Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1226/04.3TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
FORMA
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
Data do Acordão: 01/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 684º-A, DO CPC; 115º DO CÓDIGO DO TRABALHO; E 5º, Nº 2, DA LEI Nº 28/98, DE 26/07
Sumário: I – A ampliação do recurso, prevista no artº 684º-A, do CPC, destina-se a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamento da acção não considerado na sentença recorrida, no caso em que determinado pedido tenha pluralidade de fundamentos e, por força do recurso, o fundamento acolhido naquela sentença venha a ser considerado improcedente.

II – É o caso de numa acção de despejo o autor invocar várias causas de resolução do contrato de arrendamento e a sentença que o venha a decretar só considerar uma dessas causas, situação em que convirá que o autor (vencedor), em caso de recurso, proceda à ampliação do recurso às outras causas, prevenindo a necessidade da sua apreciação se decair na que foi antes considerada como suficiente.

III – O contrato de trabalho desportivo só é válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes – artº 5º, nº 2, da LCTD (Lei nº 28/98, de 26/07) -, pelo que quando assim não suceda o contrato é nulo (artº 220º do C. Civ.).

IV – Mas como em matéria de contrato de trabalho os efeitos jurídicos do contrato nulo subsistem como se fosse válido em relação ao tempo em que esteve em execução – artº 115º do C. Trabalho -, o que constitui uma especialidade em relação ao regime do direito civil, importa recensear os efeitos não cumpridos do dito reportados a esse período.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor intentou contra a ré a presente acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo que, declarada a ilicitude do despedimento promovido pela ré, esta seja condenada a pagar-lhe € 6.887,50 de remunerações não pagas; € 1.721,88 de férias e subsídio de Natal relativamente ao ano da contratação; € 906,25 de proporcionais das férias e respectivo subsídio e subsídio de Natal; € 2.175 a título de compensação pela violação do direito a férias do autor; € 2.175 a título de indemnização pelo despedimento ilícito; retribuição correspondente ao mês de Junho, durante o qual esteve desempregado; diferença remuneratória que deixou de auferir pelo seu despedimento ilícito; valor a liquidar em execução de sentença relativo à indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos; encargos do processo a despender em honorários e em despesas administrativas ao seu mandatário; quantia diária de € 300,00 a título de sanção pecuniária compulsória, caso a mesma não cumpra a sentença que o tribunal venha a decretar.
Alegou para tanto, em síntese, como refere a sentença recorrida, que foi sido contratado pela ré como praticante desportivo profissional em 12 de Agosto de 2003, com a remuneração base mensal líquida de € 725,00, acrescida de subsídio de alimentação, transporte e prémios de jogo, para a primeira época. Mas que a ré nunca lhe facultou duplicado do referido contrato individual de trabalho desportivo. E que no dia 28 de Maio de 2004, durante um jantar de convívio laboral, foi dispensado e convidado pela ré a procurar outro clube, sendo que o despedimento não foi precedido de procedimento disciplinar. Que a ré nunca pagou a totalidade das remunerações, liquidando apenas o subsídio mensal de alimentação, transporte e prémios de jogo, bem como nunca pagou as férias e respectivo subsídio, o subsídio de Natal, proporcionais das férias e do respectivo subsídio, nem do subsídio de Natal no ano do despedimento, negando-lhe o direito a gozar férias. Que actualmente recebe apenas € 650,00 por mês noutro clube e devido à conduta da ré sentiu-se atingido na sua própria estabilidade psicológica e emocional, tendo adoecido, sofrido pesadelos, insónias e angústia e tendo que constituir mandatário para o representar em juízo e fazer valer os seus direitos.

Após audiência de partes, notificada para o efeito, contestou a ré alegando, em resumo, que, ao contrário do que afirma o autor, o autor apenas representou a ré na época de 2003/2004 na qualidade de praticante de futebol amador, nunca tendo sido celebrado qualquer contrato de trabalho. E que no jantar de 23 de Maio de 2004 comunicou ao autor que não contaria com ele para a próxima época, pelo que por força da caducidade automática, a vinculação do autor sempre terminaria em 1 de Agosto de 2004. Que o presidente da ré entregou ao autor € 2.250,00, a título pessoal.
Concluiu, pedindo a improcedência da acção.

O autor deduziu resposta à contestação e reafirmou a celebração de um contrato, negando a sua qualidade de praticante amador, reafirmando as suas pretensões, esclarecendo ser verdade que o presidente da ré lhe entregou a quantia de € 2.250,00, mas que tal quantia se reportava a prémio acordado pela assinatura do contrato.
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Prosseguindo o processo os seus regulares termos, veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, absolvendo-a do demais pedido, condenou a ré no pagamento ao autor da quantia de € 8.647,82, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde 1 de Junho de 2004 (inclusive), até integral e efectivo pagamento.

Inconformada, a ré interpôs a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:
“1- A douta sentença recorrida não tem em linha de conta a quantia de € 2.250,00 entregue pelo presidente da recorrente ao recorrido no, momento em que este último foi inscrito como praticante amador de futebol junto da FPF;
2- Segundo os factos invocados pela recorrente na contestação, tal montante foi entregue ao recorrido como prémio de assinatura da ficha de inscrição que deu entrada na Federação Portuguesa de Futebol;
3- No art. 50º da douta resposta à contestação, o recorrido alegou que a quantia entregue se referia a um proveito material pelo desempenho da actividade desportiva;
4- O tribunal a quo concluiu (na resposta aos quesitos) o seguinte; “Artigo 12° - Provado apenas que aquando da inscrição referida no Artigo 3°, o presidente da Ré entregou a título pessoal um cheque no valor de € 2.250,00”;
5- Quer a recorrente quer o recorrido concordam que tal pagamento foi realizado por causa da actividade desportiva desenvolvida no clube e não por qualquer outro motivo, tendo a ver a divergência entre ambos com a qualificação a atribuir à quantia entregue.
6- Cabendo à recorrente o ónus da prova que o montante entregue correspondia a um prémio pela assinatura da ficha de inscrição e tendo sucumbido nesse intento como ficou demonstrado na decisão recorrida, forçosamente deveria ter-se dado como provada a única alternativa possível que era a suscitada pelo recorrido (montante correspondia a um proveito material pelo desempenho da actividade desportiva).
7- O tribunal a quo deu como provada a existência de um relação de trabalho desportivo conforme sempre alegou o recorrido, pelo que deveria, por maioria de razão, ter igualmente considerado que a quantia entregue pelo presidente da recorrente no início da época se referiria a um proveito material (conforme lhe chama o recorrido na resposta à contestação) pelo desempenho da actividade desportiva.
8- Deveria pois também nesta matéria vingar a tese do recorrido e considerar-se tal quantia um proveito material pela actividade desportiva desenvolvida no seio da recorrente.
9- Se se considerar tal quantia um proveito material (pelo desempenho da actividade desportiva) auferido pelo recorrido, deverá deduzir-se a mesma no montante que a recorrente foi condenada a pagar por via da sentença, tudo isto sob pena de enriquecimento sem causa (por parte do recorrido) no que diz respeito aos € 2.250,00.”

O autor apresentou contra-alegações, concluindo pela manutenção do julgado e pedindo a condenação da ré como litigante de má fé, requerendo, a título subsidiário, a procedência de ampliação do âmbito do presente recurso. Requereu essa ampliação, ao abrigo do disposto no artigo 684-A do C. P. Civil, conhecendo este tribunal “do fundamento do decaimento, prevenindo assim, a necessidade da sua apreciação”. Pediu que a requerida ampliação incida, nomeadamente, sobre a incorrecta determinação dos valores correspondentes aos créditos laborais devidos pela recorrente e à sua absolvição nos demais pedidos. Assim, alega:
“Em primeiro, o Tribunal a quo apenas considerou o direito do recorrido às férias e respectivo subsídio e ainda ao subsídio de Natal numa perspectiva contrária à pugnada no peticionado.
Todavia, ainda assim, e não concordando com a aplicação jurídica elaborada pelo recorrido na sua petição inicial, o Tribunal a quo deveria ter aplicado o clausulado na Convenção Colectiva de Trabalho referida na petição inicial.
Com efeito, nessa matéria, o Tribunal a quo deveria ter condenado a ré no pagamento da quantia correspondente a 25 dias úteis de férias nos termos conjugados do artigo 213°-3/a do Código do Trabalho e do artigo 25° da Convenção Colectiva de Trabalho aplicável, publicada no Boletim de Trabalho e Emprego 33/99, e ainda ao subsídio de natal por inteiro, nos termos do artigo 33° do mesmo diploma.
Em segundo lugar, o Tribunal a quo entendeu não haver lugar à atribuição de qualquer indemnização, a título de danos patrimoniais.
No entanto, segundo a matéria provada na douta sentença, nos pontos 11, 12, 13, 14 e 15 dos factos provados, o autor ora recorrido sofreu danos não patrimoniais, em virtude de a ré recorrente haver, durante a execução do contrato, deixado de cumprir deveres básicos, tal como o pagamento da retribuição.
De facto, enquanto o autor cumpria, a ré incumpria, quase só beneficiava, causando-lhe, em consequência, os danos dados como provados na douta sentença.
Assim sendo, o Tribunal a quo deveria ter condenado a ré no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais ocasionados, na sequência directa da sua conduta ilícita.
Em terceiro lugar, o Tribunal a quo não condenou a ré recorrente no pagamento das despesas de deslocação, tal como ficou provado no ponto 20 dos factos provados constante da sentença.
Em quarto lugar, segundo o Tribunal a quo "na situação dos autos, não pode falar-se de despedimento ilícito promover pela Ré, por inexistir contrato de trabalho desportivo".
Por conseguinte, no sustento desse entendimento, e pela aplicação da lei, o Tribunal a quo deveria ter considerado o contrato de trabalho do autor como contrato de trabalho sem termo, e assim julgar a dispensa do autor como despedimento ilícito, condenando finalmente a ré recorrente no montante da legal indemnização e demais peticionado.
A não ser assim, o Tribunal a quo, considerando o contrato de trabalho em crise como contrato de trabalho a termo, deveria ter, em consequência, condenado a ré recorrente no pagamento da devida compensação.
Com efeito, caducando o contrato que vinculava as partes pela expiração do prazo nele estipulado, é devida ao praticante desportivo, segundo a doutrina, compensação por tal caducidade contratual. Confrontar João Leal Amado, in Contrato de Trabalho Desportivo Anotado, página 75, ponto II.
Por fim, contrariamente ao alegado e requerido, o Tribunal a quo veio lavrar que não se havia apercebido que alguma das partes tivesse litigado de má fé, sem contudo, fundamentar.
Todavia, reiterando-se a requerida condenação da ré recorrente por litigância de má fé, pelos fundamentos já invocados, deverá o Venerando Tribunal ad quem debruçar-se sobre a sua postura processual, e afinal, condená-la nos termos anteriormente requeridos.”

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto no sentido de que não assiste razão à recorrente. No que toca ao objecto da ampliação do recurso efectuada pelo autor, nas suas contra-alegações, pronunciou-se no sentido de não ser admissível a ampliação (com o referido objecto), ao abrigo do artigo 684º-A do C. P. Civil – apenas podendo ter pedido a reapreciação das questões que suscitou através de recurso (independente ou subordinado), o que não fez.
Não houve resposta a este parecer.
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II- OS FACTOS:
Do despacho que decidiu a matéria de facto, e do qual não houve reclamações, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
1- Em meados de Agosto de 2003, o A. foi admitido pela Ré para desempenhar as funções de jogador de futebol, por conta, sob autoridade, fiscalização e direcção da mesma, por uma época.
2- O A. obrigou-se durante o período referido a representar a Ré como atleta de futebol e a integrar o plantel da sua equipa, mediante a respectiva retribuição acordada.
3- O A. e a Ré acordaram para tal época a remuneração base mensal de € 725, acrescida de despesas de deslocação e de prémios de jogo, ambos de montante variável e estes últimos consoante os resultados obtidos.
4- Do programa desportivo de base constava que o A. tinha por obrigação participar nas sessões regulares de treino, as quais decorriam, semanalmente, às Terças, Quartas, Quintas e Sextas-Feiras, no horário compreendido entre as 19h e as 22h e acatar os métodos e a disciplina nelas ditados.
5- O A. estava ainda sujeito, por convocação, à colaboração em estágios, em sessões de apuramento técnico, táctico e físico e à presença nas provas e competições desportivas.
6- O A. tinha por obrigação deslocar-se ao local de treinos, às horas marcadas, quer no programa desportivo de base quer nas convocações, sob pena de sanção disciplinar.
7- Em finais de Maio de 2004, durante um jantar convívio da equipa, o A. foi dispensado, tendo-lhe sido comunicado pela Ré que não contava com ele para a próxima época.
8- A Ré apenas pagou ao A. diversas quantias a título de despesas de deslocação e prémios.
9- A Ré nunca entregou ao A. qualquer quantia a título de férias e respectivo subsídio nem a título de subsídio de Natal.
10- O A. actualmente aufere € 650 no Clube de Futebol União de Coimbra.
11- Devido aos factos referidos em 7 e 8 o A. andou angustiado, ansioso e triste, sofrendo de depressão.
12- O A. só desempenhava as funções referidas em 1 e 2, sendo a respectiva retribuição o seu único sustento.
13- O A. necessitou de ajuda especializada e de tratamento terapêutico e farmacológico.
14- O A. não transitou do 3º para o 4º ano do curso de Gestão (2003/2004), insucesso para o qual contribuiu o seu estado descrito em 11.
15- A Ré não efectuou descontos para a Segurança Social em nome do A.
16- O A. representou a Ré na época de 2003/2004, como jogador de futebol, tendo assinado o boletim de inscrição junto a fls. 38 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
17- Aquando da inscrição referida em 16, o presidente da Ré entregou ao A., a título pessoal, um cheque no valor de € 2.250.
18- A Ré pagou ao A. os montantes constantes dos recibos de fls. 45 a 52, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, a título de despesas de deslocação aos treinos e jogos.
19- Nos finais de Março de 2004, após o jogo com o Mangualde, o A. não compareceu nos treinos e jogos da Ré, por decisão do seu treinador.
20- A Ré não pagou ao A. as despesas de deslocação desde 20 de Abril de 2005 até 23 de Maio de 2004.
21- O A. dependia e depende economicamente da única actividade por si prestada, sendo a retribuição o seu único meio de sustento.
22- A Ré era possuidora do regulamento de fls. 70 a 75, cujo conteúdo aqui dou por integralmente reproduzido.
23- O A. voltou a jogar em meados de Abril de 2004, após a saída do então treinador.
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III. Direito
As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
Mas como se disse, o autor nas suas contra-alegações veio requerer a ampliação do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 684°-A do Código de Processo Civil, afirmando fazê-lo a título subsidiário, “conhecendo o Tribunal ad quem, do fundamento do decaimento, prevenindo assim, a necessidade da sua apreciação”. Pediu que a requerida ampliação incida, nomeadamente, sobre a incorrecta determinação dos valores correspondentes aos créditos laborais devidos pela recorrente e à sua absolvição nos demais pedidos.
Ora, a recorrente R... declarou, logo no início das suas alegações, circunscrever o objecto do recurso, esclarecendo que “o presente recurso versa apenas sobre a qualificação que o Tribunal a quo fez da referida quantia e do facto da mesma não ter entrado em linha de conta com o montante que a recorrida foi condenada a pagar ao recorrente”. Refere-se à quantia de € 2.250,00 entregue ao autor pelo seu presidente, referida no ponto 17 dos factos provados. Tal delimitação do objecto do recurso aparece depois reafirmada nas conclusões que extrai das suas alegações. A recorrente cumpriu, assim, o disposto no artigo 81º nº1 do C. P. Trabalho e artigo 684º nº 2 do C. P. Civil, vinculando este tribunal ao objecto preciso que indicou.
Importa, assim, conhecer, desde já, da questão prévia da admissibilidade da ampliação.
A ampliação do recurso:
Em face do exposto, e por via da ampliação do recurso, o autor não pode lograr a apreciação das questões que colocou. As questões que o autor coloca para reapreciação extrapolam o objecto do recurso tal como é delimitado pela recorrente. Pressupõem um recurso independente ou um recurso subordinado, não se incluindo nas situações previstas pelo artigo 684º-A do CPC.
A ampliação do recurso, prevista no artigo 684º-A, destina-se a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamento da acção não considerado na sentença recorrida, no caso em que determinado pedido tenha pluralidade de fundamentos e, por força do recurso, o fundamento acolhido naquela sentença venha a ser considerado improcedente. Por exemplo, se numa acção de despejo o autor invoca várias causas de resolução e a sentença que o venha a decretar só considera uma delas, então convirá que o autor (vencedor), no caso de recurso, proceda à ampliação às outras causas prevenindo a necessidade da sua apreciação se decair na que foi antes considerada como suficiente.
Como refere o Prof. José Lebre de Freitas, citado pelo Ex.mo Procurador Geral Adjunto, (in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2003), em anotação ao artº 684-A: “o nº 1, prevê o caso de haver pluralidade de fundamentos da acção (causas de pedir) ou da defesa (excepções), impondo ao tribunal de recurso que conheça do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira na sua contra-alegação, ainda que a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação”. Citando o exemplo seguinte: “pode figurar-se a situação de o autor ter pedido a anulação judicial de um contrato por si celebrado com fundamento em dois vícios diferentes (por exemplo erro e coacção), se a acção foi julgada procedente com base num dos vícios, afastando-se o outro por não terem sido provados os factos a ele atinentes, pode o autor recorrido pedir a ampliação do objecto do recurso de modo a abranger o fundamento em que decaiu. Mas o vencedor que se prevaleça desta faculdade não tem o estatuto de recorrente”.
No caso dos autos, a ampliação do recurso não reúne aqueles pressupostos. Nela está em causa: “o direito do recorrido às férias e respectivo subsídio e ainda ao subsídio de Natal numa perspectiva contrária à pugnada no peticionado” pelo autor; a indemnização a título de danos patrimoniais, não considerada pelo tribunal recorrido; a não condenação da “a ré recorrente no pagamento das despesas de deslocação, tal como ficou provado no ponto 20 dos factos provados constante da sentença”; a não condenação da ré recorrente no pagamento de compensação por despedimento ilícito ou por “caducidade contratual”; a não condenação por litigância de má fé.
A recorrente não atacou a sentença nessa parte, pelo que o autor não decairia nunca nos fundamentos da mesma parte, nem se pode sequer dizer que nela houvesse pluralidade de fundamentos.
Todas as questões colocadas pelo autor poderiam ser apreciadas se tivesse interposto recurso subordinado (trata-se de questões em que a sentença não lhe foi favorável), nos termos do artigo 682º do C.P.Civil e art.° 81°, nº 4 do CPT. Só que o autor não interpôs recurso dos pedidos em que claudicou, nem a título principal nem a título subordinado. Não o fez e, como se viu, a opção pela via da ampliação do recurso não é a própria.
Assim, não tendo recorrido da sentença, não lhe é permitido, ao abrigo do artº 684º-A do CPC, suscitar a reapreciação dos pedidos julgados improcedentes pelo tribunal da 1ª instância.
Por isso, não sendo admissível, no contexto referido, não conheceremos da matéria da ampliação.

Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver é apenas a do recurso da ré e que pode equacionar da seguinte forma:
- a de saber se a quantia de € 2.250,00 entregue pelo presidente da recorrente ao recorrido, no momento em que este último foi inscrito como praticante amador de futebol junto da FPF, pode considerar-se um proveito material pela actividade desportiva desenvolvida no seio da recorrente devendo deduzir-se a mesma no montante que a recorrente foi condenada a pagar por via da sentença.

Vejamos a matéria de facto em causa, para nos situarmos na questão:
Nos pontos 16 e 17 da matéria de facto considerada provada ficou estabelecido o seguinte: o autor representou a ré na época de 2003-2004, como jogador de futebol; aquando da inscrição referida, o presidente da ré entregou ao autor, a título pessoal, um cheque no valor de € 2.250,00.
Na sentença de que se recorre, a ré foi condenada a pagar ao autor € 6.887,50, a título de retribuições não pagas, € 1.186,36, a título de retribuição de férias e de subsídio de férias não pagos, e € 573,96, a título de subsídio de Natal, também não pago.
Em causa estava um contrato de trabalho do praticante desportivo, cujo regime vem regulado pela Lei nº 28/98, de 26 de Junho.
Porque não foi reduzido a escrito e o nº n.º 2 do artigo 5º da referida LCTD prescreve que “o contrato de trabalho desportivo só é válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes”, então não restam dúvidas que o mesmo é nulo (artigo 220º do Código Civil). Como em matéria de contrato de trabalho, no que constitui uma especialidade em relação ao regime do direito civil, os efeitos jurídicos do contrato nulo subsistem como se fosse válido em relação ao tempo em que esteve em execução (assim era no domínio do artigo 15º do DL 49.408 e assim é, hoje, com o artigo 115º do Código do Trabalho), o tribunal recorrido recenseou os efeitos não cumpridos por parte da ré e condenou-a no cumprimento respectivo e pedido.
Ficou provado (ponto 3 dos Factos Provados) que autor e ré acordaram a remuneração base mensal de € 725,00, acrescida de despesas de deslocação e de prémios de jogo, ambos de montante variável e estes últimos consoante os resultados obtidos.
Ao contrário do que parece afirmar nas alegações do recurso, nunca a ré na sua contestação afirmou que a quantia de € 2.250,00 se reportava a um adiantamento por conta da actividade remunerada. Até alegou que a actividade do autor não era remunerada.
É certo que não se provou o alegado pelo autor, no sentido que tal quantia fosse um prémio específico pela assinatura do contrato.
O artigo 249º nº 3 do Código do Trabalho estabelece que “até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador”. Daí, por força da aplicação dessa presunção, na falta de outra causa provada, se pudesse admitir que a entrega de tal quantia tivesse a sua causa no contrato celebrado (o que resulta até das declarações conjugadas das partes expressas nos articulados) e devesse ser considerada como retribuição.
Só que o que se provou foi que presidente da ré entregou ao autor tal quantia, a título pessoal. O que, de resto, foi o alegado pela ré na contestação, ao mesmo tempo que sustentava que não tinha sido pactuada qualquer remuneração, uma vez que o autor seria mero praticante amador de futebol.
Ou seja, não está provado que a ré (empregador) tenha entregue tal quantia ao autor, ela mesma, mas tão só a pessoa do seu presidente, a título pessoal. Portanto, terceiro em relação ao contrato.
No que toca a prestações efectuadas pela ré, apenas se provou (pontos 8 e 9 dos Factos Provados) que a ré apenas pagou ao autor diversas quantias a título de despesas de deslocação e prémios e, mais, que a ré nunca entregou ao autor qualquer quantia a título de férias e respectivo subsídio, nem a título de subsídio de Natal.
Daí, porque efectuada por terceiro e não pelo empregador, não seja possível, em concreto, aplicar a presunção estabelecida no referido artigo 249º nº 3 do Código do Trabalho.
É certo que, nos termos do artigo 767º nº 1 do Código Civil, a prestação pode ser feita tanto pelo devedor, como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.
Todavia, para que em concreto se pudesse identificar a prestação que o referido presidente, como terceiro, quis satisfazer com o pagamento, era necessário que essa identificação tivesse sido alegada e provada pela ré, como facto extintivo dos direitos reclamados pelo autor (342º nº 2 do Código Civil). Ora, a ré não fez uma coisa, nem outra.
E, por abundância de argumentos, cumpre dizer que, mesmo que fosse possível estabelecer que tal quantia constituiria retribuição, contraprestação inerente ao contrato de trabalho desportivo, nada permitiria concluir que tal valor traduzia a antecipação de salários futuros em que a ré foi condenada – sendo certo que a retribuição incluía, como se viu, uma componente variável de prémios de jogo, bem como estava acordado outro tipo de prestação, as despesas de deslocação, estas não objecto de condenação da ré.
Por tudo isto, é bem claro que a ré não logra demonstrar que as quantias em que foi condenada tinham sido pagas, parcialmente, com a quantia entregue de € 2.250,00.
Também, para o efeito pretendido de obter o desconto de tal quantia, de nada lhe vale invocar a figura de enriquecimento sem causa, porque desde logo – mesmo assumindo uma fonte autónoma de obrigação – não deduziu qualquer excepção de compensação na sua contestação e, por isso, a mesma não podia ser considerada na 1ª instância, nem agora nesta Relação, por se tratar de questão nova e que não é do conhecimento oficioso.

Improcedem, assim, as conclusões do recurso.
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III- DECISÃO
Termos em que, não conhecendo da ampliação do recurso suscitada pelo autor, se delibera confirmar inteiramente a sentença, negando provimento ao recurso.
Custas a cargo da apelante.