Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
317/2002.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE POR FACTO ILÍCITO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 05/19/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CELORICO DA BEIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 494.º, 496.º, 564.º) E 805.º, N.º 3, SEGUNDA PARTE, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. É ajustado o montante de € 140.000,00 para indemnizar o dano patrimonial futuro relativo a lesado com 50 anos, que ficou totalmente incapacitado para o trabalho e auferia um salário na ordem dos € 750,00 por mês.

2. O dano não patrimonial deve ser fixado em € 100.000,00, atendendo à gravidade das lesões (fractura dos membros inferiores e traumatismo crâneo-encefálico), ao tempo de doença (mais de um ano), ao “quantum doloris” (grau 5, numa escala de 1 a 7), às consequências definitivas (incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho) e à circunstância de o lesado passar a depender de terceiros para prover às suas necessidades mais básicas)

3. Nos casos de responsabilidade civil baseada em facto ilícito, os juros de mora são devidos a contar da citação, independentemente da liquidez do crédito.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


I. Relatório:


A... , residente na ..., intentou acção, com forma de processo ordinário, contra Companhia de Seguros B... , com sede na ..., alegando, em resumo, que:
No dia 01/07/2000, na E.N. nº 16, ao Km 152,600, em Celorico da Beira, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula JO-00-00, por si conduzido, e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula QI-00-00, seguro na ré, propriedade de C.... e conduzido por D... .
Em consequência do acidente sobreveio a morte do condutor do veículo QI e ferimentos graves para si próprio, determinantes de incapacidade para o desempenho de qualquer trabalho.
A responsabilidade do acidente é totalmente imputável ao condutor do QI, por circular dentro de uma localidade, a mais de 90 quilómetros por hora e com uma taxa de álcool no sangue de 3,14 g/l, o que o levou a perder o controlo do veículo e a invadir a meia faixa de rodagem contrária, onde colidiu com o JO.
As lesões sofridas acarretaram para si danos patrimoniais e não patrimoniais, alguns daqueles ainda ilíquidos, que estima (os líquidos) em € 52.327,64 e € 124.669,00, respectivamente.
Concluiu pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia, já liquidada, de € 176.996,64, e, bem assim, a que se viesse a liquidar em execução de sentença, resultante de despesas e honorários relativos à providência cautelar proposta e à presente acção, de transportes e de custos de tratamentos, medicamentos e eventuais operações a que venha a ser submetido no futuro em consequência de lesões ou sequelas do acidente, de salários perdidos e de todas e quaisquer despesas que lhe advenham, nomeadamente as devidas com a contratação de advogado ou de terceira pessoa e outras que na data da entrada da acção ainda não eram líquidas.
Regularmente citada, a ré contestou, impugnando a generalidade dos factos alegados, por desconhecimento dos mesmos.
Concluiu pela improcedência da acção.
No despacho saneador foram afirmadas a validade e a regularidade da lide.
A matéria de facto seleccionada não foi objecto de reclamação.
Ordenada e realizada perícia médico-legal, veio o autor deduzir incidente de liquidação, relativamente a danos patrimoniais futuros, a despesas de ordem médica e medicamentosa e a ajudas que foi forçado a pagar, mas deixando, ainda, para posterior liquidação os custos que viesse a suportar.
A ré contestou a liquidação, afirmando o desconhecimento de parte dos factos, a falta de verdade de outros e o exagero dos montantes peticionados.
A selecção da matéria de facto do incidente foi alvo de reclamação do autor, totalmente atendida.

Realizado o julgamento e fixada, sem reparos, a matéria de facto, foi proferida sentença que condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de € 311.493,86, acrescida de juros, à taxa legal, sobre o valor de € 13.420,51, desde a citação, e sobre o quantitativo de € 298.073,35, desde a notificação da sentença, em qualquer caso, até integral pagamento, e, ainda, as despesas que o autor tiver de suportar no futuro em consequência das lesões emergentes do acidente dos autos.

Inconformados, a ré e o autor, mas este subordinadamente, interpuseram recurso (recebido, em ambos os casos, como apelação, com efeito devolutivo), alegaram e formularam as seguintes conclusões:

A) A ré:
            1) A sentença é nula, por ter condenado em quantidade superior à pedida;
            2) A quantia atribuída a título de danos não patrimoniais (€ 100.000,00) é excessiva, não devendo ultrapassar os € 62.500,00.      
            3) Exagerada é, igualmente, a importância relativa aos danos patrimoniais (€ 211.493,86), que se deverá quedar pelos 125.000,00.
            4) Foram violados os artigos 380.º e 668.º do CPC e 566.º e 496.º do CC.

B) O autor:
1) Na petição inicial foi liquidada a importância de € 52.277,64;
2) A ré foi citada para os termos da acção, mas não pagou tal quantia;
3) Os juros vencidos desde a citação deverão incidir sobre € 52.277,64 e não, apenas, sobre € 13.420,51.

Nenhuma das partes respondeu à alegação da outra.
A ex.ma juiz signatária da sentença pronunciou-se pela inexistência da nulidade arguida pela ré.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
São questões a requerer solução:
1) A nulidade da sentença;
2) A quantificação dos danos (patrimoniais e não patrimoniais);
3) Os juros de mora.


III. Na sentença apelada foram dados por assentes estes factos:  
                                            
1 – No dia 1 de Julho de 2000, cerca das 5 horas, na E.N. 16, Km 152, 600, na localidade de Celorico da Beira, ocorreu um embate entre o veículo de marca «Alfa Romeo» de matrícula JO-00-00, conduzido pelo A, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula QI-00-00, propriedade de C..., residente na ..., e conduzido por D... residente em ...., pertencente a esta comarca – Al. A).
2 – Nas circunstâncias de tempo assentes em A), o A conduzia o JO, no local também aí assente, no sentido Celorico da Beira-Ratoeira, no IP5, pela sua mão de trânsito e com ele, seguia, transportado naquele veículo, E... , residente em ..., enquanto que no sentido Ratoeira – Celorico da Beira seguia o QI – Al. B).
2 – A estrada, no local, tem a largura de 8, 69 metros, situa-se numa localidade, com habitações junto à mesma, e apresenta a seguinte configuração:
– No sentido seguido pelo QI, desenha-se em recta, seguida de uma curva à sua direita;
– No sentido seguido pelo JO, desenha-se em recta, seguida de curva para o lado esquerdo – Al. C).
3 – A curva aludida em C) é separada por linha longitudinal contínua – Al. D).
4 – Nas circunstâncias de tempo e de lugar assentes em A), D... conduzia o QI com uma taxa de alcoolemia de 3,14 g/l – Al. E).
5 – D..., aquando da curva assente em C), seguiu em frente, ultrapassou a linha longitudinal contínua assente em D) e não esboçou qualquer travagem, após invadir a hemi-faixa de rodagem correspondente ao sentido Celorico da Beira – Ratoeira (IP 5) – Quesitos 2.º, 3.º e 4.º.
6 – Em consequência, embateu de frente no JO, totalmente na hemi-faixa de rodagem correspondente àquele sentido de trânsito, com o que impediu que o JO prosseguisse a sua marcha – Quesitos 5.º, 6.º e 7.º.
7 – O que se deveu, além do mais, à velocidade a que seguia e à circunstância de D... conduzir com a taxa de alcoolémia supra referida – Quesitos 8.º e 9.º.
8 – No pavimento da referida hemi-faixa de rodagem ficaram vidros partidos e óleo de ambos os veículos – Quesito 7.º.
9 – Em consequência do embate, o JO ficou com afrente virada para o sentido oposto ao seguido, imobilizado com a parte traseira já fora da faixa de rodagem – Quesitos 11.º e 12.º.
10 – Mediante contrato de seguro de responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação ocorridos com o QI, titulado pela apólice n.º 716339, D... declarou transferir aquela responsabilidade para a ora ré – Al. U).
11 – A ré já pagou ao autor, na sequência da decisão proferida na providência cautelar apensa, desde Agosto de 2002 a Dezembro de 2007, a quantia de € 57.471,56 – Al. V).
12 – Em consequência do acidente, resultou a morte de D... – Al. F).
13 – O JO ficou destruído, não valendo os salvados mais do que € 500,00 – Al. G).
14 – À data do acidente o JO tinha um valor de cerca de € 5.000,00, atendendo ao seu bom estado de conservação – Quesitos 79.º e 80.º.
15 – Em consequência do embate, o autor ficou em estado de coma, tendo sido de imediato conduzido ao Centro de Saúde de Celorico da Beira e, de seguida, transportado para o Hospital da Guarda, de onde veio ser transferido para os Hospitais da Universidade de Coimbra, onde se manteve internado durante 30 dias, vindo, depois, a ser transferido para os Hospitais de Santo António e de São João, no Porto, Macedo de Cavaleiros e, finalmente, para o Hospital de Bragança – alínea H).
16 – Em consequência do embate, o A sofreu fractura do fémur, tíbia e perónio esquerdo e direito, lesão da rótula direita, fractura do maxilar e traumatismo crâneo-encefálico, com afundamento da região frontal direita – Quesitos 13º, 14º, 15º e 16º).
17 – Em consequência da fractura da tíbia e do perónio esquerdo, o A jamais conseguirá andar sem que o seja com o auxílio de canadianas – Quesito 19º).
18 – O A ficou, também, com dificuldade de marcha o que, em termos técnicos, se traduz em hiperreflexia bilateral associada a ligeira parapésia de predomínio esquerdo associada a limitação de dorsiflexão do pé direito – Quesitos 29º e 30º).
19 – Em consequência do embate e das mazelas mencionadas, teve que ser novamente operado às pernas, para retirada de material de osteosíntese –Quesitos 42.º e 43.º.
20 – Em virtude do acidente, o autor esteve, desde 01.07.2000 até 26.11.2000, em situação de incapacidade temporária geral total, num total de 199 dias – Al. X).
21 – Mais esteve, desde 27.11.2000 até 11.07.2001 e desde 01.09.2001 até 15.09.2001, numa situação de incapacidade temporária geral, num total de 242 dias – Al. Y).
22 – E esteve, desde 10.07.2000 até 15.09.2001, numa situação de incapacidade temporária profissional total, num total de 442 dias – Al. Z).
23 – Sofreu, durante o período de incapacidade temporária, dores fixáveis no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente – Al. AA).
24 – Em virtude do embate referido, o autor ficou com uma incapacidade permanente geral de 45% – Al. AB).
25 – Em virtude do embate referido em A), o autor ficou com sequelas que afectam a imagem que tem de si próprio e perante os outros num grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente – Al. AC).
26 – Desde a data da alta que o autor tem uma ferida aberta, em purga contínua, a qual necessita de acompanhamento e tratamento médico diário, apesar das intervenções cirúrgicas – Quesitos 20.º e 21.º.
27 – Em 15.09.2001, continuava a fazer tratamento diário à ferida da perna – Quesito 73.º.
28 – Em consequência do embate, o autor ficou com perdas de memória, cefaleias, tonturas, irritabilidade e cansaço fácil – Quesitos 22.º a 26.º.
29 – O que, em termos técnicos, se traduz em deterioração marcada das funções nervosas superiores, com desinibição e alterações graves da memória anterógada e discurso interactivo – Quesitos 27.º e 28.º.
30 – Em virtude do embate, o autor sofreu lesões neurológicas que lhe afectam as funções cognitivas – Quesito 102.º.
31 – Devido a tal, tem necessidade de tomar medicamentos até ao resto da sua vida, na expectativa de conseguir reactivar tais funções, encontrando-se medicado com Medipax, Idecortex e Protiadene – Al. AD) e quesito 103.º
32 – O A tem dificuldades de concentração e de memória, o que o torna incapaz para o exercício de qualquer actividade laboral e lhe causam dificuldades no relacionamento interpessoal – Quesitos 31º, 32º, 33º e 34.º.
   33 – Mercê das sequelas de que ficou portador, o A, por vezes, não reconhece as pessoas e passa o seu dia-a-dia a executar actos desconexos e outros próprios de criança – Quesitos 35º a 37º.
34 – Executa serviços de mecânica sem qualquer conexão, por se imaginar no seu local de trabalho – Quesitos 40º e 41º.
35 – Em virtude do embate, o autor perdeu a capacidade de avaliar a necessidade de tratar da sua higiene, assim como de mudar de roupa e adquirir outra, e deixou de conseguir tratar da sua alimentação – Quesitos 94.º, 95.º e 97.º.
36 – Perdeu a noção do manuseamento de materiais e produtos, assim como no uso do fogo, electricidade e gás – Quesitos 98.º e 99.º.
37 – Em virtude dos factos descritos nos artigos 94.º a 99.º, o autor encontra-se dependente da ajuda de terceira pessoa – Quesito 100.º.
38 – O autor vivia, pelo menos em 17.10.2002, da ajuda de familiares – Quesito 65.º.
39 – Que o vestem, calçam, alimentam, transportam e lhe pagam os serviços de terceira pessoa – Quesitos 66.º a 69.º.
40 – Pelo menos a 17.10.2002, encontrava-se dependente da ajuda de terceira pessoa – Quesito 48.º.
41 – Em consequência do acidente e das sequelas supra descritas, o autor paga mensalmente a terceira pessoa a quantia de € 648,43 – Quesito 87.º.
42 – A qual o alimenta, lhe trata da roupa, lhe ministra os medicamentos, o vigia e o acompanha ao médico – Quesitos 88.º a 92.º.
43 – Até 17 de Outubro de 2002, o autor já havia pago € 14.994,05 à referida terceira pessoa – Quesito 93.º.
44 – O autor já pagou à mencionada terceira pessoa, desde 17.10.2002 até Dezembro de 2007, a quantia de € 55.765,61.
45 – O autor, em consequência do embate e referidas sequelas, teve e vai ter, até à morte, dores e desgostos – Quesitos 70.º e 71.º.
46 – Deixou de efectuar trabalhos agrícolas que antes realizava – Quesito 194.º.
47 – O autor, à data do embate, era saudável, alegre, bem constituído, tinha um corpo sem cicatrizes e qualquer mácula e, em consequência do embate e das respectivas sequelas, tornou-se uma pessoa apática – Quesitos 74.º a 78.º.
48 – Em consequência do embate estragou-se um par de calças do autor, no valor de € 30,00, uma camisa, no valor de € 15,00, um pat de sapatos, no valor de € 25,00, um par de óculos, no valor de cerca de € 300,00, e um telemóvel, no valor de, pelo menos, € 200,00, ficou destruído – Quesitos 82.º a 86.º.
49 – Para se poder averiguar o grau das lesões sofridas a nível neurológico, o autor foi assistido pela especialista de neurologia, Dra. G... , a quem pagou a quantia de 249, 39 €, pelas consultas e pelo relatório médico – Al. I).
50 – Na aquisição de medicamentos, o A despendeu a quantia de € 2.613,95 – Al. J).
51 – Na aquisição de um par de óculos, o A despendeu a quantia de € 149, 64 – Al. K).
52 – No Hospital da Guarda, em exames laboratoriais e radiológicos, o A despendeu a quantia de € 30,18 – Al. L).
53 – Nos Hospitais de Bragança, Macedo de Cavaleiros, Miranda do Douro e Santo António, em exames radiológicos e consultas, o A despendeu a quantia € 135,24 – Al. M).
54 – Em estadias em Coimbra, para ser consultado, despendeu a quantia € 224,45 – Al. N).
55 – Em alimentação, aquando das consultas, despendeu a quantia de € 56, 96 – Al. O).
56 – Em transportes para as consultas e tratamentos de fisioterapia, efectuados pelo serviço de Bombeiros de Sendim, despendeu a quantia de € 2.801,87 – Al. P).
57 – Pelos serviços de fisioterapia realizados pela clínica de Medicina Física e Recuperação, Lda., despendeu a quantia de € 502, 53 – Al. Q).
58 – Pela realização de um TAC, na Imacentro, em Coimbra, despendeu quantia de 129, 69 € – Al. R).
59 – Pela realização de um electroencefalograma, com prova de estrobascópia, nos serviços da clínica F. Faria Pais & Ca. Lda., em Coimbra, despendeu a quantia de € 69, 83 – Al. S).
60 – Pelos serviços de apoio domiciliário, prestado pela Santa Casa de Misericórdia de Miranda do Douro, despendeu a quantia de € 1.536,42 – Al. T).

               61 – Em 15-09-2001, as lesões que afectavam a capacidade profissional do A. já se encontravam consolidadas – Al. W).
62 – Em consequência do embate e mencionadas mazelas, e desde a sua ocorrência, o autor não mais exerceu qualquer profissão – Quesito 46.º.
63 – Nem poderá vir a exercer, qualquer que ele seja, até à sua morte – Quesito 47.º
64 – Mostra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Miranda do Douro, com o n.º 80/900409, a “F... ”, da qual o A era sócio e gerente à data do embate referido em A) e desde a matrícula da sociedade no registo comercial – Al. AE).
65 – A sociedade referida em EE) tem por objecto a prestação de serviços de reparações em automóveis e máquinas agrícolas e industriais, construção e venda de máquinas e alfaias agrícolas – Al. AF).
66 – O autor, à data do embate, desempenhava as funções de gestão de escritório e vendedor no exterior, ao serviço da F..., com sede no lugar e freguesia de .... – Quesitos 49.º e 50.º.
67 – Esta sociedade obteve uma representação de tractores agrícolas da marca “Deutz” – Quesito 51.º.
68 – O autor, à data do embate, auferia o vencimento mensal ilíquido declarado de 80.000$00 (correspondente ao contravalor de € 399,04 – Quesito 52.º.
69 – A que acrescia a utilização de veículo, pagamento de alimentação e demais despesas com deslocações e uso de telemóvel – Quesitos 53.º a 55.º.
70 – O vindo de referir traduzia-se num benefício de cerca de € 150,00 – Quesito 56.º
71 – À data do embate, estava já decidido aumentar o vencimento base, além do mais, do autor, para € 550,00, atentos os bons resultados obtidos nas vendas e reparações – Quesitos 57.º e 58.º.
72 – O autor, à data do embate, estava a projectar vendas de tractores e seus acessórios – Quesito 60.º.
73 – O que se reflectia em mais reparações, vendas de óleos e outros acessórios e alfaias agrícolas – Quesitos 61.º a 63.º.
74 – O autor, à data do embate, não possuía qualquer outra fonte de rendimento que não o trabalho supra referido – Quesito 64.º. 
75 – O A. vendeu a sua quota a H... “com reserva de propriedade integral até ao seu pagamento”, facto inscrito no registo comercial pela Ap. 01/030603 – Al. AG).
76 – O A. renunciou às suas funções de gerente na sociedade referida em EE, facto inscrito no registo comercial em 03-06-03 – Al. AH).
77 – O autor cedeu a sua quota na referida sociedade e renunciou à gerência devido ao facto de se encontrar incapaz de exercer a sua actividade profissional em virtude do acidente – Quesito 105.º.
78 – O A nasceu no dia 23-10-1951 – Al. AI).


III. O direito:

A) Recurso principal (da ré)

a) A nulidade da sentença

Na sentença condenou-se a ré a pagar ao autor, além do mais, as despesas em que este venha a incorrer no futuro em consequência das lesões sofridas no acidente dos autos.
Sustenta a ré que este segmento da condenação viola o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, na medida em que os danos já foram liquidados através de incidente próprio, nos termos do artigo 380.º do mesmo diploma, não havendo, portanto, que proceder a nova liquidação, até porque a matéria de facto provada o não consente.
Nos termos do normativo referido, é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Esta causa de nulidade é a resultante da violação da regra fundamental estabelecida no artigo 661.º do mesmo diploma sobre os limites da condenação (“a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”), onde se encontra, no fundo, mais um dos corolários do princípio dispositivo (Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, páginas 675 e 691).
Há que apurar, por conseguinte, se a sentença foi além do que o autor reclamou na acção.
O petitório dirige-se à condenação da ré no pagamento de uma importância líquida de € 176.966,64 (relativa a danos patrimoniais e não patrimoniais, ali se englobando os vencimentos perdidos até 1 de Julho de 2002, a destruição do veículo automóvel, a roupa vestida e os objectos transportados, os gastos em consultas, medicamentos, tratamentos, óculos, exames laboratoriais e radiológicos, os transportes, a estadia e a alimentação para tratamentos e consultas, o apoio domiciliário e o pagamento a terceira pessoa que acompanha o autor devido à incapacidade de que é portador) e de uma quantia ilíquida referente ao dano patrimonial futuro, a despesas com transportes, tratamentos, medicamentos e eventuais operações que o autor fosse obrigado a fazer no futuro, a salários perdidos, acrescidos dos aumentos que se encontravam já decididos, contabilizados desde Agosto de 2002, e a todas e quaisquer outras despesas que lhe adviessem, nomeadamente as devidas com a contratação de advogado e de terceira pessoa.
Antes da audiência de discussão, o autor deduziu incidente de liquidação, em função do qual quantificou o dano patrimonial futuro e o valor dos gastos posteriores à propositura da acção em medicamentos, exames, transportes, apoio domiciliário e pagamento a terceira pessoa de quem depende, concluindo pela formulação de um pedido global líquido de € 467.056,19, acrescido das despesas que tiver de efectuar em consequência das lesões.
Na sentença fixou-se o valor dos danos em € 378.262,29, sendo € 100.000,00 referentes a danos não patrimoniais e € 278.262,29 relativos a danos patrimoniais.
Quanto a estes últimos, distinguiu-se entre danos emergentes e lucros cessantes, atribuindo-se aos primeiros € 91.262,29 e aos segundos € 187.000,00.
O valor dos danos emergentes resultou das somas das seguintes parcelas:
1) Pagamento à pessoa que ajuda diariamente o autor, contabilizado até à data da sentença (3.11.2008) – € 77.842,39 (pontos 41, 43 e 44 da matéria de facto).
2) Medicamentos e tratamentos médicos – € 3.730,81 (pontos 49, 50, 52, 53, 57, 58 e 59).
3) Transportes, estadia e alimentação para ir a consultas e tratamentos – € 3.083,28 (pontos 54 a 56).
4) Apoio domiciliário – € 1.536,42 (ponto 60).
5) Objectos pessoais estragados – € 570,00 (ponto 48).
6) Valor do veículo do autor, que ficou destruído – € 4.500,00 (pontos 12 a 14).
Nos lucros cessantes ficou compreendida a perda de rendimentos do trabalho durante a incapacidade temporária, que se calculou em € 7.000,00 e o dano futuro que se computou em € 180.000,00.
Ao montante dos danos patrimoniais foram deduzidas as rendas pagas pela ré, na sequência de decisão proferida em procedimento cautelar, que, até Novembro de 2008, ascendiam a € 66.768,43.
Como bem se vê deste simples resumo, as quantias liquidadas, seja na petição inicial, seja no incidente próprio, reportam-se, para além do dano não patrimonial e do dano patrimonial futuro, aos vencimentos perdidos, à destruição do veículo automóvel, aos objectos estragados, às consultas, medicamentos, tratamentos e exames, aos transportes, estadia e alimentação, ao apoio domiciliário e ao pagamento a terceira pessoa, de cuja ajuda o autor depende, mas isto calculado até à data da sentença.
Se bem se reparar na matéria de facto assente, em especial na dos pontos 30, 31 e 37, facilmente se constatará que o autor não conseguiu estancar, ainda, o rol das despesas originadas pelo acidente.
Por um lado, vai ter de tomar medicamentos até ao resto da sua vida, devido a lesões neurológicas sofridas, que lhe afectam as funções cognitivas (pontos 30 e 31), o que significará, muito provavelmente, que terá, também, de recorrer a consultas médicas e a efectuar exames e, bem assim, a despender dinheiro em transportes, alimentação e alojamento para o efeito.
Por outro lado, irá, muito provavelmente, continuar a necessitar, não se sabe por quanto tempo, da ajuda de terceira pessoa.
E não são de excluir outras despesas, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas, em especial as de natureza neurológica.
Daí que, no incidente de liquidação, o autor tenha apelado, em termos genéricos, ao pagamento de outras despesas que as lesões viessem a demandar.
E foi nessa perspectiva, obviamente, que, na sentença, se condenou a ré “no pagamento das despesas em que o autor venha a incorrer no futuro em consequência das lesões sofridas no acidente dos autos”.
Trata-se de gastos respeitantes a danos derivados do acidente, pelos quais a apelante é responsável em função do contrato de seguro celebrado e que não são susceptíveis de liquidação imediata, ao contrário do que aquela diz.
Não é possível liquidar na totalidade o pedido genérico quando as consequências do facto ilícito não estão completamente determinadas.
Ao condenar nas despesas que vierem a ser feitas em consequência das lesões, a sentença não violou o comando do artigo 661.º do Código de Processo Civil, porque a condenação se conteve dentro dos limites do pedido e a matéria de facto provada demonstra, com clareza, que nem todas as lesões foram, ainda, debeladas.
A arguida nulidade improcede, portanto.

b) A quantificação dos danos
 

  O autor peticionou o montante global de € 467.056,19, sendo € 124.699,00 a título de danos não patrimoniais e o restante a título de danos patrimoniais.

  A sentença apelada fixou o valor dos danos não patrimoniais em € 100.000,00 e o dos danos patrimoniais em € 278.262,29 (correspondendo a quantia de € 91.269,29 a danos emergentes e a de € 187.000,00 a lucros cessantes, dividida esta, por sua vez, em duas parcelas, uma de € 7.000,00 e outra de € 180.000,00, respeitante a primeira ao que o autor deixou de auferir até à data da alta e a segunda aos danos futuros), num total, portanto de € 378.262,29.

  A apelante não questionou a existência dos danos, mas, tão-só, os montantes estabelecidos na sentença, que considerou demasiado elevados, tendo proposto, em sua substituição, o valor de € 62.500,00 para os danos não patrimoniais e o de € 125.000,00 para os danos patrimoniais.

Começando pelos danos patrimoniais, há que dizer, antes de mais, que a alegação da apelante é muito pouco explícita, já que não discrimina os montantes que considera ajustados para cada qual dos referidos item nem avança os critérios que, eventualmente, lhe poderiam dar razão.

Aparentemente, é muito reduzida a sua convicção na bondade da solução que propõe, porque a sua argumentação se limitou a, apenas, isto:

“Relativamente a esta questão e mesmo considerando os factores apontados na sentença de que ora se recorre, não podemos deixar de incluir como factores a ter em consideração, o do destinatário(s) da indemnização ser um, e o do denominado esgotamento do capital, e de igual modo confrontando ou ponderando decisões judiciais, com o devido respeito julga-se equitativa a compensação de € 125.000,00”.

Mas como os tribunais não podem deixar de decidir, prossigamos.

Em sede de obrigação de indemnizar vigora o princípio da reconstituição natural, plasmado no artigo 562.º do Código Civil (diploma a que pertencerão os demais preceitos s citar doravante sem qualquer menção de origem), nos termos do qual o lesado deve ser colocado na situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido o evento lesivo.

Mas como a reposição em espécie nem sempre é possível, seja por razões materiais (morte da pessoa ou destruição de coisa não fungível), seja por questões de insuficiência (porque não cobre todos os danos, por exemplo), seja por via da sua inadequação (em casos de excessiva onerosidade para o devedor), há que recorrer, então, à indemnização em dinheiro (artigo 566.º), a calcular em função da chamada “teoria da diferença”: diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra devido ao facto lesivo e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse sofrido o dano (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 7.ª edição, páginas 902 e seguintes, e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª edição refundida, páginas 524 e seguintes).

O dever de indemnizar abrange não só o prejuízo causado (dano emergente), como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucro cessante), onde se compreendem os próprios danos futuros, desde que sejam previsíveis (artigo 564.º).

Como se disse, a sentença arbitrou a importância de € 91.262,29, a título de danos emergentes, e a de € 187.000,00, a título de lucros cessantes, tendo subdividido esta última em duas parcelas: uma de € 7.000,00, relativa a perdas salariais durante o período de incapacidade temporária (desde o acidente até à data da alta), e outra de € 180.000,00, respeitante ao dano patrimonial futuro (perda total da capacidade de trabalho).

 Não tendo sido impugnada a matéria de facto, a importância referente aos danos emergentes não sofre a menor dúvida, provado que está que o apelado pagou € 77.842,39 a pessoa que o ajuda diariamente, despendeu € 3.730,81 em medicamentos e tratamentos médicos, € 3.083,28 em transportes, estadia e alimentação para ir a consultas e tratamentos e € 1.536,42 em apoio domiciliário e viu destruídos a respectiva viatura e diversos outros objectos, aquela no valor de € 4.500,00 e estes no de € 570,00.

Trata-se de prejuízos resultantes do acidente, no montante de € 91.262,29, o valor que foi atribuído, e cuja ressarcibilidade não oferece dúvidas, em face do que dispõe a primeira parte do n.º 1 do artigo 564.º.

No que toca às perdas salariais durante o período de incapacidade temporária, se o montante achado (€ 7.000,00) peca por alguma coisa, só poderá ser por defeito.

Provado que o apelado auferia € 549,04 por mês, ao fim de 442 dias auferiria € 8.089,18, fazendo a conta a, apenas, 12 meses por ano; se se considerassem 14 meses, como é regra, e o vencimento já decidido pela sociedade, superior em cerca de € 150,00 ao da altura do acidente, então a perda ultrapassaria os € 12.000,00.

Sendo assim, não se vê como reduzir, nesta parte, o montante indemnizatório.

Deste modo, a redução só poderia ter cabimento em relação ao dano patrimonial futuro.

No que a este tange, e para respeitar o enquadramento legal da reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562.º do CC), o critério a seguir será o de achar uma indemnização em dinheiro que corresponda a um capital gerador de rendimento equivalente ao que o lesado deixará de auferir, mas que se extinga no período provável de vida activa (acórdãos do STJ de 04.06.98, BMJ 478, página 344, de 15.12.1998, CJ de Acórdãos do STJ, Ano VI, Tomo III, página 155, de 25.06.02, mesma CJ, Ano X, Tomo II, página 128, de 20.11.03, mesma obra, Ano XI, Tomo III, página 149, e de 22.09.05, obra citada, Ano XIII, Tomo III, página 38).

A solução que tem sido entendida como mais adequada para achar o cálculo dessa indemnização é a que parte de determinadas fórmulas matemáticas, mas sempre sujeitas ao tempero da equidade (artigo 566.º, n.º 3, do CC), até porque como se escreveu no citado acórdão de 22.09.05, “essas tabelas assentam em elementos em constante mutação, como as taxas de juro, a própria taxa de incapacidade, tendo em conta os progressos espectaculares da medicina, da cirurgia e da indústria de próteses, a evolução da economia, o salário dos lesados, aquando do acidente, a esperança de vida”.

Haverá que atender ao tempo provável de vida activa – que a jurisprudência, não obstante algumas oscilações, tem vindo, ultimamente, a situar nos 70 anos, como sucedeu, por exemplo, no referido acórdão de 22.09.05 –, à incapacidade de que o lesado ficou portador, ao salário auferido e à taxa de juro praticada pelas instituições bancárias.

À data da alta (terá de ser esta a data a considerar, uma vez que a sentença liquidou as perdas até essa altura) o autor estava prestes a completar 50 anos (faltavam oito dias para tanto), o que quer dizer que a esperança de vida activa era de 20 anos; a incapacidade para o trabalho foi total; auferiria, se estivesse a trabalhar, € 550,00 mensais (valor que já tinha sido decidido quando o acidente ocorreu), a que acresceriam benesses no valor de € 150,00 (utilização de veículo e de telemóvel, alimentação e outras despesas); a taxa de juro, finalmente, pode chegar, hoje, a mais de 5% (consoante o banco e o valor e tempo do depósito), embora deva admitir-se como mais razoável e usual a de 4%.

Considerando um salário anual de € 9.800,00 (€ 700,00x14), um tempo provável de vida activa de 20 anos e um coeficiente de incapacidade de 100%, atingir-se-ia uma perda salarial de € 196.000,00.

Mas se, por outra via, se procurasse determinar o capital necessário para, ao juro de 4% ao ano, obter o rendimento de € 9.800,00/ano, achar-se-ia o montante de € 245.000,00.

Em qualquer dos casos, haverá que ponderar, por um lado, que a duração da vida é incerta e que o lesado recebe de uma só vez aquilo que receberia, faseadamente, ao longo do tempo, e, por outro, que a vida física se prolonga, por regra, para além da vida laboral, que os salários e o custo de vida têm tendência a aumentar e que a vida activa acarreta gastos que a situação de inactividade não exige.

A que acresce, na segunda hipótese, a falada necessidade do esgotamento do capital no fim da vida activa.  

O que, tudo sopesado, haverá de conduzir a uma redução razoavelmente expressiva dos montantes achados à luz dos cálculos indicados.

A verba de € 140.000,00 será, porventura, a mais equitativa para ressarcir os danos no caso concreto, estando, aliás, muito em linha com o decidido pelo nosso mais alto Tribunal em casos idênticos.

No acórdão de 27.01.2005 (revista n.º 4135/04), por exemplo, arbitrou-se a quantia de € 275.000,00, em hipótese em que o lesado ficou tetraplégico, auferia o mesmo que o ora apelado, mas cujo período de vida activa atingia o dobro, ou seja, 40 anos.

No acórdão de 11.12.2003 (revista 3923/03), por seu turno, fixou-se a indemnização de 50.000.000$00 (cerca de € 250.000,00), ficando o lesado paraplégico, com uma IPP de 70% e vencendo € 500,00 por mês, mas tendo, apenas 17 anos de idade, o que quer dizer que o período previsível de vida activa era de 53 anos, logo, mais de duas vezes e meia do que o que se verifica no caso presente.

E no acórdão de 22.09.2005, acima referido, onde vêm citados estes dois exemplos, a indemnização foi de € 180.000,00, estando a lesada paraplégica, tendo uma IPP de 80%, auferindo o salário mensal de 68.031$00 (14 vezes por ano) e com um período de vida activa de 51 anos, pois que tinha, apenas, 19.

Visando, também, como não poderia deixar de ser, a desejável uniformidade de julgados, fixa-se, portanto, a indemnização pelo dano patrimonial futuro em cento e quarenta mil euros.

Relativamente ao dano de natureza não patrimonial, cuja ressarcibilidade depende da sua gravidade, os critérios para a sua fixação encontram-se estabelecidos no artigo 496.º e 494.º do CC; a regra base é a equidade, tendo em atenção as circunstâncias do caso, de que avultam o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado e outras que se tenham apurado. 

“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo …, e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” (Antunes Varela, ob. cit., 600).

“A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” (autor e obra citados, página 602).

A indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, por isso que, não pode ser miserabilista, mas significativa (acórdão do STJ de 25.06.02, supra mencionado; em igual sentido, o acórdão do mesmo Tribunal, de 12.03.09, pesquisado na Internet).

No seu cálculo intervém, sobretudo, critérios de equidade (mas fundados nas circunstâncias do caso concreto), de proporcionalidade (em função da gravidade do dano), de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, página 449).

“(…) pretende-se encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal … a equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio” (Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2.ª edição, páginas 103/105).

Para as circunstâncias do caso, hão-de relevar a natureza e o grau das lesões, as suas sequelas (físicas e psíquicas), os tratamentos médicos, mormente intervenções cirúrgicas, os internamentos, o tempo de doença, o “quantum doloris”, a afirmação social, a alegria de viver, a auto estima, a idade, a esperança de vida e perspectivas de futuro (acórdão do STJ de 02.10.2007, CJ do STJ, Ano XV, Tomo III, página 68).

Revertendo ao caso dos autos, temos que foi muito grave a culpa do segurado da ré (culpa grosseira), que é (ou era até à data do sinistro), aparentemente, mediana a situação económica do lesado e elevada a da obrigada a da apelante, como o é, notoriamente, a das companhias de seguros.

Quanto às circunstâncias do caso, é este o quadro fáctico apurado:

Em consequência do embate, o autor ficou em estado de coma, tendo sido de imediato conduzido ao Centro de Saúde de Celorico da Beira e, de seguida, transportado para o Hospital da Guarda, de onde veio ser transferido para os Hospitais da Universidade de Coimbra, onde se manteve internado durante 30 dias, vindo, depois, a ser transferido para os Hospitais de Santo António e de São João, no Porto, Macedo de Cavaleiros e, finalmente, para o Hospital de Bragança.

Sofreu fractura do fémur, tíbia e perónio esquerdo e direito, lesão da rótula direita, fractura do maxilar e traumatismo crâneo-encefálico, com afundamento da região frontal direita.

Devido à fractura da tíbia e do perónio esquerdo, jamais conseguirá andar sem que o seja com o auxílio de canadianas.

Ficou, também, com dificuldade de marcha o que, em termos técnicos, se traduz em hiperreflexia bilateral associada a ligeira parapésia de predomínio esquerdo associada a limitação de dorsiflexão do pé direito.

Em consequência das mazelas mencionadas, teve que ser novamente operado às pernas, para retirada de material de osteosíntese.

Esteve, desde 01.07.2000 até 26.11.2000, em situação de incapacidade temporária geral total, num total de 199 dias, e desde 27.11.2000 até 11.07.2001 e desde 01.09.2001 até 15.09.2001, em situação de incapacidade temporária geral, num total de 242 dias.

De 10.07.2000 a 15.09.2001, esteve em situação de incapacidade temporária profissional total, num total de 442 dias.

Sofreu, durante o período de incapacidade temporária, dores fixáveis no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

Em virtude do embate, ficou com uma incapacidade permanente geral de 45%.

Ficou, ainda, com sequelas que afectam a imagem que tem de si próprio e perante os outros num grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

Tem, desde a data da alta, uma ferida aberta, em purga contínua, a qual necessita de acompanhamento e tratamento médico diário, apesar das intervenções cirúrgicas.

Em 15.09.2001, continuava a fazer tratamento diário à ferida da perna.

Ficou com perdas de memória, cefaleias, tonturas, irritabilidade e cansaço fácil, o que, em termos técnicos, se traduz em deterioração marcada das funções nervosas superiores, com desinibição e alterações graves da memória anterógada e discurso interactivo.

Sofreu lesões neurológicas que lhe afectam as funções cognitivas.

Devido a tais lesões, tem necessidade de tomar medicamentos até ao resto da sua vida, na expectativa de conseguir reactivar tais funções, encontrando-se medicado com Medipax, Idecortex e Protiadene.

Tem dificuldades de concentração e de memória, o que o torna incapaz para o exercício de qualquer actividade laboral e lhe causam dificuldades no relacionamento interpessoal.

Mercê das sequelas de que ficou portador, não reconhece, por vezes, as pessoas e passa o seu dia-a-dia a executar actos desconexos e outros próprios de criança.

Executa serviços de mecânica sem qualquer conexão, por se imaginar no seu local de trabalho.

Perdeu a capacidade de avaliar a necessidade de tratar da sua higiene, assim como de mudar de roupa e adquirir outra, e deixou de conseguir tratar da sua alimentação.

Perdeu a noção do manuseamento de materiais e produtos, assim como no uso do fogo, electricidade e gás.

Encontra-se dependente da ajuda de terceira pessoa.

Vivia, em 17.10.2002, pelos menos, da ajuda de familiares.

Que o vestem, calçam, alimentam, transportam e lhe pagam os serviços de terceira pessoa.

Pelo menos a 17.10.2002, encontrava-se dependente da ajuda de terceira pessoa.

Em consequência do embate e referidas sequelas, teve e vai ter, até à morte, dores e desgostos.

Deixou de efectuar trabalhos agrícolas que antes realizava.

À data do embate, era saudável, alegre, bem constituído, tinha um corpo sem cicatrizes e qualquer mácula e, em consequência do embate e das respectivas sequelas, tornou-se uma pessoa apática.

Em resultado do embate e subsequentes mazelas, e desde a sua ocorrência, não mais exerceu qualquer profissão, nem poderá vir a exercer, qualquer que ele seja, até à sua morte.

Por isso, vendeu a sua quota e renunciou às funções de gerente numa sociedade, que constituía a sua única fonte de rendimento.

O A nasceu no dia 23-10-1951.

O quadro factual acabado de descrever é, indiscutivelmente, de extrema gravidade; as lesões foram extensas e não completamente debeladas, os tratamentos e os períodos de internamento prolongados, as intervenções cirúrgicas repetidas, o “quantum doloris” intenso, as sequelas anátomo-funcionais pesadíssimas e o futuro angustiante, pelas dores que vai sentir para todo o sempre, pela limitação da mobilidade, pela incapacidade de trabalhar e de, assim, ganhar o próprio sustento e, sobretudo, pela dependência da ajuda de terceiros para prover às necessidades mais básicas.

A apelante acha exagerado o montante indemnizatório fixado em 1.ª instância, estribada em decisões do Supremo Tribunal de Justiça para casos que considera semelhantes, onde os valores se situaram, em média, nos € 62.500,00.

Há que admitir, no entanto, que cada caso é um caso, como costuma dizer-se, e que a jurisprudência vai evoluindo, em função, até, das condições sócio-económicas e da inerente necessidade da actualização de valores, assistindo-se, nos últimos tempos, à atribuição de indemnizações na ordem dos € 100.000,00. Foi o que sucedeu nos acórdãos do STJ de 22.09.05 (que refere dois outros arestos, onde foi arbitrado o mesmo valor) e de 12.03.09, acima referidos. Trata-se, em qualquer deles, de situação muito grave, no primeiro, de uma jovem de 19 anos que ficou paraplégica e, no segundo, de uma lesada de 32 anos, que se locomove, mas claudicando, ficou impedida de exercer a sua profissão habitual (cozinheira), mas pode exercer outras, necessitará, no futuro, de assistência médica e medicamentosa e tem de recorrer a ajuda de terceiros para a realização de algumas tarefas básicas.

Em relação a este último caso, a situação do autor é mais grave, na medida em que ficou impedido, para sempre, de exercer qualquer profissão e necessita, em permanência, do auxílio de terceiros. Em contraposição, é mais velho em cerca de vinte anos.

Neste condicionalismo, não se vê razão divergir quanto ao montante, pelo que se aceita como correcto o de € 100.000,00 fixado em 1.ª instância. 

B) Recurso subordinado (do autor)

            a) Os juros de mora

            Na sentença decidiu-se que a obrigação de juros não incidiria sobre a indemnização do lucro cessante, nem sobre os montantes pagos pelo autor a terceira pessoa a partir da citação, mas, tão-só, da notificação da sentença, por não ter sido deduzido o pertinente pedido, esclarecendo-se que os eventuais juros teriam de ser contabilizados mês a mês, sendo que no articulado superveniente, onde se fez a liquidação, não foi formulado o pedido de juros. Nessa medida, a condenação, reportada à data da citação, só abrangeu a importância de € 13.420,51, correspondente ao dispêndio em medicamentos e tratamentos médicos (€ 3.730,81), transportes, estadia e alimentação (€ 3.083,28), apoio domiciliário (€ 1.536,42), objectos pessoais estragados (€ 570,00) e valor do veículo (€ 4.500,00).

            A tese do autor é a de que na petição inicial foi liquidada a importância de € 52.277,64, correspondendo às quantias parcelares de € 23.942,29 (aquilo que deixou de receber, em salários, desde o acidente até 1 de Julho de 2002), € 7.482,00 (valor do veículo que ficou destruído), € 720,00 (objectos e roupa estragados), € 5.219,30 (despesas de assistência) e € 14.914,05 (dispêndio com terceira pessoa), pelo que deve ser essa a importância a considerar para efeito de condenação em juros a partir da citação.

            Aparentemente, nem a ex.ma juiz signatária da sentença nem o autor se lembraram de que nos casos de responsabilidade civil baseada em facto ilícito, como é o caso, os juros de mora são devidos a contar da citação, independentemente da liquidez do crédito (artigo 805.º, n.º 3, segunda parte, do Código Civil; neste sentido, o acórdão do STJ de 25.06.02, antes referenciado).

            Limitada, que está, a cognição desta Relação pelas conclusões do recurso, há, apenas, que decidir se os juros de mora contados desde a citação deverão incidir ou não sobre as importâncias referidas pelo autor.

            É claro que a resposta não pode deixar de ser positiva (embora não no exacto quantitativo pretendido) em face do disposto no mencionado preceito legal. Mas sê-lo-ia, ainda que assim não fosse, na justa medida em que o valor dos danos chamado à colação pelo autor foi, efectivamente, liquidado na petição inicial, situação em que a ex.ma juiz não terá atentado.

            O seu montante é que é inferior ao que o autor indica, porque a quantificação dos danos não atingiu os valores peticionados; de facto, só as despesas de assistência e o dispêndio com terceira pessoa chegaram aos valores pedidos (€ 5.219,30 e € 14.914,05, respectivamente), ficando as restantes abaixo do requerido: € 7.000,00, € 4.500,00 e € 570,00 para os salários perdidos, destruição do veículo e objectos e roupa estragada, respectivamente, em vez dos € 23.942,29, € 7.482,00 e € 720,00 reclamados. O montante global é pois, de € 32.203,35 e não de € 52.277,64.

            Procede, portanto, em parte, a pretensão do autor.    

            Em conclusão, a sentença será parcialmente revogada, condenando-se a apelante a pagar ao apelado a indemnização global de € 271.493,86 (sendo € 171.493,86 de danos patrimoniais e € 100.000,00 de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, à taxa legal:

– sobre a quantia de € 32.203,35, desde a citação e até integral pagamento;

– sobre a quantia de € 239.290,51, desde a notificação da sentença e até efectivo pagamento.

Em tudo o mais, haverá de manter-se a sentença recorrida.

IV. Síntese final:

a) É ajustado o montante de € 140.000,00 para indemnizar o dano patrimonial futuro relativo a lesado com 50 anos, que ficou totalmente incapacitado para o trabalho e auferia um salário na ordem dos € 750,00 por mês.

b) O dano não patrimonial deve ser fixado em € 100.000,00, atendendo à gravidade das lesões (fractura dos membros inferiores e traumatismo crâneo-encefálico), ao tempo de doença (mais de um ano), ao “quantum doloris” (grau 5, numa escala de 1 a 7), às consequências definitivas (incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho) e à circunstância de o lesado passar a depender de terceiros para prover às suas necessidades mais básicas)  

c) Nos casos de responsabilidade civil baseada em facto ilícito, os juros de mora são devidos a contar da citação, independentemente da liquidez do crédito.

V. Decisão:

Em face do exposto, decide-se julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência:

1. Revoga-se em parte a sentença apelada, a qual se substitui por outra que condena a ré a pagar ao autor a quantia de € 271.493,86, acrescida de juros, à taxa legal, pela forma seguinte:

– sobre a quantia de € 32.203,35, desde a citação e até integral pagamento;

– sobre a quantia de € 239.290,51, desde a notificação da sentença e até efectivo pagamento.

2. Mantém-se, no mais, o que foi decidido em primeira instância.

3. Custas por apelante e apelado na proporção do respectivo decaimento.