Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
47/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
EXCESSO DE VELOCIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 06/30/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS ARTIGOS 13.º, 24.º, N.º 1 E 25.º, N.º 1, AL. H), IN FINE, DO CE E 496, N.º 1 E 805.º, N.º 3 DO CC
Sumário: 1. Tendo a condutora ficado com a visibilidade reduzida, encandeada pelos raios solares, deveria ter regulado a sua velocidade, de modo a fazer parar o veículo que conduzia no espaço livre e visível à sua frente, de forma a evitar o embate.
2. Os juros de mora relativos às quantias atribuídas a título da indemnização por danos não patrimoniais são devidos desde a sentença, e não desde a citação para a acção.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

                   A – Acção Ordinária Nº 47/2001 (acção principal):

               1. A A., A..., casada, residente no lugar de ...., intentou a acção principal (Nº 47/2001) sob a forma de processo sumário, que posteriormente foi mandada prosseguir sob a forma de processo ordinário contra as RR., B... , com sede na ...., C... , com sede no ...., e D... , com sede na ..., pedindo a condenação das mesmas, na proporção de responsabilidade que vier a ser imputada aos respectivos segurados na produção do acidente, a pagarem à A. e aos chamados como seus associados cuja intervenção requer, o montante de Esc. 10.000.000$00, acrescido dos juros legais desde a citação.

               Para tanto alega, em síntese, que no dia 4 de Fevereiro de 1998 ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes os veículos de matrícula JZ -00-00, conduzido pelo seu proprietário E... , que transferiu para a Companhia de Seguros C... a responsabilidade civil resultante da circulação do mesmo, 00-00-CG, propriedade de F... , que transferiu para a Companhia G... (actualmente B...) a responsabilidade civil resultante da circulação do mesmo, e 00-00-DR, conduzido por H.... e propriedade de I... , que transferiu para a Companhia de Seguros “ A B... “ a responsabilidade civil resultante da circulação do mesmo; tal acidente ficou a dever-se à conduta infractora de regras estradais por parte da condutora do veículo 00-00-DR que conduzia com excesso de velocidade e do proprietário do veículo CG por ter estacionado este de forma a ocupar cerca de um metro da faixa de rodagem e a menos de 15 m da paragem dos transportes públicos ali existente, e consubstanciou-se, em síntese, no embate da frente direita do veículo JZ, cujo condutor ficou momentaneamente sem poder ver devido ao sol ainda muito baixo, na traseira esquerda do veículo CG que ali estava estacionado, e, decorridos segundos, também no embate violento do veículo DR na traseira do veículo JZ, projectando este para debaixo do veículo CG e forçando-o a girar sobre a sua dianteira em cerca de 90º para a esquerda, fazendo com que se imobilizasse perpendicularmente ao eixo da via; de tais acidentes resultaram lesões em J... , sua irmã, que foram causa da morte da mesma, morte essa causou desgosto a todos os irmãos e sobrinhos da mesma com quem aquela tinha óptimo relacionamento.

               Mais requer a A. que sejam chamados a intervir na acção, como seus associados: L... e mulher M... , N... e marido O... , P... e marido Q..., R... , S... (filha do pré-falecido irmão T... ), U... e marido V... , X... e marido Z... e Y... .

                                                     *

               2. Citadas regularmente as RR. contestaram.

               - Na sua contestação a R. C..., S.A., começa por excepcionar o valor da causa, em consequência do que esta deve seguir a forma ordinária, pugna pela sua absolvição do pedido, aceitando a maioria dos factos alegados na P.I., e alegando que, não é imputado ao condutor do veículo seguro na mesma qualquer acto que fundamente o pedido de indemnização civil, visto que de acordo com a versão da A. o acidente deveu-se exclusivamente à culpa dos condutores dos veículo CG e DR, razão pela qual também qualquer responsabilidade objectiva estaria afastada pela culpa efectiva de tais condutores.

               Mesmo que assim se não entendesse, sempre estaria excluída qualquer indemnização aos herdeiros decorrentes da morte da J..., porque esta era irmã do E... e coabitava com este, não estando o falecimento dos herdeiros do condutor do veículo seguro cobertos pelo seguro, nos termos do disposto no Art. 7º Nº3 do DL 522/85, de 31.12.

               Sem prescindir, e por impugnação, alega serem falsos alguns dos factos alegados pela A. e desconhecer se são reais outros deles, manifestando ainda serem exagerados os montantes peticionados, além de indevidos.

               Termina pugnando pela improcedência da acção.

               - Na sua contestação a R. B..., S.A., aceita que na data referida na P.I. ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os três veículos também nela mencionados, pugnando, porém que, pela forma como descreve o acidente, a culpa na eclosão do mesmo não poderá ser assacada à condutora do veículo DR seguro na contestante, mas sim aos condutores dos veículos CG e JZ, o primeiro por ter estacionado o mesmo na própria faixa de rodagem destinada à circulação de sentido Aveiro/Viseu e a menos de 15 metros da paragem de transportes públicos, e o segundo por circular a velocidade excessiva, impugnando, assim, os factos alegados na P.I. a respeito da dinâmica do acidente e, ainda, por alegar desconhecer, outros factos também nela alegados e, ainda outros, por não serem factos de conhecimento pessoal e directo.

               Conclui a R. pela improcedência total da acção e pela sua consequente absolvição do pedido.

               - Por seu turno, a R. B..., S.A. começa por invocar erro na forma de processo, por ser a forma ordinária a correspondente ao valor da causa e não a sumária como indicado na P.I., aceitando alguns dos factos alegados pela A. e impugnando outros, imputando a culpa do acidente ao condutor do veículo JZ por conduzir com desatenção e à condutora do veículo DR por conduzir com alta velocidade e desatenção, tendo sido na sequência do segundo embate que faleceu a mencionada J..., já que o primeiro embate ocorreu a baixa velocidade, e alegando, em consequência, que não é responsável pelos danos invocados e, mesmo que fosse, estes são manifestamente excessivos, considerando, ainda, excessivo e desproporcionado o montante peticionado a título de danos morais.

               Termina pugnando pela improcedência da acção ou, caso assim se não entenda, pela condenação da mesma apenas na exacta medida da responsabilidade do seu segurado na produção do sinistro em discussão nos autos.


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               3. Em sede de resposta a A. aceita a verificação do invocado erro na forma de processo e, em esclarecimento à excepção deduzida pela R. C..., S.A., refere que a falecida J... e o irmão E...compartilhavam a mesma casa, mas mantinham economias e vidas separadas e autónomas, e que o veículo seguro na R. B..., S.A. era seguramente superior a 70 Km/hora dada a violência do embate de tal veículo no veículo JZ e a sua posição na via após embater na parte central traseira deste, concluindo, no mais, como na P.I.

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               4. Apreciada a nulidade processual subjacente ao erro na forma do processo, por ser a ordinária e não a sumária a correspondente à presente acção em face do valor atribuído à mesma, veio a ser ordenado o prosseguimento dos autos como acção ordinária.

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               5. Admitida, sem oposição, a intervenção requerida pela A. na P.I. veio a ser ordenada a citação dos chamados L...e mulher M..., N...e marido O..., P... e marido Q..., R..., S... (filha do pré-falecido irmão T...), U...e marido V..., X... e marido Z... e Y..., como associados da A..

               Apenas as chamadas R... e S... vieram aos autos fazer seus o articulado da A., contudo, porque a chamada R... não constituiu advogado nos autos, sendo tal constituição obrigatória, veio a ser decidida a absolvição das RR. da instância relativamente à intervenção da mesma.


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               6. A requerimento da R. B..., S.A. veio a ser determinada a apensação aos presentes autos das acções sumárias Nº 48/01 e 49/01.

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B – Acção Sumária Nº 48/2001 (acção apensa):


                  1. Na referida Acção Sumária 48/2001, o A. W..., deduziu contra as mesmas as RR., B..., Companhia de Seguros B... e Companhia de Seguros C..., pedindo a condenação das mesmas no pagamento de Esc. 3.148.000$00 acrescida de juros que se vencerem desde a data do sinistro e de acordo com a proporção de responsabilidade na produção do acidente que a sentença fixar para cada um dos respectivos segurados.

               Para tanto alega que sofreu as lesões e os danos que descreve em consequência do acidente em discussão também nos autos principais, acidente esse que descreve da mesma forma como resulta descrito na P.I. dos autos principais.


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               2. Citadas regularmente as RR. contestaram.

               - Na sua contestação a R. C..., S.A., começa por excepcionar o valor da causa, em consequência do que esta deve seguir a forma ordinária, pugna pela sua absolvição do pedido, aceitando a maioria dos factos alegados na P.I., e alegando que, não é imputado ao condutor do veículo seguro na mesma qualquer acto que fundamente o pedido de indemnização civil, visto que de acordo com a versão do A. este não sofreu lesões pelo embate do veículo JZ com o veículo CG e o acidente deveu-se exclusivamente à culpa dos condutores dos veículo CG e DR, pelo que terá a R. de ser absolvida do pedido.

               Sem prescindir, sempre impugna, por desconhecer, alguns dos factos alegados pelo A. e manifesta serem manifestamente exagerados os montantes peticionados.

               Termina pugnando pela improcedência da acção.

               - Na sua contestação a R. B..., S.A., aceita que na data referida na P.I. ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os três veículos também nela mencionados, pugnando, porém que, pela forma como descreve o acidente, a culpa na eclosão do mesmo não poderá ser assacada à condutora do veículo DR seguro na contestante, mas sim aos condutores dos veículos CG e JZ, o primeiro por ter estacionado o mesmo na própria faixa de rodagem destinada à circulação de sentido Aveiro/Viseu e a menos de 15 metros da paragem de transportes públicos, e o segundo por circular a velocidade excessiva, nunca inferior a 90 Km/hora, e não ter conseguido desviar-se para a sua esquerda para evitar o embate no CG, embate este que foi violento, ao contrário do embate havido entre o DR e o JZ, impugnando, ainda, as lesões alegadas pelo A, que alega desconhecer.

               Conclui a R. pela improcedência da acção e pela sua consequente absolvição do pedido.

               - Por seu turno, a R. B..., S.A. começa por invocar erro na forma de processo, por ser a forma ordinária a correspondente ao valor da causa e não a sumária como indicado na P.I., aceitando alguns dos factos alegados pelo A. e impugnando outros, imputando a culpa do acidente ao condutor do veículo JZ por conduzir com desatenção e à condutora do veículo DR por conduzir com alta velocidade e desatenção, tendo sido na sequência do segundo embate que o A. sofreu as lesões que invoca, e alegando, em consequência, que não é responsável pelos danos invocados e, mesmo que fosse, estes são manifestamente excessivos, considerando, ainda, excessivo e desproporcionado o montante peticionado a título de danos morais.

               Termina pugnando pela improcedência da acção ou, caso assim se não entenda, pela condenação da mesma apenas na exacta medida da responsabilidade do seu segurado na produção do sinistro em discussão nos autos.


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               3. Em sede de resposta a A. aceita a verificação do invocado erro na forma de processo e esclarece que o veículo seguro na R. B..., S.A. circulava a velocidade seguramente superior a 70 Km/hora dada a violência do embate de tal veículo no veículo JZ e a sua posição na via após embater na parte central traseira deste, concluindo, no mais, como na P.I.

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C – Acção Sumária Nº 49/2001 (acção apensa):


                  1. Na referida Acção Sumária 49/2001, os AA. U... e marido V..., X... e marido Z... e Y..., deduziram contra as mesmas as RR., B..., Companhia de Seguros B... S.A., pedindo a condenação das mesmas no pagamento de Esc. 3.000.010$00.

               Para tanto alegam que são filhos de E..., falecido em 27 de Setembro de 1999, o qual conduzia o veículo JZ interveniente no acidente em discussão também nos autos principais, acidente esse que descrevem da mesma forma como resulta descrito na P.I. dos autos principais e do qual alegam terem resultado danos materiais e sofrimento físico e moral para o falecido E...que descrevem.


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               2. Citadas regularmente as RR. contestaram.

               - Na sua contestação a R. B..., S.A., aceita que na data referida na P.I. ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os três veículos também nela mencionados, pugnando, porém que, pela forma como descreve o acidente, a culpa na eclosão do mesmo não poderá ser assacada à condutora do veículo DR seguro na contestante, mas sim aos condutores dos veículos CG e JZ, o primeiro por ter estacionado o mesmo na própria faixa de rodagem destinada à circulação de sentido Aveiro/Viseu e a menos de 15 metros da paragem de transportes públicos, e o segundo por circular a velocidade excessiva, nunca inferior a 90 Km/hora, e não ter conseguido desviar-se para a sua esquerda para evitar o embate no CG, embate este que foi violento e que provocou as lesões corporais no condutor do veículo JZ, E..., ao contrário do embate havido entre o DR e o JZ, impugnando, ainda, os demais factos alegados pelos AA. e pugnando pela inexistência de nexo de causalidade entre as lesões sofridas pelo mencionado E... em consequência do sinistro e a sua morte ocorrida cerca de um ano e sete meses depois deste.

               Conclui a R. pela improcedência da acção e pela sua consequente absolvição do pedido.

               - Por seu turno, a R. B..., S.A. começa por invocar erro na forma de processo, por ser a forma ordinária a correspondente ao valor da causa e não a sumária como indicado na P.I., aceitando alguns dos factos alegados pelo A. e impugnando outros, imputando a culpa do acidente ao condutor do veículo JZ por conduzir com desatenção e à condutora do veículo DR por conduzir com alta velocidade e desatenção, tendo sido na sequência do segundo embate que o condutor do JZ sofreu as lesões que os AA. invocam, e alegando, em consequência, que não é responsável pelos danos invocados e, mesmo que fosse, estes são manifestamente excessivos, considerando, ainda, excessivo e desproporcionado o montante peticionado a título de danos morais.

               Termina pugnando pela improcedência da acção ou, caso assim se não entenda, pela condenação da mesma apenas na exacta medida da responsabilidade do seu segurado na produção do sinistro em discussão nos autos.


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               3. Em sede de resposta a A. aceita a verificação do invocado erro na forma de processo e esclarece que o veículo seguro na R. B..., S.A. circulava a velocidade seguramente superior a 70 Km/hora dada a violência do embate de tal veículo no veículo JZ e a sua posição na via após embater na parte central traseira deste, concluindo, no mais, como na P.I.

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               D- Dispensada que foi a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador contemplando os factos alegados na acção principal e nas acções apensas.

               Em tal despacho, foi apreciada a denominada ineptidão da P.I. invocada na contestação deduzida pela R. C..., S.A. nas acções principal e na Acção 48/2001 apensa, no sentido da sua improcedência, tendo, ainda, sido aferida a regularidade da instância e organizados os factos provados e a base instrutória, os quais se fixaram sem censura.

                                                     *

               E- Antes, ainda, de designada data para julgamento e na sequência do requerimento apresentado pela A. nos autos principais, A... e do falecimento da chamada N...veio a ser indeferida a habilitação dos herdeiros desta.

No normal prosseguimento dos autos, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova testemunhal nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto seleccionada, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 923 a 933, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.

            No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 940 a 985, na qual se decidiu o seguinte:

“Tudo visto, e em face do exposto, decide-se, julgar parcialmente procedentes e provadas a acção principal e as acções apensas, e, consequentemente:

               1. Absolver as RR. Companhia de Seguros B... e Companhia de Seguros C... dos pedidos contras as mesmas nelas formulados.

               2. Condenar a R. B...:

    a) a pagar à A. A... e à chamada S..., a título de dano não patrimonial, o montante que vier a ser liquidado posteriormente referente à quota parte das mesmas na indemnização devida pela perda do direito à vida da falecida J... fixada no montante de € 30.000,00, montante esse acrescido de juros de mora desde a presente decisão e até integral pagamento.

b) a pagar ao A. W..., a título de danos não patrimoniais,  a quantia de € 2.000,00, montante esse acrescido de juros de mora desde a presente decisão e até integral pagamento.

c) a pagar às AA.   U..., Y... e X... da Silva, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 1.082.74, e, a título de danos não patrimoniais, o montante de € 4.500,00.

d) Absolver a R. Companhia de Seguros B... e Companhia de Seguros C... do demais peticionado.

e) Condenar os AA. A..., W..., U..., Y... e X... , a chamada S... e a R. B... nas custas das acções principal e apensas, na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixam provisoriamente no caso da acção principal em 1/3 para as A. A... e chamada S... e em 2/3 para a R. B..., sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

            Notificados do seu teor, vieram os autores U...e outros, requerer a sua correcção, com o fundamento em ter existido um erro na conversão da quantia de 540.000$00 para euros, porquanto lhe correspondem 2.693,86 € e não a de 1.082,74 € que ali consta.

            Notificadas as demais partes, nenhuma ofereceu resposta.

            Tal questão veio a ser decidida através do despacho de fl.s 1015, no qual se deferiu tal requerimento de rectificação da sentença.

           

            Inconformados com a mesma, interpuseram recurso a ré B... (fl.s 992); os autores A... e W... (fl.s 998) – embora estes não tenham apresentado as respectivas alegações, pelo que dele não se conhece – e os autores U... e outros (fl.s 1024), recursos, esses, admitidos como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 1028), concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões, os quais deverão ser julgados pela ordem da sua interposição (art.º 710, n.º 1, CPC):

           

Recorrente, ré, “ B..., SA”:

            1. O primeiro embate ocorreu atento o facto do condutor do veículo CG ter estacionado o veículo ocupando em parte a faixa de rodagem.

2. O condutor do veículo JZ, encandeado pelos raios solares não avistou desse modo o veículo CG, indo embater-lhe.

3. O condutor do veículo CG violou o disposto nos artigos 3.º e 49.º ambos do Código da Estrada.

4. O condutor do veículo JZ tinha parcialmente a faixa de rodagem livre e disponível à sua frente, podendo desta forma evitar o embate bastando para isso virar a direcção do veículo para a esquerda.

5. Com este comportamento violou os artigos 2.º e 24.º do Código da Estrada.

6. O primeiro embate contribuiu de forma decisiva para a ocorrência do segundo.

7. O segundo embate apenas ocorreu devido às condições temerárias e descuidadas dos condutores dos veículos CG e JZ.

8. A condutora do veículo DR circulava a uma velocidade inferior a 60 km/h e tinha a faixa de rodagem totalmente obstruída.

9. A condutora do veículo seguro não praticou nenhum facto que viole alguma regra estradal.

10. Não se pode culpabilizar-se, in casu, a viatura DR só porque foi esta que embateu na traseira dos veículos já sinistrados.

11. Desta sorte, violou a douta sentença recorrida os artigos 483.º e 497.º do Código Civil e os artigos 2.º, 3.º, 24.º e 49.º do Código da Estrada.

Termina, pedindo a revogação da sentença recorrida, substituindo-a por outra que contemple o por si ora alegado.

Recorrentes, autores U... e outros:

1. O acidente de viação em apreço ocorreu no dia 04 de Fevereiro de 1998.

2. Do mesmo resultaram ferimentos para o E..., nomeadamente um traumatismo torácico, em virtude do qual esteve internado 7 dias no Hospital de ...... Sofreu dores e ansiedade, quando veio para casa muito fragilizado, passou a necessitar de uma pessoa que o acompanhasse em permanência, cuidado que era prestado numa primeira fase pela sua filha U...e mais tarde pela filha X.... Uma vez que o seu estado de saúde se agravou e passou a necessitar, frequentemente, de oxigénio, foi internado no Lar MJ, em ..., onde veio a falecer em Setembro de 1999. Com a morte da sua irmã sofreu um profundo golpe, nunca mais tendo sido a mesma pessoa. Em consequência do acidente, não voltou a conduzir tendo essa circunstância levado ao seu isolamento. A totalidade destes danos foi fixada em 4.500,00 €.

3. Em consequência do acidente teve danos de natureza patrimonial, nomeadamente com os Bombeiros, com táxi, com medicamentos e consultas, com o Lar, onde esteve internado, e ainda com a perda total do veículo e que foram fixados no montante de 2.693,86 €.

4. A sentença de que agora se recorre fixa que os juros só são devidos desde a sentença proferida e não desde a citação para a acção.

5. Entendem os ora recorrentes, que o montante indemnizatório fixado para os danos não patrimoniais não é proporcional ao sofrimento que padeceu o E....

6. A indemnização pelos danos não patrimoniais não deve ser miserabilista, mas deve constituir um consolo pelos danos causados e deve constituir uma efectiva possibilidade compensatória. Para o efeito devem ser tidos em conta os critérios que constam do artigo 496.º, n.º 3, CC, os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência, ou as flutuações da moeda e ainda que não lhe seja aplicada, pode ser tida como linha de orientação o fixado na Portaria 377/2008, de 26 de Maio.

7. Relativamente aos danos não patrimoniais (deve ter querido dizer-se patrimoniais), só no que concerne ao valor fixado para o veículo se recorre.

8. O mesmo estava em bom estado, uma vez que o E... sempre providenciou pela sua manutenção, tanto mais que pouco tempo antes lhe tinha colocado umas jantes novas.

9. Se o veículo valia pelo menos 350.000$00, a verdade é que, atendendo ao seu bom estado de conservação e aos extras que lhe tinham sido colocados, terá sempre um valor superior ao que lhe foi fixado na sentença e que se calcula em 3.000,00 €.

10. A presente acção foi intentada há quase 8 anos.

11. A sentença proferida apesar de se louvar no acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ de Junho de 2002, a verdade é que não fixa uma indemnização que se encontre actualizada.

12. Assim, deverá ser a presente sentença e atendendo ao disposto no artigo 805.º, n.º 3 do CC, fixar os juros desde o momento da citação e não apenas desde a sentença.

13. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 496.º, n.º 3, 566.º e 805.º, n.º 3, todos do CC.

14. Por outro lado, no que à matéria de facto concerne e apesar de a M.ma Juiz ter valorizado e bem, o depoimento da testemunha YY.., uma vez que foi com base nele que deu como provados muitos dos factos indicados, deveria, com base no mesmo, e na medida em que o referido YY... era neto do E..., conhecia na primeira pessoa o sofrimento que o acidente causou ao avô, ter fixado uma indemnização de valor superior. Depôs de uma forma isenta e como tal merecedora de toda a credibilidade.

15. Assim sendo, deveria a M.ma Juiz ter fixado uma maior indemnização aos herdeiros do E..., de montante superior ao que foi fixado.

Terminam, peticionando se fixem os danos não patrimoniais no montante aproximado ao que foi peticionado e que sobre tal montante são devidos juros, contados desde a citação.

Contra-alegou a ré B..., SA, relativamente ao recurso interposto pela ré B... (fl.s 1089 a 1097) sustentando, em resumo, que é de manter a sentença recorrida, nos seus precisos termos, fundamentando-se nos argumentos, para tal, aduzidos na decisão recorrida, designadamente que o seu segurado em nada contribuiu para a produção do acidente, o que, igualmente, se verifica relativamente ao condutor do JZ.

Na sua óptica apenas a condutora do DR contribuiu para o evento ao não adequar a sua velocidade às condições de visibilidade que, na altura, tinha, o que provocou, por si só, o embate nos demais veículos.

            Contra-alegando, os autores U... e outros, relativamente ao recurso interposto pela ré B... (fl.s 1107 a 1111), sustentam a manutenção da decisão recorrida, em moldes idênticos aos referidos pela B..., SA.

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            (Recurso da ré B...):

            A. Culpabilidade dos intervenientes no acidente na respectiva produção.

            (Recurso dos autores U...e outros):

            B. Montante da indemnização a atribuir ao E..., resultante dos danos não patrimoniais por este sofridos;

            C. Valor a atribuir ao veículo sinistrado e pertencente ao E... e;

            D. Se os juros de mora relativos às quantias atribuídas a título da indemnização por danos não patrimoniais, são devidos desde a sentença ou desde a citação para a acção.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. No dia 4 de Fevereiro de 1998, faleceu J..., com 70 anos de idade, no estado de solteira, filha de K... e KK.... (doc. a fls. 17 do apenso da acção 47/01).

2. No dia 29 de Julho de 1944, nasceu U..., filha de E... e deWW...(doc. a fls. 78 dos autos).

3. No dia 19 de Novembro de 1946, nasceu Y..., filho de E... e deWW...(doc. a fls. 79 do apenso 4/01).

4. No dia 5 de Abril de 1950, nasceu X... da Silva, filha de E... e deWW...(doc. a fls. 80 do apenso 4/01).

5. No dia 4 de Fevereiro de 1998, cerca da 8 horas e quarenta minutos, circulava na estrada Nacional 16, ao Km 47, 66, e no sentido Aveiro/Viseu, o veículo automóvel de matrícula JZ -00-00, que era conduzido por E....

6. Tal veículo adveio à propriedade do referido E...por compra e venda, através de sucessivas transmissões, ao respectivo fabricante.

7. O referido E...e os antepossuidores do veículo JZ utilizavam-no, há mais de 10 anos, nas suas deslocações, para tratar dos mais variados assuntos, em saídas de lazer e de descanso, para tudo o mais que era necessário e procediam a toda as reparações que era necessárias, zelando pela sua manutenção à vista de toda a gente e sem a oposição de quem quer que fosse, agindo como verdadeiro dono e convicto de que não ofendia o direito ou interesse alheio.

8. Na mesma circunstância de tempo e lugar e no citado Km 47.66 da Estrada Nacional 16, no lugar de Santa Cruz, encontrava-se estacionado o veículo de matrícula 00-00-CG, pertencente a F..., que adveio à propriedade do referido F... por compra e venda, através de sucessivas transmissões, ao respectivo fabricante.

9. O referido F... e os seus antecessores utilizaram, há mais de 10 anos, o veículo CG nas suas deslocações e no seu trabalho diário, à vista de toda a gente, sem a oposição de quem quer que fosse, agindo como verdadeiro dono e convicto de que não ofendia o direito ou interesse alheio.

10. Na mesma circunstância de tempo e lugar, e pouco atrás de veículo JZ, circulava no mesmo sentido Aveiro/Viseu, o veículo automóvel de matrícula 00-00-DR que era conduzido por H..., propriedade de I... que adveio à propriedade do referido.I... por compra e venda, através de sucessivas transmissões, no respectivo fabricante.

11. O referido.I... por si e seus antecessores, há mais de 2, 4 ou 10 anos utilizavam-no nas suas deslocações, à vista de toda a gente, sem a oposição de quem quer que fosse, agindo como verdadeiro dono e convicto de que não ofendia o direito ou interesse alheio.

12. O veículo era conduzido pela H...com o conhecimento e consentimento do referido.I....

13. A zona da estrada em que se encontrava o ponto referido no artigo anterior (Km 47.66 da Estrada Nacional 16, que de ora em diante referiremos como local do sinistro) constitui uma recta em cerca de 290 metros de comprimento.

14. A faixa de rodagem naquele lugar tem 6,10 metros de largura.

15. No referido local existe um café que é frequentado pelas pessoas que aguardam transporte ou chegam à paragem de autocarro existente também no local.

16. O piso apresentava-se seco e em bom estado de conservação, mas sem marcas delimitadoras das hemi-faixas de rodagem ou quaisquer outras.

17. O dia estava claro.

18. Entre a Companhia de Seguros A B... e I... foi celebrado um contrato de seguro destinado a transferir para a primeira a responsabilidade civil resultante da utilização do veículo automóvel com a matrícula 00-00-DR, consubstanciado na apólice com o n.º 92006308 (doc. a fls. 121 dos autos da acção n.º 47/2001).

19. Entre a Companhia de Seguros C... e E... foi celebrado um contrato de seguro destinado a transferir para a primeira a responsabilidade civil resultante da utilização do veículo automóvel com a matrícula JZ -00-00, consubstanciado na apólice com o n.º 2-1-43-795084/08 (doc. a fls. 108 dos autos da acção n.º 47/2001).

20. À data do acidente o referido E...era viúvo.

21. O E...faleceu em 27 de Setembro de 1999.
22. O E...a conduzia o seu veículo a velocidade não concretamente apurada, na sua mão de trânsito, atendendo ao sentido de marcha em que circulava.
23. O E..., ao entrar na recta aludida em 13. foi encandeado pelos raios solares.
24. Tendo ido embater com a sua frente na traseira do veículo CG aludido em 8. que havia deixado de poder ver.
25. O veículo CG ocupava com o respectivo estacionamento parte da hemi-faixa direita de rodagem e parte da berma direita, atento o sentido de marcha Aveiro / Viseu.

26. Após o embate, o Sr. W..., que viajava como passageiro no banco traseiro do veículo do E..., abriu de imediato a porta esquerda do mesmo veículo, preparando-se para sair e ver os danos resultantes do acidente.

         27. Nesse momento, surgiu o veículo DR aludido em 10., o qual circulava a velocidade não superior a 60 Km/hora.

28. O veículo DR foi embater no veículo JZ, projectando-o para debaixo do veículo CG, embate esse que fez com que o veículo JZ girasse sobre a sua dianteira em cerca de 90º para a esquerda e viesse a ficar imobilizado perpendicularmente ao eixo da via.

         29. Ao chegar à frente do café-restaurante aludido em 15., denominado “ Os amigos “, após ter descrito a curva que se apresentava à direita, atento o sentido de marcha em que seguia, a condutora do veículo DR ficou com a visibilidade física da via reduzida em virtude da incidência solar, tendo retirado o pé do acelerador, diminuindo dessa forma a velocidade a que seguia.

30. Após ter percorrido distância não concretamente apurada depois de descrever a referida curva vislumbrou na sua frente a parte da caixa do veículo ligeiro de mercadorias CG que ocupava parte da sua faixa de rodagem e desviou ligeiramente a direcção do seu veículo para a sua esquerda.

31. Deparando-se, nesse momento, com o veículo JZ, enfaixado na traseira do veículo CG e a ocupar a restante parte da sua hemi-faixa, indo embater com a parte da frente direita do veículo DR na parte traseira do veículo JZ.
32. Como consequência directa e necessária dos embates sucessivos do veículo JZ no veículo CG e do veículo DR no veículo JZ foram provocadas lesões corporais no mencionado E..., condutor do JZ, e fractura do crâneo que atingiu a medula cervical na mencionada J..., as quais provocaram a morte desta.

33. Em consequência das referidas lesões o mencionado E... foi conduzido ao Centro de Saúde de ..., onde lhe foram prestados os primeiros cuidados.

34. Após, o que atenta a gravidade das lesões apresentadas, foi transportado ao hospital de ....., onde lhe foi diagnosticado um traumatismo torácico.
35. Depois de submetido a exames, foi internado no Serviço de Cirurgia 1-A.
36. Onde esteve internado até ao dia 09/02/98.
37. Quando regressou a casa a 09/02/98, fê-lo ainda muito debilitado e doente, padecendo de bastantes dores, necessitando de cuidados constantes dos seus familiares mais próximos, agravando-se o seu estado de saúde.

         38. O E...nunca mais foi a mesma pessoa.

39. A morte da irmã foi um profundo golpe, já que habitavam a mesma casa.
40. Era ela quem cuidava do E....
41. Que o acompanhava para todo o lado.
42. O acidente provocou no E...uma ansiedade crescente.
43. Em virtude do embate sofrido deixou de conduzir qualquer veículo automóvel.
44. O que contribuiu para um isolamento ainda maior.
45. Deixando de se poder deslocar para fora do seu lugar.
46. Pelo que a ansiedade foi aumentando sempre.
47. Em virtude do acidente tinha que ser acompanhado pela filha U...em todas as deslocações que fazia.
48. Pelo que esta era obrigada a deixar a sua vida e o trato da sua família para acompanhar o pai.
49. Em virtude do acidente, e porque a sua estadia em casa da sua filha U...lhe lembrava a morte da irmã e exigia a presença constante da filha junto dele, quer de noite quer de dia, por motivos de saúde esta não o podia fazer, acabou por ir para casa da filha X...(em ...).
50. Em virtude do E...passar a necessitar frequentemente da aplicação de oxigénio viu-se obrigado a recolher a um lar, ficando privado da companhia dos familiares mais próximos.
51. O mencionado E...faleceu em 27 de Setembro de 1999.
52. O veículo automóvel que possuía, sempre tinha sido fonte de orgulho.
53. Mantinha-o em bom estado de conservação.
54. Tendo relativamente pouco tempo antes do acidente mandado colocar jantes novas e fazer uma revisão ao veículo.
55. Tendo com ele todos os cuidados que fossem necessários para o manter em bom estado de conservação.
56. Do acidente resultou a perda total do veículo JZ que valia pelo menos Esc. 350. 000$00.
57. Em consequência do acidente despendeu o E... as seguintes quantias:

· Deslocações de táxi – Esc. 59.734$00;

· Em medicamentos – Esc. 2.237$00;

· Bombeiros Voluntários de ... – Esc. 6.000$00;

· “MJ. – Casas de Repouso ... – Esc. 122.100$00.

58. A reparação dos danos apresentados ascendia a 622 557$00.
59. Como consequência do embate entre o veículo JZ e DR, o autor W... sofreu:
- politraumatismo – fracturas múltiplas dos arcos costais à direita e contusão cervico-dorsal;

- hemo-pneumotorax;

- várias escoriações da face;

- perda de 6 dentes;

- dores torácicas e no dorso lombares;

- alteração da função do ombro esquerdo com dificuldade de elevação completa do mesmo;

- e atrofia das massas musculares respectivas.
60. O W... foi transportado para o Centro de Saúde de ....
61. Aí foram-lhe ministrados os cuidados primários.
62. Tendo sido transportado para o Hospital de ..... atenta a gravidade das suas lesões.
63. Aí foi tratado a várias escoriações na face, tendo-lhe sido colocado um penso grosso e foi submetido a exames radiográficos.
64. De seguida foi internado no serviço de ortopedia, aguardando um TAC cervical para despiste de lesão da coluna.
65. Em consequência das fracturas dos arcos costais à direita o W... sofreu um hemopneumotorax à direita, tendo-lhe sido colocado um DIC de urgência na enfermaria.
66. Das lesões sofridas pelo mencionado W... resultaram para este em permanência ombro doloroso crónico à esquerda, luxação acrómio-clavicular esquerda, atrofia significativa do deltoite e restrição moderada da mobilidade.
67. O W... só teve alta no dia 18 de Fevereiro de 1998.
68. O W... mantém dificuldades em se locomover.
69. E continua a sofrer fortes dores quando efectua movimentos mais acentuados.
70. O W... sofreu enorme desgosto e profundo abalo por ter ficado com as lesões supra referidas.
71. O Autor W... fez consultas e tratamentos médicos da especialidade.
72. Comprou medicamentos.
73. Deslocou-se diversas vezes aos Hospitais e médicos da especialidade.
74. O mencionado E... era filho de K... e de KK.. (cfr. fls. 23 acção Nº 47/2001)

75. Entre a Companhia de Seguros B... e F... foi celebrado um contrato de seguro destinado a transferir para a primeira a responsabilidade civil resultante da utilização do veículo automóvel com a matrícula 00-00-CG, consubstanciado na apólice com o n.º 90.942362 (doc. junto a fls. 465 dos autos da acção n.º 47/2001).

            (Recurso da ré B..., SA)

            A. Culpabilidade dos intervenientes no acidente na respectiva produção.

            Como resulta das alegações e respectivas conclusões do seu recurso, a ora recorrente entende que a culpabilidade na ocorrência do acidente que originou os presentes autos não pode ser atribuída exclusivamente à sua segurada, apesar de ser esta a embater nos demais veículos intervenientes no acidente sub judice, porque já, anteriormente se tinha dado o embate entre os outros dois veículos intervenientes no mesmo.

            Concretizando, entende a ora recorrente que o condutor do CG contribuiu, culposamente, para a produção do acidente, porquanto estacionou o seu veículo, em violação das normas legais aplicáveis, contribuindo, assim, para o embate e o condutor do JZ, porque tinha parcialmente livre a faixa de rodagem à sua frente, podendo desviar-se para a sua esquerda e só porque o não o fez, em contravenção ao disposto no artigo 24.º do CE, é que se deu o embate entre o seu veículo e o CG (que estava estacionado).

            Daqui, retira a conclusão de que ambos estes condutores deram causa ao acidente.

            Por seu turno, na sua óptica a condutora do DR (sua segurada) em nada contribuiu para a produção do acidente, uma vez que circulava a velocidade inferior a 60 km/h, ficou com a visibilidade reduzida em virtude da incidência solar, face ao que retirou o pé do acelerador, diminuindo a velocidade a que seguia.

            De seguida, porque viu a caixa do veículo que se encontrava estacionado, desviou-se ligeiramente para a esquerda mas, não conseguiu evitar o embate porque se deparou com a faixa de rodagem totalmente obstruída com os dois veículos que já estavam embatidos, pelo que não se lhe pode assacar qualquer culpa na produção do acidente, por não ter violado nenhuma norma estradal.

           

            Ao invés, na sentença recorrida, considerou-se que ao condutor do CG não se poderia assacar qualquer culpa na produção do segundo embate, porque desconhecendo-se qual a largura da berma direita, se torna impossível saber se tal veículo podia ser estacionado apenas sobre tal berma ou se teria que ocupar parte da faixa de rodagem, pelo que não se mostra violado o disposto no artigo 48.º, n.º 1 do CE.

            De igual modo, quanto ao condutor do JZ, na mesma se considerou que este também não contribuiu para a produção do segundo embate, dado que o encandeamento de que foi vítima, em face do que havia deixado de poder ver o CG, se teria de considerar como súbito e inopinado e se desconhece qual a distância que percorreu desde o momento em que ficou encandeado até ao momento em que embateu no veículo que estava estacionado (o CG), pelo que não lhe pode imputar uma conduta culposa na produção do referido segundo embate.

            Já no que concerne à condutora do DR, considerou-se esta como a única culpada na produção deste embate, dado que o encandeamento que sofreu já não se pode qualificar de súbito e inopinado, uma vez que o sofreu após ter descrito a curva referida no item 29 dos factos provados, após o que percorreu distância não concretamente apurada e vislumbrou parte da caixa do CG e desviou-se para a esquerda e só nesse momento se deparou com o JZ e o CG, tal como melhor descrito nos itens 30 e 31 dos mesmos factos, indo embater no JZ.

            Em face disto, considerou-se que a condutora do DR não adequou a velocidade a que seguia às condições atmosféricas que, na altura, se faziam sentir, em consequência do que foi embater no JZ, o que consubstancia uma violação do disposto no artigo 24.º, n.º 1 do CE.

            Vejamos, então, por cotejo com a factualidade provada e os preceitos aplicáveis do Código da Estrada (este na versão aprovada pelo DL 114/94, de 3/5, atento a que o acidente ocorreu em 04 de Fevereiro de 1998 e de acordo com o artigo 21.º do DL 2/98, de 3/1, este só entrou em vigor no dia 31 de Março de 1998), a quem deve ser imputada a culpa na produção do acidente dos autos, por referência ao segundo embate.

            Como resulta dos autos a matéria de facto dada por demonstrada em 1.ª instância não foi sindicada, pelo que é de ter por assente nos precisos termos em que o foi e é com base nela que se terá de ajuizar a conduta de cada um dos intervenientes no acidente, designadamente para aferir se o encandeamento que sofreram os condutores do JZ e do DR, será de classificar como súbito ou prolongado, o que, como adiante melhor se referirá, é de crucial importância para a decisão desta questão.

            A matéria de facto relevante para aferir da culpabilidade do condutor do CG na produção do acidente é a que se encontra descrita nos itens 8, 13 14 e 25, dos factos provados, que nos dispensamos de aqui reproduzir, dado que já acima, no local próprio se acham descritos.

            Dela importa reter, em resumo, que este veículo se encontrava estacionado, numa recta com 290 metros de comprimento (embora se desconheça a que distância do seu início ou fim), fora de qualquer localidade, ocupando parte da berma direita e parte da hemi-faixa de rodagem (desconhecendo-se, de igual forma, se tal veículo se encontrava mais para a berma ou para a hemi-faixa) e sabendo-se que a faixa de rodagem tem uma largura de 6,10 metros, mas desconhecendo-se qual a largura da dita berma.

            Assim, com base nestes factos e tendo por referência o disposto no artigo 48.º, n.º 1 do CE, na redacção então em vigor (e já acima referida), não se vislumbra que ao condutor do CG se possa assacar qualquer parcela de culpa na produção do embate entre o DR e o JZ.

            Efectivamente, tal como foi considerado na sentença recorrida, de acordo com este preceito, o estacionamento, fora das localidades, deve fazer-se fora das faixas de rodagem ou, não sendo isso possível, o mais próximo possível da respectiva margem direita, paralelamente a esta e no sentido da marcha.

            Ora, tendo em conta a factualidade acima descrita e atento que se desconhece qual a largura da berma, sendo que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão – cf. artigo 487.º, n.º 1 do CC – nada se pode imputar a título de culpa ao condutor do CG na produção do dito embate, dado que o modo como tinha estacionado o seu veículo está conforme com o artigo 48.º, n.º 1 do CE.

            De resto, atento a que se trata de uma recta com 290 metros de comprimento e não obstante se desconheça em que ponto concreto da recta é que se encontrava o referido veículo estacionado, ainda assim, com base na referida factualidade, sempre inexiste qualquer nexo de causalidade entre o estacionamento do CG e os embates descritos nos autos, pois que não basta para se poder assacar a culpa ao seu condutor que assim o tenha estacionado, mais era necessário alegar e provar que por virtude de tal estacionamento, ilícito, é que se deram os referidos embates.

            Manifestamente, assim não sucede, pelo que ao condutor do CG, não pode ser assacada qualquer parcela de culpa na produção do embate entre o DR e o JZ.

            No que se refere ao condutor do JZ, importa reter a matéria de facto descrita nos itens 5 e 22 a 24 da matéria de facto provada.

            Dali resulta que o mesmo circulava na EN 16, no sentido Aveiro – ....., a velocidade que se desconhece e na sua mão de trânsito.

            Mais se apurou que aquele, ao entrar na recta onde se encontrava o CG foi encandeado pelos raios solares, deixando de poder ver o CG, indo nele embater.

            Destes factos resulta que o condutor do JZ, de forma súbita e inopinada deixou de poder ver o CG, pelo que temos de concluir que o mesmo, devido a tal encandeamento, ficou completamente “cego”, deixou de poder ver o veículo CG.

            Tal facto, aliado à circunstância de não se ter apurado que circulasse em velocidade excessiva, fora de mão e qual a distância que assim percorreu, desde o início do encandeamento e até ao embate no CG, isenta-o de culpa na produção do embate em causa.

            Já no que concerne à condutora do DR importa atentar, em especial, no que consta dos itens 10 e 27 a 31 da matéria de facto dada por provada.

            Da mesma resulta que a mesma seguia pouco atrás do JZ, no mesmo sentido de trânsito deste, a velocidade não superior a 60 km/h e após ter feito uma curva que se apresentava à sua direita, entrando na recta onde se deu o acidente, ficou com a visibilidade reduzida em virtude da incidência solar, em face do que diminuiu a velocidade a que seguia.

            Assim, continuou a sua marcha e após ter percorrido distância não concretamente apurada, viu na sua frente parte da caixa do CG, que ocupava parte da faixa de rodagem e desviou-se ligeiramente para a sua esquerda, deparando-se, nesse momento, com o JZ enfaixado na traseira do CG e a ocupar a restante parte da sua hemi-faixa, embatendo no JZ.

            Ora, daqui resulta que, por contraposição ao condutor do JZ, a condutora do DR não ficou completamente “cega” em virtude do encandeamento solar, mas apenas o ficou em parte.

            Efectivamente, tal como decorre daquela matéria de facto, a condutora do DR ficou encandeada pelos raios solares, ficando com a visibilidade reduzida, pelo que diminuiu a velocidade, mas, ainda assim, continuando a circular até que embateu no JZ.

            Ou seja, não obstante tenha reduzido a velocidade a que seguia, não a reduziu de modo eficaz com vista a evitar o embate do seu veículo nos demais, atento, até, que viu parte da caixa do CG em momento anterior, embora se desconheça com que antecedência, relativamente ao embate no JZ.

            Atento a esta factualidade, impõe-se concluir que a condutora do DR deveria ter regulado a sua velocidade, atentas as deficientes condições de visibilidade que ali se faziam sentir, de modo a fazer parar o veículo que conduzia no espaço livre e visível à sua frente – cf. artigos 24.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1, al. h), in fine, ambos do CE.

            Como se refere no Acórdão do STJ, de 03/06/2003, Processo n.º 03A4191, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj:

“… a regra da adequação e da redução da velocidade e até de paragem do veículo, se necessário, também se aplica aos condutores vítimas de encandeamento prolongado que … deixem de ver, com suficiente clareza e nitidez, a faixa de rodagem por onde conduzam”.

            Consequentemente, à condutora do DR, em face das circunstâncias de visibilidade com que se deparou exigia-se que reduzisse ainda mais a velocidade a que seguia e se necessário, parasse, de forma a evitar o embate no JZ, o que não fez.

            E nem o facto de este último veículo ora referido se encontrar a ocupar a restante parte da sua hemi-faixa a isenta de culpa, desde logo por força do que ora se deixou dito, em face do que deveria seguir a uma velocidade tal que lhe permitisse imobilizar o seu veículo no espaço que lhe era visível e por outro lado, porque, em tal caso, lhe era lícito desviar-se para a hemi-faixa contrária – cf. artigo 13.º, n.os 1 e 2, do Código da Estrada, pelo que só a si é de imputar, na íntegra, a culpa na produção do ajuizado acidente.

            Consequentemente, é de manter, no que toca à culpabilidade na produção do dito embate, o decidido em 1.ª instância, assim, improcedendo o recurso interposto pela ré B....

            (Recurso dos autores U... e outros)

B. Montante da indemnização a atribuir ao E..., resultante dos danos não patrimoniais por este sofridos, que os recorrentes reputam de deficiente.

Nos termos do disposto no artigo 496, n.º 1, do Código Civil, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Como se colhe do Acórdão do STJ, de 26/6/91, in BMJ 408 – 538, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, sem ater a personalidades de sensibilidade exacerbada e a apreciar em função da tutela do direito.

Cotejando os factos apurados, verifica-se que, no que a esta questão se refere, importa ter em consideração que:
32. Como consequência directa e necessária dos embates sucessivos do veículo JZ no veículo CG e do veículo DR no veículo JZ foram provocadas lesões corporais no mencionado E..., condutor do JZ, e fractura do crâneo que atingiu a medula cervical na mencionada J..., as quais provocaram a morte desta.

33. Em consequência das referidas lesões o mencionado E... foi conduzido ao Centro de Saúde de ..., onde lhe foram prestados os primeiros cuidados.

34. Após, o que atenta a gravidade das lesões apresentadas, foi transportado ao hospital de ....., onde lhe foi diagnosticado um traumatismo torácico.
35. Depois de submetido a exames, foi internado no Serviço de Cirurgia 1-A.
36. Onde esteve internado até ao dia 09/02/98.
37. Quando regressou a casa a 09/02/98, fê-lo ainda muito debilitado e doente, padecendo de bastantes dores, necessitando de cuidados constantes dos seus familiares mais próximos, agravando-se o seu estado de saúde.

         38. O E...nunca mais foi a mesma pessoa.

39. A morte da irmã foi um profundo golpe, já que habitavam a mesma casa.
40. Era ela quem cuidava do E....
41. Que o acompanhava para todo o lado.
42. O acidente provocou no E...uma ansiedade crescente.
43. Em virtude do embate sofrido deixou de conduzir qualquer veículo automóvel.
44. O que contribuiu para um isolamento ainda maior.
45. Deixando de se poder deslocar para fora do seu lugar.
46. Pelo que a ansiedade foi aumentando sempre.
47. Em virtude do acidente tinha que ser acompanhado pela filha U...em todas as deslocações que fazia.
48. Pelo que esta era obrigada a deixar a sua vida e o trato da sua família para acompanhar o pai.
49. Em virtude do acidente, e porque a sua estadia em casa da sua filha U...lhe lembrava a morte da irmã e exigia a presença constante da filha junto dele, quer de noite quer de dia, por motivos de saúde esta não o podia fazer, acabou por ir para casa da filha X...(em ...).
50. Em virtude do E...passar a necessitar frequentemente da aplicação de oxigénio viu-se obrigado a recolher a um lar, ficando privado da companhia dos familiares mais próximos.
51. O mencionado E...faleceu em 27 de Setembro de 1999.

 

Na sentença recorrida, foi-lhe atribuída a quantia de 1.500,00 €, pelas lesões e internamento que sofreu em consequência do acidente e a de 3.000,00 €, pelos danos decorrentes da morte da sua irmã.

Tendo em linha de conta os critérios legais aplicáveis e atentas lesões e sequelas de que ficou o autor a padecer, bem como que não se trata de critérios rígidos nem de quantias pré-determinadas nem fixas, somos de opinião que a atribuída a título das lesões pelo mesmo sofridas deve ser mantida.

Já a atribuída pelos danos que lhe resultaram da morte da irmã J..., face aos factos constantes dos itens 39 a 42 e 49, somos de opinião que dever aumentada para a quantia de 7.500,00 €, que se mostra mais ajustada à situação em causa, procedendo, parcialmente, esta questão do recurso.

C. Valor a atribuir ao veículo sinistrado e pertencente ao mesmo E....

Entendem os ora apelantes que a indemnização a atribuir pela perda de tal veículo dever ser fixada na quantia de 3.000,00 €, atento o seu bom estado de conservação.

Na sentença recorrida atribuiu-se-lhe o valor de 350.000$00 (1.745,79 €).

Quanto a tal, a única coisa que se provou foi que resultou a perda total de tal veículo e o seu valor era o de, pelo menos, 350.000$00.

Assim sendo, mostra-se correcta a verba atribuída a tal título, improcedendo esta questão do seu recurso.

D. Se os juros de mora relativos às quantias atribuídas a título da indemnização por danos não patrimoniais, são devidos desde a sentença ou desde a citação para a acção.

Alegam para tal os recorrentes que, atento o lapso de tempo entretanto decorrido desde a data do acidente e a da prolação da sentença, os juros são devidos desde a data da citação para a acção, até porque não se pode entender que os seus montantes tenham sido actualizados quando foi proferida a sentença.

Nesta, com apoio no disposto no artigo 805.º, n.º 3 do CC e no Acórdão do STJ, de 9/5/2002, in DR, I.ª Série – A, de 27/6/2002, considerou-se que os juros eram devidos desde a data da sentença.

Nos termos deste Acórdão do STJ, com força obrigatória geral, os juros de mora devidos por danos não patrimoniais, porque só são fixados com a sentença, apenas se vencem a partir desta e não anteriormente.

Contrariamente ao defendido pelos ora recorrentes, não se trata de uma questão de actualização. Os mesmos apenas se fixam com a sentença, pelo que só a partir da respectiva liquidação (que só se verifica na sentença) são devidos os respectivos juros de mora.

Assim, quanto a esta questão, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:       

Julgar improcedente a apelação deduzida pela ré B... e parcialmente procedente a deduzida pelos autores U... e outros, no que se refere à indemnização devida pelos danos sofridos pelo E..., decorrentes da morte da sua irmã J..., que se fixa na quantia de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros);

mantendo-se, quanto ao mais, a decisão recorrida.

            Custas pelos apelantes e apelados, tendo em conta os respectivos decaimentos, sem prejuízo dos benefícios do apoio judiciário que foram concedidos.