Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | GONÇALVES FERREIRA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE POR FACTO ILÍCITO DANOS PATRIMONIAIS DANOS FUTUROS DANOS NÃO PATRIMONIAIS JUROS DE MORA | ||
Data do Acordão: | 05/19/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CELORICO DA BEIRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 494.º, 496.º, 564.º) E 805.º, N.º 3, SEGUNDA PARTE, DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | 1. É ajustado o montante de € 140.000,00 para indemnizar o dano patrimonial futuro relativo a lesado com 50 anos, que ficou totalmente incapacitado para o trabalho e auferia um salário na ordem dos € 750,00 por mês. 2. O dano não patrimonial deve ser fixado em € 100.000,00, atendendo à gravidade das lesões (fractura dos membros inferiores e traumatismo crâneo-encefálico), ao tempo de doença (mais de um ano), ao “quantum doloris” (grau 5, numa escala de 1 a 7), às consequências definitivas (incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho) e à circunstância de o lesado passar a depender de terceiros para prover às suas necessidades mais básicas) 3. Nos casos de responsabilidade civil baseada em facto ilícito, os juros de mora são devidos a contar da citação, independentemente da liquidez do crédito. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
Realizado o julgamento e fixada, sem reparos, a matéria de facto, foi proferida sentença que condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de € 311.493,86, acrescida de juros, à taxa legal, sobre o valor de € 13.420,51, desde a citação, e sobre o quantitativo de € 298.073,35, desde a notificação da sentença, em qualquer caso, até integral pagamento, e, ainda, as despesas que o autor tiver de suportar no futuro em consequência das lesões emergentes do acidente dos autos. Inconformados, a ré e o autor, mas este subordinadamente, interpuseram recurso (recebido, em ambos os casos, como apelação, com efeito devolutivo), alegaram e formularam as seguintes conclusões:
A) A ré: 61 – Em 15-09-2001, as lesões que afectavam a capacidade profissional do A. já se encontravam consolidadas – Al. W). O autor peticionou o montante global de € 467.056,19, sendo € 124.699,00 a título de danos não patrimoniais e o restante a título de danos patrimoniais. A sentença apelada fixou o valor dos danos não patrimoniais em € 100.000,00 e o dos danos patrimoniais em € 278.262,29 (correspondendo a quantia de € 91.269,29 a danos emergentes e a de € 187.000,00 a lucros cessantes, dividida esta, por sua vez, em duas parcelas, uma de € 7.000,00 e outra de € 180.000,00, respeitante a primeira ao que o autor deixou de auferir até à data da alta e a segunda aos danos futuros), num total, portanto de € 378.262,29. A apelante não questionou a existência dos danos, mas, tão-só, os montantes estabelecidos na sentença, que considerou demasiado elevados, tendo proposto, em sua substituição, o valor de € 62.500,00 para os danos não patrimoniais e o de € 125.000,00 para os danos patrimoniais. Começando pelos danos patrimoniais, há que dizer, antes de mais, que a alegação da apelante é muito pouco explícita, já que não discrimina os montantes que considera ajustados para cada qual dos referidos item nem avança os critérios que, eventualmente, lhe poderiam dar razão. Aparentemente, é muito reduzida a sua convicção na bondade da solução que propõe, porque a sua argumentação se limitou a, apenas, isto: “Relativamente a esta questão e mesmo considerando os factores apontados na sentença de que ora se recorre, não podemos deixar de incluir como factores a ter em consideração, o do destinatário(s) da indemnização ser um, e o do denominado esgotamento do capital, e de igual modo confrontando ou ponderando decisões judiciais, com o devido respeito julga-se equitativa a compensação de € 125.000,00”. Mas como os tribunais não podem deixar de decidir, prossigamos. Em sede de obrigação de indemnizar vigora o princípio da reconstituição natural, plasmado no artigo 562.º do Código Civil (diploma a que pertencerão os demais preceitos s citar doravante sem qualquer menção de origem), nos termos do qual o lesado deve ser colocado na situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido o evento lesivo. Mas como a reposição em espécie nem sempre é possível, seja por razões materiais (morte da pessoa ou destruição de coisa não fungível), seja por questões de insuficiência (porque não cobre todos os danos, por exemplo), seja por via da sua inadequação (em casos de excessiva onerosidade para o devedor), há que recorrer, então, à indemnização em dinheiro (artigo 566.º), a calcular em função da chamada “teoria da diferença”: diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra devido ao facto lesivo e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse sofrido o dano (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 7.ª edição, páginas 902 e seguintes, e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª edição refundida, páginas 524 e seguintes). O dever de indemnizar abrange não só o prejuízo causado (dano emergente), como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucro cessante), onde se compreendem os próprios danos futuros, desde que sejam previsíveis (artigo 564.º). Como se disse, a sentença arbitrou a importância de € 91.262,29, a título de danos emergentes, e a de € 187.000,00, a título de lucros cessantes, tendo subdividido esta última em duas parcelas: uma de € 7.000,00, relativa a perdas salariais durante o período de incapacidade temporária (desde o acidente até à data da alta), e outra de € 180.000,00, respeitante ao dano patrimonial futuro (perda total da capacidade de trabalho). Não tendo sido impugnada a matéria de facto, a importância referente aos danos emergentes não sofre a menor dúvida, provado que está que o apelado pagou € 77.842,39 a pessoa que o ajuda diariamente, despendeu € 3.730,81 em medicamentos e tratamentos médicos, € 3.083,28 em transportes, estadia e alimentação para ir a consultas e tratamentos e € 1.536,42 em apoio domiciliário e viu destruídos a respectiva viatura e diversos outros objectos, aquela no valor de € 4.500,00 e estes no de € 570,00. Trata-se de prejuízos resultantes do acidente, no montante de € 91.262,29, o valor que foi atribuído, e cuja ressarcibilidade não oferece dúvidas, em face do que dispõe a primeira parte do n.º 1 do artigo 564.º. No que toca às perdas salariais durante o período de incapacidade temporária, se o montante achado (€ 7.000,00) peca por alguma coisa, só poderá ser por defeito. Provado que o apelado auferia € 549,04 por mês, ao fim de 442 dias auferiria € 8.089,18, fazendo a conta a, apenas, 12 meses por ano; se se considerassem 14 meses, como é regra, e o vencimento já decidido pela sociedade, superior em cerca de € 150,00 ao da altura do acidente, então a perda ultrapassaria os € 12.000,00. Sendo assim, não se vê como reduzir, nesta parte, o montante indemnizatório. Deste modo, a redução só poderia ter cabimento em relação ao dano patrimonial futuro. No que a este tange, e para respeitar o enquadramento legal da reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562.º do CC), o critério a seguir será o de achar uma indemnização em dinheiro que corresponda a um capital gerador de rendimento equivalente ao que o lesado deixará de auferir, mas que se extinga no período provável de vida activa (acórdãos do STJ de 04.06.98, BMJ 478, página 344, de 15.12.1998, CJ de Acórdãos do STJ, Ano VI, Tomo III, página 155, de 25.06.02, mesma CJ, Ano X, Tomo II, página 128, de 20.11.03, mesma obra, Ano XI, Tomo III, página 149, e de 22.09.05, obra citada, Ano XIII, Tomo III, página 38). A solução que tem sido entendida como mais adequada para achar o cálculo dessa indemnização é a que parte de determinadas fórmulas matemáticas, mas sempre sujeitas ao tempero da equidade (artigo 566.º, n.º 3, do CC), até porque como se escreveu no citado acórdão de 22.09.05, “essas tabelas assentam em elementos em constante mutação, como as taxas de juro, a própria taxa de incapacidade, tendo em conta os progressos espectaculares da medicina, da cirurgia e da indústria de próteses, a evolução da economia, o salário dos lesados, aquando do acidente, a esperança de vida”. Haverá que atender ao tempo provável de vida activa – que a jurisprudência, não obstante algumas oscilações, tem vindo, ultimamente, a situar nos 70 anos, como sucedeu, por exemplo, no referido acórdão de 22.09.05 –, à incapacidade de que o lesado ficou portador, ao salário auferido e à taxa de juro praticada pelas instituições bancárias. À data da alta (terá de ser esta a data a considerar, uma vez que a sentença liquidou as perdas até essa altura) o autor estava prestes a completar 50 anos (faltavam oito dias para tanto), o que quer dizer que a esperança de vida activa era de 20 anos; a incapacidade para o trabalho foi total; auferiria, se estivesse a trabalhar, € 550,00 mensais (valor que já tinha sido decidido quando o acidente ocorreu), a que acresceriam benesses no valor de € 150,00 (utilização de veículo e de telemóvel, alimentação e outras despesas); a taxa de juro, finalmente, pode chegar, hoje, a mais de 5% (consoante o banco e o valor e tempo do depósito), embora deva admitir-se como mais razoável e usual a de 4%. Considerando um salário anual de € 9.800,00 (€ 700,00x14), um tempo provável de vida activa de 20 anos e um coeficiente de incapacidade de 100%, atingir-se-ia uma perda salarial de € 196.000,00. Mas se, por outra via, se procurasse determinar o capital necessário para, ao juro de 4% ao ano, obter o rendimento de € 9.800,00/ano, achar-se-ia o montante de € 245.000,00. Em qualquer dos casos, haverá que ponderar, por um lado, que a duração da vida é incerta e que o lesado recebe de uma só vez aquilo que receberia, faseadamente, ao longo do tempo, e, por outro, que a vida física se prolonga, por regra, para além da vida laboral, que os salários e o custo de vida têm tendência a aumentar e que a vida activa acarreta gastos que a situação de inactividade não exige. A que acresce, na segunda hipótese, a falada necessidade do esgotamento do capital no fim da vida activa. O que, tudo sopesado, haverá de conduzir a uma redução razoavelmente expressiva dos montantes achados à luz dos cálculos indicados. A verba de € 140.000,00 será, porventura, a mais equitativa para ressarcir os danos no caso concreto, estando, aliás, muito em linha com o decidido pelo nosso mais alto Tribunal em casos idênticos. No acórdão de 27.01.2005 (revista n.º 4135/04), por exemplo, arbitrou-se a quantia de € 275.000,00, em hipótese em que o lesado ficou tetraplégico, auferia o mesmo que o ora apelado, mas cujo período de vida activa atingia o dobro, ou seja, 40 anos. No acórdão de 11.12.2003 (revista 3923/03), por seu turno, fixou-se a indemnização de 50.000.000$00 (cerca de € 250.000,00), ficando o lesado paraplégico, com uma IPP de 70% e vencendo € 500,00 por mês, mas tendo, apenas 17 anos de idade, o que quer dizer que o período previsível de vida activa era de 53 anos, logo, mais de duas vezes e meia do que o que se verifica no caso presente. E no acórdão de 22.09.2005, acima referido, onde vêm citados estes dois exemplos, a indemnização foi de € 180.000,00, estando a lesada paraplégica, tendo uma IPP de 80%, auferindo o salário mensal de 68.031$00 (14 vezes por ano) e com um período de vida activa de 51 anos, pois que tinha, apenas, 19. Visando, também, como não poderia deixar de ser, a desejável uniformidade de julgados, fixa-se, portanto, a indemnização pelo dano patrimonial futuro em cento e quarenta mil euros.
Relativamente ao dano de natureza não patrimonial, cuja ressarcibilidade depende da sua gravidade, os critérios para a sua fixação encontram-se estabelecidos no artigo 496.º e 494.º do CC; a regra base é a equidade, tendo em atenção as circunstâncias do caso, de que avultam o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado e outras que se tenham apurado. “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo …, e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” (Antunes Varela, ob. cit., 600). “A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” (autor e obra citados, página 602). A indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, por isso que, não pode ser miserabilista, mas significativa (acórdão do STJ de 25.06.02, supra mencionado; em igual sentido, o acórdão do mesmo Tribunal, de 12.03.09, pesquisado na Internet). No seu cálculo intervém, sobretudo, critérios de equidade (mas fundados nas circunstâncias do caso concreto), de proporcionalidade (em função da gravidade do dano), de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, página 449). “(…) pretende-se encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal … a equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio” (Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2.ª edição, páginas 103/105). Para as circunstâncias do caso, hão-de relevar a natureza e o grau das lesões, as suas sequelas (físicas e psíquicas), os tratamentos médicos, mormente intervenções cirúrgicas, os internamentos, o tempo de doença, o “quantum doloris”, a afirmação social, a alegria de viver, a auto estima, a idade, a esperança de vida e perspectivas de futuro (acórdão do STJ de 02.10.2007, CJ do STJ, Ano XV, Tomo III, página 68). Revertendo ao caso dos autos, temos que foi muito grave a culpa do segurado da ré (culpa grosseira), que é (ou era até à data do sinistro), aparentemente, mediana a situação económica do lesado e elevada a da obrigada a da apelante, como o é, notoriamente, a das companhias de seguros. Quanto às circunstâncias do caso, é este o quadro fáctico apurado: Em consequência do embate, o autor ficou em estado de coma, tendo sido de imediato conduzido ao Centro de Saúde de Celorico da Beira e, de seguida, transportado para o Hospital da Guarda, de onde veio ser transferido para os Hospitais da Universidade de Coimbra, onde se manteve internado durante 30 dias, vindo, depois, a ser transferido para os Hospitais de Santo António e de São João, no Porto, Macedo de Cavaleiros e, finalmente, para o Hospital de Bragança. Sofreu fractura do fémur, tíbia e perónio esquerdo e direito, lesão da rótula direita, fractura do maxilar e traumatismo crâneo-encefálico, com afundamento da região frontal direita. Devido à fractura da tíbia e do perónio esquerdo, jamais conseguirá andar sem que o seja com o auxílio de canadianas. Ficou, também, com dificuldade de marcha o que, em termos técnicos, se traduz em hiperreflexia bilateral associada a ligeira parapésia de predomínio esquerdo associada a limitação de dorsiflexão do pé direito. Em consequência das mazelas mencionadas, teve que ser novamente operado às pernas, para retirada de material de osteosíntese. Esteve, desde 01.07.2000 até 26.11.2000, em situação de incapacidade temporária geral total, num total de 199 dias, e desde 27.11.2000 até 11.07.2001 e desde 01.09.2001 até 15.09.2001, em situação de incapacidade temporária geral, num total de 242 dias. De 10.07.2000 a 15.09.2001, esteve em situação de incapacidade temporária profissional total, num total de 442 dias. Sofreu, durante o período de incapacidade temporária, dores fixáveis no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente. Em virtude do embate, ficou com uma incapacidade permanente geral de 45%. Ficou, ainda, com sequelas que afectam a imagem que tem de si próprio e perante os outros num grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente. Tem, desde a data da alta, uma ferida aberta, em purga contínua, a qual necessita de acompanhamento e tratamento médico diário, apesar das intervenções cirúrgicas. Em 15.09.2001, continuava a fazer tratamento diário à ferida da perna. Ficou com perdas de memória, cefaleias, tonturas, irritabilidade e cansaço fácil, o que, em termos técnicos, se traduz em deterioração marcada das funções nervosas superiores, com desinibição e alterações graves da memória anterógada e discurso interactivo. Sofreu lesões neurológicas que lhe afectam as funções cognitivas. Devido a tais lesões, tem necessidade de tomar medicamentos até ao resto da sua vida, na expectativa de conseguir reactivar tais funções, encontrando-se medicado com Medipax, Idecortex e Protiadene. Tem dificuldades de concentração e de memória, o que o torna incapaz para o exercício de qualquer actividade laboral e lhe causam dificuldades no relacionamento interpessoal. Mercê das sequelas de que ficou portador, não reconhece, por vezes, as pessoas e passa o seu dia-a-dia a executar actos desconexos e outros próprios de criança. Executa serviços de mecânica sem qualquer conexão, por se imaginar no seu local de trabalho. Perdeu a capacidade de avaliar a necessidade de tratar da sua higiene, assim como de mudar de roupa e adquirir outra, e deixou de conseguir tratar da sua alimentação. Perdeu a noção do manuseamento de materiais e produtos, assim como no uso do fogo, electricidade e gás. Encontra-se dependente da ajuda de terceira pessoa. Vivia, em 17.10.2002, pelos menos, da ajuda de familiares. Que o vestem, calçam, alimentam, transportam e lhe pagam os serviços de terceira pessoa. Pelo menos a 17.10.2002, encontrava-se dependente da ajuda de terceira pessoa. Em consequência do embate e referidas sequelas, teve e vai ter, até à morte, dores e desgostos. Deixou de efectuar trabalhos agrícolas que antes realizava. À data do embate, era saudável, alegre, bem constituído, tinha um corpo sem cicatrizes e qualquer mácula e, em consequência do embate e das respectivas sequelas, tornou-se uma pessoa apática. Em resultado do embate e subsequentes mazelas, e desde a sua ocorrência, não mais exerceu qualquer profissão, nem poderá vir a exercer, qualquer que ele seja, até à sua morte. Por isso, vendeu a sua quota e renunciou às funções de gerente numa sociedade, que constituía a sua única fonte de rendimento. O A nasceu no dia 23-10-1951. O quadro factual acabado de descrever é, indiscutivelmente, de extrema gravidade; as lesões foram extensas e não completamente debeladas, os tratamentos e os períodos de internamento prolongados, as intervenções cirúrgicas repetidas, o “quantum doloris” intenso, as sequelas anátomo-funcionais pesadíssimas e o futuro angustiante, pelas dores que vai sentir para todo o sempre, pela limitação da mobilidade, pela incapacidade de trabalhar e de, assim, ganhar o próprio sustento e, sobretudo, pela dependência da ajuda de terceiros para prover às necessidades mais básicas. A apelante acha exagerado o montante indemnizatório fixado em 1.ª instância, estribada em decisões do Supremo Tribunal de Justiça para casos que considera semelhantes, onde os valores se situaram, em média, nos € 62.500,00. Há que admitir, no entanto, que cada caso é um caso, como costuma dizer-se, e que a jurisprudência vai evoluindo, em função, até, das condições sócio-económicas e da inerente necessidade da actualização de valores, assistindo-se, nos últimos tempos, à atribuição de indemnizações na ordem dos € 100.000,00. Foi o que sucedeu nos acórdãos do STJ de 22.09.05 (que refere dois outros arestos, onde foi arbitrado o mesmo valor) e de 12.03.09, acima referidos. Trata-se, em qualquer deles, de situação muito grave, no primeiro, de uma jovem de 19 anos que ficou paraplégica e, no segundo, de uma lesada de 32 anos, que se locomove, mas claudicando, ficou impedida de exercer a sua profissão habitual (cozinheira), mas pode exercer outras, necessitará, no futuro, de assistência médica e medicamentosa e tem de recorrer a ajuda de terceiros para a realização de algumas tarefas básicas. Em relação a este último caso, a situação do autor é mais grave, na medida em que ficou impedido, para sempre, de exercer qualquer profissão e necessita, em permanência, do auxílio de terceiros. Em contraposição, é mais velho em cerca de vinte anos. Neste condicionalismo, não se vê razão divergir quanto ao montante, pelo que se aceita como correcto o de € 100.000,00 fixado em 1.ª instância.
B) Recurso subordinado (do autor)
a) Os juros de mora
Na sentença decidiu-se que a obrigação de juros não incidiria sobre a indemnização do lucro cessante, nem sobre os montantes pagos pelo autor a terceira pessoa a partir da citação, mas, tão-só, da notificação da sentença, por não ter sido deduzido o pertinente pedido, esclarecendo-se que os eventuais juros teriam de ser contabilizados mês a mês, sendo que no articulado superveniente, onde se fez a liquidação, não foi formulado o pedido de juros. Nessa medida, a condenação, reportada à data da citação, só abrangeu a importância de € 13.420,51, correspondente ao dispêndio em medicamentos e tratamentos médicos (€ 3.730,81), transportes, estadia e alimentação (€ 3.083,28), apoio domiciliário (€ 1.536,42), objectos pessoais estragados (€ 570,00) e valor do veículo (€ 4.500,00). A tese do autor é a de que na petição inicial foi liquidada a importância de € 52.277,64, correspondendo às quantias parcelares de € 23.942,29 (aquilo que deixou de receber, em salários, desde o acidente até 1 de Julho de 2002), € 7.482,00 (valor do veículo que ficou destruído), € 720,00 (objectos e roupa estragados), € 5.219,30 (despesas de assistência) e € 14.914,05 (dispêndio com terceira pessoa), pelo que deve ser essa a importância a considerar para efeito de condenação em juros a partir da citação. Aparentemente, nem a ex.ma juiz signatária da sentença nem o autor se lembraram de que nos casos de responsabilidade civil baseada em facto ilícito, como é o caso, os juros de mora são devidos a contar da citação, independentemente da liquidez do crédito (artigo 805.º, n.º 3, segunda parte, do Código Civil; neste sentido, o acórdão do STJ de 25.06.02, antes referenciado). Limitada, que está, a cognição desta Relação pelas conclusões do recurso, há, apenas, que decidir se os juros de mora contados desde a citação deverão incidir ou não sobre as importâncias referidas pelo autor. É claro que a resposta não pode deixar de ser positiva (embora não no exacto quantitativo pretendido) em face do disposto no mencionado preceito legal. Mas sê-lo-ia, ainda que assim não fosse, na justa medida em que o valor dos danos chamado à colação pelo autor foi, efectivamente, liquidado na petição inicial, situação em que a ex.ma juiz não terá atentado. O seu montante é que é inferior ao que o autor indica, porque a quantificação dos danos não atingiu os valores peticionados; de facto, só as despesas de assistência e o dispêndio com terceira pessoa chegaram aos valores pedidos (€ 5.219,30 e € 14.914,05, respectivamente), ficando as restantes abaixo do requerido: € 7.000,00, € 4.500,00 e € 570,00 para os salários perdidos, destruição do veículo e objectos e roupa estragada, respectivamente, em vez dos € 23.942,29, € 7.482,00 e € 720,00 reclamados. O montante global é pois, de € 32.203,35 e não de € 52.277,64. Procede, portanto, em parte, a pretensão do autor.
Em conclusão, a sentença será parcialmente revogada, condenando-se a apelante a pagar ao apelado a indemnização global de € 271.493,86 (sendo € 171.493,86 de danos patrimoniais e € 100.000,00 de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, à taxa legal: – sobre a quantia de € 32.203,35, desde a citação e até integral pagamento; – sobre a quantia de € 239.290,51, desde a notificação da sentença e até efectivo pagamento. Em tudo o mais, haverá de manter-se a sentença recorrida.
IV. Síntese final:
a) É ajustado o montante de € 140.000,00 para indemnizar o dano patrimonial futuro relativo a lesado com 50 anos, que ficou totalmente incapacitado para o trabalho e auferia um salário na ordem dos € 750,00 por mês. b) O dano não patrimonial deve ser fixado em € 100.000,00, atendendo à gravidade das lesões (fractura dos membros inferiores e traumatismo crâneo-encefálico), ao tempo de doença (mais de um ano), ao “quantum doloris” (grau 5, numa escala de 1 a 7), às consequências definitivas (incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho) e à circunstância de o lesado passar a depender de terceiros para prover às suas necessidades mais básicas) c) Nos casos de responsabilidade civil baseada em facto ilícito, os juros de mora são devidos a contar da citação, independentemente da liquidez do crédito.
V. Decisão:
Em face do exposto, decide-se julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência: 1. Revoga-se em parte a sentença apelada, a qual se substitui por outra que condena a ré a pagar ao autor a quantia de € 271.493,86, acrescida de juros, à taxa legal, pela forma seguinte: – sobre a quantia de € 32.203,35, desde a citação e até integral pagamento; – sobre a quantia de € 239.290,51, desde a notificação da sentença e até efectivo pagamento. 2. Mantém-se, no mais, o que foi decidido em primeira instância. 3. Custas por apelante e apelado na proporção do respectivo decaimento. |