Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ELISA SALES | ||
Descritores: | CONTUMÁCIA ARRESTO | ||
Data do Acordão: | 06/07/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE PORTO DE MÓS | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIME | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 335º, N.º 3, 336º, 337º, N.º3, DO C. P. PENAL | ||
Sumário: | I- A declaração de contumácia, tal como vem definido nos artigos 336º e 337º do CPP, impõe ao arguido determinadas limitações que visam, por um lado, desmotivá-lo a manter-se nessa situação, e por outro levá-lo a fazer cessar a mesma situação de contumácia através da sua apresentação no tribunal, voluntária ou forçada. II- Uma dessas medidas dirigidas à ultrapassagem da contumácia é o arresto (repressivo) que não tem a mesma natureza do arresto previsto no art.º 406º e sgs. do CPP e não é acto urgente para efeitos do art.º 335º, n.º 3, do mesmo diploma pelo que se mantém enquanto não cessar a contumácia III- Assim, o arguido declarado contumaz e enquanto esta se mantiver, não pode legalmente recorrer do despacho que lhe indefere o levantamento do arresto | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO A..., arguido nos autos acima identificados, veio interpor recurso do despacho do Mmº Juiz, de fls. 928, que indeferiu o levantamento do arresto sobre a sua pensão. São as seguintes as conclusões da motivação de recurso: a) O Douto Despacho recorrido, que ordenou o Arresto da pensão do Recorrente é ilegal e inconstitucional, por violação dos artigos l°, 59° n.º 2 e 63° n.º l e n.º 3 da CRP, bem como 824º, n.º 2 do CPC; b) A decisão de arrestar a pensão do Recorrente, de € 216,79 - valor inferior ao salário mínimo nacional, contraria o preceituado pelo n.º 2 do artigo 824° do CPC c) Idem, constitui jurisprudência firmada do Tribunal Constitucional, de onde se extrai a impenhorabilidade de tais pensões, porquanto inferiores ao salário mínimo nacional; d) Neste sentido os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 349/91, 318/1999, 411/93, 120/2001, 62/2002, 96/2004, 177/2002, entre outros. e) Subjaz a estes Acórdãos a violação do princípio da dignidade humana decorrente do princípio do Estado de Direito tal como previstos nos termos conjugados dos artigos 1º, 59º, n.º 2, a) e 63º, n.ºs 1 e 3 da CRP. f) Em situação de conflito entre valores de natureza patrimonial e pessoal, o legislador garante a tutela da dignidade da pessoa humana, sacrificando o direito do credor, se necessário na íntegra. g) Existe uma manifesta analogia entre as situações de penhora e de arresto, atenta a natureza, mas também a finalidade de ambas as diligências; h) Ora, a pensão auferida pelo Recorrente é inferior ao salário mínimo nacional, e é o seu único rendimento, pelo que é ilegal, e inconstitucional, o arresto da mesma. i) A manter-se o arresto, serão diminuídas drasticamente as hipóteses de um resto de vida condigna ao Arguido que conta já com 80 anos de idade. j) Assim, o Despacho que determinou o arresto da pensão do ora Recorrente é ilegal e inconstitucional por violação dos artigos 1°, 59° n.º 2 a), e 63° n.º 1 e n.º 3 da CRP, e art. 824° do CPC. Nestes termos, deve ser revogado o despacho ora recorrido e, consequentemente, deve ser levantado o Arresto sobre a pensão do Recorrente; devolvidos ao mesmo o montante global arrestado à ordem dos presentes autos e notificados os competentes Serviços da Segurança Social por forma a processarem mensalmente a identificada pensão em nome do ora Requerente, bem como todos e quaisquer subsídios a que este tenha direito. * A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta, pronunciando-se pela improcedência do recurso.E, nesta instância o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido. Os autos tiveram os vistos legais. *** Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do recurso por não ser legalmente admissível (artigos 414º e 420º, n.º 1 do CPP) e, determinou-se a remessa dos autos aos vistos para subsequente julgamento na conferência (artigo 419º, n.º 1. al a) do CPP).*** II – FUNDAMENTAÇÃO Com interesse para os autos importa referir: - Por despacho de 13-1-2000 foi o arguido A... declarado contumaz. - Por despacho de 10-5-2004 (decorrendo do teor de fls. 845 que o arguido se encontra a beneficiar de uma pensão de velhice através do Centro Nacional de Pensões, o que não se afigura compatível com o facto do mesmo ser contumaz, e ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 337º do CPP) foi decidido decretar o arresto de todos e quaisquer subsídios ou pensões que o CNP esteja a processar em nome do arguido, e ainda decretar o arresto dos saldos de depósitos bancários de que o arguido seja titular (…). - Por requerimento datado de 20-4-2005, veio o arguido dar conta ao tribunal de que foi notificado pela Segurança Social de Lisboa, por ofício de 13-8-2004, de que iriam proceder ao aludido arresto, requerendo a revogação do despacho proferido em 10-5-2004 (e ainda, que fosse ordenada a devolução do montante global arrestado à ordem dos autos). - Foi então proferido o despacho de fls. 914, com o seguinte teor: “ O arguido A... veio requerer que fosse levantado o arresto, decretado nos presentes autos, incidente sobre os subsídios ou pensões de velhice que o Centro Nacional de Pensões esteja a processar em seu nome. O Ministério Público opôs-se a tal pretensão. Cumpre apreciar e decidir: O arguido encontra-se declarado contumaz no âmbito dos presentes autos. O arresto incidente sobre os subsídios ou pensões de reforma que esteja a auferir foi decretado como forma de desmotivar a situação de contumácia em perfeita consonância com o previsto no n.º 3 do artigo 337º do Código de Processo Penal. Não se vislumbra, igualmente, que haja sido violado qualquer preceito constitucional, tanto mais que esta situação é substancialmente diferente daquela que ocorre quando se procede a penhoras no âmbito de processos executivos. Curioso é que o arguido (que junta procuração forense indicando como sua uma morada na qual as autoridades policiais não logram encontrá-lo!), apesar de se encontrar em falta perante as instituições públicas, mantendo-se em paradeiro desconhecido sem que o Estado Português contra ele possa exercer a acção penal, se arrogue do direito de receber deste mesmo Estado prestações e subsídios ... Mais comentários não merece o requerimento apresentado. Nos termos e pelos motivos expostos, indefiro o requerimento do arguido. (…) ” - Apresentou o arguido novo requerimento, a fls. 923 a 926, concluindo nos mesmos termos do requerimento datado de 20-4-2005. - Tendo sido proferido o despacho recorrido: “ Pelos motivos expressos no despacho de fls. 914, indefiro o requerimento do arguido constante de fls. 926, condenando o mesmo em 3 UC´s de taxa de justiça pelo novo incidente a que veio dar azo (artigo 84º Cód. Custas Jud.). Notifique.” *** APRECIANDO Sendo o objecto do recurso fixado pelas conclusões retiradas pelo recorrente da respectiva motivação, o presente recurso versa exclusivamente matéria de direito: – vem questionado o despacho que indeferiu o levantamento do arresto decretado sobre os subsídios ou pensões de velhice que o Centro Nacional de Pensões esteja a processar em nome do arguido/recorrente declarado contumaz. Sendo certo que a decisão que admitiu o recurso não vincula o tribunal superior (art. 414º/3 do CPP), importa, antes de mais, decidir se o despacho em causa é ou não recorrível. A declaração de contumácia, tal como vem definido nos artigos 336º e 337º do CPP, impõe ao arguido determinadas limitações que visam, por um lado, desmotivá-lo a manter-se nessa situação, e por outro levá-lo a fazer cessar a mesma situação de contumácia através da sua apresentação no tribunal, voluntária ou forçada. Uma dessas medidas dirigida à ultrapassagem da contumácia é o arresto (repressivo) – art. 337º, n.º 3. Arresto que o arguido pode fazer cessar quando bem entender (in casu bastava que se apresentasse em tribunal), e que não tem a mesma natureza do arresto previsto no artigo 406º e segs. do CPC. Neste último caso, tratando-se de um procedimento cautelar, é um acto prévio à execução, sendo-lhe aplicável as disposições relativas à penhora, designadamente a invocada pelo recorrente – o art. 824º do CPC – relativa aos bens parcialmente penhoráveis. Acresce que, nos termos do n.º 3 do art. 335º do CPP A declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes nos termos do artigo 320º. Actos urgentes serão aqueles que dizem respeito a arguidos detidos ou presos ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas (cfr. art. 103º). Ora, com a interposição do presente recurso pretendia o recorrente que se determinasse o levantamento do ordenado arresto. Acontece, que este não é um acto urgente e, mantendo-se o arguido contumaz, mantém-se também a suspensão dos termos do processo. Serve isto para dizer que o arguido só poderá interpor recurso quando fizer cessar a contumácia, o que está tão só na sua disponibilidade. E, o mesmo se diz quanto ao levantamento do arresto, o qual será ordenado também quando cessar a contumácia. Por conseguinte, o presente recurso deverá ser rejeitado por inadmissibilidade legal. * Oferece-nos ainda dizer o seguinte. Na situação dos autos, ainda que ao arguido fosse admitida a interposição de recurso (no caso de se ter apresentado em tribunal e cessada a contumácia), não poderia este tribunal apreciar o mesmo. Com efeito, o despacho que decretou o arresto foi proferido em 10-4-2004. Ora, no seu requerimento de 20-4-2005 o arguido declarou que tomou conhecimento do teor daquele despacho através do ofício da Segurança Social datado de 13-8-2004. Logo, o despacho que produziu os efeitos, não tendo sido impugnado, transitou em julgado. ****** III- DECISÃO Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em: - Rejeitar o recurso, por não ser legalmente admissível. Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC; condenando-se ainda o recorrente no pagamento da importância correspondente a 3UC, nos termos do n.º 4 do art. 420º do CPP. ******* Coimbra, |