Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
30/08.4TBVLF-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: CASO JULGADO FORMAL
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
DESTITUIÇÃO
ORGÃO SOCIAL
Data do Acordão: 05/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VILA NOVA DE FOZ CÔA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 199º, 672º, Nº 1, E 1484º-B, DO CPC
Sumário: I – A decisão de um Tribunal da Relação, proferida em sede de recurso no âmbito de um procedimento cautelar, não conhecendo uma nulidade respeitante a erro na forma de processo (artigo 199º do CPC), por se entender não ter sido esta adequadamente suscitada, forma, dentro desse processo, caso julgado formal, nos termos do artigo 672º, nº 1 do CPC;
II – Daí que tal decisão bloqueie a ulterior apreciação dessa mesma nulidade pelo Tribunal de primeira instância, quando o processo lhe retorna;

III – A estrutura e a tramitação de um procedimento cautelar comum (no qual foi dispensada a prévia audição da Requerida) apresenta-se como adjectivamente semelhante à aplicável num procedimento (cautelar) visando a suspensão, previamente à destituição, de um titular de órgão social, previsto (a suspensão) no nº 2 do artigo 1484º-B do CPC;

IV – O erro na forma de processo consistente na opção pelo procedimento cautelar comum em vez do previsto no artigo 1484º-B (nº 2) do CPC, não implica, designadamente em sede de dispensa de audição prévia da Requerida, a prática de actos fundamentalmente distintos dos previstos para a tramitação comum, para efeito de aproximação da tramitação seguida (comum) à adequada (artigo 1484º-B), nos termos resultantes do artigo 199º do CPC;

V – A formação de caso julgado num processo, através dos efeitos preclusivos que lhe estão associados, traduz um valor constitucionalmente relevante, não afectando, em si mesma, o direito de acesso ao direito e aos tribunais, previsto no artigo 20º da Constituição;

VI – Tal asserção – invariavelmente presente na jurisprudência do Tribunal Constitucional – é válida tanto para a formação de caso julgado material como para a formação de caso julgado formal.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Em 08/02/2008[1], A... (Requerente e neste recurso Apelada), suscitou, invocando o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 1484º-B do Código de Processo Civil (CPC)[2], um procedimento visando a suspensão (preliminarmente à destituição) de titular de órgão social, demandando a directamente visada pela pretensão B... (1ª Requerida e no presente recurso Apelante) e a sociedade da qual esta é gerente, C..., Lda. (2ª Requerida), expressando tal pedido nos seguintes termos:


“[…]
a) A imediata suspensão da 1ª Requerida das respectivas funções de gerência da sociedade Requerida […], impedindo-se a mesma da prática de qualquer acto, sob pena de graves e irreversíveis danos na esfera jurídica da Requerente, da sócia D... e da sociedade Requerida, tudo nos termos do artigo 1484º-B, nº 2 do CPC;
b) A nomeação provisória do Sr. E.... para exercer as funções de gerente na sociedade Requerida […].
Mais se requer que a presente providência seja deferida sem audiência prévia das Requeridas, pois, pelas razões acima expostas, ficaria irremediavelmente comprometida a sua eficácia e efeito útil.
[…]”
            [transcrição de fls. 31 da certidão apensa]

            Incidindo sobre este requerimento inicial, foi proferido o seguinte despacho a fls. 112 (a indicação coincide com a numeração da certidão apensa):


“[…]
Por ter legitimidade e se mostrar séria a probabilidade de existência do direito, admito liminarmente o procedimento cautelar não especificado apresentado […] (cfr. artigos 381º e 384º do CPC).
Dispenso a audição prévia da requerida (cfr. artigo 385º, nº 1 do CPC).
[…]”
            [sublinhado acrescentado]

            Inquiridas as testemunhas indicadas pela Requerente (fls. 127/128, da certidão apensa) foi proferida a Sentença de fls. 131/141 (certidão apensa), respeitando esta à suspensão de funções de gerente da 1ª Requerida, sendo o respectivo pronunciamento decisório o seguinte:


“[…]
[D]etermino, nos termos dos artigos 381º a 392º do CPC:
a) A imediata suspensão da 1ª Requerida das respectivas funções de gerência da sociedade Requerida […];
b) A nomeação provisória do Sr. E...para exercer as funções de gerente na sociedade Requerida […].
[…]”
            [transcrição de fls. 141 da certidão apensa]

            1.1. Notificada desta decisão, fez a 1ª Requerida (B...) juntar ao processo o requerimento de fls. 157/168 (numeração da certidão apensa; está certificado a fls. 10/21 do presente recurso) no qual invoca, no trecho de fls. 160/161 (fls. 13/14 deste recurso), a existência de erro na forma do processo[3], sem prejuízo de, subsequentemente (no mesmo requerimento) recorrer da referida Sentença motivando tal impugnação (trecho de fls. 161/168; fls. 14 /21 deste recurso).

            1.1.1. Importa sublinhar que nesta motivação, com correspondência nas conclusões com as quais a rematou, discutiu a 1ª Requerida essa mesma questão do erro na forma do processo (alíneas a) a e) das conclusões de fls. 166 da certidão apensa, fls. 19 do presente recurso), incidindo esse recurso, no mais, na questão da substituição do gerente (alíneas f) a j) das conclusões a fls. 167 da certidão apensa, fls. 20 do presente recurso).

            1.2. Foi esse recurso admitido a fls. 210 (certidão apensa; fls. 44 deste recurso), sendo que a Exma. Juíza a quo consignou o seguinte a culminar o despacho de admissão:


“[…]
Entende este Tribunal, salvo douta opinião em contrário, que o conhecimento das questões suscitadas pela requerida atinentes à existência de irregularidades na sua notificação, bem como de um erro na forma de processo se encontra prejudicado em face do recurso de apelação interposto e admitido no presente despacho, pelo que nada há a ordenar nesta sede.
[…]”
[transcrição fls. 210 da certidão apensa, fls. 44 deste recurso]   

1.2.1. Decidiu esta Relação esse outro recurso, através do Acórdão de 17/06/2008 (certificado a fls. 27/43 deste recurso). Neste, enunciando as questões a resolver – a resolver nessa apelação –, consignou-se serem elas:


“[…]
1º Erro na forma do processo: a obtenção da suspensão da gerência de uma sociedade por quotas deve ser pedida em processo de jurisdição voluntária, especializado, previsto no artigo 1484º-B do [CPC].
2º A suspensão judicial e, até, a destituição de um gerente, não são de per si causas legais de nomeação judicial de outro qualquer gerente, mesmo que provisoriamente.
[…]”
            [transcrição de fls. 30]

            Mais adiante – e continuamos a referir-nos ao percurso argumentativo do Acórdão desta Relação certificado a fls. 27/43 –, apreciando a que havia enunciado como primeira questão a resolver, consignou-se o seguinte:


“[…]
Discute-se a natureza processual do procedimento inserido no nº 2 do [artigo 1484º-B do CPC].
Entende-se, por um lado, que o processo especial do artigo 1484º-B regula especificamente a suspensão e destituição de sócio […].
Por outro, considera-se que o pedido de suspensão do cargo de gerente de uma sociedade deve configurar-se como uma providência cautelar inominada, com processamento autónomo, não separado, mas enxertado no próprio processo de destituição. O juiz deve conhecer primeiro do pedido de suspensão e não desde logo e, em simultâneo, do pedido de destituição, cujo conhecimento deve ser deixado para a sentença final, sob pena de violação do princípio do contraditório […].
De qualquer forma, o erro sobre a forma do processo constitui nulidade, prevista no artigo 199º do CPC, que estipula que o erro na forma do processo importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida por lei, não devendo, porém, aproveitar-se já praticados, se do facto resultar diminuição de garantias do réu.
Embora esta nulidade possa ser conhecida oficiosamente (artigo 201º do CPC), ela só pose ser arguida até à contestação ou neste articulado (artigo 204º, nº 1 do CPC).
Desta forma, o que tem de concluir-se é que a nulidade não foi arguida perante o tribunal de primeira instância no momento próprio, não podendo, por isso, este tribunal de recurso conhecer da mesma.
Com efeito, a regra de que das nulidades se reclama para o tribunal onde foram praticadas e dos despachos recorre-se, implica que a arguição de uma nulidade tem de ser feita perante o tribunal em que se verificou e, só depois de ter havido despacho que indefira a sua arguição, é que cabe recurso para o tribunal superior.
Tal não se verificou no presente caso, pelo que não se pode conhecer desta questão.
[…]”
            [transcrição de fls. 38/39]

            Abordando de seguida a segunda questão que havia configurado (suspensão da gerente Requerida e nomeação de um gerente substituto), julgou este Tribunal da Relação parcialmente procedente o recurso, revogando a parte da decisão referida à nomeação provisória como gerente da sociedade Requerida da pessoa indicado pela Requerente (v. o respectivo pronunciamento final a fls. 42/43).

            1.2.2. Suscitou esta decisão, por parte da Requerente (que nesse recurso era Apelada), o pedido de aclaração que se mostra certificado a fls. 150/152 deste recurso[4], ao qual respondeu a 1ª Requerida (aí Apelada) nos termos certificados a fls. 142/145 do presente recurso, pugnando pela não aclaração[5].

            Entendeu esta Relação, desta feita no Acórdão certificado a fls. 154/156, indeferir o pedido de aclaração[6].

            1.3. Foi no seguimento desta decisão que a 1ª Requerida apresentou, junto do Tribunal de primeira instância, o requerimento que se mostra certificado a fls. 215 da certidão apensa – e assim se deu início à sequência processual que viria a originar o presente recurso – do qual consta o seguinte:


“[…]
No douto acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Junho de 2008 que conheceu e decidiu a apelação acima referida, decidiu-se, a par da revogação da decisão de V. Exa. relativa à nomeação provisória do Sr. E...para exercer as funções de gerente da sociedade requerida, não se conhecer da questão relativa ao erro na forma de processo, por se entender que tal questão terá de ser conhecida, em primeiro lugar, pela 1ª instância.
Vem assim a requerida pedir desde já a V. Exa. que, sem prejuízo de se aguardar pela descida dos autos de apelação a este Tribunal, sejam conhecidas as questões enunciadas no primeiro parágrafo deste requerimento[7] e relativamente às quais V. Exa. então houve por bem nada ordenar.
[…]”
            [transcrição de fls. 215 da certidão apensa]

1.3.1. Surge então o despacho certificado a fls. 82/83 (fls. 232/233 da certidão apensa), que consubstancia o despacho objecto do presente recurso, no qual, relativamente à questão do erro na forma do processo, se consignou o seguinte:


“[…]
No que ao alegado erro na forma do processo diz respeito, e ao contrário do que defende a requerida, o Venerando Tribunal da relação de Coimbra já se pronunciou – «(…) Desta forma, o que tem de concluir-se é que a nulidade não foi arguida perante o tribunal de primeira no momento próprio, não podendo por isso este Tribunal de recurso conhecer da mesma. Com efeito, a regra de que das nulidades se reclama para o tribunal onde foram praticadas e dos despachos recorre-se, implica que a arguição de uma nulidade tem de ser feita perante o tribunal em que se verificou e, só depois de ter havido despacho que indefira a sua arguição, é que cabe recurso para o tribunal superior. Tal não se verificou no presente caso, pelo que não se pode conhecer desta questão» – pelo que a questão não pode ser novamente decidida em 1ª instância.
Tudo visto e ponderado, julgo improcedente a Pretensão da Requerida […].
[…]”
            [transcrição de fls. 82/83]

1.4. Inconformada com esta decisão – e, assim, alcançamos finalmente o presente recurso –, dela apelou a 1ª Requerida a fls. 85/99 (o despacho de admissão consta de fls. 100), motivando concomitantemente o recurso e rematando-o com as conclusões seguintes:


“[…]
1. A questão do erro na forma do processo nunca foi decidida nestes autos, nem pela 1ª instância, nem pela Relação: a primeira disse que não a conhecia porque ela também havia sido suscitada no recurso; a segunda disse que não a conhecia porque ela não havia sido decidida na 1ª instância.
2. Daí que não possa retirar-se do facto de a Relação haver dito que a Recorrente não havia arguido a nulidade na primeira instância – quando ela efectivamente o havia feito – a conclusão de que a questão foi decidida e que, por isso, ela não pode ser novamente decidida em primeira instância – (sic, decisão recorrida).
3. A decisão recorrida, ao fundar-se no Acórdão da Relação de Coimbra para se abster de conhecer da nulidade de erro na forma de processo perante ela (primeira instância) tempestivamente arguida, violou o disposto nos artigos 668º, nº 1, alínea d), 672º, 673º e 684º, nº 3 do CPC, pelo que deverá ser revogada.
4. A entender-se que a norma do artigo 673º do CPC impede que o Tribunal da primeira instância conheça da questão que lhe foi suscitada, tal norma, assim interpretada, é inconstitucional por ofender e violar o princípio do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º da Constituição.
[…]”
            [transcrição de fls. 94/95]


II – Fundamentação


            2. Apreciando a apelação, cujo âmbito objectivo foi delimitado pela Apelante através das conclusões acima transcritas (artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC), importa consignar que os elementos factuais relevantes para o recurso são os sequencialmente relatados ao longo do antecedente item 1, referindo-se eles, essencialmente, a actos processuais e ao conteúdo destes, estando todos eles devidamente documentados no processo (após as diligências instrutórias determinadas nesta instância através do despacho de fls. 77[8]). Optou-se por um relato sequencial e exaustivo da marcha do processo, para facilitar exactamente a compreensão e a caracterização do objecto do recurso no quadro do desenvolvimento do incidente de suspensão do cargo, enxertado no processo especial de destituição de titular de órgão social (artigo 1484º-B do CPC) desencadeado pela Requerente ora Apelada.

            Interessa reter – e assim se fixa no processo argumentativo deste Acórdão aquilo que poderíamos, num uso menos preciso mas sugestivo da linguagem, qualificar como “factos (processuais) provados” –, interessa-nos reter, dizíamos, sequencialmente: 1) o conteúdo da peça processual apresentada pela Apelante (enquanto Requerida), em 17/03/2008, a fls. 157/168 da certidão apensa; 2) o teor do despacho, de 07/04/2008, da Exma. Juíza a quo, constante de fls. 210 da certidão apensa (designadamente no seu trecho final, transcrito no item 1.2. supra); 3) o teor do Acórdão desta Relação de 17/06/2008, certificado a fls. 27/43 deste recurso; 4) o teor do requerimento da Apelante de 11/07/2008, constante de fls. 215 da certidão apensa (foi acima transcrito no item 1.3.)[9]; 5) e, enfim, o teor do despacho aqui apelado, proferido em 14/12/2008, neste recurso, despacho certificado a fls. 82/83 e transcrito, no seu elemento relevante, supra no item 1.3.1..  

            Ora, é colocando um particular ênfase no conteúdo destas peças do processo, à luz das conclusões formuladas pela Apelante, que podemos caracterizar o objecto do presente recurso como dirigido, numa primeira vertente, à (a) determinação de se o Tribunal de primeira instância pode conhecer da questão do erro na forma do processo, na sequência do anterior Acórdão desta Relação certificado a fls. 27/43 e, numa segunda vertente, (b) se uma resposta negativa (o Tribunal de primeira instância não pode conhecer essa questão) convoca a aplicação do artigo 673º do CPC e se a (possível) decisão do caso concreto em função desta norma viola o direito da Apelante de acesso ao direito e aos tribunais, plasmado no artigo 20º da Constituição[10].

            2.1. (a) É exacto, rectius corresponde à realidade, o argumento repetidamente esgrimido pela Apelante, em vários trechos processuais e designadamente neste recurso, segundo o qual suscitou, fora do contexto do recurso que interpôs da decisão de suspensão da gerência (a de fls. 31 da certidão apensa), a questão do erro na forma do processo, significando isso que o fez, contrariamente ao afirmado por esta Relação no Acórdão de 17/06/2008 (v. o trecho deste transcrito no item 1.2.1. supra), perante o Tribunal de primeira instância.

Com efeito, embora a convergência na mesma peça processual de várias vertentes de reacção processual ao decretamento da providência (“oposição” à providência[11] e interposição e motivação do recurso; note-se que a suspensão da gerência da 1ª Requerida significou o decretamento da providência[12]), embora tal convergência de formas de reacção diversas dentro do mesmo documento, dizíamos, possa gerar confusões, o que é facto é que a 1ª Requerida, sem embargo do recurso que interpôs no ponto 5 de fls. 161 e segs. da certidão apensa, ao abrigo do disposto no artigo 691º, nº 1, alínea l) do CPC, não deixou de efectivamente invocar perante a primeira instância, no antecedente ponto 4 dessa mesma peça, a nulidade correspondente a erro na forma de processo (v. a transcrição dessa suscitação na nota 5 supra).

A afirmação constante do Acórdão desta Relação com base na qual se omitiu o conhecimento desse invocado erro (v. o trecho citado supra no item 1.2.1.) é – era, então – insustentável nos seus próprios fundamentos, face aos elementos documentados no processo e perceptíveis ao Tribunal no contexto em que proferiu essa concreta decisão: a decisão de não conhecer a invocação da nulidade de erro na forma de processo, alegando não ter ela sido previamente colocada à primeira instância. E sublinhamos isto, já que outra ratio decidendi não vislumbramos para esse trecho decisório.

Face a este desvalor decisório, que até poderíamos considerar uma ambiguidade da decisão correlacionada com os respectivos fundamentos (v. artigo 669º, nº 1, alínea a) do CPC), caberia, dada a inadmissibilidade de interposição de recurso (v. artigo 387º-A do CPC), a formulação nesta (a esta) Relação de um pedido de reforma da decisão (do Acórdão), nos termos do nº 2, alínea b) do artigo 669º do CPC[13]. Aliás, mesmo que perspectivássemos a situação no plano das causas de nulidade da sentença (artigo 668º do CPC, eventualmente por referência às alíneas c) e d) do seu nº 1), a subsistente inadmissibilidade de recurso (de novo o artigo 387º-A do CPC), sempre nos colocaria no quadro da necessária invocação da nulidade perante a própria Relação (primeira parte do artigo 668º, nº 4 do CPC).

Como flúi do relato da marcha do processo feito na primeira parte deste Acórdão, não foi esse o caminho seguido pela ora Apelante, que se limitou na resposta ao pedido de aclaração da contraparte a dizer que era errónea a afirmação contida nesse Acórdão de que não suscitara a questão na primeira instância (v. nota 7 supra), não solicitando a correcção dessa incongruência, através da formulação de um pedido próprio e expresso de reforma da decisão ou (o que conduziria ao mesmo resultado) de suprimento da nulidade cujos factos-base, já então – como se vê pelo segmento transcrito na mencionada nota 7 –, conhecia perfeitamente.

Foi a não adopção deste procedimento pela ora Apelante que propiciou a consolidação do desvalor que a mesma considera presente no Acórdão da Relação certificado a fls. 27/43, sendo que a tal respeito, e em função disso, a Apelante só se pode queixar do seu próprio comportamento processual e das consequências processuais que o mesmo induziu.

O que de modo algum é possível, face à situação configurada, é pretender ler no mencionado Acórdão desta Relação aquilo que lá não está escrito, ou pretender dele retirar uma consequência que ele não comporta. Com efeito, a não apreciação pela Relação, no contexto que emerge da decisão acima transcrita no item 1.2.1., da questão do possível erro na forma do processo não comporta a leitura, ou a consequência, de que essa apreciação foi “devolvida” à primeira instância. É que não corresponde à realidade a afirmação, constante do requerimento de fls. 215 (certidão apensa) que originou o despacho ora recorrido, de que o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 17/06/2008, decidiu “[…] não […] conhecer da questão relativa ao erro na forma de processo, por […] entender que tal questão terá de ser conhecida, em primeiro lugar, pela 1ª instância”. Não é assim e em ponto algum desse Acórdão se disse isto; aquilo que o Tribunal da relação disse – eventualmente laborando em erro – foi que a não suscitação da nulidade correspondente ao erro na forma do processo junto da primeira instância o impedia de a apreciar, sendo que isso só pode significar, no quadro do desenvolvimento normal de um processo na fase de recurso, que a apreciação dessa questão ficou ultrapassada (precludida) e não que retornou à primeira instância. Outro entendimento não teria, aliás, qualquer sentido e significaria, se adoptado fosse pelo Tribunal de primeira instância na sequência do Acórdão da Relação de 17/06/2008, o desrespeito por uma decisão de um Tribunal superior proferida nesse mesmo processo, violando, enfim, o caso julgado formal criado por esse Tribunal superior dentro de um determinado processo, através da consolidação neste de um determinado entendimento quanto a uma concreta incidência da sua tramitação: a ultrapassagem por não suscitação no momento adequado da nulidade correspondente a uma possível existência de erro na forma do processo[14].

Vale aqui, com efeito, em função dos elementos referidos, a formação, através do referido pronunciamento desta Relação, de uma situação operante de caso julgado formal, traduzida no arrumar da questão da apreciação do erro na forma do processo, nos termos decorrentes da afirmação contida no artigo 672º, nº 1 do CPC: “[a]s sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.

Note-se a este respeito que estamos em sede de um procedimento cautelar, sendo que o conceito de caso julgado material (e é ao alcance deste último que se refere o artigo 673º do CPC) é, pela sua própria natureza, inadequado ao pronunciamento decisório emitido em sede de tutela cautelar[15], mas já não o é ao conceito de caso julgado formal. Efectivamente, considera-se que o “[…] juízo sobre a adequação da providência cautelar solicitada é um juízo de carácter tipicamente processual (cfr. artigo 199º do CPC)”[16] e, nesse sentido, forma caso julgado formal. E esta asserção é valida quer nos coloquemos no quadro do procedimento cautelar comum seguido pela primeira instância, quer no quadro do procedimento especial previsto no nº 2 do artigo 1484º-B do CPC, como pretende a Apelante.

Serve isto para alicerçar – e assim concluímos a abordagem da primeira vertente do recurso da Apelante – o entendimento de que o Acórdão desta Relação de 17/06/2008 ultrapassou processualmente a questão da possível existência de erro na forma do processo, quanto à opção pelo procedimento comum e não pelo especial do nº 2 do artigo 1484º-B do CPC, sendo que o entendimento da primeira instância expresso no despacho ora recorrido (o entendimento de que não poderia retornar a essa questão) foi o correcto.

2.2. (b) E esse mesmo entendimento da primeira instância – e assim abordamos a segunda vertente do recurso enunciada no final do item 2. – não é minimamente beliscado por uma apreciação da opção que subjaz à decisão que o contém (à decisão recorrida), por referência à concreta aplicação do instituto do caso julgado (formal, repete-se) no quadro “[…] do princípio do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º da Constituição” (conclusão 4ª do recurso).

Importa recordar que a formação de caso julgado num processo, através dos efeitos preclusivos que lhe estão associados, e que aqui nos limitámos a fazer actuar, traduz um valor constitucionalmente relevante e que em nada afecta o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, conforme constitui entendimento indiscutível do nosso Tribunal Constitucional[17], sendo que tal entendimento vale para o chamado caso julgado formal (a situação aqui aplicável) com o mesmo sentido que para o caso julgado material[18].

Tratou-se aqui, importa sublinhá-lo, de fazer actuar na situação concreta as consequências respeitantes à formação de caso julgado formal no processo, através do Acórdão desta Relação de 17/06/2008, nos termos plasmados no artigo 672º, nº 1 do CPC, sendo de todo irrelevante, para tal operação, o disposto no artigo 673º do mesmo Diploma.

Num colhe, pois, o argumento de inconstitucionalidade incluído na motivação do recurso, sendo que tal argumento (como se sublinhou na nota 12 e ora se reafirma) traduzia uma imputação de desconformidade constitucional a uma incidência ou vicissitude do tratamento do caso concreto (as circunstâncias concretas em que se formou o caso julgado). Para essa incidência, aliás, foi absolutamente irrelevante o artigo 673º do CPC.

Também nesta dimensão específica (a sua conformidade com normas ou princípios constitucionais), o despacho recorrido não é merecedor de qualquer censura.

2.3. Mostram-se, assim, percorridos todos os argumentos da Apelante recolhidos na motivação do recurso, nos termos condensados nas quatro conclusões acima transcritas.

Já fora deste quadro, “arriscando” o acrescento de um verdadeiro obiter dictum – e sublinhando, por isso, o carácter não operante da consideração que se segue (que obviamente não formará qualquer caso julgado) –, não deixaremos de frisar, a benefício do completo esclarecimento da situação, que a consideração de uma possível existência do erro na forma de processo apontado pela Apelante, assumiria nula relevância prática na tramitação seguida no quadro da suspensão da 1ª Requerida/Apelante das funções de gerência da sociedade 2ª Requerida.

É que, a existência de erro na forma de processo – o erro seria aqui o uso do procedimento cautelar comum e não do procedimento especial previsto no nº 2 do artigo 1484º-B do CPC –, nos termos resultantes do nº 1 do artigo 199º do CPC, “[…] importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei”, desaproveitando-se apenas os actos que importem diminuição de garantias para o réu/requerido (nº 2 do mesmo artigo 199º). Ora, se a forma estabelecida pela lei fosse a do nº 2 do artigo 1484º-B do CPC (e esta Relação até aceita que pudesse ser), tudo aquilo que foi realizado no quadro do que se qualificou, no despacho de fls. 112 da certidão apensa, como “procedimento cautelar não especificado”, não deixaria de ser feito dentro do rito estabelecido para a suspensão cautelar de um gerente, no quadro do mencionado artigo 1484º-B. Com efeito, seguir-se-iam os pressupostos da concessão em geral da tutela cautelar e isso sempre poderia passar (como aqui passou) pela dispensa da audição, em sede de suspensão, da Requerida ora Apelante[19]. Tal como passaria em tudo mais pelo processamento efectivamente seguido pelo Tribunal de Vila Nova de Foz Côa.

Não apresentaria, pois, qualquer incidência substancialmente relevante no processamento do elemento cautelar contido no procedimento desencadeado pela Requerente, a consideração, nos termos propugnados pela Apelante, de um erro na forma do processo referido à dimensão cautelar introduzida nesse procedimento pelo pedido de suspensão desta da gerência. O processo seria tramitado (como o foi) fundamentalmente da mesma forma.

2.4. Apreciadas que se mostram todas as incidências do recurso, resta-nos desatendê-lo, com a consequente confirmação da decisão recorrida, deixando antes nota, em sumário imposto pelo artigo 713º, nº 7 do CPC, dos elementos fundamentais do antecedente percurso argumentativo:


I – A decisão de um Tribunal da Relação, proferida em sede de recurso no âmbito de um procedimento cautelar, não conhecendo uma nulidade respeitante a erro na forma de processo (artigo 199º do CPC), por se entender não ter sido esta adequadamente suscitada, forma, dentro desse processo, caso julgado formal, nos termos do artigo 672º, nº 1 do CPC;
II – Daí que tal decisão bloqueie a ulterior apreciação dessa mesma nulidade pelo Tribunal de primeira instância, quando o processo lhe retorna;
III – A estrutura e a tramitação de um procedimento cautelar comum (no qual foi dispensada a prévia audição da Requerida) apresenta-se como adjectivamente semelhante à aplicável num procedimento (cautelar) visando a suspensão, previamente à destituição, de um titular de órgão social, previsto (a suspensão) no nº 2 do artigo 1484º-B do CPC;
IV – O erro na forma de processo consistente na opção pelo procedimento cautelar comum em vez do previsto no artigo 1484º-B (nº 2) do CPC, não implica, designadamente em sede de dispensa de audição prévia da Requerida, a prática de actos fundamentalmente distintos dos previstos para a tramitação comum, para efeito de aproximação da tramitação seguida (comum) à adequada (artigo 1484º-B), nos termos resultantes do artigo 199º do CPC;
V – A formação de caso julgado num processo, através dos efeitos preclusivos que lhe estão associados, traduz um valor constitucionalmente relevante, não afectando, em si mesma, o direito de acesso ao direito e aos tribunais, previsto no artigo 20º da Constituição;
VI – Tal asserção – invariavelmente presente na jurisprudência do Tribunal Constitucional – é válida tanto para a formação de caso julgado material como para a formação de caso julgado formal.


III – Decisão


            3. Assim, na improcedência da apelação, confirma-se a decisão recorrida (a decisão certificada a fls. 82/83 deste recurso; fls. 232/233 da certidão apensa).

            Custas pela Apelante.


[1] Tratando-se de processo iniciado posteriormente à entrada em vigor (em 01/01/2008) do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, são-lhe aplicáveis as alterações ao regime dos recursos introduzidas por este último Diploma (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Pela mesma razão, qualquer disposição do Código de Processo Civil referida neste Acórdão, cujo texto tenha sido alterado pelo DL 303/2007, sê-lo-á na versão resultante deste Diploma.
[2] Configura este mecanismo processual uma medida cautelar enxertada no processo especial de nomeação e destituição de titulares de órgãos sociais (artigo 1484º/1485º do CPC, v. a anotação concordante com esta asserção de Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2004, p. 335).
[3] Diz aí:
“[…]
O procedimento cautelar comum previsto nos artigos 381º a 392º do CPC, não é, actualmente e desde a entrada em vigor do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, aplicável aos casos de suspensão judicial previstos no artigo 257º, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais. Com efeito,
A suspensão da gerência de uma sociedade por quotas deve ser pedida em processo de jurisdição voluntária, especializado no artigo 1484º-B do CPC […].
[…]
Erro que aqui se invoca, nulidade que assim se argui[u] […]” 
                [sublinhado acrescentado]
[4] Solicita este o esclarecimento “[…] se a apelante [refere-se à 1ª Requerida] pode ou não continuar a exercer as funções de gerente da « C..., Lda.» ou se, tal como entende a apelada, tal gerência é agora apenas exercida pelas demais sócias, com excepção da apelante a qual, por força da decisão do Tribunal a quo, foi suspensa de tais funções.
[…]”
                [transcrição de fls. 151/152]
[5] Nesta resposta, referindo-se à decisão cuja aclaração aí discutia (e abordando-a numa perspectiva distinta da focada no pedido de aclaração), deixou a 1ª Requerida a seguinte nota:
“[…]
Cumpre, antes de mais, chamar a esclarecida atenção de V. Exas. para uma falsidade constante do requerimento ora sob resposta, a qual consiste na afirmação, constante do 2º § de fls. 2 [aqui fls. 151] de que a apelante não arguiu a nulidade de erro na forma do processo perante o tribunal a quo. Na verdade, e conforme a apelada bem sabe.
A apelante arguiu tal nulidade perante o tribunal a quo no mesmo requerimento em que interpôs a apelação acabada de julgar. […]
[…]
Como aliás já era errónea a afirmação efectuada a fls. 13 do douto acórdão sob aclaração quando nele se afirmava que a apelante não arguiu tal nulidade na 1ª instância. Arguiu sim senhor e, porque a Mmª. Juiz a quo decidiu não a conhecer, terá que o fazer agora, face ao entendimento que o Tribunal da Relação de Coimbra consagrou de que só depois de ter havido despacho que indefira a sua arguição, é que cabe recurso para o tribunal superior…
[…]”
                [transcrição de fls. 142/143]
[6] Não obstante tenha “aclarado” que “[…] a expressão «os poderes dos sócios são todos os que pertencem aos gerentes que os sócios substituem» é suficiente para deixar bem claro que, in casu, a apelante, enquanto se mantiver a sua suspensão das funções de gerente, não [pode] continuar a assumir a gerência da sociedade […]” (fls. 156).

[7] Refere-se a 1ª Requerida à seguinte passagem do requerimento: “[…] questões […] atinentes à existência de irregularidades na sua notificação, bem como de um erro na forma de processo […]”.
[8] Sublinha-se a falta de cuidado que presidiu à organização do traslado do presente recurso e à absoluta falta de controlo da Exma. Juíza a quo sobre essa operação. Uma e outra situação determinaram que o recurso tivesse chegado inicialmente a este Tribunal em termos que impossibilitavam a integral compreensão do seu objecto.
[9] Este requerimento deve ser compaginado com o teor da resposta da mesma Apelante ao pedido de aclaração do Acórdão em causa nesse trecho processual, que consta de fls. 142/145 e foi transcrita na passagem ora relevante na nota 7 supra.
[10] É exactamente nestes termos, sublinha-se desde já, que a Apelante coloca esta questão no seu recurso (v. a conclusão 4. deste, acima transcrita), significando isto que o que a Apelante suscita, como argumento de constitucionalidade, são as incidências que a sucessão das concretas vicissitudes processuais aqui operantes tiveram, face a uma possível aplicação concreta do instituto do caso julgado.
[11] O emprego das aspas refere-se a um uso contextualizado da expressão dedução de oposição ao decretamento da providência sem audição. É que a “oposição” traduziu-se aqui na invocação de nulidades, designadamente na consistente em erro na forma de processo [sobre o emprego de “[o]utros meios de defesa” no quadro do exercício do contraditório subsequente ao decretamento da providência (artigo 388º do CPC), v. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2004, pp. 288/290].
[12] Quer a encaremos na (discutível) perspectiva de uma providência comum, na qual se colocou o Tribunal a quo no despacho de fls. 112 da certidão apensa, quer a encaremos na perspectiva de uma providência cautelar especial regulada no artigo 1484º-B do CPC (que foi a indicada pela Requerente ora Apelada, como resulta do requerimento inicial, e é a tida por adequada pela aqui Apelante quando fala em erro na forma do processo).
[13] Em rigor, o que sucedeu reconduz-se à existência de um documento (a peça processual consubstanciada no requerimento de fls. 157/168) que implicava decisão diversa.
[14] Como sublinha Rui Medeiros – e isto vale para a caracterização do sentido e alcance do conceito de caso julgado formal –, “[…] não pode deixar de se reconhecer que a diferente eficácia das decisões de mérito e de forma se explica tão-somente pelo seu próprio objecto. Na realidade, é apenas porque a decisão de forma recai sobre matéria adjectiva que a eficácia do caso julgado se circunscreve à esfera processual […]. A circunstância de o caso julgado sobre questões processuais só ter força obrigatória dentro do processo não significa que, justamente dentro do processo, ele não deva ser respeitado. […] Ora, dentro do processo, uma decisão transitada em julgado sobre uma questão processual não deixa de constituir uma resolução judicial de uma situação de incerteza, mediante a colocação de uma das afirmações nela envolvidas numa situação especial de indiscutibilidade. […] O chamado caso julgado formal não deixa […] de ser expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica” [A decisão de inconstitucionalidade (Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei), Universidade Católica, Lisboa, 1999, pp. 556/557].
[15] Como refere José Lebre de Freitas:
“[…]
D[a] natureza da providência cautelar deriva que lhe é inadequado o conceito de caso julgado (material).
[O] efeito de caso julgado é próprio duma decisão de mérito, como tal definidora das situações jurídicas das partes. A preclusão consistente na indiscutibilidade da solução dada às questões por ele abrangidas pressupõe o acertamento definitivo dessas situações jurídicas, só possível num processo que tenha por objecto a afirmação da sua existência e a solicitação da tutela judiciária adequada a esse acertamento. O juízo sobre a probabilidade da existência do direito que tem lugar no procedimento cautelar (o simples fumus boni juris) afasta, por definição, a ideia de acertamento definitivo que o caso julgado pressupõe (artigo 386º CPC). Quanto ao juízo sobre o periculum mora, não envolve qualquer decisão sobre a relação de direito material, pelo que, não integrando uma decisão de mérito, não poderia dar lugar ao efeito de caso julgado […]” (“Repetição de Providência e Caso Julgado em Caso de Desistência do Pedido de Providência Cautelar”, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 57, I, Lisboa, Janeiro de 1997, pp. 473/474).
[16] Ob. cit. na nota anterior, p. 474.
[17] V., como um dos mais recentes espécimes jurisprudenciais do Tribunal Constitucional contendo a inequívoca afirmação desta asserção (invariavelmente presente na nossa jurisprudência constitucional), o Acórdão nº 310/2005 (Rui Moura Ramos), disponível no sítio oficial do Tribunal em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050310.html. Deste recolhe-se a seguinte síntese conclusiva:
“[…]
Temos, pois, que o caso julgado, configurando-se como um valor constitucionalmente relevante, deverá dispor de algum grau de protecção (de intangibilidade), em termos  da sua ultrapassagem só ser aceitável dentro de uma lógica de balanceamento ou ponderação com outros interesses dotados, também eles, de tutela constitucional […]”.
[18] Neste sentido, com amplas referências à jurisprudência constitucional, v. Isabel Alexandre, “O Caso Julgado na Jurisprudência Constitucional Portuguesa”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pp. 61/62: “[a] jurisprudência sobre a tutela constitucional do caso julgado […] permite concluir , em primeiro lugar, que o Tribunal Constitucional por diversas vezes equacionou a questão da tutela do caso julgado meramente formal (ou sobre a relação processual) à luz do princípio constitucional do respeito pelo caso julgado. O caso julgado enquanto valor constitucional tem sido concebido como abrangendo não apenas a decisão definitiva de mérito, mas também a decisão definitiva sobre a relação processual” (p. 61).
[19] Neste sentido (possibilidade de dispensa da audição do requerido na suspensão de titular de órgão social, ao abrigo do nº 2 do artigo 1484º-B do CPC), v. Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, cit. na nota 4, p. 336.