Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4154/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: SUBSÍDIOS CONCEDIDOS PELO IFADAP

SUA PENHORABILIDADE OU IMPENHORABILIDADE
Data do Acordão: 02/01/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ÍLHAVO - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 8/2001, DE 22/01, PORTARIAS NºS 99/2001, DE 16/02; 46-A/2001, DE 25/01; 475/2001, DE 10/05; E 94-A/2001, DE 09/02 E ARTº 822º DO CÓD. PROC. CIVIL
Legislação Comunitária: REGULAMENTO (CE) Nº 1257/1999, DO CONSELHO, DE 17/05, ARTº 21º, Nº 3 DO REGULAMENTO (CEE) Nº 4253/88, DE 19/12, COM A REDACÇÃO DADA PELO REGULAMENTO (CEE) Nº 2082/93, DE 20/07 E ARTº 32º, Nº 1 DO REGULAMENTO (CE) Nº 1260/99, DE 21/06
Sumário: I- A penhorabilidade ou impenhorabilidade dos subsídios concedidos pelo IFADAP ao abrigo do Plano de Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado por RURIS, depende dos seus fundamento e finalidade específicos. Assim:
II- Se a concessão do subsídio tem como fundamento a necessidade ou conveniência de determinada intervenção e como finalidade o custeio das despesas dessa intervenção, não será penhorável;
III- Mas se, como no caso do prémio por perda de rendimento, concedido no âmbito da intervenção relativa a florestação de terras agrícolas, o subsídio não está vinculativamente destinado a cobrir quaisquer despesas específicas, não se vislumbra fundamento para o subtrair à possibilidade de penhora.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. RELATÓRIO
Nos autos de execução ordinária nº 423/2002, a correr termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Ílhavo, em que é exequente A... e executado B..., foram nomeados à penhora, além de um tractor agrícola, todos os subsídios, presentes e futuros, suficientes para o pagamento da quantia exequenda e custos prováveis do processo, a que o executado, enquanto agricultor, se candidatou, cujos montantes estariam a ser pagos pela Direcção Regional da Agricultura da Beira Interior.
Com o requerimento de nomeação foram juntas fotocópias de dois contratos de atribuição de ajuda ao abrigo do Plano de Desenvolvimento Rural (abreviadamente designado por RURIS), um relativo a Medidas Agro-Ambientais e outro a Florestação de Terras Agrícolas, em que são outorgantes o Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP) e o executado B....
Ordenada a penhora, foi notificada a referida Direcção Geral, entidade que informou que o organismo que efectuou os contratos com o executado e que procede ao pagamento dos subsídios em causa é o IFADAP.
Notificado de que todos os subsídios a pagar ao executado estavam penhorados e, como tal, ficavam à ordem do Tribunal, o IFADAP informou que o executado não tinha direito automático aos subsídios, mas apenas uma expectativa de recebimento “só conversível em direito de crédito se e quando cumprir as suas obrigações contratuais”. E que aqueles subsídios constituíam créditos impenhoráveis, porquanto o IFADAP “tem o dever de assegurar que os beneficiários finais recebam os montantes das participações dos fundos a que têm direito no mais curto prazo e na íntegra, não se lhe podendo aplicar nenhuma dedução, retenção ou encargo posterior específico que possa reduzir esses montantes (art.° 21.° do Regulamento (CEE) n.° 4253/88, de 19/12, na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n.° 2082/93, de 20/07 e § 4.°, do art.º 32.°, do Regulamento (CE) n.° 1260/99)”.
Ouvida a exequente, que contrariou a argumentação e se opôs à pretensão do IFADAP, foi, em 24/03/2003, proferido o despacho certificado de fls. 28 a 31, mantendo “a penhora dos subsídios a atribuir pelo IFADAP ao executado, designadamente daqueles que advêm do contrato cuja cópia se encontra a fls. 88 a 91 dos presentes autos”.
Entretanto, o executado, defendendo que os subsídios em questão não são susceptíveis de ser penhorados, deduziu oposição à penhora, pedindo o respectivo levantamento.
Ouvida a exequente, foi, 09/07/2004, pelo despacho certificado de fls. 39 a 41, indeferida a aludida oposição.
Inconformado, o executado recorreu, tendo o recurso sido admitido como agravo, com subida imediata, em separado, e com efeito meramente devolutivo.
Na alegação de recurso que apresentou e na qual pediu a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine o levantamento da penhora efectuada, o agravante formulou as conclusões seguintes:
1) O douto despacho recorrido aplicou indevidamente a lei aos factos e não se encontra suficientemente fundamentado.
2) Os subsídios agrícolas nomeados à penhora pela exequente, tratam-se de incentivos à actividade do agricultor, cujo pagamento não é automático mas depende de investimento realizado pelo beneficiário.
3) Tais subsídios são por isso bens impenhoráveis face ao disposto na legislação comunitária invocada pelo executado.
4) A eventual penhora de tais subsídios seria adequada a causar o encerramento da actividade agrícola do executado e incumprimento dos contratos celebrados com o IFADAP, podendo causar grave prejuízo ao Estado e ao agricultor.
5) Sendo precisamente tais consequências nefastas que a legislação comunitária pretende afastar ao determinar a obrigatoriedade de pagamento integral dos subsídios sem qualquer dedução, retenção ou encargo que possa reduzir tais montantes.
6) O douto despacho recorrido, por erro de interpretação e aplicação, viola expressamente o disposto no artigo 21° do Regulamento CEE n° 4253/88 de 19.12, na redacção dada pelo Regulamento (CEE) n° 2082/93 de 20.07 e artigo 32° do Regulamento (CE) n° 1260/99 e artigo 822° do Código de Processo Civil.
A agravada respondeu defendendo o não provimento do recurso.
Foi proferido despacho de sustentação.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada essencialmente a questão da impenhorabilidade dos subsídios concedidos pelo IFADAP ao executado, designadamente, os decorrentes do Contrato de Atribuição de Ajuda relativa a Florestação de Terras Agrícolas, junto por certidão de fls. 24 a 27.
Com efeito, a fugaz referência feita na conclusão 1ª à alegada insuficiência de fundamentação do despacho recorrido não justifica apreciação demorada.
É certo que, de acordo com os artºs 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e 158, nº 1 do Cód. Proc. Civil, as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo devem ser sempre fundamentadas. Dever esse que resulta também, relativamente às sentenças (mas extensível, “até onde seja possível” – artº 666º, nº 3 – aos despachos), do artº 659º, nº 2 do mesmo Código.
Mas não é menos certo, por um lado, que o agravante não imputa ao despacho falta, mas tão só insuficiência, de fundamentação; por outro, que a falta de fundamentação do despacho teria como consequência processual adequada a sua nulidade artºs 205º, 666º, nº 3 e 668º, nº 1, al. b) do C.P.C., que não foi formalmente arguida nem a sua declaração expressamente pedida; ainda por outro, que a mera insuficiência de fundamentação não é causa de nulidade, não tendo quaisquer consequências processuais relevantes Manual de Processo Civil, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, 2ª edição, pág. 687.; e, finalmente, que se não vislumbra sequer a pretensa insuficiência de fundamentação, a qual não pode ser extraída da mera circunstância de, parcialmente, se ter remetido, dando-os por reproduzidos, para os fundamentos do despacho que desatendeu o requerimento do IFADAP e manteve a penhora.
Assim, a verdadeira questão objecto do recurso, sobre a qual este Tribunal se debruçará, é a da penhorabilidade ou impenhorabilidade dos subsídios concedidos pelo IFADAP ao exequente.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
Os elementos de facto relevantes para a decisão do agravo são os que resultam do antecedente relatório, que aqui se dá por reproduzido, e ainda os seguintes:
3.1.1. Em Julho de 2002, foi celebrado entre o IFADAP e o executado B... um contrato de Atribuição de Ajuda ao abrigo do RURIS, relativo a Medidas Agro-Ambientais, por força do qual, tendo em vista a execução do projecto apresentado pelo executado, foi a este concedido, durante o período de cinco anos, com início em 2001 e fim em 2005, um prémio anual de € 46.485,18 (€ 39.685,45 referente a agricultura biológica e € 6.799,73 referente a olival tradicional).
3.1.2. De acordo com as condições gerais do aludido contrato, constituem obrigações do beneficiário, além de outras:
- Aplicar integralmente a ajuda nos fins para que foi concedida;
- Manter as condições que determinaram a concessão das ajudas e os compromissos assumidos relativamente às parcelas candidatas, durante o período de atribuição das ajudas;
- Respeitar os respectivos objectivos, nomeadamente quanto ao local da respectiva execução, a área, a densidade e as espécies previstas;
- Cumprir as boas práticas agrícolas previstas na lei e outras obrigações de natureza ambiental impostas pela legislação em vigor;
- Manter o exercício da(s) actividade(s) agrícola(s) na(s) exploração(ões) especificada(s), os sistemas agrícolas e o efectivo pecuário objecto da ajuda.
3.1.3. Ainda de acordo com as condições gerais do contrato, no caso de incumprimento pelo beneficiário de qualquer das suas obrigações, o IFADAP pode rescindi-lo unilateralmente, ficando com o direito de, no prazo de 15 dias, ser reembolsado por aquele das importâncias já recebidas, acrescidas de juros à taxa legal, de uma sobretaxa de 2% e dos encargos resultantes das despesas tendentes à cobrança, correspondentes a 5% do valor das quantias recebidas.
3.1.4. Em Setembro de 2002, foi celebrado entre o IFADAP e o executado B... um contrato de Atribuição de Ajuda ao abrigo do RURIS, relativo a Florestação de Terras Agrícolas, por força do qual, tendo em vista a execução dos projectos apresentados pelo executado, foram a este concedidas as seguintes ajudas:
- Incentivo Financeiro ao Investimento não reembolsável, durante 2002 e 2003, no montante de € 13.564,09;
- Prémio à Manutenção, durante o período de 2004 a 2008, no montante de € 3.269,00 por ano, no total de € 16.354,00;
- Prémios anuais por Perda de Rendimento, durante o período de 2004 a 2023, no montante de € 4.256,40 por ano, no total de € 85.128,00.
3.1.5. De acordo com as condições gerais do aludido contrato, constituem obrigações do beneficiário, além de outras:
- Cumprir as boas Práticas Florestais, previstas na lei e outras obrigações de natureza ambiental impostas pela legislação em vigor;
- Assegurar que, no ano seguinte ao da conclusão da instalação e durante o período de atribuição do Prémio de Manutenção, os povoamentos objecto de ajudas apresentem as densidades mínimas constantes da legislação em vigor aplicável;
- Cumprir o plano de gestão florestal que integra a candidatura durante, pelo menos, o período de atribuição do Prémio por Perda de Rendimento, mas nunca por período inferior a 10 anos;
- Manter os povoamentos instalados e infra-estruturas associadas por um período mínimo de 10 anos, ou, quando haja lugar à atribuição de Prémio por Perda de Rendimento, durante o respectivo período de atribuição;
3.1.6. Ainda de acordo com as condições gerais do contrato, no caso de incumprimento pelo beneficiário de qualquer das suas obrigações, o IFADAP pode rescindi-lo unilateralmente, ficando com o direito de, no prazo de 15 dias, ser reembolsado por aquele das importâncias já recebidas, acrescidas de juros à taxa legal, de uma sobretaxa de 2% e dos encargos resultantes das despesas tendentes à cobrança, correspondentes a 5% do valor das quantias recebidas.
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3.2. Direito
Na sequência do Regulamento (CE) nº 1257/1999, do Conselho, de 17 de Maio, que estabeleceu o quadro de apoio a favor de um desenvolvimento rural sustentável, através da concessão de apoios às medidas de desenvolvimento rural, foram aprovadas, pelo Dec. Lei nº 8/2001, de 22/01, as regras gerais de aplicação do Plano de Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado por RURIS, sendo que, de acordo com o respectivo artº 3º, o RURIS integra quatro tipos de intervenções: (a) Reforma antecipada, cujo Regulamento de Aplicação foi aprovado pela Portaria nº 99/2001, de 16/02; (b) Indemnizações compensatórias, cujo Regulamento de Aplicação foi aprovado pela Portaria nº 46-A/2001, de 25/01; (c) Medidas Agro-Ambientais, cujo Regulamento de Aplicação foi aprovado pela Portaria nº 475/2001, de 10/05; e (d) Florestação de Terras Agrícolas, cujo Regulamento de Aplicação foi aprovado pela Portaria nº 94-A/2001, de 09/02.
No caso que nos ocupa, os subsídios concedidos pelo IFADAP, na qualidade de organismo contratante e pagador, ao executado, foram-no no âmbito das intervenções «medidas agro-ambientais» e «florestação de terras agrícolas», enquadradas e suportadas pelos fundos estruturais postos à disposição de Portugal pela Comunidade Europeia.

A questão suscitada pelo executado na oposição à penhora e, posteriormente, na alegação de recurso é a da impenhorabilidade dos subsídios a que se vem fazendo referência.
Face aos contratos celebrados, enquanto a sua validade e eficácia não for posta em causa, o executado, como beneficiário das ajudas e logo que satisfeitas todas as condições para o pagamento das mesmas, tem a elas direito, tendo o IFADAP obrigação de as pagar.
O que significa que estamos perante créditos do executado, susceptíveis, em princípio, de ser penhorados na execução contra ele instaurada (artºs 821º, 856º e seguintes do C.P.C.).
E disse-se “em princípio” porque, como resulta dos artºs 822º, 823º, 824º, 829º, 842º e 862º-A, nº 6, do C.P.C., nem todos os bens do devedor são susceptíveis de penhora.
De acordo com o artº 822º, são absolutamente impenhoráveis, para além dos indicados nas diversas alíneas do preceito, os bens isentos de penhora por disposição especial.
O agravante sustenta que os subsídios em questão nos autos não são penhoráveis, por força do referido artº 822º, conjugado com a legislação comunitária (artigo 21 do Regulamento (CEE) n° 4253/88 de 19.12., na redacção dada pelo Regulamento (CEE) N° 2082/93 de 20.07 e § 4° do artigo 32° do Regulamento (CE) N° 1260/99, que prevê, no que concerne a tais subsídios, que “a autoridade de pagamento assegurará que os beneficiários finais recebam os montantes de participação dos fundos a que têm direito no mais curto espaço e na íntegra.., não se aplicando nenhuma dedução, retenção ou encargo posterior específico que possa reduzir esses montantes”.
Com efeito, o artº 21º, nº 3, 2º parágrafo, do Regulamento (CEE) nº 4253/88, de 19/12, na redacção dada pelo Regulamento (CEE) nº 2082/93, de 20/07 estipula que “os pagamentos devem ser feitos aos beneficiários finais, sem qualquer dedução ou retenção que possa reduzir o montante da ajuda financeira a que têm direito”.
E o artº 32º, nº 1, 4º parágrafo, 2ª parte, do Regulamento (CE) nº 1260/99, de 21/06, estatui que “a autoridade de pagamento assegurará que os beneficiários finais recebam os montantes da participação dos Fundos a que têm direito no mais curto prazo e na íntegra”. E que “não se aplicará nenhuma dedução, redução ou encargo posterior específico que possa reduzir esses montantes”.

Sendo certo que, de acordo com o artº 8º, nºs 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa, as indicadas normas dos Regulamentos da União Europeia são directamente aplicáveis na ordem interna, há que interpretá-las com vista a decidir se, conjugadas com o artº 822º do C.P.C., conduzem ou não à impenhorabilidade dos subsídios em questão.
O agravante, na esteira do inicialmente defendido pelo IFADAP, sustenta a tese da impenhorabilidade, argumentando, no essencial, que os subsídios são concedidos com uma finalidade específica, estando vedado quer à entidade pagadora, quer ao beneficiário desviá-los do seu destino e aplicá-los a qualquer outra finalidade que não seja aquela para a qual foram concedidos. A agravada defende a tese contrária, entendendo que as normas comunitárias indicadas têm apenas como destinatária a entidade estadual pagadora – neste caso o IFADAP – e que, uma vez atribuídos, os subsídios em discussão não se distinguem de qualquer outro direito de crédito do beneficiário, podendo ser objecto de penhora.
Inclinamo-nos, sem pejo de confessar algumas dúvidas, para uma solução intermédia.
Com efeito, como decorre da legislação comunitária e da respectiva regulamentação a nível nacional, cada subsídio tem um fundamento e uma finalidade específicos, devendo, a nosso ver, ser esses fundamento e finalidade a determinar da sua penhorabilidade ou impenhorabilidade.

Assim, começando pelo subsídio decorrente da intervenção relativa a medidas agro-ambientais, constata-se do artº 2º da Portaria nº 475/2001, de 10/05, que o mesmo tem como objectivos gerais: (a) Promover formas de exploração das terras agrícolas compatíveis com a protecção e a melhoria do ambiente, da paisagem e das suas características, dos recursos naturais, dos solos e da diversidade genética; (b) Incentivar uma extensificação da actividade agrícola e a manutenção de sistemas de pastagem extensivos; (c) Contribuir para a conservação de espaços cultivados de grande valor natural; (d) Permitir a preservação da paisagem e das características históricas e tradicionais nas terras agrícolas; (e) Fomentar a utilização do planeamento ambiental nas explorações agrícolas.
No caso dos autos, os subsídios concedidos destinaram-se a agricultura biológica e a olival tradicional e integram-se no grupo de medidas de protecção e melhoria do ambiente, dos solos e da água (artº 8º e seguintes da Portaria nº 475/2001), implicando para o beneficiário a obrigação de os aplicar exactamente de acordo com a previsão daquele diploma, designadamente no que respeita a áreas, espécies, densidades, etc..
Consequentemente, se as ajudas não chegassem ao destinatário, a finalidade das mesmas sairia frustrada e, em bom rigor, deixaria de a elas haver direito.
São, pois, se bem vemos, impenhoráveis.

Quanto aos subsídios decorrentes da intervenção relativa a florestação de terras agrícolas, verifica-se que, de acordo com o artº 2º da Portaria nº 94-A/2001, de 09/02, os respectivos objectivos gerais são: (a) Promover a expansão florestal em terras agrícolas com arborizações de qualidade e ambientalmente bem adaptadas; (b) Aumentar a diversidade e oferta de madeiras de qualidade, cortiça e outros produtos não lenhosos; (c) Contribuir para a reabilitação de terras degradadas e para a mitigação dos efeitos da desertificação, favorecendo a recuperação da fertilidade dos solos e a regularização dos recursos hidrológicos; (d) Promover a diversificação de actividades nas explorações agrícolas, reforçando a sua multifuncionalidade; (e) Introduzir benefícios sócio-económicos no meio rural.
Esta intervenção comporta subsídios de incentivo financeiro ao investimento em arborização de superfícies agrícolas e em construção e beneficiação de infra-estruturas complementares daquele investimento (artº 4º da dita Portaria), sendo, portanto, a sua atribuição especificamente direccionada e o respectivo direito vinculado àquela aplicação e, por isso, a nosso ver, não penhorável.
A intervenção relativa a florestação de terras agrícolas comporta também (artº 6º da Portaria) prémios à manutenção, destinados a cobrir as despesas decorrentes das operações de manutenção das superfícies arborizadas constantes do projecto de investimento e prémios por perda de rendimento, destinados a compensar a perda de rendimento decorrente da arborização das superfícies agrícolas.
Enquanto o prémio à manutenção tem uma finalidade específica, sendo, naturalmente, o seu montante calculado de acordo com o montante previsível das despesas que se destina a suportar e, por isso, nos parece que não deverá ser penhorável, já o prémio por perda de rendimento não está vinculativamente destinado a cobrir quaisquer despesas específicas, encontrando a sua justificação na compensação da perda de rendimento decorrente da arborização das superfícies agrícolas efectuada, não se vislumbrando fundamento para o subtrair à possibilidade de penhora.
Com efeito, se o destinatário do subsídio não arborizasse as terras e continuasse a cultivá-las, o rendimento que desse cultivo obtivesse não deixaria de ser passível de penhora. Apresenta-se-nos, pois, como lógico que, tendo arborizado as terras e recebendo um subsídio pela respectiva perda de rendimento, esse subsídio possa também ser penhorado.

Em suma, entendemos que as conclusões da alegação do agravante procedem em parte – ou seja, na parte referente aos subsídios que lhe foram concedidos ao abrigo da intervenção relativa a medidas agro-ambientais e aos que lhe foram concedidos como incentivo ao investimento e como prémio de manutenção ao abrigo da intervenção relativa a florestação de terras agrícolas – não procedendo na parte restante, isto é, na parte referente ao prémio por perda de rendimento, também concedido ao abrigo da intervenção relativa a florestação de terras agrícolas.
O agravo merece, pois, provimento apenas parcial.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento parcial ao agravo e, consequentemente, em revogar o despacho recorrido e ordenar o levantamento da penhora na parte referente aos subsídios concedidos ao executado B... ao abrigo da intervenção relativa a medidas agro-ambientais e aos que lhe foram concedidos como incentivo ao investimento e como prémio de manutenção ao abrigo da intervenção relativa a florestação de terras agrícolas.
Na parte restante, referente ao prémio por perda de rendimento, também concedido ao abrigo da intervenção relativa a florestação de terras agrícolas, mantém-se o despacho recorrido e, por isso, a penhora.
As custas são a cargo de agravante e agravada, na proporção de metade para cada.
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Coimbra,