citados acima, de 1999 e 2000, depois de ter remetido para o de 11/05/1999 citado abaixo…; não se estava no âmbito das relações imediatas); de 29/01/2002, CJSTJ 2002, I, 64 (mandou-se prosseguir os embargos por estar impugnado o negócio subjacente); de 22/05/2003 (03B1281 - o cheque não estava nas relações imediatas); de 17/06/2003 (03A1404 – mandou-se prosseguir os embargos por ter sido feita a alegação necessária do negócio subjacente); de 30/10/2003 (03P2600 - considera que a simples invocação da atinência da emissão do cheque a uma transacção comercial, sem indicação do tipo de transacção e dos transaccionantes e respectiva posição, não preenche a invocação de uma verdadeira e própria relação substancial); de 30/10/2003 (03B3056 – bastando-se com a referência a "transacção comercial/reforma de outras letras" como invocação do negócio subjacente – julgaram-se logo improcedentes os embargos, porque não tinha sido posta em causa a existência do negócio subjacente); de 13/11/2003 (03B3089 – neste acórdão existe a demonstração da existência da causa); de 19/01/2004 (03A3881 – o negócio era formal e não se estava nas relações imediatas); de 09/03/2004 (03B4109 - com um voto de vencido, no sentido de que nem sequer é necessário alegar o negócio subjacente, e três declarações de voto a negar a exequibilidade dos cheques como documentos particulares); de 16/12/2004, CJ/STJ 2004, III, 153 (mandou prosseguir os autos, cujo requerimento inicial tinha sido liminarmente indeferido); de 04/12/2007 (07A3805 – não tinha sido invocada a causa, consideraram-se procedentes os embargos); de 05/07/2007 (07A1999 – considera que a mera alusão apenas no documento junto com o requerimento executivo – uma letra de câmbio – a “transacção comercial” – é insuficiente para se considerar que o exequente alegou na petição executiva o negócio extracartular, por tal menção não consentir conclusão sobre se a transacção comercial constituía ou não negócio jurídico formal – também não chegou a haver julgamento); de 27/11/2007 (07B3685 – o exequente seria um endossante, pelo que não se estava nas relações imediatas); da RL de 14/04/2005 (2070/2005-6 – não se estava nas relações imediatas); do TRP de 26/10/2004 (0423028 – não foi alegado o negócio subjacente e por isso os embargos foram julgados procedentes); e de 13/02/2007 (0627123 – caso em que o negócio era formalmente nulo); do TRC de 27/06/2006 (755/06 – basta-se, como invocação do negócio subjacente, com a menção de que o valor se refere a transacção comercial); de 26/06/2007 (2432/05.9TBPMS.C1 – no caso provou-se o negócio subjacente); e de 19/05/2009 (1195/07.8TBAGD-A.C1 – no caso provou-se que a executada não manteve relações negociais com a exequente, significando inexistir qualquer dívida comercial para com a exequente); do TRL de 17/12/2009 (6659/07.0TBLRA-A.L1-6 – julgou logo procedentes os embargos por não ter sido alegada a causa de pedir; sumaria assim a questão: O credor, por força do artigo 458º do CCivil, apenas está dispensado de provar a relação subjacente, que se presume, mas não de a alegar); e de 21/01/2010 (com um voto de vencido - 21422/04.2YYLSB-A.L1-2; o acórdão entendeu que tendo sido invocado o negócio subjacente e não tendo o executado alegado que ele não existia, podia confirmar logo a improcedência dos embargos); e o ac. do TRP de 26/11/2009 (JTRP00043274 - carece de exequibilidade, mesmo como quirógrafo, um cheque bancário prescrito quando de tal título de crédito não consta a causa da obrigação, cuja relação subjacente respeita a um contrato de mútuo confessado pelo próprio exequente no requerimento de execução e para cuja validade a lei exige a forma escrita - negócio jurídico formal -, não observada no caso).
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              Saindo desta base comum, existem duas correntes diferentes:
              Uma, que foi a posição anunciada pela minha antecessora neste processo, entende que, visto que o exequente beneficia da presunção da existência do negócio subjacente, tendo apenas que o alegar, cabe em contrapartida ao executado alegar e provar a inexistência de relação subjacente. Com a consequência de que, caso não se prove a versão do executado, a única que deveria ser questionada, a oposição à execução improcede. É indiferente que a versão do exequente também tenha sido quesitada, pois que o exequente não tem o ónus da prova (não faz sentido quesitar afirmações que não têm de ser provadas…). Pelo que, mesmo que não fique provada, tal não tem consequências: ou também não se prova a versão do executado e a oposição improcede por falta de prova desta; ou fica provada a versão do executado e a oposição procede pela prova desta e não por não ter ficado provada a versão do exequente.
              Como se pode constatar da leitura dos acórdãos citados na descrição da “posição comum” que antecedeu a desta corrente, embora vários deles indiciem uma posição de princípio favorável a esta, já que apenas falam de um ónus de alegação (e o ac. do TRL de 17/12/2009, citado pela minha antecessora, distingue mesmo expressamente o ónus de alegar do ónus de provar), a verdade é que, como se disse, nenhum deles toma posição expressa sobre a questão, que, por uma ou outra razão, acabou por não estar em causa.
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              A outra corrente, a 3ª, continuando a utilizar os termos de Lebre de Freitas (seguido por Teixeira de Sousa e Remédio Marques – todos estes autores são também citados profusamente nos vários acórdãos referidos), chama a atenção para o âmbito do ónus da alegação e prova do executado que parece resultar do que aquele autor diz: como o título tem que referir o negócio subjacente ou o exequente o tem de alegar no requerimento executivo, o executado apenas tem o ónus de alegar e demonstrar a inexistência daquele concreto negócio subjacente (aquilo que Antunes Varela escreve no seu CC anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 413, pode ser lido no mesmo sentido; mas já aquilo que este autor escreve no seu Direito das Obrigações, Vol. I, 1989, nota 1 da pág. 409, esclarece que não é assim: “Há neste caso não só uma inversão do ónus da prova, mas um agravamento desse ónus, na medida em que o aparente devedor não tem apenas que afastar determinada causa, mas convencer o tribunal de que a prestação prometida ou a dívida reconhecida não têm nenhuma causa”). A consequência a nível prático deveria ser a mesma da anterior corrente (embora, na lógica desta corrente, o ónus de alegação do exequente devesse ser muito mais exigente), mas esta corrente tem chegado a outros resultados, sempre que de algum modo consegue, no final (normalmente com base em considerações que vão para além dos factos provados ou com base em considerações sobre factos dados como não provados e que foram mal quesitados sobre a versão do exequente), destrinçar ou considerar como existente uma relação subjacente diferente da alegada pelo exequente, caso em que considera que deixa de existir título exequível.
              É o caso do ac. do TRL de 09/07/2009 (638/05.0TCLRS-A.L1-6) que sumaria o seguinte: não existindo correspondência entre a relação subjacente configurada no requerimento executivo e a matéria apurada, não se pode afirmar que está demonstrada a relação causal invocada pela recorrida/exequente. É também o caso do ac. do TRC de 13/04/2010 (843/06.1TBPMS-A.C1 – num caso em que o exequente não provou a relação subjacente; este acórdão não tem outra fundamentação desta decisão para além da invocação do disposto no art. 342/1 do CC).
                   É também o caso do ac. do STJ de 07/07/2010 (373/08.7TBOAZ-A.P1.S1), com uma diferença formal: entende expressamente que o exequente não beneficia da presunção estabelecida pelo art. 458 do CC, já que o mesmo não se refere a declarações unilaterais abstractas, mas sim causais, pelo que o exequente tem que alegar e provar o negócio fundamental – por isso julga procedentes os embargos por não estar provada a relação fundamental).
              Como se vê, esta corrente conduz a que se coloque no exequente o ónus da prova da relação subjacente invocada, negando implícita ou expressamente a aplicação da norma do art. 458 do CC.
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              Uma 4ª corrente entende que não há sequer qualquer ónus de alegação da relação subjacente pelo exequente para que o título cambiário prescrito possa servir de base à execução, conduzindo ao mesmo resultado prático da 2ª corrente.
              É a posição dos acs. do STJ de 11/05/1999, CJSTJ 1999, II, 88 (desenvolve a questão no âmbito de uma acção de condenação, não no de uma execução…, mas tem pleno cabimento no caso e invoca inúmera doutrina e jurisprudência no mesmo sentido); do TRL de 27/06/2002, CJ2002, III, 121; do TRC de 12/06/2007 (22/06.8TBSVV-A.C1), e do TRP de 08/07/2004 (0433578); subscrita também por António S.A. Geraldes no seu: Títulos Executivos, publicado na revista Themis, nº 7, 2003, págs. 60/65.
              Existe pelo menos uma razão que poderia ser invocada para não se seguir esta corrente: a impossibilidade de controlar o requisito da informalidade do negócio, referido em b) da posição comum às 2ª e 3ª correntes, para que o título que não lhe faz referência possa servir de base à execução.
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              A 3ª corrente – aquela que exige ao exequente a prova do negócio subjacente – é contrária aos pressupostos de que parte: se se aceita a tese de que o exequente tem o ónus de alegar e que esse ónus é diferente do ónus de provar, então, não tem sentido acabar por decidir a questão com base no ónus da prova por parte do exequente; para além disso, não se entende como é que se pode seguir aparentemente a posição que tem por base a aplicação do regime do art. 458 do CC e depois afastar-se, sem qualquer justificação, a aplicação deste regime, ou seja, a expressa dispensa legal de prova da existência da relação fundamental. Faz-se, pura e simplesmente, letra morte de tal norma legal, que se chega ao ponto de não se referir, como é o caso do ac. do TRC. Já o ac. do STJ nega a aplicação do art. 458 por se estar no âmbito de negócios abstractos, mas sem razão porque, desaparecendo o título cambiário por prescrição, o que resta é um documento particular não abstracto (também por isso, não tem sentido invocar, como fez a executada, a falta de apresentação do cheque no prazo do art. 29 da LUCh, porque esta exigência só tem sentido quando está em causa o cheque enquanto título cambiário, não como documento particular). 
              O ónus da alegação de factos, exigido por Lebre de Freitas, a nível processual e por razões processuais [que não têm correspondência necessária com as exigências substanciais; aliás, no sentido da desnecessidade da invocação da relação fundamental, veja-se a posição expressa de Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Lex, 1999, pág. 253] a) tem a ver com os requisitos de um requerimento executivo, b) serve para controlar os requisitos da exequibilidade ou da validade do título executivo e c) serve ainda a função/formação do caso julgado material. Essas são pelo menos as funções que ele cumpre e portanto a exigência da sua alegação tem sentido.
              Mas continuando a aceitar a exigência do ónus da alegação, há que repetir que se trata de um ónus de alegação e não de um ónus de prova (neste sentido, expressamente, Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 1999, pág. 83: “por não se consagrar aqui o princípio do negócio abstracto, mas apenas a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental, não fica o credor desonerado do ónus da alegação da relação fundamental, a servir de causa de pedir, aquando da apresentação do requerimento executivo, sob pena de ineptidão deste. Mas não lhe incumbe provar o facto constitutivo da obrigação” – neste sentido, leiam-se agora as referências acima feitas a Antunes Varela e Pedro Pais Vasconcelos. A posição de Lebre de Freitas é menos clara, já que nos locais já citados e também na nota 31 da pág. 156 só fala no ónus de alegação e depois refere a matéria alegada pelo executado como matéria de impugnação que, como se sabe, não é matéria por princípio levada aos quesitos e portanto não teria de ser por ele provada; mas a verdade é que na sua tese de doutoramento sobre A confissão no direito probatório, Coimbra Editora, 1991, págs. 390 a 397, espec. págs. 390 e 391 e respectivas notas, é absolutamente claro em que só está a falar de um ónus de alegação do exequente, que dá origem, por presunção legal, à prova da relação fundamental – ele está liberto do ónus de provar a relação fundamental). E se o exequente não tem o ónus da prova do negócio subjacente, a afirmação por ele feita nem sequer tem de ser quesitada e, por isso, no fim (na sentença), nem sequer devia ter sido dada como provada ou não provada como tal (como quesitos da base instrutória), nem em princípio – a não ser por lapso – pode vir a ficar provada uma versão aproximada (devido a respostas a quesitos restritivas ou explicativas) de uma versão que não foi – ou não devia ter sido – quesitada.
              Aliás, a destrinça (e o seu sentido útil) de um ónus de alegação e de prova nem sequer é estranha ou nova: sempre se entendeu, por exemplo, que o autor que exige o cumprimento de uma obrigação tem o ónus de alegação da afirmação do não cumprimento, nem que seja implicitamente, sem que daí decorra o ónus da prova do não cumprimento (que, por isso, não deve ser quesitado). É antes ao devedor/réu que cabe o ónus de alegar e provar o cumprimento da obrigação (veja-se, neste sentido, Joaquim de Sousa Ri­beiro, no seu estudo sobre as Prescrições Presuntivas, na RDE 5, 1979, págs. 402/403, nota 31: “Muito embora o incumprimento, em acções deste tipo, não tenha que ser provado pelo autor - nesse sentido, com largo desen­volvimento, Alberto dos Reis, CPC anotado, III, 3ª ed., Coimbra, 1948, pág. 285 s. - deverá ser por ele alegado, para evitar a inconcludência do pedido - Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, IV, Coimbra, 1969, pág. 123, nº.1”)
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              Considera-se assim, pelo que se foi dizendo, que a posição correcta é a que corresponde à 2ª corrente: deve o exequente alegar o negócio subjacente no requerimento executivo, mas não tem de o provar. Por isso, a versão do exequente não tem de ser quesitada. Feito o julgamento, ou se prova a inexistência de relações entre o executado e o exequente ou se prova pelo menos que aquela concreta relação alegada não existiu (conforme a posição que tenha sido seguida sobre o assunto), e os embargos são procedentes, ou não se prova nada disso, e os embargos improcedem, por então se ter de considerar provada, por presunção legal (art. 458 do CC, que afasta a regra do art. 342/1 do CC) não elidida, a relação fundamental. 
              Quer tudo isto dizer, também, que em princípio nem se devia verificar a situação a que se chegou nos autos: as duas versões – do exequente e da executada – não deviam ter sido quesitadas. Só o devia ter sido a versão da executada. Os quesitos 1 a 5 nem sequer deviam ter sido formulados. Não interessa, por isso, que eles tenham sido dados como não provados.
              Em suma: com a junção no requerimento executivo do cheque prescrito cambiariamente e com a alegação do negócio subjacente, este fica provado (isto é, tem-se como existente) se o executado não elidir a presunção legal decorrente do disposto no art. 458 do CC – no mesmo sentido em que, se o réu/devedor não conseguir provar que cumpriu, se considera, para efeitos da procedência da acção instaurada pelo credor, que não cumpriu.
              Note-se, no entanto, como no caso dos autos foi quesitada a alegação do exequente quanto ao negócio subjacente, a resposta de não provado aos quesitos 3 a 5 tem de ser alterada, sob pena de estar em contradição com a conclusão a que aqui se chegou, de que, não tendo a executada elidido a presunção legal da existência de tal negócio, ele se tem como provado.
              Assim sendo, pode-se concluir desde já pela procedência da 1ª série de conclusões do recurso do exequente [conclusões a) a i)] e pela parcial procedência das restantes conclusões, na parte em que defendem que os quesitos 3 a 5 se têm de ter como provados, ficando prejudicada a parte restante das mesmas [3. No exercício da sua actividade comercial, o exequente forneceu à executada, por solicitação desta, diversas peças de arte, nomeadamente, telas a óleo, tela com pasta de moldagem e uma tela (arte plástica). 4. O preço destes produtos foi de 8650€. 5. Para pagamento do preço referido em 4, a executada emitiu o cheque a que se alude em 1.]
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              Resta a outra questão, a da compensação de créditos:
              A executada invocou contra o exequente, para o caso de não se julgar extinta a execução com os fundamentos antes invocados, a existência de um seu crédito contra ele, com o qual deveria então proceder-se à compensação (arts. 816 do CPC e 847 do CC).
              O crédito invocado tem como seu título uma letra, que foi dada como provada acima, sob 3. Trata-se de um título cambiário, com vencimento em 31/05/2005.
              Nesse documento, veja-se ele, para já, como título cambiário ou como documento particular, consta o reconhecimento de uma dívida, tanto como no cheque que o exequente deu à execução. Ou seja, valem em relação a ele, pelo menos, todas as considerações tecidas acima para considerar como provado o negócio subjacente à sua emissão [e com isto desde já se afastam as objecções do exequente sintetizadas como a) e b), que aliás estão em contradição implícita com as sintetizadas em i) e j) – pois que nestas o exequente reconhece ter existido aquela dívida e agora existir uma outra que a substituiu].
              No entanto, em relação a tal crédito o exequente opôs uma série de excepções (para além das acabadas de referir), que se passam agora a apreciar.
              i) Quanto à alegada contradição de comportamentos da executada – por negar a dívida mas a querer compensar –, tal contradição só existiria se a compensação não tivesse sido feita, mas foi-o, a título subsidiário.
              ii) Quanto às objecções formais relacionados com o modo como a compensação devia ter sido deduzida, designadamente por o contracrédito da executada ser superior ao do exequente, este também não tem razão pois que, como lembra Lebre de Freitas, obra citada, pág. 152,
“[…] ao alegar a compensação, o executado pretende fazer valer um facto extintivo do direito exequendo; não pretende reconvir, pelo que, se o seu crédito for superior ao do exequente, não poderá invocar a sentença de embargos que a seu favor venha a ser proferida como uma sentença de condenação do exequente no pagamento da diferença entre os dois créditos, nem sequer como sentença de mero reconhecimento da existência da dívida pelo excesso, nem (muito menos) obter o pagamento forçado dessa diferença no processo executivo em que embargou; mas, quer o seu crédito seja igual ou superior ao do exequente, é-lhe permitido deduzir a excepção da compensação, seja como objecção (no caso de já extrajudicialmente ter declarado querer compensar), seja como excepção propriamente dita (no caso de essa declaração ser feita no requerimento de embargos). Bastará, portanto, que se provem por documento o facto constitutivo do contracrédito e as suas características relevantes para o efeito do art. 847 do CC, bem como a declaração de querer compensar (art. 848 do CC), no caso de estar ter sido feita fora do processo, sem necessidade de observar os requisitos legais da exequibilidade dos documentos” (no mesmo sentido, mas ainda com mais desenvolvimento, veja-se hoje a anotação deste autor publicada sob o título de Oposição à execução e caso julgado no confronto da compensação, ao ac. do STJ de 11/07/2006, Proc. 2342/06, nos Cadernos de Direito Privado, nº 26, Abril/Junho 2009, págs. 41 a 47; o acórdão está a págs. 35 a 41, no qual, para além do mais, conclui em 3: “como excepção feita valer na oposição à execução, a compensação tem por função extinguir o crédito exequendo e assim impedir a continuação da execução, só nessa medida se integrando no objecto da acção, consistente na verificação da inexistência da obrigação exequenda”).
               Tendo a executada invocado a existência de uma dívida do exequente para consigo e pedido, expressa e subsidiariamente, apenas a compensação de créditos, nada mais tinha que fazer, na petição de oposição, que nem sequer é, formalmente, uma contestação.
              iii) Diz ainda o exequente que o tribunal recorrido, na fundamentação de facto, disse que os factos relativos à compensação não resultaram provados já que não foi demonstrado em que circunstâncias é que a letra chegou à posse da executada. O que interessa, nesta parte, é a afirmação de que não ficou demonstrado em que circunstâncias é que a letra chegou à posse da executada.
              Diga-se antes de mais que, visto que a executada nada de substancial alegou no que respeita à letra, à sua emissão e ao seu teor, nem houve recurso da matéria de facto relativamente ao ponto 7 dos factos provados, este Tribunal da Relação não pode considerar o que consta da letra (e é muito o que dela consta…), ao abrigo do art. 659/3 e 713/2, ambos do CPC, dado que se trata de um documento não autêntico e a não impugnação se refere a factos e não a documentos juntos (aceita-se assim, o que é dito no ac. do STJ de 05/07/2007 – 07A1990 – sobre os poderes dos tribunais da relação). Ou seja, nem há um documento autêntico nem confissão, a impôr a consideração de determinados factos.
              Apesar disso, sabe-se, com base nos factos provados sob 7 da base instrutória, que a executada é portadora de uma letra aceite pelo exequente e que este não deduziu nenhuma excepção válida contra ela, para além da que se relaciona com a sua reforma, matéria esta última que foi levada ao questionário sob o quesito nº. 9 e teve resposta negativa e será apreciada mais à frente.
              É certo que o exequente dizia (art. 25 da contestação aos embargos) que a letra não foi apresentada a pagamento, mas a verdade é que a falta de apresentação da letra a pagamento não acarreta para o portador a perda do seu direito de acção contra o aceitante (como decorre do disposto nos arts. 38, 42 e 53 da LULL - ac. do TRP de 02/06/1992, publicado na CJ.92, tomo 3, pág. 300, com um voto de vencido, ou na base de dados do ITIJ sob o nº. 9150797 mas aqui apenas como sumário; no mesmo sentido, veja-se o ac. do STJ de 09/03/1995, sumariado na base de dados do ITIJ sob o nº. 086758, e o ac. do STJ de 03/10/2002, publicado sob o nº. 02B2393), pelo que a questão era irrelevante.
              Não tendo sido deduzida qualquer outra excepção contra a letra, ela tem de valer como título de um crédito cambiário da executada contra o exequente, negócio abstracto cuja validade não depende da existência da relação fundamental (neste sentido, a nota 2 da pág. 409 do Dtº das Obrigações, já citado, de Antunes Varela). Ou seja, um regime muito mais severo que o regime do art. 458 do CC, de que o exequente se aproveitou para a sua pretensão. Isto é, se há razões para considerar que o cheque apresentado pelo exequente serve de “prova” do seu crédito contra a executada, muitas mais razões há para considerar que a letra apresentada pela executada serve de prova do seu crédito contra o exequente. 
              Assim, não importa que o tribunal não tenha apurado em que circunstâncias é que a letra chegou à posse da executada.
              iv) Quanto à alegação de que a letra foi parcialmente paga, que o exequente refere em relação ao quesito 8, trata-se, nesta parte, de um erro prático dele (o que aliás logo decorre da forma contraditória como o argumento está redigido). É que o quesito 8 correspondia a uma afirmação de facto feita pela executada e não por ele, não tendo sentido, na lógica das pretensões do exequente, que se viesse a dar como provada uma afirmação de facto aparentemente favorável à executada (o quesito tem uma formulação negativa e questiona o não pagamento da letra…). Para além disso, não houve recurso quanto à matéria deste quesito.
              v) Mas o exequente insiste na questão do pagamento parcial da letra (a reforma do mesmo), o que também pode ser enquadrado no quesito 9, este sim correspondente a uma afirmação de facto feita por ele. Só que este quesito teve resposta negativa e o exequente não recorreu quanto a tal decisão, embora o pudesse ter feito ao abrigo do art. 684-A, nº. 2, do CPC, sendo pois irrelevante o que agora diz contra tal.
              vi) A afirmação, genérica, que o exequente agora faz de que “a letra não pode valer como título cambiário (devido à ausência de vários requisitos legais)” é uma afirmação sem qualquer conteúdo útil e sem correspondência com qualquer facto que tenha alegado na contestação dos embargos e que ainda não tenha sido considerado.
              vii) Quanto à sua afirmação de que a letra não pode valer como documento particular (aqui por falta de alegação das circunstâncias concertas de como é que a letra chegou ao poder da executada), é argumento que não interessa considerar, já que se considera que o título pode valer como prova do crédito cambiário.
              viii) Por fim, a afirmação de que a letra que reformou a agora apresentada pela executada não está em litígio, é, mais do que qualquer outra coisa, o reconhecimento implícito de que existe uma dívida do exequente a favor da executada, o que é mais uma razão para que ele não se queixe da procedência da excepção da compensação. No mais o argumento não tem de ser considerado, já que nem sequer se prova que exista tal outra letra.
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              Posto isto tudo, basta agora referir que se verificam os requisitos substantivos da compensabilidade dos créditos, já que também o crédito da executada está vencido e não está sequer alegado que se trate de uma dívida natural ou resultante de jogo e tem por objecto coisa fungível da mesma espécie e qualidade.
              Sendo o crédito da executada (15.000€, nos termos por ela invocados) superior ao do exequente, mesmo incluindo os juros vencidos (1108€ até à data do requerimento executivo, tal como pedido, que é um valor inferior ao real, mais os juros vencidos desde então até à data da notificação da declaração da intenção da compensação ao exequente - arts. 848 e 854, ambos do CC – que ocorreu com a notificação da petição de embargos), a compensação opera apenas até ao montante do crédito exequendo (art. 847/2 do CC).
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              Não existem nos autos elementos para concluir que alguma das partes litigou de má fé, o que se diz agora por também não ter havido pronúncia quanto a tal questão na decisão recorrida (por se ter entendido que tal questão também estava prejudicada pela decisão dada à primeira).
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              Assim, julga-se parcialmente procedente o recurso deduzido pelo exequente, revogando-se a sentença recorrida, que se substitui por esta, que considera provados os quesitos 3 a 5 e improcedente a excepção de inexequibilidade do título executivo deduzida pela executada, pelo que a execução deveria prosseguir. Mas julga-se ainda procedente a excepção de compensação deduzida pela executada nesta oposição à execução, declarando extinto o crédito exequendo e juros vencidos (= 9.758€ + os juros vencidos desde 21/12/2007 até à notificação da declaração de compensação, à taxa legal anual de 4%, calculados sobre os 8.650€ da dívida inicial), por compensação com o contracrédito da executada contra o exequente, e por isso também extinta a execução (o que implica o consequente levantamento da penhora efectuada).
              Custas em partes iguais (sem prejuízo da dispensa do pagamento de que o exequente beneficia).
              Registe e notifique.
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              Sumário: I – O exequente que dê à execução um título cambiariamente prescrito, que respeite a um negócio subjacente não formal, no âmbito das relações imediatas, tem o ónus de alegar, mas já não o de provar, aquele negócio subjacente (art. 458 do CC), se ele não constar daquele título. Se o executado, na oposição à execução que deduzir, não conseguir provar a inexistência de relação subjacente, esta oposição improcederá nessa parte.
              II – O executado, para deduzir a excepção de compensação, não tem que renunciar ao eventual excesso do seu crédito sobre o do exequente.
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 Pedro Martins ( Relator )
João Moreira do Carmo
Alberto Ruço