Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2926/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
DESISTÊNCIA DA QUEIXA EM PROCEDIMENTO INICIADO OU CONTINUADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Data do Acordão: 11/03/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 178º, N.ºS 1 E 4, DO CÓDIGO PENAL
Sumário: No caso do crime de abuso sexual de crianças e nos demais crimes previstos no artigo 178º, n.º 1, do Código Penal, é irrelevante a oposição ou a desistência do titular do direito de queixa, quando o Ministério Público decide iniciar ou continuar o procedimento criminal nos termos do artigo 178, n.º4.
Decisão Texto Integral:
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.
No processo comum colectivo n.º 387/03, do 3º Juízo da comarca da Figueira da Foz, após a realização do contraditório foi proferido acórdão que condenou o arguido A..., com os sinais dos autos, como autor material de um crime continuado de abuso sexual de criança, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 172º, n.ºs 1, 2, 3, als.a), b) e c), 22º, n.ºs 1 e 2, als.b) e c) e 30º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão, com desconto da prisão preventiva sofrida.
Na parcial procedência dos pedidos de indemnização civil deduzidos contra o arguido foi o mesmo condenado a pagar à menor ofendida B..., devidamente identificada, a importância de € 25.000,00.
O Ministério Público e o arguido interpuseram recurso.
São do seguinte teor as conclusões extraídas pelo arguido da motivação que apresentou:
1. A douta sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova. De facto:
2. O facto descrito na alínea e) não está provado, pois baseia-se, apenas, nas declarações da menor, sem nada mais haver que o comprove, e é contraditado pelas declarações do arguido prestadas na audiência de julgamento.
3. O facto descrito na alínea f) não está provado que tenha sido intencionalmente feito para que a B... a consultasse.
4. O facto descrito na aliena i), concretamente que o arguido meteu um dedo esticado no interior da vagina para penetrá-la, não está provado pois baseia-se apenas numa extrapolação, pois nem a menor o afirma, e é contraditado pelas declarações do arguido prestadas em inquérito e em audiência de julgamento.
5. Os factos descritos na alínea j) não estão provados, pois nem a menor nem o arguido alguma vez afirmaram que este se despia dentro da tenda, nem que alguma vez exibiu o pénis erecto dentro ou fora da tenda; já no que toca ao arguido dentro de água despir os calções, é a própria B... que afirma que não lhe via a “pilinha”, pois ele estava dentro de água.
6. O facto descrito na aliena k) não está provado pois funda-se unicamente nas declarações da menor, as quais são contraditadas pelas declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento; este assume que, ao som da música, “batucava” ou acompanhava a música dando pequenas palmadas nas pernas da B..., comportamento que nada tem de libidinoso.
7. O facto descrito na alínea l) não está provado pois nem sequer a menor afirma tal coisa, tal como o arguido.
8. O facto descrito na alínea m) não está provado pois baseia-se, apenas, nas declarações da menor, sem nada mais haver que o comprove, e é contraditado pelas declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento.
9. O facto descrito na alínea n) não está provado pois é a própria menor, que afirma que não tirou nenhuma fotografia ao arguido nu; embora, e sem haver foto que o comprove, o arguido confesse que a B... lhe tirou uma foto com ele nu, mas que aquela não o apanhou da cintura para baixo.
10. Os factos descritos na alínea o) não estão provados pois baseiam-se, apenas, nas declarações da menor, sem nada mais haver que o comprove, e é contraditado pelas declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento.
11. Os factos descritos na alínea r) não estão provados, sendo contraditados pelas declarações do arguido.
12. Todos os factos considerados como provados fundam-se, no todo ou em parte, apenas em declarações da menor, ou ilações destas retiradas, que são expressamente contraditadas pelo arguido ou não logram comprovação documental credível, sem que, neste cenário probatório, em momento algum o douto tribunal recorrido tenha sequer utilizado, ou ponderado utilizar, o incontornável princípio in dubio pro reo.
13. É o próprio tribunal que concluiu “… que o arguido ficou-se pela sedução, nunca forçando a pequena e que não foi mais além apenas porque não quis”.
14. O relatório de avaliação psicológica do arguido, entre outras, recomenda “… fortemente a realização de um tratamento psicoterapêutico especializado, capaz de flexibilizar as dificuldades apresentadas, de melhorar o funcionamento intrapsíquico e de normalizar a vida interpessoal do Vítor”.
15. O arguido manifestou vontade de beneficiar de acompanhamento de psicologia e de não mais residir nas proximidades da B...
16. Com base no exposto, o arguido não deve ser condenado em pena superior a 3 anos, a qual deverá ser suspensa, além de também ser condenado a realizar um tratamento psicoterapêutico especializado.
Quanto ao recurso do Ministério Público é do seguinte teor a sua parte conclusiva:
1. O crime continuado envolve em si mesmo uma atenuação correspondente, pelo menos relativamente à situação derivada do concurso real e na definição do conceito plasmado no artigo 30º, n.º 2, do CP, onde se diz inequivocamente que, além do mais, tem de se verificar o “quadro de uma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
2. Conforme refere o Professor Eduardo Correia (Direito Criminal, volume II, 210/211 e Teoria do Concurso e Direito Criminal – Unidade e Pluralidade de Infracções, 246 e ss) o teste decisivo da verificação de tais situações, tendo como efeito o tratamento do regime mais favorável do crime continuado, é sempre o recurso à ideia fundamentada da diminuição considerável do grau da culpa do agente.
3. O bem jurídico em causa – a auto determinação sexual, sob o enfoque do livre desenvolvimento da personalidade da vítima menor de 14 anos, ou seja, da própria criança (que, recorde-se, no caso em apreço, tinha apenas nove anos de idade) – exclui qualquer quadro de tentação “carnal”, de estimulação do desejo, de criação de intimidade por sentimento forte da satisfação do apetite sexual, atento a idade da mesma.
4. A situação de aproximação e de concretização do tipo de intimidade com a menor que o arguido foi criando é resultado da própria “perturbação sexual do próprio agente”, do seu comportamento endógeno e não exógeno, revelador de uma parafilia, enquanto espécie de pedofilia e onde a criança se apresenta simples “foco parafílico”. Os crimes foram resultado das oportunidades que, casuisticamente, foram surgindo, no âmbito de tal convivência.
5. Não se pode considerar o arguido “arrastado” por força das oportunidades que ele próprio ia criando e fomentando, em consonância com as suas tendências de personalidade, para se entender que estão reunidos os pressupostos da continuação criminosa, quanto à “situação externa que diminua consideravelmente a culpa”.
6. Embora se pretenda uma homogeneidade do comportamento total em cada uma das situações típicas, não se pode concluir que as várias actuações do arguido tivessem surgido por mero acaso, no quadro de uma mesma situação externa que lhe diminua consideravelmente a culpa. O arguido procurou-as, criou ou contribuiu exclusivamente para a sua ocorrência, em alturas diversas e renovando assim o propósito criminoso, sem que se vislumbrem factores externos à sua “patologia” que fossem determinantes da sua conduta de modo progressivamente menos resistível e acentuadamente diminuidores da culpa.
7. É o próprio Tribunal recorrido que reconhece que a conduta do arguido foi predominantemente determinada pela própria tendência da personalidade “parafilica” deste arguido (não deixando de realçar os comportamentos “doentios” ou mórbidos dele nos pontos f) e m) da matéria fixada), acrescentando que “circunstâncias da sua vida amorosa, conjugadas com alguma perturbação da personalidade e tendência para a solidão foram o contexto propiciador da sua decisão à prática dos factos, sem que todavia esse contexto o impedisse de os reconhecer como indevidos ou de não os praticar (alínea s) do ponto 1.2 do acórdão).
8. Não se diga que foram as circunstâncias da B... ser órfã de pai, com relacionamento difícil com o padrasto, sem afectos paternais, bem como o facto de ser de um estatuto económico e social deprimido (contribuindo para o seu deslumbramento as ofertas e atenção dispensada pelo arguido e para ver nele uma referência paternal), que constitui o quadro da solicitação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente, pois então estaríamos a “desculpabilizar” quase todos os pedófilos deste país, já que o quadro é bem idêntico às situações que se vão conhecendo e tais limitações exigiriam até particular acuidade do arguido ao seu comportamento pelas suas consequências no desenvolvimento da criança.
9. Ao Tribunal foi possível identificar para além da “homogeneidade” de comportamento, situações típicas de natureza diferente, delimitadas entre si e obedecendo a diversos dolos e enquadramentos jurídicos específicos da protecção da menor contra todas as formas de “agressão” previstas no artigo 172º, do CP, onde não há total coincidência nas condutas ali previstas e diversidade de penas para cada uma delas (que não se confundem com a pluralidade de actos cometidos em concreto em cada momento).
10. Não ficou provado ao longo de toda a realização criminosa o mesmo dolo ou resolução inicial, não resulta tão pouco demonstrado que a actuação, ainda que não obedecendo ao mesmo dolo, esteja interligado por factos exógenos ao arguido que o arrastaram para a reiteração de condutas e que por isso lhe diminuem significativamente a culpa.
11. Atento a moldura penal dos ilícitos e os critérios ponderados – e bem – para a escolha da pena, ao primeiro crime (a) deverá caber a pena de prisão não inferior a um ano e seis meses, ao segundo (b) pena de prisão não inferior a um ano, ao terceiro (c) pena de prisão de um ano, ao quarto (d) pena de prisão não inferior a oito meses e ao quinto pena de prisão de um ano e três meses, sendo o cúmulo material de cinco ano e cinco meses. Assim, parece-nos igualmente adequada a pena unitária de cinco ano de prisão, a mesma que foi aplicada pelo Tribunal Colectivo.
12. Ao não enquadrar os factos nos diversos crimes mencionados no artigo 172º, do CP, e especificados no Acórdão (ponto 2.1.1) mas apenas num único crime continuado, o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 30º, n.º1, 40º, 72º, n.º1 (in contrario), todos do Código Penal.
Os recursos foram admitidos.
A assistente C..., com os sinais dos autos, respondeu aos recursos interpostos, alegando não se opor a uma eventual redução da pena aplicada ao arguido e à suspensão da sua execução, independentemente da qualificação jurídica que vier a ser assumida pelo tribunal de recurso, entendendo porém que, tendo em vista o acautelar do interesse da menor ofendida, sua filha B..., deve a suspensão que vier a ser decretada subordinar-se ao pagamento imediato à ofendida da indemnização que lhe foi atribuída.
O Ministério Público na contra-motivação que apresentou pugna pela confirmação do acórdão condenatório.
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No início da sessão de julgamento ocorrida no dia 28 de Maio de 2004, conforme consta da respectiva acta (fls.583 e ss), a assistente declarou desistir da queixa apresentada, desistência que o arguido declarou aceitar. A tal desistência opôs-se o Ministério Público, requerendo, concomitantemente, o prosseguimento do julgamento, com fundamento no interesse da vítima nos termos do artigo 178º, n.º 4, do Código Penal.
Mediante deliberação, consignada na respectiva acta, o tribunal colectivo decidiu considerar relevante a oposição do Ministério Público à desistência de queixa, bem como a sua promoção no sentido da continuação do procedimento nos termos do artigo 178º, n.º 4, do Código Penal, não obstante o procedimento criminal não tenha sido pelo mesmo iniciado.
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, sendo que na respectiva motivação concluiu:
1. A decisão recorrida de não homologação da desistência da queixa, viola o disposto nos artigos 48º e 51º, n.º1, do Código de Processo Penal, o disposto no artigo 178º, n.ºs 1 e 4, do Código Penal, e o disposto nos artigos 2º, 29º, n.º1 e 164º, n.º1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa.
2. A decisão recorrida estriba-se, exclusivamente, na suposta faculdade que o n.º 4 do artigo 178º, do Código Penal, concederia ao Ministério Público no sentido de lhe permitir opor-se relevantemente à desistência de uma queixa apresentada pelos titulares do direito respectivo.
3. Ora, o único poder concedido ao Ministério Público pelo n.º 4 do artigo 178º, do Código penal, é o poder de, na ausência de queixa apresentada pelo titular do direito respectivo, iniciar o procedimento criminal.
4. A possibilidade de aplicação desse n.º 4 está condicionada ao preenchimento de um pressuposto prévio: a ausência de queixa.
5. Existindo queixa, como in casu acontece, falece a possibilidade de aplicação desse nº 4.
6. Da conjugação do n.º 4 do artigo 178º, do Código Penal, com o n.º1 da mesma norma, e com os artigos 48º a 51º, do Código de Processo Penal, resulta que os crimes previstos no artigo 172º, do Código Penal, revestem sempre natureza semi-pública.
7. Apenas nos casos excepcionais expressamente tipificados e descritos nas alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 178º, a lei penal qualifica os delitos previstos no artigo 172º do Código Penal como crimes públicos.
8. O n.º 4 do artigo 178, do Código Penal, constitui, tão só, uma norma especial complementar da disposição geral constante do artigo 49º, do Código de Processo Penal.
9. O n.º 4 do artigo 178º, do Código Penal, não constitui, nem sistemática nem teleologicamente, uma suposta nova alínea c) do n.º 1 do artigo 178º, do Código Penal.
10. Ao permitir ao Ministério Público a prossecução de um procedimento criminal que não iniciou e relativamente ao qual existe desistência de queixa apresentada pelo titular do direito respectivo, a decisão recorrida representa uma inconstitucional extensão analógica das excepções tipificadas nas duas alíneas do n.º1 do artigo 178º, do Código Penal.
11. A decisão recorrida significa, assim, a inconstitucional qualificação e conversão judicial como crimes públicos de crimes que o legislador penal, no artigo 178º, n.º1, do Código Penal, expressamente considerou e tipificou como delitos semi-públicos.
12. A decisão recorrida viola também, portanto, os artigos 2º (princípio da separação de poderes), 29º, n.º1 (princípios da legalidade e tipicidade criminal) e 165º, n.º1, alínea c), da CRP (reserva exclusiva da Assembleia da República em matéria de definição de crimes e os respectivos pressupostos).
13. A mãe da menor, assistente que deu início ao procedimento criminal apresentando em representação daquela a queixa, exerce sem qualquer limitação ou restrição o seu poder paternal.
14. O tribunal a quo não apresenta qualquer razão concreta, palpável, consistente ou credível da suposta “incapacidade” da assistente queixosa em exercer adequadamente o poder paternal e em zelar pelo interesse da menor.
O recurso foi admitido.
Responderam assistente e Ministério Público, a primeira manifestando a sua total concordância com a posição defendida pelo arguido, o segundo pugnando, fundamentadamente, pela confirmação da decisão recorrida.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronuncia no sentido da improcedência de todos os recursos interpostos.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.
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Desistência da Queixa
A questão suscitada no recurso interlocutório interposto pelo arguido, qual seja a de saber se a desistência da queixa apresentada pela assistente deve ou não ser considerada relevante e, caso afirmativo, ser homologada e assim determinar o arquivamento do processo, obviamente que deve ser conhecida imediatamente.
Decidindo, dir-se-á.
No caso vertente estamos perante uma desistência de queixa apresentada pela queixosa/assistente e mãe da menor ofendida (menor de 9 anos), já na fase de julgamento, designadamente já depois de o arguido e de duas testemunhas de acusação terem sido ouvidos.
Não são pois razões atinentes ao interesse da menor, maxime a reserva da sua intimidade e da sua imagem, bem como a preservação do seu equilíbrio emocional e da sua personalidade, subtraindo-a à exposição pública, que subjazem à desistência apresentada.
Ao que parece, serão razões puramente economicistas que estão na base do comportamento de favor relativamente ao arguido assumido pela assistente.
Deste modo, a motivação nuclear ou a razão de ser da natureza semi-pública do crime objecto do processo, (já) não está em causa neste momento.
O interesse da menor inflecte-se e projecta-se, pois, de forma exclusiva no sentido da procura e da descoberta da verdade, da reparação do mal que eventualmente lhe foi causado e da punição do responsável pela produção desse mal e prática do respectivo facto típico, ou seja, no sentido do exercício acção criminal.
Feita esta breve observação, tendo em vista um melhor enquadramento da questão jurídica submetida à nossa apreciação, vejamos se a lei concede ou não ao Ministério Público a faculdade de prosseguir com o processo ou procedimento nos casos em que o procedimento criminal pelo crime do artigo 172º, do Código Penal (abuso sexual de crianças) se iniciou com a apresentação de queixa pelo respectivo titular, havendo posteriormente uma desistência, suposto que a vítima é menor de 16 anos.
Primeira observação a fazer é a de que, podendo o Ministério Público, de acordo com o artigo 178º, n.º 4, do Código Penal, dar início ao procedimento criminal se o interesse da vítima o impuser, entre outros, no caso de crime do artigo 172º, certo é que este crime, nesse contexto, perde a natureza de crime semi-público e, portanto, o respectivo estatuto ou regime.
Segunda observação é a de que a lei ao exigir como requisito do exercício daquela faculdade pelo Ministério Público o interesse da vítima, pressupõe, por um lado, a inércia ou a posição de quem, sendo representante legal daquela, podia e devia exercer o direito de queixa e não o faz por razões alheias ao interesse da mesma e, por outro lado, a existência de razões atinentes à protecção e ao interesse da vítima que exijam ou justifiquem o exercício da acção criminal. Isto é, a lei pretende suprir uma omissão ou falha por parte de quem tem o dever de velar e zelar pela vítima (representante legal), com o intuito de o interesse da mesma ser salvaguardado e defendido e, daí que (se possa e deva concluir), quem cometeu a falha ou a omissão (representante legal da vítima), não possa, mais tarde, vir a atingir o mesmo desiderato mediante a apresentação de desistência de queixa.
Tal raciocínio, evidentemente, não pode deixar de ser extensível e aplicável aos casos em que o representante da vítima, conquanto inicialmente tenha actuado de acordo com o seu dever, apresentando queixa, obviamente, no interesse da vítima, venha mais tarde, por razões alheias àquele interesse, postergar o mesmo, desistindo injustificadamente da queixa apresentada e, daí que, neste caso se tem de reconhecer ao Ministério Público a possibilidade (legitimidade) de se opor à desistência da queixa e de promover o prosseguimento do procedimento.
Acresce que no caso do crime de maus-tratos do artigo 152º, do Código Penal (redacção pré-vigente introduzida pela Lei n.º 65/98), o legislador tendo atribuído também legitimidade ao Ministério Público para iniciar o procedimento – n.º 2 – previu expressamente a possibilidade de a vítima se opor ao prosseguimento do processo.
Ora, nada se tendo previsto de idêntico ou similar na redacção dada ao actual n.º 4 do artigo 178º e na redacção que tinha o n.º 2 daquele artigo, a qual foi introduzida pela Lei n.º 65/98, uma só conclusão se pode e deve extrair, qual seja a de que no caso do crime de abuso sexual de crianças e nos demais crimes previstos no artigo 178º, n.º 1, é irrelevante a oposição ou a desistência do titular do direito de queixa, quando o Ministério Público decide iniciar ou continuar o procedimento criminal nos termos do artigo 178º, n.º 4, ( - Cf. neste sentido, com fundamentos não totalmente coincidentes, Maria João Antunes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal «Sobre a Irrelevância da Oposição ou da Desistência do Titular do Direito de Queixa», Ano 9, Fasc. 2, Abril-Junho de 1999, 315 a 329.) conclusão que, obviamente, em nada colide com os princípios da separação de poderes, da legalidade e da tipicidade nem com os direitos do arguido constitucionalmente consagrados.
Nesta conformidade, tendo por certo, como já consignado se deixou, que o interesse da vítima B... impõe o prosseguimento do procedimento, é evidente que improcede o recurso interlocutório interposto.
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Passando ao conhecimento dos recursos da decisão final, cumpre começar por delimitar o seu objecto e âmbito, os quais nos são dados pelas conclusões extraídas das respectivas motivações.
O Ministério Público circunscreve o seu recurso à questão da qualificação jurídica dos factos, entendendo que inexiste uma continuação criminosa, pelo que a seu ver o arguido deve ser condenado pela autoria material de cinco crimes, conquanto numa pena conjunta da mesma medida da que lhe foi cominada pelo tribunal, qual seja de cinco anos de prisão.
O recurso do arguido visa o reexame da matéria de facto e da matéria de direito, sob a alegação de que a prova foi incorrectamente valorada, apreciada e interpretada, pretendendo se modifique a decisão de facto proferida e, por via dessa modificação, se altere a pena de prisão aplicada, a qual a deve ser fixada em medida não superior a 3 anos com execução suspensa, subordinada à realização pelo condenado de tratamento psicoterapêutico especializado.
É do seguinte teor a decisão proferida sobre a matéria de facto (factos provados):
«a) O arguido residia no Beco do Barroco, n.º 6, em Bizorreiro de Lavos, Figueira da Foz, utilizando igualmente a casa sita na Rua 9 de Outubro, 13, 3º esq., na Gala, Figueira da Foz, sendo quer a B... , nascida a 05.08.94, residia igualmente no dito Beco do Barroco, mas na casa com o n.º 9, juntamente com a mãe, padrasto e irmãos;
b) Mercê dessa proximidade, o arguido conheceu a B... na rua, onde esta brincava e, fisicamente atraído por ela apesar dos seus oito anos de idade, aproximou-se dela e encetou diálogo, que foi correspondido, iniciando-se assim amizade entre ambos, traduzida em conversas progressivamente mais frequentes e depois mesmo em visitas dele a casa a casa dela e em oferecer-lhe coisas diversas, como gelados, rebuçados, chocolates, balões e um CD;
c) Esse relacionamento, iniciado cerca do final de Maio de 2003, levou também a que o arguido conquistasse a confiança e amizade da mãe da B..., C..., começando ele em Junho de 2003 a convidar a pequena a sair consigo, para o efeito pedindo-o por vezes à mãe dela, e em outras ocasiões sendo a própria pequena quem solicitava essa autorização;
d) Começou assim o arguido a levar a B... a Coimbra, visitando o “Portugal dos Pequenitos”, a Universidade e comendo no “MacDonald’s”, fez com ela um passeio ao Luso e, na zona da Figueira da Foz iam juntos à Serra da Boa Viagem, indo por vezes no regresso à praia da Costa de Lavos. Com o início das férias escolares da B... o convívio dela com o arguido, as saídas e idas à praia intensificaram-se, e ela mesmo passou frequentemente a ir ter com o arguido à casa do n.º 6 do Beco dos Barroco, onde ele viva só;
e) Numa das ocasiões em que a B... foi ter a casa do arguido estando a ver televisão com eles o irmão daquela, Bruno José, que a tinha acompanhado, sem que este se apercebesse o arguido apalpou e acariciou os seios da pequena, por cima da roupa. O arguido evitava que o seu convívio com a B... fosse acompanhado do Bruno José que uma vez chegou mandar a sair para ficar só com aquela na dita casa n.º 6 do Beco do Barroco;
f) O arguido consultava na internet “sites” pornográficos, alguns de pornografia infantil, bem como diversos outros cuja temática fosse sexo, crimes sexuais, abuso sexual de menores, pedofilia em geral e conselhos a pais para protecção dos filhos, e era leitor de revistas pornográficas, possuindo em casa diversas delas e também disquetes com ficheiros de imagens de adolescentes, crianças e até bebés, algumas em actos de sexo explícito, ligações a “sites” daqueles temas, fotografias de mulheres nuas e recortes de jornais, como “Correio da Manhã”, “Diário de Coimbra” e “Diário de Notícias” referentes a crimes sexuais, abuso sexual de crianças e maus-tratos a menores, designadamente um de 16/02/2003, dois de 23/02/2003 e um de 30/03/2003. Designadamente, possuía revistas com os títulos “Achtgenheimhalb”, “Fist Fucking”, “School Girl” e “Anal Teens”, que deixou ao alcance da B..., a qual certa vez teve curiosidade de ver o interior de uma, observando então fotografias de diversas mulheres nuas e em posse;
g) Mostrou ainda à B... fotografias entre as quais se encontravam três de uma mulher jovem, em roupa interior ou seminua, e duas em que revelava os seios descobertos, e que lhe dizia ser uma tal Renata, sua namorada que residiria no Brasil;
h) Nas idas à praia, procurava lugares entre as dunas ou suficientemente distantes para não serem observados, aí jogando dominó, comendo lanche e brincando com a menor, levando uma caixa de toalhetes “Dodot” e bonecos de pelúcia, e habitualmente montando uma tenda individual, onde permaneciam, com o inevitável contacto corporal;
i) Por vezes o arguido limpava a B... quando esta vinha da água e numa dessas ocasiões, vindo aquela molhada, tirou-lhe o biquini e, enxugando-a com a toalha, que deixou de permeio, passou a dada altura a mão pela vagina dela, limpando-a por fora, até que meteu um dedo esticado no interior, para penetrá-la, facto de que pelo incómodo sentido a pequena se apercebeu, ficando receosa. Em outra dessas ocasiões, na praia, e não obstante a presença da B..., que o avistava, o arguido, nas traseiras da tenda, descobriu o pénis e urinou sobre a areia, sendo visto pela pequena;
j) Também na Praia da Costa de Lavos acontecia por vezes o arguido despir-se à frente da B..., dentro e fora da tenda, exibindo o pénis erecto e, quando dentro de água na companhia dela, despir os calções de banho ficando nu;
k) Nas deslocações que faziam no seu automóvel “Opel Corsa”, cinzento, de matrícula 72-46-MB, o arguido colocava a mão direita nas pernas da B.... Estacionava esse veículo num quintal da casa n.º 6 do Beco do Barroco, e por vezes levava para ali a pequena, para dentro do automóvel, beijando-a na cara e nas mãos;
l) Nesse mesmo quintal, o arguido montou a tenda de campismo, para onde levava a B..., ali se despindo e deitando com ela, sucedendo que levava também a tenda para junto de um pinhal, ficando com a pequena, que o acompanhava, no respectivo interior;
m) O arguido começou a dizer a certo ponto à B... que a aludida “Renata” queria fotografias suas nua, e também dele nu, exibindo-lhe e deixando-lhe ler cartas por si manuscritas mas que dizia serem dessa “Renata” ou de outras pessoas, e cujos temas versavam expressamente actos sexuais de índole diversa, como masturbações, penetrações, sexo oral, tamanho de órgãos sexuais e ejaculações, tudo com recurso a linguagem vernácula e explícita e referidos ao arguido, à tal “Renata” e a terceiras, com alusão a idades infantis ou juvenis, pedido de que a B... tirasse uma fotografia sua, manifestações de vontade dela e de uma tal Yasmin em conhecê-la e sugestão de que experimentasse certas peças de roupa. Numa dessas cartas, dirigida à B..., consta que a suposta “Renata” congratula a pequena pelas fotografias tiradas, dizendo que são somente um meio de a desinibir para uma carreira de modelo, ninguém as vendo porque ficariam em cofre do arguido;
n) Com efeito, durante o Verão de 2003, o arguido foi tirando fotografias à menor e a si próprio, no carro, na tenda, na praia, junto do pinhal e nas suas residências, nestas sucedendo isso no quarto de dormir, onde se deitava com ela numa cama individual, ambos em roupa interior, sendo o arguido de cuecas ou mesmo com o pénis descoberto. Em várias dessas fotografias a B... aparece nas situações mais diversas, ora só, de pernas abertas, com e sem bonecos de pelúcia entre elas, ou de calças desapertadas, ou em poses sensuais, com bolachas, gelados ou “chupa-chupas” na boca, ou de nádegas levantadas, ou com a vagina descoberta e em primeiro plano, ou de cuecas visíveis por baixo de saias levantadas, ou coberta de areia mas com os mamilos à mostra, ou em grande plano das respectiva nádegas, ou usando meias de rede pretas, de dedo na boca, ou a comer uma banana, ou com chumaços na zona dos seios, simulando tê-los proeminentes e chupando o dedo, ou na praia lendo uma das acima referidas cartas, ora na companhia do arguido, deitados nus com pouca roupa, ou estando encostados, abraçados numa cama, ou ele de calções junto a ela e com o pénis descoberto e recto, ou deitada de costas para cima, com creme sobre as nádegas e pernas, sugerindo esperma e aparecendo em primeiro plano o pénis erecto do arguido, nus casos estando ele a segurá-lo com a mão. Para além disso, foram tiradas diversas fotografias apenas ao arguido, em algumas sendo retratado de pénis erecto em posições e situações diversas, sendo umas tiradas pelo próprio arguido mas pelo menos uma tirada pela B...;
o) Por várias vezes, na praia da Costa de Lavos, o arguido pediu à B... que lhe agarrasse no pénis, e aproximou-o erecto da vagina dela, pedindo-lhe para deixar-lho encostar àquela, tendo-se a pequena afastado, e por diversas naquela praia e também na casa n.º 6 do Beco da Barroca pediu-lhe, com o pénis erecto e exibindo-lho, que lho chupasse na boca, sem que todavia a pequena alguma vez anuísse a praticar tais actos e não a forçando o arguido a isso;
p) Sem nunca ter conhecido o seu pai, a B... apreciava a companhia do arguido, que a afastava da sua vida habitual, fazendo-a sentir-se diferente e atraída, prometendo-lhe levá-la ao Brasil, acalentando-lhe a ilusão de uma carreira de modelo e dizendo-lhe que não contasse nada à mãe, ao que a pequena correspondia por temer que esta lhe ralhasse e por medo;
q) Na posse das películas fotográficas contendo as fotografias acima aludidas, o arguido pelo menos por três vezes, em Julho, em meados de Setembro e em 1 de Outubro de 2003, dirigiu-se ao estabelecimento denominado “Multicolor”, sito na Rua Mário Pais, 14, em Coimbra, para revelação delas, sendo que nessas ocasiões, ao entregar as películas mostrava uma carteira com as inscrições “Secretaria de Estado da Polícia Civil” e “Polícia”, tendo aposto um distintivo com a inscrição “Estado do Rio de Janeiro”, fazendo-o passar por distintivo de polícia e com isso pretendendo evitar perguntas dos funcionários do estabelecimento a respeito dessas fotografias;
r) No que vai descrito agiu o arguido com o propósito, muitas vezes concretizado outras não, mas sempre reiterado, de praticar acto sexual de relevo com a B..., fotografá-la em contexto sexual, com ela manter conversações de cariz sexual, expô-la aos seus órgãos sexuais, a objectos, fotografias e textos de natureza sexual, com o intuito de satisfazer os seus impulsos libidinosos e apesar de sabê-la menor de 14 anos de idade, que assim atentava contra o livre desenvolvimento da sua personalidade e sexualidade e que tais condutas eram proibidas e punidas por lei;
s) O arguido, solteiro e cujos pais residem no Brasil, de onde também ele veio há alguns anos, é estudante, finalista do curso de Direito na Universidade de Coimbra. Subsiste com as quantias que seus pais lhe enviam, no montante médio de 250,00 mensais. Pretende concluir o seu curso, vindo a segui-lo apesar de recluso, e depois prosseguir em Portugal uma carreira profissional. Circunstâncias adversas da sua vida amorosa, conjugadas com alguma perturbação da personalidade e tendência para a solidão, que potenciaram, foram o contexto propiciador da sua decisão à prática dos factos, sem que todavia esse contexto o impedisse de os reconhecer como indevidos ou de os não praticar. Manifesta a intenção de se sujeitar a acompanhamento de psicologia clínica, com o objectivo de lidar com as suas perturbações, e de não mais residir na vizinhança da B.... É tido por familiares, amigos e conhecidos como pessoa correcta e bem comportada, não tem antecedentes criminais e admitiu alguns dos factos;
t) As circunstância de a B... ser órfã de pai, que não conheceu, o que lhe causava pena, e de ter um relacionamento difícil com o padrasto, frequentemente ausente, desconhecendo assim afectos paternais, e de ser de um estatuto económico e social deprimido, tudo contribuindo para mais facilmente se deslumbrar com as ofertas e atenção dispensadas e para ver nele uma referência paternal, facilitaram a conquista da respectiva confiança e a amizade por banda do arguido, que por outro lado se prevaleceu, para granjear também a confiança e a amizade da mãe da B..., do seu estatuto de estudante universitário e da aparência de pessoa que gostava de crianças e que com elas mantinha relações saudáveis;
u) A mãe da B... não tinha assim conhecimento do que se passava entre esta e o arguido, de quem tinha boa impressão, só após a detenção deste ficou a par do sucedido, sentindo traída a confiança que nele depositara, ao confiar-lhe a filha e tendo temido até que os seus avanços tivessem ido mais longe, com isso sofrendo grande perturbação e desgosto. Sentiu e sente ainda vergonha, perante familiares, amigos, conhecidos e até o público, temendo ser apontada como mãe de uma menina abusada;
v) A B... por seu lado, ainda incapaz de entender cabalmente o significado daqueles actos, viu-se persistente e repetidamente sujeita a eles, sofrendo os inerentes prejuízos da inocência sexual da própria idade que então tinha, escândalo e confusão de sentimentos, tudo com as correspondentes perturbação psíquica e de desenvolvimento da personalidade, tristeza e retraimento, o que não esquecerá e só ultrapassará em futuro incerto. Para além disso, os factos tornaram-se públicos, temendo a menor ser por causa deles socialmente desacreditada na sua moral (e de resto sendo-o efectivamente por algumas pessoas do seu meio) e que lhe venham no futuro a ser apontados como um passado censurável, desonroso e susceptível de perturbar relações sentimentais com o sexo oposto».
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Incorrecta Valoração e Apreciação da Prova
Começar-se-á por assinalar que conquanto o arguido na motivação de recurso alegue que o acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova, a verdade é que ao fazê-lo, como é patente, não pretende arguir o vício previsto no artigo 410º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, mas apenas censurar a valoração, apreciação e interpretação da prova feitas pelo tribunal a quo ( - Por isso ao delimitarmos o objecto do recurso nele não incluímos aquele vício da sentença.).
Para tanto, invoca o arguido, por um lado, que parte dos factos constantes da decisão proferida sobre a matéria de facto não dispõem de qualquer suporte probatório e, por outro, que parte daqueles factos apenas se baseia nas declarações prestadas pela menor ofendida ou em meras ilações retiradas pelo tribunal destas declarações, o que por si foi contraditado, razão pela qual devem aqueles factos ser considerados como não provados.
Concretamente, entende o arguido não haver prova bastante de:
- Ter apalpado e acariciado os seios da B..., por cima da roupa;
- Haver intencionalmente deixado ao alcance da B... revistas contendo fotografias de mulheres nuas e em pose;
- Ter introduzido um dedo esticado no interior da vagina da B... para penetrá-la;
- Haver o arguido, na praia da Costa de Lavos, mais concretamente no interior da tenda, despido a roupa à frente da B..., exibindo-lhe dentro e fora da tenda o pénis erecto;
- Ter despido os calções de banho dentro de água, mostrando o pénis à B...;
- Colocar a mão direita nas pernas da B... quando a transportava no seu veículo automóvel;
- Despir-se e deitar-se com a B... dentro da tenda de campismo, após haver montado esta no seu quintal;
- Ter começado a dizer à B... que a sua amiga Renata queria fotografias suas nua e haver exibido à B... cartas por si escritas, que atribuía à Renata e a outras pessoas, nas quais falava de actos sexuais de diversa espécie, utilizando linguagem vernácula e explícita;
- Ter a B... tirado fotografias ao arguido, encontrando-se o mesmo nu;
- Ter pedido à B..., na praia da Costa de Lavos, que lhe agarrasse o pénis, tendo aproximado este em erecção da vagina daquela, pedindo-lhe para lho deixar encostar àquela;
- Ter pedido à B..., na praia da Costa de Lavos e em sua casa no Beco da Barroca, encontrando-se com o pénis erecto e exibindo-lho, que o chupasse na boca;
- Ter agido com o propósito, sempre reiterado, de praticar acto sexual de relevo com a B..., de fotografá-la em contexto sexual, com ela manter conversações de cariz sexual, expô-la aos seus órgãos sexuais, a objectos, fotografias e textos de natureza sexual, com o intuito de satisfazer os seus impulsos libidinosos, apesar de saber que a mesma tinha menos de 14 anos e que atentava contra o livre desenvolvimento e da personalidade e sexualidade da mesma, sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.
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A nossa lei adjectiva penal consagrou em matéria de apreciação da prova princípio geral segundo o qual aquela é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do juiz (artigo 127º), convicção que, enquanto pessoal, posto que na sua formação assume um papel de relevo, não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais, não deixa de ser uma convicção objectivável e motivável, porquanto subordinada à razão, à lógica, às leis do pensamento e às regras da experiência ( - Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 205, e Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, II, 297 e ss.).
Uma tal convicção, posto que implica o julgamento e a eventual punição de uma pessoa a qual, em último termo, se pode ver privada da sua liberdade, existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos.
Assim, como refere aquele insigne penalista de Coimbra ( - ibidem, ibidem.), a «convicção» do juiz não é mera opção «voluntarista» pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim produto de um processo que só se completará quando o tribunal, por via de uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse.
Deste modo, a prova necessária à formulação de um juízo de convicção nada tem a ver nem reside na quantidade dos meios de prova produzidos nem na sua natureza (directa ou indiciária), mas sim com a sua qualidade, isto é, com a sua veracidade e autenticidade ( - De acordo com a doutrina nacional que é pacífica neste particular, o juiz é livre de formar a sua convicção na base de depoimento de um (só) declarante em desfavor de testemunhos contrários – cf. por todos Figueiredo Dias, ibidem, 207, e Eduardo Correia, Processo Criminal – Lições ao 5º Ano Jurídico de 19053-54, 165.), cuja indagação, diga-se desde já, só é possível mediante a aquisição de uma impressão pessoal dos meios de prova, com destaque, obviamente, para a prova por declarações, prova cuja veracidade só é detectável através do contacto oral e directo com as pessoas – oralidade e imediação –, única forma de correctamente aferir da idoneidade das pessoas e da autenticidade dos factos por elas transmitidos ( - Cf. Figueiredo Dias, ibidem, 198.).
Com efeito, é evidente que a valoração da prova por declarações e testemunhal depende, para além do conteúdo das declarações e dos depoimentos prestados, do modo como os mesmos são assumidos pelo declarante e pela testemunha e da forma como são transmitidos ao tribunal, circunstâncias que relevam, para além da postura e comportamento geral do declarante e da testemunha, para efeitos de determinação da credibilidade deste meio de prova, por via da amostragem ou indiciação da personalidade, do carácter e da probidade de quem declara ou testemunha.
Destarte, como sempre defendemos nesta Relação, ao longo de vários anos, o tribunal de recurso ao reapreciar a prova por declarações e testemunhal, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido ( - Cf. entre muito outros os acs. de 02.06.19, 03.05.28 e 04.01.28, proferidos nos processos n.ºs 1770/02, 2843/02 e 3640/03, que traduzem a orientação jurisprudencial pacífica e constante da Secção Criminal.).
No caso vertente, certo é que o tribunal a quo de entre os diversos meios de prova apresentados e produzidos, elegeu alguns em detrimento de outros, por entender serem uns credíveis e outros não, tendo obviamente formado a sua convicção a partir dos meios de prova que elegeu, convicção que justificou de forma pormenorizada e fundamentada ao longo de cinco páginas.
Face às considerações atrás tecidas e ao exame dos autos, designadamente das provas apresentadas e produzidas, certo é nada justificar a formulação de um juízo valorativo distinto do assumido em 1ª instância, designadamente no que concerne às declarações prestadas pela menor B..., meio de prova que, como é sabido, em situações como a dos autos, assume um relevo muito especial.
Por outro lado, certo é que a prova na base da qual o tribunal a quo formou a sua convicção – com destaque para os documentos fotográficos e as declarações da menor B... – justifica amplamente a concreta decisão de facto proferida, decisão que reflecte um cuidado, criterioso e correcto juízo de apreciação e de interpretação, razão pela qual não merece provimento o recurso do arguido na parte em que impugna a matéria de facto.
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Qualificação Jurídica dos Factos
Entende o Ministério Público que o comportamento protagonizado e assumido pelo arguido relativamente à menor ofendida B..., o qual teve início em finais de Maio de 2003 e perdurou até princípios de Outubro de 2003, deve ser qualificado como integrando um concurso de crimes continuados – crimes previstos nos n.ºs 1 e 2 e nas alíneas a), b) e c), do n.º 3, do artigo 172º, do Código Penal – e não como um crime continuado do artigo 172º, n.º1, do Código Penal, como foi considerado pelo tribunal recorrido.
Alega em defesa do seu entendimento, fundamentalmente, não haver prova de que ao longo de toda a realização criminosa o arguido tenha agido com o mesmo dolo, nem de que o comportamento daquele esteja interligado por facto exógenos que o hajam arrastado para a reiteração e que, por isso, se mostre significativamente diminuída a sua culpa.
Observação preliminar a fazer é a de que não se vê razão ou motivo, face à argumentação apresentada pelo Digno Magistrado recorrente, para a aceitação de continuação criminosa relativamente a partes ou segmentos do comportamento protagonizado pelo arguido e, concomitantemente, para a rejeição de continuação criminosa relativamente ao comportamento global daquele.
Como é sabido, o crime continuado ocorre quando o agente, com unidade de propósito e violando o mesmo bem jurídico – pertencente a uma pessoa ou a várias sempre que o bem ou bens violados não sejam de natureza eminentemente pessoal –, executa em momentos distintos acções diversas, cada uma das quais conquanto integre um comportamento delituoso, não constitui mais que a execução parcial de um só e único facto típico ( - Cf. Cuello Calón, Derecho Penal, Parte General, 9º edição, 566.), sendo que o seu fundamento reside no menor grau de culpa do agente.
São pois seus pressupostos:
- a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico;
- homogeneidade da forma de execução;
- lesão do mesmo bem jurídico;
- unidade de dolo
- persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa ( - Cf. Simas Santos/Leal Henriques, Código Penal Anotado, 1º, 289.).
Segundo Eduardo Correia ( - Direito Criminal, II, 210.), as seguintes situações, por consubstanciadoras de uma considerável diminuição da culpa do agente, poderão estar na base de uma continuação criminosa:
a) ter-se criado, através da primeira actividade criminosa, um certo acordo entre os sujeitos;
b) voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa;
c) perduração do meio apto para realizar o delito que se criou ou adquiriu para executar a primeira conduta criminosa;
d) a circunstância de o agente, depois de executar a resolução criminosa, verificar haver possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade.
Do que vimos de expor e tendo em vista o preceito do n.º 2 do artigo 30º, do Código Penal, poder-se-á concluir que o crime continuado se verifica quando, com unidade de dolo e em momentos distintos, mediante várias acções ou omissões, cada uma das quais constitutiva de comportamento delituoso, se lesam bens jurídicos pertencentes a uma pessoa, ou a várias sempre que os bens atingidos não sejam de natureza eminentemente pessoal, face a existência de uma situação exterior que, incentivando, propiciando ou facilitando o comportamento delituoso, diminui de forma sensível a culpa do agente.
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As diversas situações típicas previstas no artigo 172º, do Código Penal, tutelam o mesmo bem jurídico, qual seja a autodeterminação sexual de menor de 14 anos de idade – protecção da sexualidade e do livre desenvolvimento da personalidade ( - Cf. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao Código Penal, I, 541/542 e Mouraz Lopes, Os Crimes Contra a Liberdade e a Autodeterminação Sexual no Código Penal, 81/82.).
Vem provado que o comportamento delituoso do arguido se verificou desde finais de Maio de 2003 e perdurou, regular e ininterruptamente, até à data da sua detenção (princípio de Outubro de 2003), sendo que, quer o seu início quer a sua prossecução se ficaram a dever a um conjunto de circunstâncias exteriores, quais sejam, a proximidade das residências do arguido e da menor, a amizade e a confiança mútua que se constituíram e que se foram fortalecendo entre o arguido e a menor B..., bem como entre o arguido e a mãe desta, a ocorrência de frequentes e contínuos contactos nos mais variados locais e contextos entre o arguido e a menor, alguns deles por iniciativa da própria menor que se dirigia a casa do arguido, outros possibilitados pelos pedidos de autorização para sair com o arguido solicitados a sua mãe, contactos que muitas das vezes tinham lugar encontrando-se o arguido e a menor B... a sós, designadamente no interior do veículo do arguido, na praia e no interior de uma tenda de campismo, tenda que o arguido montava no quintal da sua residência, na praia ou no pinhal.
Mais vem provado que o arguido agiu com o propósito, sempre reiterado, de praticar actos de natureza sexual e de natureza exibicionista com ou perante a menor B..., com o intuito de satisfazer os seus impulsos ou desejos libidinosos.
Ora, perante este quadro factual dúvidas não restam de que o arguido, entre finais de Maio e princípios de Outubro de 2003, se comportou de forma a realizar, repetidamente, os crimes previstos nos n.ºs 1, 2 (na forma tentada) e 3, alíneas a), b) e c), do artigo 172º, do Código Penal, crimes que tutelam o mesmo bem jurídico, o que fez com propósito sempre renovado, de forma essencialmente homogénea e sob solicitação da mesma situação exterior, a qual propiciou a repetição ocorrida evidenciando uma diminuição sensível da sua culpa, a significar que bem andou o tribunal a quo ao qualificar o comportamento do arguido como integrante de um crime continuado previsto no artigo 172º, n.º1, do Código Penal (atento a que as violações do n.º 2 se processaram na forma de mera tentativa), consabido estarmos perante uma só vítima.
Improcede pois o recurso do Ministério Público.
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Desajustada Dosimetria da Pena
Alega o arguido não dever ser condenado em pena superior a três anos de prisão, pena que deverá ser suspensa na sua execução, tendo em conta nunca haver forçado a menor Daniel e não ter ido mais além porque não quis, para além de que de acordo com o relatório de avaliação psicológica a que o arguido foi submetido, se recomenda a realização de um tratamento psicoterapêutico especializado, capaz de flexibilizar as dificuldades por si apresentadas, de melhorar o funcionamento intrapsíquico e de normalizar a sua vida interpessoal.
A determinação concreta da medida da pena, dentro da respectiva moldura – artigo 71º, n.º1, do Código Penal – faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no referido dispositivo, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de Direito Penal, quais sejam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente ma sociedade – artigo 40º, n.º1, do Código Penal – sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – artigo 40º, n.º 2, do Código Penal ( - Certo que o crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação – artigo 79º, do Código Penal.).
Efectivamente, a partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é fornecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positivas ou de socialização, excepcionalmente negativas ou de intimidação ou segurança individuais.
É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República – e foi assumido pelo legislador penal de 1995 ( - Vide Figueiredo Dias, Temas Básico da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal, 104/111.).
Como refere Anabela Rodrigues ( - Problemas Fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin, “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208.), o artigo 40º, do Código Penal, após a revisão de 1995, condensa em três proposições fundamentais um programa político-criminal – a de que todo o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena, de onde resulta que:
«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela necessidade de tutela dos bens jurídicos, isto é, pela exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas».
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa ( - O mínimo da pena, como já ficou dito, segundo Figueiredo Dias, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues, ibidem, 178/179, bem como Taipa de Carvalho, Liber Discipulorum Para Jorge Figueiredo Dias, 317/329, ao defender que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima.), elegendo em cada caso aquela que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não obviamente, num sentido retrospectivo, face um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada ( - Cf. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 105/106.).
Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime, pois só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade.
Há que ter em atenção, porém, que aquilo que é “merecido” não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral ( - Vide Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde), 96/98.).
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Estamos perante um crime continuado de abuso sexual de crianças ( - Como já referimos, de acordo com o artigo 79º, do Código Penal, o crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação, pena que no caso vertente é de 1 a 8 anos – artigo 172º, n.º1, do Código Penal.), facto típico que tutela o direito ao desenvolvimento natural da sexualidade das crianças e dos jovens, de forma a não se verificarem perturbações das condições básicas para que no futuro possam alcançar um desenvolvimento livre da sua personalidade do ponto de vista sexual.
A ilicitude dos factos é acentuada, atenta a idade da menor B... à data dos factos (oito anos), a multiplicidade de acções típicas perpetradas pelo arguido e o período de tempo durante o qual aquelas se processaram (cerca de quatro meses).
As consequências daí resultantes não podem deixar de ser consideradas graves, conquanto não se haja provado que a B... fique para sempre marcada moral e psicologicamente, posto que menor foi sujeita persistente e repetidamente a actos sexuais de diversa índole o que, obviamente, a perturbou psiquicamente e influenciou negativamente o desenvolvimento da sua personalidade.
O arguido agiu com dolo directo, para satisfação dos seus desejos libidinosos, sendo o seu grau de culpa elevado, pese embora revele algumas dificuldades no funcionamento intrapsíquico e na sua vida interpessoal.
As exigências de tutela do bem jurídico violado são elevadas.
Apesar do exposto ter-se-á de considerar que o arguido nunca enveredou, muito embora fosse esse o seu desejo, pela prática de actos sexuais de cópula ou coito, para além de que os actos sexuais que praticou, aliás em número reduzido, não podem ser considerados dos mais relevantes. Como se refere no acórdão impugnado, o arguido quanto à mais grave das condutas ficou-se pela tentativa e quanto à generalidade das outras condutas ficou muito aquém do que cada um dos tipos legais contempla.
Por outro lado, e conforme vem referido também no acórdão impugnado, o arguido revela uma regular inserção social, mantendo satisfatórios e regulares relacionamentos familiares e sociais, estando em vias de concluir curso superior, para além de se manifestar disposto a acompanhamento de psicologia clínica, que o auxilie a lidar com os seus impulsos, e a não mais residir nas proximidades da menor B....
Tudo ponderado entende-se reduzir para 4 (quatro) anos de prisão a pena cominada, pena que a nosso ver, situando-se dentro da medida da culpa, satisfaz as exigências de prevenção geral e se mostra consentânea com as necessidades de prevenção especial.
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Termos em que se acorda:
a) Negar provimento ao recurso interlocutório;
b) Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público;
c) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, reduzindo a pena de prisão aplicada para 4 (quatro) anos.
As custas do recurso interlocutório serão suportadas pelo arguido, que nele decaiu, e pela assistente, atenta a resposta que apresentou na qual se pronuncia contra a decisão recorrida.
As custas do recurso da decisão final interposto pelo arguido serão por este suportadas dado que nele parcialmente decaiu.
Não são devidas custas relativamente ao recurso interposto pelo Ministério Público, posto que delas está o mesmo isento.

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