Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
129/08.7TTAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: DIREITO AO TRABALHO
CLÁUSULA CONTRATUAL
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
DEVER DE LEALDADE
Data do Acordão: 11/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DO TRABALHO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 20º/1 E 36º/1, DA LCT; 121º/1 E 146º/1, DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2003; 128º/1 E 136º/1, DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2009
Sumário: I – O exercício da liberdade de trabalho, entendido como a liberdade de escolha da profissão ou do género de trabalho, dependente ou independente, em qualquer das suas modalidades ou expressões, concretiza o princípio constitucional do direito ao trabalho, com assento nos artºs 47º/1 e 58º/1, da Constituição.

II – Durante a vigência do contrato de trabalho o trabalhador está obrigado ao dever de lealdade ao empregador – artº 20º/1, d), da LCT; 121º/1, e), do Código de Trabalho de 2003; 128º/1, f), do Código de Trabalho de 2009 – nele se compreendendo expressamente a proibição de negociar por conta própria ou alheia, em concorrência com aquele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.

III – O artº 36º, nº 1, da LCT, dispunha que são nulas as cláusulas dos contratos individuais de trabalho e das convenções colectivas de trabalho que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício do direito ao trabalho, após a cessação do contrato.

IV – Hoje existe previsão homóloga no artº 136º do Código de Trabalho de 2009, praticamente decalcada do artº 146º do Código de Trabalho de 2003.

V – Embora sejam nulas as cláusulas de contrato de trabalho que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício da liberdade de trabalho, não deixa de ser lícito convencionar, após a sua cessação, a limitação da actividade do trabalhador no período máximo previsto (antes de 3 e presentemente de 2 anos) subsequente à cessação do contrato de trabalho, desde que reunidas (cumulativamente) as impostas condições – cláusulas ou pacto de não concorrência.

VI – Com efeito, a cessação da relação de trabalho não significa o fim dos riscos de exercício de actividades concorrenciais por banda do ex-trabalhador, o que permanecerá para além da cessação da relação juslaboral (dever geral de lealdade pós-eficaz, de conteúdo indefinido, embora contido nos limites da proibição de concorrência desleal).

VII - São coisas distintas “o pacto de não concorrência” – que visa acautelar, por certo tempo, o prejuízo decorrente do exercício de actividade concorrencial e o risco de indefinição entre as situações ilícitas de utilização de informação reservada ou confidencial e o normal exercício dos conhecimentos profissionais e técnicos adquiridos pelo desempenho e experiência, constitutivos estes do chamado património profissional do trabalhador – e as chamadas “cláusulas de confidencialidadeque visam apenas impedir a divulgação, no subsequente período pós-contratual, de factos que não fazem parte da experiência profissional do trabalhador.

Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                         I –

1.

«A...», com sede ......, propôs contra B...., residente no ....., a presente acção declarativa com processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo:

- A condenação do R. a não mais trabalhar para a ‘C....’, determinando-se a rescisão do respectivo contrato de trabalho;

- Caso assim se não entenda, a proibição do R. de praticar actos que envolvam aceitação de clientes oriundos da carteira de clientes da A. e a condenação do mesmo “a não contactar os clientes da A. e cujos dados recolheram dos ficheiros da A., enquanto trabalhador desta”, quer esse contacto seja feito directamente ou por interposta pessoa ou em sociedade de que seja sócio, agente ou mero trabalhador – com fixação da obrigação de pagamento de sanção pecuniária por cada cliente da A. que contacte, para efeitos de deixar de ser cliente desta, para passar a adquirir produtos de outra empresa, não devendo essa sanção ser de montante inferior a € 1.000,00 por cada cliente;

- A condenação do R. a restituir-lhe o dossier de aplicações práticas (propriedade intelectual da A.), os blocos de notas com as Notas Pessoais utilizados e obtidas na sua actividade ao serviço da Empresa, e na sua maioria, contendo informação confidencial de natureza técnica, contactos com clientes e oportunidades de negócio; Um manual denominado “A.... Manual degli Organi de Comando”… e um PDA, onde o R. guardava as informações que obtinha na sua actividade de director comercial da A.

- Com fundamento na violação do contrato que celebrou com a A., a condenação do R. a pagar-lhe € 291.358,00, como indemnização de todos os prejuízos sofridos pela A. por força do comportamento ilícito do R. até ao momento;

- A condenação do R. a indemnizá-la de todos os prejuízos que vier a sofrer, bem como dos já sofridos e que não é possível quantificar neste momento, em montante a liquidar em incidente próprio.

- A condenação do R. a pagar-lhe juros legais sobre a indemnização, contados desde a citação.

Alegou para tanto, em síntese, que por contrato sem termo, reduzido a escrito em 01/12/1990, contratou o R. para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria de Engenheiro.

Da cláusula 5ª do dito contrato, consta que “O segundo outorgante compromete-se a não divulgar qualquer informação confidencial de natureza técnica, organizacional, económica e financeira, particularmente métodos de fabrico, planeamento, desenvolvimento, contactos com clientes e oportunidades de negócio, planos de marketing ou similares, a que tiver acesso em virtude das suas funções na empresa.

Este compromisso aplica-se também após o termo deste Contrato Individual de Trabalho, no que, se divulgado provocar prejuízo nos negócios da A...”.

E da cláusula 6ª que “O segundo outorgante compromete-se a não dar informações ou fazer comunicações a pessoas ou entidades fora da empresa, assim como publicar artigos relacionados com assuntos a que o segundo outorgante tenha acesso em função das suas tarefas ou actividades na Empresa, sem prévia autorização da mesma”.

Em Fevereiro de 2007, o R. tomou a iniciativa de unilateralmente rescindir tal contrato, com efeitos a partir de 06/04/2007, por carta que remeteu à A., sem invocação de justa e sem dar qualquer justificação, ao mesmo tempo que solicitava o gozo das férias a que tinha direito.

Essas férias acabaram por lhe ser concedidas a partir de 5 de Março de 2007, que gozou até 6 de Abril de 2007, sendo certo que a partir de 2 de Março de 2007 lhe foi retirado o exercício das funções que desempenhava na empresa, embora ali continuasse a comparecer diariamente.

Após a comunicação de rescisão, foi constituída uma comissão, designada “Comissão de Espólio” para receber todos os bens e documentos confiados ao R., que ainda se encontravam em seu poder.

 Em reunião com essa comissão, no dia 6 de Abril de 2007, o R. foi convidado a entregar os bens e documentos, tendo declarado não entregar “Notas Pessoais”, em virtude de as ter destruído. E tendo-lhe sido pedido para entregar os dados do seu PDA, afirmou tê-los perdido – o que veio mais tarde a contradizer. Além disso, o R. não devolveu o Dossier de Aplicações Práticas, constituído por fotografias das diferentes aplicações práticas, descrição das aplicações e dos equipamentos necessários para a realização da mesma, ou seja, toda a engenharia da aplicação e a aplicação em si mesmo.

Acresce que, há cerca de um ano, o R. pediu autorização (que lhe foi concedida), para levar para casa a Base de Dados de clientes, para poder realizar trabalho em casa, sem nunca a ter devolvido, nem informado ter destruído a cópia dos ficheiros por si utilizados.

No dia 7 de Março de 2007, foi recebido na A. um e-mail dirigido ao R., proveniente da “D......” (empresa concorrente da A.), informando o réu que, de momento, não era possível dar-lhe emprego. E-mail esse que surge em resposta a um pedido de emprego formulado pelo R. a 23 de Fevereiro anterior, exactamente para a área da venda de redutores e conversores de frequência, ou seja, a actividade que ele desempenhava na A.

Verificou então a A. que, ao contrário do que afirmara, o R. andava à procura de emprego em empresas concorrentes e eventualmente usando elementos que colhera na A.

 Por isso, em 29 de Março de 2007, dirigiu-lhe uma carta, alertando-o para as obrigações contratuais por ele assumidas.

Em 17/04/2007, o R. telefonou a dois ex-colegas, ainda ao serviço da A., declarando ir trabalhar com a concorrência, mais exactamente para a “ C...”, que é uma empresa concorrente da A. e que na sua publicidade, já refere o R. como seu representante a contactar.

O R. anda a divulgar e publicitar via e-mail os produtos da “ C...” junto dos clientes da A., empresas de que o R. conhece os dados, por força das funções que desempenhou na A.

Em 19/04/2007, um dos principais clientes da A. telefonou a informar que tinha sido contactado pelo R., que lhe comunicou que estava já a trabalhar para a concorrência, manifestando intenção de o visitar, para iniciar relações comerciais.

Trata-se de um cliente que só compra praticamente à A., representando 10% do volume total de negócios desta.

Nos dias seguintes, confirmou-se que o R. tinha iniciado uma campanha intensa junto dos principais clientes da A., a qual não seria possível sem recorrer às informações constantes da Base de Dados que obteve na A.

Além disso, começou a tentar desviar os funcionários da requerida para irem trabalhar com ele, fazendo-o com dois trabalhadores da A. Do mesmo modo, contactou um antigo funcionário da A. (responsável da área de vendas em Lisboa), para desempenhar as mesmas funções nessa área.

Deste modo, é evidente que o R., em violação das obrigações por ele assumidas, divulgou dados que obteve na A. e que ilegitimamente mantém em seu poder, utilizando-os para seu benefício, enquanto ao serviço de empresa concorrente da A.

Em Outubro de 2007, foi constituída a sociedade “C,,,.ª”, sociedade comercial detida a 100% por empresas “C...”, sendo a gerência atribuída, entre outros sócios não residentes, ao ora R.

O R., porque conhece a prática comercial da A., os preços por esta praticados, bem como os critérios para a formação desses preços, tem vindo a desviar a clientela da A., contra os usos honestos da prática comercial, causando assim, lesões patrimoniais graves e dificilmente reparáveis na actividade comercial da A.

Continuando a servir-se dos ficheiros a que teve acesso no tempo em que era empregado da A.

Tendo já contactado todas as 20 melhores clientes da A., que bem conhece, dos anos em que exerceu as funções de director comercial da A.

Além disso, conhece também as margens de preços praticados pela A., relativamente a esses melhores clientes, fazendo então preços concorrenciais. Foi o que sucedeu com a empresa ‘E...’, em que a A. perdeu um negócio de € 57.500,00 para a C..., por força do conhecimento antecipado dos preços propostos pela ora A.

Bem como um negócio com a ‘F..... , no valor aproximado de € 200.000,00, porque o conhecimento dos preços praticados pela A. para clientes especiais, lhe permitiu fazer preços mais baixos, que a A.

Não pode quantificar com exactidão o valor perdido com este negócio, por não ter informação exacta do que foi efectivamente comprado pelo cliente em causa.

Para evitar novos insucessos e não perder nenhum dos 20 melhores clientes, que correspondem sensivelmente a 80% da sua facturação, a A. teve de rever a sua tabela de preços, conhecida do R., esmagando-os ainda mais. Assim conseguindo obviar a outras perdas de negócios, no que se traduziu num prejuízo de € 233.858,00.

Em ordem a obviar a outros prejuízos, pretende a condenação do R., nos termos peticionados.

Não foi possível a obtenção de acordo, em sede de audiência de partes.

2.

A R. contestou, impugnando a versão dos factos apresentada pela A. e defendendo que rescindiu unilateralmente o contrato que o ligava à A. porque foi coagido e manipulado para tal, deixando de ter condições psíquicas para exercer tal actividade.

Entregou todos os bens e documentos que tinha na sua posse.

Não tinha acesso a nenhuma informação sigilosa ou confidencial sobre os métodos de fabrico da A. (os equipamentos são fabricados na Alemanha e importados para Portugal em peças ou já prontos a entregar aos clientes).

No que concerne ao Dossier de Aplicações Práticas, trata-se de documentos comerciais, que servem de promoção da actividade da empresa para clientes e potenciais clientes, que não contem informações técnicas sobre a engenharia de aplicação do produto. Contudo, entregou toda essa documentação, até porque não tinha interesse nenhum nela.

No que concerne ao PDA, o mesmo é seu, e nele continha informação pessoal, pelo que não é lícito à A. solicitar a entrega do referido equipamento.

A base de dados estava instalada no computador portátil que entregou à A., com todo o software, não sendo verdade que tivesse feito uma cópia dessa base de dados, nem aliás poderia, por se tratar de software protegido.

Aquando da rescisão, o R. não tinha em vista nenhum emprego, e tal causou-lhe grande instabilidade familiar.

Um dos pressupostos para a admissão na “ C...” consubstanciou-se no facto de o R. não conter nenhuma informação ou documentação da A.

Todos os conhecimentos que tem advêm das suas competências e aptidões profissionais, de um trabalho de pesquisa e de valorização profissional.

Desconhece os preços praticados pela A. Na verdade, tal era impossível, visto tratar-se de mais de mil combinações.

Concluindo pela sua absolvição.

Respondeu a A., reafirmando o já alegado na P.I. e impugnando o que em contrário é dito na contestação.

3.

Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com condenação do R. a devolver de imediato à A. o dossier de Aplicações Práticas e o Manual denominado ‘A... Manual degli Organi de Comando’, do mais pedido o absolvendo.

4.

É do assim decidido que a A., inconformada, veio Apelar.

Alegando, concluiu assim:


[…]

5.

Contra-alegou o recorrido, concluindo, por seu lado, em síntese, que a sentença não merece censura, porquanto a matéria de facto provada não é susceptível de qualquer reparo, sendo que a pretendida demonstração de prejuízos assenta na mera junção de um documento sem valor contabilístico, consistindo numa lista por si elaborada sem nenhum suporte fáctico ou valor probatório.

Além disso, o dossier de aplicações práticas não continha informações confidenciais de natureza técnica, estando na posse de todos os comerciais para fins de divulgação de produtos na prospecção do mercado e angariação de clientes.

Por outro lado, não tem fundamento a pretendida interpretação extensiva das cl.ªs 5.º e 6.ª do contrato celebrado, como já se deixou indicado nos Autos de Procedimento Cautelar, entendimento reafirmado no Acórdão desta Relação de 25-9-2008.

Remata consignado que o que se pretende com esta acção é a inglória missão de tentar limitar ao máximo a liberdade do recorrido, sendo até abusiva a forma como é exposta a alegação da recorrente e os efeitos que se pretendem retirar da mesma.

Recebeu-se o recurso e colheram-se os vistos legais devidos – com o M.º P.º a expender o seu douto entendimento no Parecer constante de fls. 314-317, a que a apelante ainda reagiu sumariamente.

Exposto esquematicamente o desenvolvimento da lide, cumpre ora conhecer.

                                                           

                                         II –

                      DOS FUNDAMENTOS

A) – DE FACTO.

Vem seleccionada da 1.ª Instância a seguinte factualidade:

1. A A. tem por objecto social a comercialização de redutores, moto-redutores, motores freio, motores anti-deflagrantes, redutores industriais de médio e grande porte, accionamentos electrónicos de controlo e variação, variadores mecânicos de velocidade, diferenciais eléctricos de carga, accionamentos electrónicos, bem como a prestação de serviços relacionados com os aparelhos que comercializa.

2. A A. tem a sua sede e o principal estabelecimento na cidade da Mealhada, desde a sua constituição, em 1990.

3. Por contrato sem termo, reduzido a escrito em 1 de Dezembro de 1990, a A. contratou o R. para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria de engenheiro.

4. Nesse contrato, foi logo acordado entre as partes, no ponto 5, que “O segundo outorgante compromete-se a não divulgar qualquer informação confidencial de natureza técnica, organizacional, económica e financeira, particularmente métodos de fabrico, planeamento, desenvolvimento, contactos com clientes e oportunidades de negócio, planos de marketing ou similares, a que tiver acesso em virtude das suas funções na empresa.

Este compromisso aplica-se também após o termo deste Contrato Individual de Trabalho, no que, se divulgado, provocará prejuízos nos negócios da “A...”.

5. Além disso, reforçando esta cláusula, acordaram ainda as partes, no ponto 6 do mesmo contrato, que: “O segundo outorgante compromete-se a não dar informações ou fazer comunicações a pessoas ou entidades fora da Empresa, assim como publicar artigos relacionados com assuntos a que o segundo outorgante tenha acesso em função das suas tarefas ou actividades na Empresa, sem prévia autorização da mesma”.

6. Por força do seu bom desempenho, o R. foi promovido ao lugar de Director Comercial, funções que desempenhava em Fevereiro de 2007, quando tomou a iniciativa de rescindir unilateralmente e com aviso prévio o contrato de trabalho que o ligava à A.

7. Com efeito, por carta de 2 de Fevereiro de 2007 e com efeitos a 6 de Abril de 2007, o R. rescindiu unilateralmente o seu contrato de trabalho com a A., sem invocação de justa ou dando sequer alguma justificação, ao mesmo tempo que solicitava o gozo das férias a que tinha direito.

8. O R. gozou férias a partir de inícios de Março de 2007, até 6 de Abril de 2007.

9. Durante o período de tempo em que ainda trabalhou na A., após a comunicação da rescisão, o R., em conversa com colegas de trabalho, afirmou que saía sem qualquer emprego em vista e que não iria para a concorrência, para não prejudicar a A.

10. Após a comunicação de rescisão, foi constituída uma comissão, designada “Comissão de Espólio”, para receber todos os bens e documentos, sob a forma digital ou outra, confiados ao R. e que ainda se encontravam em seu poder, constituída por G...., H... , I... e J... .

11. Em reunião com essa comissão, no dia 28 de Fevereiro de 2007, expressamente convocada para o efeito, o R. foi convidado a entregar tais bens e documentos, e declarou não entregar as “Notas Pessoais”, em virtude de as ter destruído.

12. O R. usou durante longo tempo uma Agenda Electrónica, vulgo PDA, contendo informações sobre clientes, designadamente números de telefone.

13. Na reunião da Comissão de Espólio, foi-lhe pedido que entregasse os dados do referido PDA, mas o R. afirmou a todos os presentes ter perdido todos os dados do PDA.

14. Posteriormente, numa outra reunião com G..., o R. informou o mesmo que tinha recuperado parte dos dados do PDA, graças a um “backup” que tinha feito em tempos num computador.

15. O R. não devolveu o Dossier de Aplicações Práticas, constituído por fotografias das diferentes aplicações práticas de equipamentos comercializados pela A., e descrição do princípio de aplicação e dos equipamentos necessários para a realização da mesma, de que é exemplo a aplicação de enrolador de tecido, constante de fls. 12 dos autos.

16. O R. não entregou à A. todos os cadernos contendo as notas pessoais que tomava, relacionadas com o dia-a-dia da sua actividade na A.

17. O R. não devolveu à A. um Manual denominado “A... Manual degli Organi de Comando” e o PDA, onde registava e guardava informações relacionadas com a sua actividade de director comercial da A., nomeadamente contactos de clientes.

18. O R. entregou à A. um portátil e outros documentos.

19. O R., no exercício das suas funções, não tinha acesso a nenhuma informação sigilosa nem confidencial sobre os métodos de fabrico dos equipamentos fornecidos aos clientes.

20. O Dossier de Aplicações Práticas serve de promoção da actividade da empresa para clientes e potenciais clientes, tendo nessa medida também uma vertente comercial.

21. O PDA é um bem pessoal do R.

22. Nele o A. (?) continha também informação pessoal.

23. Após a cessação de funções, as mensagens que “caíssem” no e-mail profissional do R. eram reencaminhadas para a Secretária da Empresa, J....

24. No dia 7 de Março de 2007, foi recebido um e-mail dirigido ao R., proveniente da “ D...”, empresa concorrente da A., em que se informava o R. que, de momento, não era possível dar-lhe emprego.

25. E-mail esse que surge em resposta a um pedido de emprego formulado pelo R. a 23 de Fevereiro anterior, exactamente para a área da venda de redutores e conversores de frequência, ou seja, a actividade que ele desempenhava na A.

26. Por isso, em 29 de Março de 2007, a A. dirigiu ao R. a carta que consta de fls. 17 dos autos, alertando-o para as obrigações contratuais por ele assumidas.

27. A dada altura, o R. pediu autorização, que lhe foi concedida, para levar para casa a Base de Dados de Clientes, para poder realizar trabalho em casa.

28. A dada altura, o R. contactou dois ex-colegas, ainda ao serviço da A., declarando ir trabalhar com a concorrência, mais exactamente para a “ C...”.

29. A referida “ C...” é uma empresa concorrente da A.

30. Na sua publicidade, tal empresa já refere o R. como seu representante a contactar.

31. A referida empresa é de nacionalidade alemã e não tem agência ou delegação em Portugal.

32. O R. anda a divulgar pelos clientes da A. um e-mail, no qual informa que “A C...é um empresa que fabrica e comercializa redutores, moto-redutores e variadores de velocidade que são instalados pelos nossos parceiros em diferentes aplicações, por exemplo, aeroportos, fábricas de rações, fábricas de produção de vidro de embalagem, fábricas de produção de cimento, tratamento de águas (Etars), sistemas de armazenagem automáticos, logística, portos marítimos, linhas de engarrafamento (alimentação e bebidas), tratamento de inertes (pedreiras, etc.), indústria de serrações de madeira e derivados, plásticos e derivados, indústria têxtil, indústria química (incluindo Atex), cerâmica, etc.”

33. Nesse mail, o R. acrescenta que “Os produtos C...são de qualidade comprovada, standard superior aos principais concorrentes (por exemplo, pintura standard dos produtos C...é a pintura tropicalizada) e preços muito competitivos” e que “A C...foi a primeira empresa a lançar no mercado os redutores com cárter monobloco (anos 80), com as vantagens reconhecidas para o utilizador e também a primeira empresa a lançar os moto-redutores de alto rendimento”.

34. Mais anuncia que “A C... inicia a actividade em Julho de 2007 e que prevê que em 2008 se inicie a montagem dos moto-redutores em Portugal”.

35. O e-mail termina com a referência a “B...., Telm: +35190000000”.

36. O R. conhece essas empresas clientes da A., por força das funções que desempenhou nesta.

37. Em data não concretamente apurada, posterior a saída do R. da A., um dos principais clientes desta informou-a de que tinha sido contactado pelo R., que lhe comunicou que estava a trabalhar para a concorrência e manifestou intenção de o visitar para iniciar relações comerciais.

38. Tal cliente representa cerca de 10% do volume total de negócios da A.

39. O R. contactou de igual modo outros dos principais clientes da A.

40. O R. contactou dois funcionários da A. para irem trabalhar com ele.

41. Do mesmo modo, contactou um antigo funcionário da A. – responsável da área de vendas em Lisboa – para desempenhar as mesmas funções nessa área.

42. Em Outubro de 2007, foi constituída a sociedade “C...”, sociedade comercial detida a 100% por empresas “ C...”.

43. Sendo a gerência atribuída, entre outros sócios não residentes, ao ora R.

44. O R. conhece a prática comercial da A. e tem pelo menos uma ideia dos

 preços por esta praticados e dos critérios para a sua formação.

45. Os preços praticados pela A. traduzem-se em mais de mil combinações possíveis, sendo impossível conhecê-los todos ao pormenor.

46. O R. tem efectuado negócios com clientes da A.

47. O R. já contactou todas as 20 melhores clientes da A., que ele bem conhece dos anos em que exerceu as funções de director comercial da A.

48. O R. tem pelo menos uma noção das margens de preços praticados pela A. relativamente a esses melhores clientes.

49. O R. faz preços concorrenciais com os da A.

50. A A. perdeu para a “ C...” um negócio com a “F....”, de valor não concretamente apurado, mas não superior a € 89.722,24, em virtude da “ C...” ter proposto preços mais baixos que a A.

51. Para evitar novos insucessos e manter os seus clientes, a A. teve de rever a sua tabela de preços, baixando-os.

52. A partir de determinada altura, o R. não se sentia com condições psicológicas e anímicas para continuar a trabalhar na A., comentando com amigos que se considerava desautorizado.

53. Em 07/02/2007, dois dias depois da recepção pela A. da carta de despedimento, foi distribuído pelos funcionários da A., via electrónica, o memorando com o teor que consta de fls. 68 dos autos, dando conta de que a partir da referida data (07/02/2007) foi nomeado um novo Director Comercial, em substituição do R.

54. Foi retirado ao R. o telemóvel da empresa, aquando da recepção da carta de rescisão.

55. O vencimento que o R. usufruía ao serviço da A. era superior ao que aufere no actual emprego.

56. Aquando da rescisão, o R. não tinha em vista nenhum emprego, e tal causou-lhe grande instabilidade familiar.

57. O R. começou a procurar trabalho, pelo menos na sua área de actividade.

58. Os conhecimentos profissionais do R. advêm das suas competências e aptidões profissionais e de um trabalho de pesquisa e de valorização profissional.

                                         ____

B) – CONHECENDO.

Reportados ao acervo conclusivo – por onde conferimos o objecto e âmbito do recurso – passamos a dilucidar e resolver, na sequência, as questões que nos vêm propostas.

São as que contendem com a pretensão de ver revogada a sentença ‘sub judicio’ na parte em que inconsiderou os pedidos formulados pela A./recorrente sob as alíneas b), d) e e) do petitório, por cuja procedência ora se bate.

Antes disso, porém, a Apelante pretende:

1 – A alteração da matéria de facto.


[…]

No mais mantém-se inalterado o quadro de facto.                       

                                         _____

2 - Do Mérito.

Pacto de não concorrência vs. liberdade de trabalho.

Pretexta a Apelante que, ao contrário do decidido, se julguem procedentes os pedidos formulados em b), d) e e) do petitório, a saber, que o R. seja:

- Proibido de praticar actos que envolvam aceitação de clientes oriundos da carteira de clientes da A. e condenado a não contactar os clientes da A. e cujos dados recolheu dos ficheiros da A. enquanto trabalhador desta, abrangendo esta proibição quer o contacto seja feito directamente ou por interposta pessoa ou em sociedade de que seja sócio, agente ou mero trabalhador, devendo fixar-se ao R. a obrigação de pagamento de sanação pecuniária por cada cliente da A. que, em desobediência ao determinado nos presentes Autos, contacte para efeitos de deixar de ser cliente da A. e passar a adquirir produtos de outra empresa, não devendo essa sanção ser de montante inferior a € 1.000,00 por cada cliente;

- Condenado a pagar, com fundamento na violação do contrato que celebrou com a A., a indemnização de 291,358 Euros, como indemnização de todos os prejuízos sofridos pela A. por força do comportamento ilícito do R. até ao momento;

- Condenado a indemnizar a A. de todos os prejuízos que esta vier a sofrer, bem como os já sofridos e que não é possível quantificar neste momento, em montante a liquidar em incidente próprio.

Na sua tese, o R. não respeitou as cláusulas contratuais constantes dos pontos 5. e 6. do contrato então celebrado, concretamente o pacto de não concorrência.

Procedendo a uma detida exposição dos princípios jurídicos que, em seu entendimento, desembocam na solução propugnada, a Apelante concluiu que o R. violou o dever de sigilo e o dever geral de não concorrência do trabalhador, já existentes na pendência do contrato, mas que, como refere a doutrina citada, sobrevivem ao seu fim, independentemente da necessidade de qualquer estipulação, numa manifestação de pós-eficácia dos deveres. (Sic, a fls. 287).   

Tudo ponderado, podemos adiantar desde já não ser essa – também na nossa perspectiva e juízo – a solução certa.

Sempre com o devido respeito, não vemos que as razões ora aduzidas sejam susceptíveis de abalar a bondade dos argumentos que enformam a decisão sob protesto, a qual analisou e valorou correctamente os factos, reflectindo, nos pontos revistos, perfeita interpretação da normatividade ínsita nas regras de subsunção convocadas.

Assim:

Quando, em Dezembro de 1990, a A. contratou o R. para, sob a sua autoridade e direcção, exercer as funções de Engenheiro, vigorava a L.C.T. em cujo art. 36.º/1 se dispunha – sob a epígrafe ‘Liberdade de Trabalho; Pacto de não Concorrência’ – que são nulas as cláusulas dos contratos individuais de trabalho e das convenções colectivas de trabalho que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício do direito ao trabalho, após a cessação do contrato.

Mais se estipulava, no seu quadro, que era lícita a cláusula pela qual se limitasse a actividade do trabalhador no período máximo de três anos subsequente à cessação do contrato de trabalho, se ocorressem cumulativamente as condições tabeladas, nomeadamente se a cláusula constasse, por forma escrita, do contrato de trabalho e desde que fosse atribuída ao trabalhador uma retribuição durante o período de limitação da sua actividade.

(Hoje, a previsão homóloga consta, com alterações, do art. 136.ºdo Código do Trabalho de 2009, praticamente decalcada do art. 146.º do Código do Trabalho de 2003).

No contrato de trabalho então outorgado entre as partes acordou-se no seu ponto 5. que ‘O segundo outorgante compromete-se a não divulgar qualquer informação confidencial de natureza técnica, organizacional, económica e financeira, particularmente métodos de fabrico, planeamento, desenvolvimento, contactos com clientes e oportunidades de negócio, planos de marketing ou similares, que a tiver acesso em virtude das suas funções na empresa.

Este compromisso aplica-se também após o termo deste contrato individual de trabalho, no que, se divulgado, provocará prejuízos nos negócios da A...’.

Em reforço desta cl.ª mais acordaram as partes no ponto seguinte do documento que ‘O segundo outorgante compromete-se a não dar informações ou fazer comunicações a pessoas ou entidades fora da Empresa, assim como a não publicar artigos relacionados com assuntos que a o segundo outorgante tenha acesso em função das suas tarefas ou actividades na Empresa, sem prévia autorização da mesma’.

 Perante o acordado, dele se retirava imediatamente, como se decidiu, que a pretensão – ora ultrapassada – de impedir que o R. trabalhasse para terceiro, após a cessação do contrato, era falha de qualquer suporte e consistência.

 Como as cláusulas acordadas, acima transcritas, não se enquadram na excepção prevista da limitação à actividade do trabalhador, por inverificação dos seus cumulativos requisitos, a operação subsuntiva restringe-se logicamente à regra constante do n.º1 – seja do art. 36.º da L.C.T., seja do n.º1 do art. 146.º do Código do Trabalho/2003, sem preocupação de definir com rigor qual dos figurinos normativos prevalece, face ao disposto no art. 8.º/1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, (‘Aplicação no tempo’), atenta a prática sobreposição do texto legal da previsão, nos dois diplomas.

Prosseguindo:

O ponto nevrálgico da questão centra-se, pois, em saber se, no caso, o pedido formulado cabe na compreensão do compromisso estabelecido nas citadas cláusulas contratuais, à luz da referida previsão.

Nos seus termos, (‘São nulas as cláusulas dos contratos individuais de trabalho que, por qualquer forma, possam prejudicar o direito/o exercício da liberdade de trabalho, após a cessação do contrato’), as limitações clausuladas subsistem – …’mesmo após o termo do contrato, no que, se divulgado, prejudicar os negócios da requerente’, 'ut' parte final do teor do ponto/cl.ª 5.ª e ponto/cl.ª 6.ª do contrato outorgado?

Podemos, por facilidade metodológica, desdobrar a exposição subsequente em dois planos: possibilidade de impor/licitude das pretendidas limitações para além do termos do contrato, por um lado; verificação da efectiva violação das limitações estabelecidas e prejuízos causais decorrentes, por outro.

Assim:

A adequada compreensão desta temática pressupõe a sua análise diferenciada, considerando-a, primeiro, relativamente ao tempo da constância do vínculo e, depois, no período posterior à sua cessação.

Não interessando, para o caso, a primeira hipótese, (sempre se dirá que não oferece dúvida relevante a consideração de que, durante a vigência do contrato, o trabalhador está obrigado ao dever de lealdade ao empregador – art. 20.º/1, d), da LCT/art. 121.º/1, e), do Código do Trabalho/2003/art. 128.º/1, f) do C.T./2009 – nele se compreendendo expressamente a proibição de negociar por conta própria ou alheia, em concorrência com aquele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios), vejamos então.

As dificuldades operatórias prendem-se com o seguinte: será que o fim da relação extingue, sempre e imediatamente, a referida obrigação de lealdade/não concorrência?

Se o n.º1 do art. 36.º da LCT (reeditado nas duas versões do Código do Trabalho, em termos mais ou menos coincidentes, como já dissemos), proclama, na Lei ordinária, o princípio Constitucional da liberdade de trabalho, (art. 47.º/1 da C.R.P.), o seu n.º2 acautela o compromisso que a resposta negativa à dúvida equacionada implicitamente contém.

Ou seja, se por um lado, são nulas as cláusulas do contrato que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício da liberdade de trabalho, após a sua cessação, não deixa de ser lícito convencionar, (…diremos ‘excepcionalmente’, como bem sustenta Júlio Gomes, ‘Direito do Trabalho’, Vol. I, pg. 609), a limitação da actividade do trabalhador no período máximo previsto (então três anos e agora dois) subsequente à cessação do contrato de trabalho, desde que reunidas (cumulativamente) as impostas condições.

(É através da liberdade de trabalho que se concretiza o ‘direito ao trabalho’, igualmente com consagração Constitucional – art. 58.º/1 da C.R.P. – existindo entre os dois preceitos programáticos uma estreita ligação, como lembra o Prof. Jorge Miranda, ‘Liberdade de Trabalho e de Profissão’, in RDES, 2.ª Série, n.º2, citado por Mário Pinto & Outros, ‘Comentário às Leis do Trabalho’, Lex, Vol. I, pg. 170).

Pondera-se todavia, neste âmbito, que, como a experiência demonstra, a cessação da relação de trabalho não significa o fim dos riscos de exercício de actividades concorrenciais por banda do ex-trabalhador.

Permanecerá ainda, para além da cessação da relação juslaboral – como alguma doutrina preconiza, v.g. Raúl Ventura e Maria do Rosário Palma Ramalho, in ‘Extinção das Relações Jurídicas de Trabalho’, pg. 358, e ‘direito do Trabalho’, II, pg. 950/ss. – um dever geral de lealdade pós-eficaz, (de conteúdo indefinido, contido embora nos limites da proibição de concorrência desleal…), exigível ao nível, por exemplo, da não divulgação de segredos comerciais e industriais, ou, mais genericamente, em manifestações contrárias à boa-fé, em termos de visar prejudicar-se, mais ou menos intencionalmente, o antigo empregador, dever esse cuja violação poderá reivindicar-se algures, na fronteira, de difícil identificação, entre o ilícito penal e a responsabilidade civil….

(Cfr. anotação ao art. 36.º da LCT, in ‘Comentário’, loc. cit.).

Para obviar às dificuldades e perigos decorrentes do legítimo exercício de actividade concorrente pelo ex-trabalhador, directamente ou por conta de outrem, – legitimidade que é um corolário da readquirida liberdade de trabalho, apenas condicionada pelos limites gerais impostos pela proibição de concorrência desleal, como refere Júlio Gomes, ob.loc.cit. – preveniu-se a possibilidade de convencionar as faladas cláusulas de não concorrência, cuja legitimidade assenta nas razões que o empregador tenha para temer a chamada ‘concorrência diferencial’ do trabalhador, configuráveis no risco ligado às funções que este desempenhava (v.g. o contacto com a clientela, o acesso a informações específicas sobre a empresa e a consequente aquisição do respectivo know-how – ibidem).

São os pactos de não concorrência que representam, de forma preventiva, a forma de conciliar os interesses contrapostos aqui em jogo. (Vide ‘Comentário’, pg. 71).

Que interesses?

Precisamente os do empregador, (implicitados na pretensão que solicitou ao Tribunal), e aqueles que, constituindo o ‘património profissional’ do trabalhador, (expressão usada no obra citada e de que, pela sua propriedade, nos servimos, com vénia, e no qual se inclui uma série de conhecimentos da mais diversa natureza, técnicos, comerciais, sociais, organizacionais, de marketing, etc.), nada impede que deles o mesmo se sirva no período pós-contratual.

Ora, é neste contexto que a questão se dirime.

É aqui que falha a argumentação da Recorrente.

Na verdade, inexistindo/não tendo sido acordado um qualquer pacto de não concorrência, com a licitude acautelada pela observância das condições legais previstas, não vemos liminarmente como possa pretender buscar-se a sua pressuposta eficácia ao que se plasmou nas faladas cláusulas 5.ª e 6.ª do contrato escrito.

Como bem se considerou na sentença ‘sub judicio’, delas não decorre qualquer compromisso/obrigação do R. de, após a cessação do contrato, não contactar, angariar ou aceitar clientes da A., mas tão-somente o de não divulgar qualquer informação confidencial de natureza técnica, organizacional, económica ou financeira, particularmente métodos de fabrico, planeamento, desenvolvimento, contactos com clientes, oportunidades de negócio…a que tiver acesso em virtude das suas funções, e ainda o de …não dar informações ou fazer comunicações a pessoas ou entidades fora da Empresa, aplicando-se o compromisso, após o termo do contrato, no que, se divulgado, provocar prejuízos nos negócios da A.

O que nos parece resultar disto – como aí se concluiu, e que ora se secunda – é que a preocupação consignada nas ditas cláusulas prefigura mais propriamente a sujeição do R. a um dever de sigilo/cláusula de confidencialidade, a que a doutrina reconhece um alcance limitado após a cessação do vínculo.

Invocando ainda a lição de Júlio Gomes, (ibidem, 623, ‘in fine’, e citamos), ‘elas (as cláusulas de confidencialidade) …podem impedir validamente a divulgação de factos que não fazem parte da experiência profissional, mas não poderão indirectamente acarretar a interdição de uma actividade concorrente com a do anterior empregador’.

Simplesmente, lamenta-se, a factualidade estabelecida não aponta nesse sentido, como também não deixa concluir que a A. tenha demonstrado que da pretendida violação do clausulado compromisso tenham resultado causalmente concretos prejuízos, aceitando-se embora – como outros já reconheceram – que, na prática, nem sempre é fácil distinguir entre as situações ilícitas de utilização de informações reservadas e o normal exercício dos conhecimentos profissionais e técnicos que passaram a integrar, ao longo dos anos, incontornavelmente, o falado ‘património profissional’ do trabalhador.

 Afigura-se-nos claramente ser o caso, pois que a actuação do R., desenvolvendo actividade concorrencial com a A., posteriormente à cessação do contrato de trabalho – …e pese embora a repercussão nos resultados da sua anterior empregadora… – mais não é do que o resultado da utilização desse ‘património profissional’, dos conhecimentos pessoais adquiridos no seu longo e empenhado exercício profissional, não sendo legítimo impor-lhe a proibição de ‘não utilizar a técnica adquirida ao serviço da empresa…pois a preparação profissional do trabalhador constitui a base da sua vida’.

Cremos ser perfeitamente viável ao R., face ao longo período de actividade profissional no exercício das identificadas funções, saber, dentre outras tantas coisas relevantes, quais os clientes mais representativos da A., como contactá-los, como fornecer-lhes informação técnica, apoio, melhores preços, diferentes descontos, e todo o tipo de esclarecimentos e ‘know-how’, mais-valias adquiridas com a sua experiência pessoal, sem precisar de violar o dever de sigilo ou confidencialidade.

Não é, pois, juridicamente possível concluir-se – por reporte à factualidade analisada e por tudo quando já foi dito – que, como também doutamente expende o Exm.º P.G.A., as pretextadas dificuldades da A., decorrentes da actividade concorrencial em que o R. se envolveu após a cessação do contrato com aquela, decorram causalmente de indevida utilização ou divulgação de quaisquer dados, informações confidenciais ou sigilosas, salvaguardadas por um qualquer pacto de não concorrência ou cláusula de confidencialidade a que estivesse vinculado.

Na sequência do exposto – e porque não foram violadas a cláusula contratual identificada nem as normas legais convocadas, ou outras – não poderão proceder as pretensões alinhadas nos pedidos b), d) e e), como bem se ajuizou oportunamente, e ora se ratifica.

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Sumariando, para concluir (n.º7 do art. 713.º do C.P.C.):

- O exercício da liberdade de trabalho, entendido como a liberdade de escolha da profissão ou do género de trabalho, dependente ou independente, em qualquer das suas modalidades ou expressões, (prevenido, antes, no art. 36.º/1 da L.C.T, depois, no art. 146.º/1 do Código do Trabalho de 2003, e ora no art. 136.º/1 do C.T./2009) concretiza o princípio Constitucional do direito ao trabalho, com assento nos arts. 47.º/1 e 58.º/1 da C.R.P.

- São por isso nulas, por via de regra, as cláusulas do contrato que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício da liberdade de trabalho, após a cessação da relação juslaboral.

- O pacto de não concorrência constitui a excepção ao princípio da livre escolha e exercício de qualquer actividade, posteriormente à cessação do contrato de trabalho.

- Sendo temporalmente limitado, a cláusula que o previna apenas é lícita se observadas as condições cumulativas legalmente previstas.

- São coisas distintas o pacto de não concorrência, (que visa acautelar, por certo tempo, o prejuízo decorrente do exercício de actividade concorrencial e o risco de indefinição entre as situações ilícitas de utilização de informação reservada ou confidencial e o normal exercício dos conhecimentos profissionais e técnicos adquiridos pelo desempenho e experiência, constitutivos estes do chamado ‘património profissional’ do trabalhador), e as chamadas cláusulas de confidencialidade (que visam apenas impedir a divulgação, no subsequente período pós-contratual, de factos que não fazem parte da experiência profissional do trabalhador).

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                                             III –

                                       DECISÃO

   

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se julgar improcedente a Apelação, confirmando a douta sentença impugnada.

Custas pela Recorrente.