Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1488/08.7TBVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: LITISPENDÊNCIA
RESPONSABILIDADE CIVIL
FACTOS
DATA
Data do Acordão: 11/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 497º/1 DO CPC
Sumário: Não existe litispendência se numa das acções se alegam factos eventualmente geradores de responsabilidade civil ocorridos em distintos momentos.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

  A..., A. na acção, residente..., interpôs recurso do despacho saneador que julgou procedente a excepção de litispendência.

   Pretende a revogação da decisão com substituição por acórdão que ordene o prosseguimento dos autos e revogação da ordem de remessa de certidões ao Ministério Público e Segurança Social.

   Formula as seguintes conclusões:

   1 – Não há identidade de pedido, nem de causa de pedir.

   2 – Se, relativamente ao pedido ainda pudesse entender-se que, do ponto de vista jurídico-processual, tem qualidade idêntica, não há identidade entre ambos, pelo que foi violado o regime jurídico do nº 3 do Artº 498º do CPC.

   3 – A causa de pedir, como facto ou conjunto de factos concretos e determinados donde resulta o direito do autor, não pode encontrar identidade com o procº .....6/08.3TBVNO.

   4 – O procº ...6/08.3TBVNO deu entrada muito antes do termo do julgamento e sentença do processo crime que originou, em parte, novo conjunto de factos, que provocaram a instauração do processo cível onde foi proferida a douta sentença recorrida.

   5 – No procº ...8/08.7TBVNO alegaram-se novos e relevantes factos nos pontos 14º, 15º e 16º da petição inicial, no qual se referem “Burlas dão 107 anos de prisão”, “A.... F..., de 36 anos foi considerado o cérebro da operação e o que apanhou a pena mais pesada... pelo que não pode haver identidade de causa de pedir com o procº nº ...6/08.3TBVNO.

   6 – A sentença violou a regra consignada no Artº 498º do CPC, em que se fundamentou.

   7 – A ordem de remessa de certidões para o Ministério Público, sem indicação de suspeita de algum crime, e à Segurança Social, para além de não serem fundamentadas de facto e de direito – fins tidos por convenientes – não é fundamentação concreta, mas um conceito geral e abstracto, é prematura, porque feita antes do trânsito em julgado da douta sentença recorrida. Deve ser revogada, por falta de fundamentação.

  B..., R. na acção, sedeada ....., contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

   Conclui, em resumo, que o facto de o Recrte. ter alegado uma notícia que não foi invocada ou alegada no procº ...6/08.3TBVNO não faz com que entre os dois processos deixe de existir uma sobreposição em relação aos factos constantes das notícias. A única diferença entre as duas acções é que na última o Recrte. invocou uma notícia publicada no jornal C.... a 17/07/2008, pois todos os demais factos e notícias tinham já sido referidos no procº ...6/08.3TBVNO. Em relação ás notícias publicadas nos dias 29/12/2007, 8/01/ e 10/01 não existem dúvidas que se está perante uma situação de litispendência, que impõe a absolvição da R. da instância. A notícia de 17/07/2008 não contém qualquer elemento que não tivesse sido referido nas anteriores. Uma vez que o Recrte. não se sente lesado pela notícia, mas pelos factos que dela constam, uma vez que os factos constantes da notícia tinham já sido noticiados, resulta evidente que existiu também em relação a esta última, uma identidade na causa de pedir.


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   Façamos um resumo dos processos em questão:

   No âmbito do procº ...8/08.7 o A. pediu a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 250.000,00 e juros, a título de indemnização por danos morais.

   Alega, em síntese, que a R. é proprietária do jornal C... no qual foram publicados diversos artigos, datados de 29/12/2007, 10/01/2008, 17/07/2008 aludindo a uma burla cujo autor seria o ora Recrte., notícias essas cuja leitura e divulgação lhe provocaram grave depressão, sentindo-se humilhado, vexado, envergonhado...

   No âmbito do procº ...6/08.3 o A. pediu a condenação da R. e de outrém (o jornalista autor das notícias) a pagar-lhe a quantia de € 50.000,00 a título de danos morais e a de € 443.750,00, a título de danos patrimoniais.

   Alega, em síntese, que a R. é proprietária do jornal C..., o qual publicou, escritos pela mão do ali 1º R., diversos artigos referindo uma burla e o burlão, datados de 29/12/2007, 8/01/2008, 10/01/2008, notícias essas que ofendem a sua dignidade humana, e com cuja difusão o mesmo entrou em grave depressão, se sentiu envergonhado, humilhado, triste...

   No primeiro dos mencionados processos a R. invocou litispendência por nas duas acções serem invocadas as mesmas notícias como elemento causador do dano ao bom nome e reputação do A..


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   Das conclusões supra descritas, extraem-se as seguintes questões a decidir.

   1 – Inexistência de litispendência derivada da falta de coincidência de causa de pedir e de pedido.

   2 – Falta de fundamentação da ordem de remessa de certidões.


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   Existe litispendência se se repete uma causa, estando a anterior ainda em curso (Artº 497º/1 do CPC).

   A causa repete-se quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e á causa de pedir.

   No caso sub-júdice nenhuma das partes questiona a identidade de sujeitos, que, aliás, é patente.

   Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade de causa de pedir, quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (Artº 498º/3 e 4).

   Defendeu-se na sentença em recurso que existe identidade de pedidos, ainda que parcial, e identidade de causa de pedir.

   Ora, sendo, embora, verdade, que o efeito jurídico que se pretende obter é semelhante, já não o é que o pedido assente no mesmo facto jurídico.

   Ao conceito em análise interessa fundamentalmente o efeito jurídico de direito material, independentemente da coincidência formal decorrente, por exemplo, da quantificação, pelo que, no caso concreto, o pedido, para este efeito, é idêntico.

   Já quanto à causa de pedir, definida a mesma como o acervo fáctico capaz de fundamentar a procedência da acção, não se regista a identidade pressuposta no conceito.

   Analisados os factos em discussão em ambas as acções, constata-se que os mesmos são parcialmente coincidentes. Porém, a fundamentar a acção que deu lugar a este processo, existe um facto, em abstracto gerador de responsabilidade civil, não contemplado no processo que a antecede – a notícia publicada em 17/07/2008.

   Tanto basta para que não se possa falar de litispendência, por, nessa parte, não se repetir a causa.

   Atente-se em que o conceito de repetição, nesta vertente, tem que tomar-se em termos absolutos.

   Assim, existindo, embora, coincidência parcial de causa de pedir, ela não é total, pelo que a acção deve prosseguir limitada aos factos decorrentes da publicação de 17/07/2008, visto que, quanto aos demais, se regista repetição.

   A segunda das enunciadas questões prende-se com a falta de fundamentação do despacho que ordenou a remessa de certidões ao Ministério Público e á Segurança Social.

   Consignou-se no despacho em causa que “considerando que no âmbito dos presentes autos o A. juntou procuração forense e, simultaneamente, juntou decisão de concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de honorários de patrono, determino que se extraia 2 certidões... e se proceda à remessa das mesmas ao ISS e aos Serviços do MP para os fins tidos por convenientes. Mais determino se extraiam 2 certidões de fls. 2-12 e 26-30 dos autos de acção ordinária a correr termos sob o nº ...6/08.3TBVNO e se remeta igualmente ao ISSS e aos Serviços do MP, para os fins tidos por convenientes”.

   É um facto que as decisões judiciais têm que ser fundamentadas. Porém, esta exigência, reporta-se às decisões.

   O despacho em causa não contém qualquer decisão que afecte o A., ora Recrte., pelo que não é recorrível (Artº 676º/1 do CPC).


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   Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

a) revogar a sentença recorrida, julgando-se parcialmente procedente a excepção de litispendência com consequente ordem de prosseguimento dos autos cingidos, contudo, aos factos geradores de responsabilidade decorrentes da notícia publicada em 17/07/2008 e

b) manter o restante despacho.

   Custas por ambas as partes, na proporção de 2/3 para o A. e 1/3 para a R..

   Notifique.


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   Elabora-se o seguinte sumário:

   Não existe litispendência se numa das acções se alegam factos eventualmente geradores de responsabilidade civil ocorridos em distintos momentos.