Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1045/04.7TBILH-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
FACTOS SUPERVENIENTES
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 07/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ÍLHAVO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 813º, N.º3 DO CPC E 7º DA LULL
Sumário: 1. Quando a matéria da oposição à execução seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respectivo facto ou dele tenha conhecimento o opoente.
2. No primeiro caso, a superveniência é objectiva e no segundo é subjectiva.
3. Cabe ao opoente a prova dos factos que constituem a superveniência.
4. Tendo sido dada à execução uma livrança, e não tendo sido deduzida oposição no prazo previsto no n.º 1 do art. 813º do CPC, antolha-se manifestamente improcedente a alegada superveniência subjectiva da oposição por parte do opoente avalista, fundada a oposição na excepção da assinatura falsificada.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:




I)- RELATÓRIO


A A..... instaurou, em 12.11.2004, no Tribunal Judicial de Ílhavo, execução para pagamento de quantia certa, contra B.....e marido C..... e ainda contra D....., servindo de título executivo duas livranças, uma com o valor inscrito de 600.000$00 e a outra com o valor inscrito de € 23.464,18, emitidas, respectivamente, em 93.10.12 e 93.07.13, a favor da Exequente ou à sua ordem.
As livranças foram assinadas pelos Executados B.....e C....., na qualidade de subscritores, e no verso das livranças consta o dizer “Dou o meu aval aos subscritores”, seguido da assinatura D......

No dia 28.11.2005 foi penhorado o prédio urbano-fracção autónoma L -4º Dir., destinado a habitação, tipo T3, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro-2 sob o n.º 01624/231097-L e inscrito sob o art. n.º 2168 no Serviço de Finanças de Aveiro-2, pertencente à Executada D......

Foi a Executada D.....citada, em 28.12.2005 para, no prazo de 20 dias, pagar ou para se opor à execução e, no mesmo prazo, opor-se à penhora.
A dita Executada não deduziu qualquer oposição no aludido prazo.

Porém, por articulado que deu entrada no Tribunal, no dia 22.02.2008, a Executada D.....deduziu oposição à execução e à penhora, com os seguintes fundamentos:
-Trabalha por conta da Executada B......
-Quando foi citada para a execução foi-lhe entregue um conjunto de folhas, mas em nenhuma delas constava o verso das livranças dadas à execução.
-Sabia que tinha dado o aval a uma livrança no valor de 600.000$00, e após receber a dita citação (incompleta) confrontou os co-executados (seus patrões) com tal citação, referindo estes que não devia preocupar-se, porque já tinham negociado com o Banco credor e a execução iria ser suspensa, pagando a dívida em prestações e ainda porque a Opoente só era responsável pela livrança de 600.000$00.
-Num dos últimos dias do mês de Dezembro de 2007 recebe uma notificação da Solicitadora de Execução a fim de indicar a modalidade da venda pretendida.
-Ficou alarmada e voltou a falar com os co-executados que repetiram os argumentos iniciais, tendo posto de imediato fim à procuração do seu anterior Mandatário e pedir ao Tribunal a suspensão do processo para poder constituir novo Mandatário.
-Acompanhada do novo Mandatário consultou o processo, no dia 07.02.2008, e nessa altura verificou que a assinatura que consta no verso da livrança no valor de € 23.464,18 não foi feita por si sendo uma falsificação grosseira da sua assinatura.
-E não se compreende que tal livrança, com a data de 13.07.93 esteja já emitida em euros, quando tal moeda só entrou em circulação vários anos depois, como não se compreende que a essa livrança, com a data mais antiga em relação à outra, corresponda um financiamento mais recente.
-Confrontou os co-executados com o facto de a dita livrança estar (apesar da falsificação) pretensamente por si avalizada, referindo aqueles que era impossível o empréstimo, pois o empréstimo n.º 1034, mencionado na livrança, foi constituído com base numa livrança no valor de 1.800.000$00 e cujo valor foi preenchido pelo punho do co-executado C......
Conclui que a oposição deve ser julgada procedente em face da falsificação que invoca e cujo conhecimento é superveniente.

Seguidamente foi proferido despacho a indeferir liminarmente a oposição por intempestiva, ao abrigo do disposto no art. 817º, n.º1, alínea a) do CPC.

Inconformada com tal decisão, apelou a Executada, pugnando pela sua revogação e culminando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1ª-A oposição deduzida apela Apelante devia ter sido admitida e julgada procedente por ter sido atempadamente apresentada.
2ª-Pois, a não ser assim, e no pressuposto da verificação da falsificação, caso o processo executivo prossiga os seus termos normais e a venda da habitação da Apelante se venha a concretizar, tal redundará num mal irreparável, que configurará uma intolerável violação dos mais elementares princípios dos direitos da Apelante.
3ª-O douto despacho recorrido violou o preceituado no n.º3 do art. 813º do CPC.

A Exequente contra-alegou em defesa do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



II)- OS FACTOS e o MÉRITO DO RECURSO


Delimitado que é o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 690º, n.º1, 684º, n.º3 e 660º, n.º2, parte final, todos do CPC), a única questão decidenda consiste em saber se é tempestiva a oposição deduzida contra a execução e penhora.

Os factos com interesse ao julgamento do recurso foram acima relatados enquanto dinâmica processual, considerando-se aqui reproduzidos.

Prescreve, a este respeito, o art. 813º, n.º1 do CPC que “o executado pode opor-se à execução no prazo de 20 dias a contar da citação, seja esta efectuada antes ou depois da penhora”. E segundo o n.º2 “com a oposição à execução cumula-se a oposição que o executado, que antes dela não tenha sido citado, pretenda deduzir, nos termos do art. 863º-A”. E nos termos do n.º3 “quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respectivo facto ou dele tenha conhecimento o opoente”.

Como se vê do articulado de oposição, vem alegada a superveniência da matéria da oposição. Na verdade, como resulta do citado n.º3, é admissível uma oposição superveniente, ou porque a matéria da oposição ocorreu depois do prazo de 20 dias a contar da citação do executado ou porque a matéria da oposição ocorreu anteriormente ao decurso do mesmo prazo, mas o executado só dele tomou conhecimento em data posterior.
No primeiro caso estamos face a uma superveniência objectiva e no segundo face a uma superveniência subjectiva. E como é evidente, cabe ao opoente a prova dos factos que constituem a superveniência da matéria da oposição, tal como a lei adjectiva dispõe relativamente ao articulado superveniente (parte final do n.º2 do art. 506º do CPC).

No caso vertente, a Opoente alega que no acto da citação, ocorrida em 28.12.2005, lhe foi entregue um conjunto de folhas, mas em nenhuma dessas folhas constava o verso das livranças, conforme documento que junta, apenas constando a face anterior das duas livranças. E só no dia 07.02.2008, ao consultar o processo, acompanhada de um novo Mandatário, verificou que a assinatura constante do verso da livrança no valor de € 23.464,18, não foi feita pelo seu próprio punho, tendo sido falsificada. Ou seja, conforme alega, só nessa data tomou conhecimento da falsificação da sua assinatura e daí que o prazo da oposição de 20 dias deve ser contado desde esse dia, estando, por isso, em tempo a oposição que deu entrada no Tribunal em 22.02.2008.


Afinal, poderá concluir-se que o alegado fundamento de oposição à execução qualifica superveniência subjectiva?
Contra a ora Opoente foi movida execução na qualidade de obrigada cambiária, sendo pressuposto indispensável de tal responsabilidade a assinatura. E tratando-se de aval é este escrito nos termos e pela forma constante do art. 31º da LULL, norma esta aplicável às livranças (art. 77º, parte final). Isto é, a ora Opoente, uma vez demandada naquela qualidade, não devia ignorar que a sua assinatura devia constar das duas livranças que servem de título executivo. E apesar de alegar que, no acto da citação, na cópia dos documentos entregues pela Solicitadora de Execução não constava o verso das duas livranças. A ser verdade que da cópia das livranças não constava o respectivo verso, mas apenas a sua face anterior, sendo obrigatória a entrega da cópia integral dos documentos ao citando (n.º1 do art. 235º do CPC), caberia à Opoente arguir a nulidade da citação no prazo da contestação (n.ºs 1 e 2 do art. 198º do CPC), não o tendo feito, porém. E, como consta da oposição deduzida, a Opoente reconhece logo se ter apercebido da falta de cópia do verso das livranças, mas não se preocupou porque os co-executados (seus patrões) já tinham negociado com o Banco Exequente o pagamento das quantias em prestações e a execução iria ser suspensa, como resulta dos n.ºs 2 a 6.


Demandada a Opoente com base em duas livranças, juntas com o requerimento executivo, mas não devendo ignorar, como se referiu, que sua assinatura devia constar desse títulos de crédito, a arguição da falsidade da sua assinatura numa delas, devia ser feita no prazo da contestação, isto é, no prazo de 20 dias indicado na nota de citação (n.º2 do art. 544º do CPC). Caso a Opoente não se considerasse obrigada a pagar a letra no montante de € 23.44,18, como agora afirma, naquele prazo da contestação deveria averiguar a razão de ser da responsabilidade cambiária que lhe era imputada pela Exequente e expor as razões da sua discordância. E nada obstava, na verdade, a que opusesse à Exequente, mesmo de boa fé, a excepção in rem da assinatura falsificada que, a proceder, teria como efeito a nulidade da obrigação daquele a quem a assinatura respeita (art. 7º da LULL). Mas, como já se frisou, a Opoente não deduziu oposição à execução no prazo de 20 dias previsto no n.º1 do art. 813º do CPC.


Carece, pois, de qualquer sentido, ou antolha-se manifestamente improcedente, a alegada superveniência subjectiva da oposição fundada na excepção da assinatura falsificada aposta numa das livranças, porque o conhecimento da falsificação da assinatura terá de coincidir no tempo com a entrega de cópia desses títulos no acto da citação. Com efeito, a vinculação cambiária pressupõe necessariamente a aposição de uma assinatura no título de crédito. Não é conjecturável, pois, que a Opoente só tenha conhecimento da alegada falsidade da sua assinatura após o decurso do prazo de 20 dias a contar da citação. Não podendo a factualidade alegada caracterizar superveniência subjectiva, a oposição à execução só poderia ser liminarmente indeferida, como foi, porque deduzida fora de prazo.


III)- DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão impugnada.
Custas a cargo da Recorrente.
COIMBRA,

(Relator- Ferreira de Barros)

(1º Adj.- Des. Helder Roque)

(2º Adj.- Des. Távora Victor)