Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
142/09.7TAILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
INQUIRIÇÃO AUTUANTES
Data do Acordão: 11/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – ÍLHAVO - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 28º, Nº 1, AL. A) DO RGCO
Sumário: Uma corriqueira inquirição dos dois autuantes não tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional
Decisão Texto Integral: A - Relatório:
No recurso de contra-ordenação supra numerado que correu termos na Comarca do Baixo Vouga, por despacho de 29 de Maio de 2009 foi decidido declarar prescrito o procedimento contra-ordenacional instaurado à recorrente T…, Ldª.

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Inconformada com uma tal decisão, dela interpôs A Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal do Baixo Vouga o presente recurso, pedindo que seja revogado o despacho recorrido, com as seguintes conclusões:

1ª Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a fls. 67 a 69, no qual o Tribunal a quo declarou extinto, por prescrição, o procedimento contra­ordenacional contra a arguida T…, Lda., e ordenou o arquivamento dos autos.
2ª Tendo em conta a moldura abstracta da coima aplicada à contra-ordenação a que a arguida foi condenada (de € 99,76 a € 44.891,99), dúvidas não há que o prazo normal de prescrição do respectivo procedimento por contra-ordenação é de 3 anos, nos termos do artigo 27.°, al. b), do R.G.C.O., sem prejuízo das eventuais suspensões ou interrupções do aludido prazo.
3ª Decorre do despacho recorrido que o Tribunal a quo entendeu que a última causa de interrupção traduziu-se nas declarações da arguida, prestadas no exercício do seu direito de defesa, e ocorreu a 18/11/2005, pelo que o novo prazo de prescrição que se iniciou a partir desse acto terminou a 18/11/2008, antes, portanto, da decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima, que, por já ter prescrito o procedimento não teve a virtualidade de interromper, novamente, o prazo de prescrição.
4ª Sucede, porém, que a 20/04/2007 e a 27/04/2005 foram inquiridas duas testemunhas (cfr. autos de inquirição de fls. 32 e 33).
5ª Tais actos processuais configuram a realização de diligências de prova (tendentes à recolha de prova testemunhal) e, como tal, são causas de interrupção do procedimento contra-ordenacional, nos termos do artigo 27.°, nº 1, al. b) do RG.C.O., pelo que, a sua prática, inutilizou o prazo de prescrição até aí decorrido, e impôs o decurso de novo prazo.
6ª Com efeito, a referência que tal norma faz às diligências de prova "exames e buscas" é meramente exemplificativa, como se depreende do advérbio "designadamente" utilizado pelo legislador, não afastando, assim, das demais diligências de prova - e como decorre expressamente da primeira parte da norma - como causas de interrupção do prazo prescricional.
7ª Assim, ao contrário do entendimento vertido no despacho recorrido, aquando da decisão que aplicou a coima e sua notificação à arguida (datadas, respectivamente, de 24/03/2009 e 21/04/2009), o prazo de prescrição ainda não se tinha esgotado (nem se encontra, neste momento, esgotado), pelo que tais actos traduziram-se em novas causa de interrupção da prescrição (nos termos do artigo 28.°, nº 1, als. d) e a), do RG.C.O.), que implicaram o início do decurso de novo prazo de prescrição, com termo a 13/01/2010 (por força do disposto no artigo 28.°, nº 3, do R.G.C.O.), salvo a ocorrência de qualquer causa de suspensão.
8ª Ao declarar prescrito o procedimento contra-ordenacional nos termos em que o fez no despacho recorrido, o Tribunal a quo violou as disposições conjugadas dos artigos 27.°, al. b), 28.°, nº 1, als. a), b) e d), e nº 3, do R.G.C.O.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se não prescrito o procedimento contra-ordenacional e, consequentemente, revogando-se a decisão recorrida.

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A arguida não apresentou resposta.

Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso por não se verificar a existência de prescrição do procedimento contra-ordenacional.

Foi observado o disposto no nº 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal.

A arguida apresentou resposta defendendo a manutenção do despacho recorrido.

Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.


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B - Fundamentação:

B.1 - Face aos elementos constantes dos autos, são estes os elementos de facto relevantes para a apreciação do recurso.

1. No dia 13.07.2005, pelas 09h00, na Costa Nova do Prado, no estabelecimento M… foi lavrado auto de notícia por “falta de formação ministrada aos funcionários que manuseiam alimentos em matéria de higiene, por parte das empresas do sector alimentar por referência ao artigo 19º do Dec-Lei nº 67/98, de 18-03.”

2. A arguida foi notificado do auto de notícia, por carta registada, em 08-11-2005 (fls. 16).

3. Apresentou defesa em 18-11-2005 (fls. 20 a 28, incluindo Mapa de Formação de pessoal), mas sem arrolar testemunhas ou requerer qualquer outro meio de prova.

4. Oficiosamente a Direcção Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar (DGFCQA) entendeu inquirir os dois autuantes, o que veio a ocorrer a 20-04-2007 e 27-04-2007 (fls. 32 e 33).

5. Foi lavrada decisão pela Comissão de Aplicação do Coimas em Matéria Económica e de Publicidade em 30-01-2009 (fls. 40-42).

6. A arguida foi notificado da decisão da entidade administrativa em 25-03-2009 (fls. 46).

7. Recorreu da decisão administrativa com fundamento na prescrição do procedimento contra-ordenacional e outras motivações substanciais em 21-04-2009 (fls. 47 e segs.).

8. A arguida não foi notificada do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da entidade administrativa.

9. Por despacho de 29 de Maio de 2009 foi declarada a prescrição do procedimento contra-ordenacional.

10. A arguida foi notificada de tal despacho por carta registada enviada a 03-06-2009.

11. É do seguinte teor o despacho recorrido:

A arguida/recorrente T…, Lda. interpôs recurso da douta decisão da autoridade administrativa que a condenou pela prática de contra-ordenação ao disposto no artigo 19º do Regulamento de Higiene de Géneros Alimentícios, anexo ao DL 67/98 de 18.03 com as alterações introduzidas pelo DL 425/99 de 21.10, numa coima de 15.000€.

Invocou, além do mais, a prescrição do procedimento contra-ordenacional.

O Tribunal é competente.

Não há nulidades ou questões prévias a apreciar, mas há a invocada excepção, qual seja a de prescrição do procedimento criminal que importa conhecer.

Os factos imputados à arguida remontam a 13.07.2005.

Nos termos do artigo 27º do RGCOC o procedimento por contra ordenação extingue-se, por efeito de prescrição e tendo em conta a moldura da coima, logo que, sobre a prática de contra ordenação, tenham decorrido 3 anos.

Em termos de limite máximo a ter em conta dispõe o art. 28º, nº 3 do RGCOC que a prescrição do preenchimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição, acrescido de metade.

As causas de suspensão estão previstas no artigo 27-A do RGCOC e têm no caso das alíneas b) e c) do nº 1 o limite de seis meses (nº 2 do artigo 27-A).

Tal como no processo penal podemos afirmar que ocorre a interrupção do procedimento contra-ordenacional quando a pretensão punitiva do Estado e as suas exigências de punição são confirmadas através de certos actos de perseguição contra-ordenacional (de que são exemplo a comunicação ao arguido de despachos, decisões ou medidas tomadas ou qualquer notificação, designadamente para o exercício de direito de audição e bem assim a decisão de autoridade administrativa que proceda à aplicação de coima) – artigo 28º, nº 1 a) a d) do RGOC.

Ocorre a suspensão da prescrição do procedimento criminal quando têm lugar determinados eventos que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou de continuar. Uma vez eliminado o obstáculo, isto é, cessada a causa de suspensão o resto do prazo de prescrição deve voltar a correr (cfr. F. Dias in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime – Aequitas Editorial Noticias, 1142 e 1149).

Nos presentes autos a coima aplicável oscila entre 99,76€ e 44.891,99€.

Com a notificação da arguida para o exercício de direito de defesa e com as declarações por ela prestadas no exercício desse direito (fls 18) ocorrerem causas de interrupção, começando em cada um dos momentos a correr, de novo, o prazo de prescrição de 3 anos. Assim, em 18.11.2005 começou, de novo, a correr o prazo de prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, tendo-se esgotado os 3 anos em 18.112008.

Colhe-se dos autos que a decisão de que a arguida recorre - e que constituiria também causa de interrupção - foi proferida apenas em 30.01.2009, estando portanto o procedimento já prescrito. Nesta conformidade e não tendo havido qualquer causa de suspensão do procedimento contra-ordenacional, nem outra qualquer causa de interrupção após 18.11.2005 e até 18.11.2008, forçoso é concluir estar efectivamente prescrito o procedimento contra-ordenacional.

Termos em que se declara extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional contra a arguida/recorrente T…, Lda. e se ordena o arquivamento dos autos.

Sem custas.

Deposite e notifique.

Ílhavo, 29.05.2009


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Cumpre conhecer.

B.2 - O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº 1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

A questão abordada no recurso reconduz-se a apurar se ocorre extinção do presente procedimento contra-ordenacional, pelo decurso do prazo prescricional.


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B.3 - Antes de mais impõe-se afirmar que o auto de notícia, confrangedoramente seco e insuficiente para que a recorrente pudesse exercer o seu direito de defesa, nem sequer identifica os funcionários que lá laboravam e não tinham formação.

Acresce que à defesa da recorrente - juntando documento comprovativo da existência de formação de pessoal, devidamente identificado - toda a gente disse nada.

Ora, não só o direito de defesa da arguida se vê coarctado pela não identificação do pessoal que alegadamente não teria formação como, junto documento que comprova a formação, a Comissão de Aplicação de Coimas sequer se pronuncia sobre a defesa da arguida em termos de análise crítica, limitando-se a reproduzi-la, ficando nós sem saber se a defesa é adequada ou não.

Mas, admitindo a existência da contra-ordenação.

A contra-ordenação em que a arguida foi condenada é punível – segundo afirma a própria entidade autuante, confirmado pela Comissão de Aplicação do Coimas em Matéria Económica e de Publicidade, aceite pelo tribunal recorrido e pelo Ministério Público - com a coima mínima de € 99,76 e máxima de € 44.891.99.

Ora, o artigo 27º do RGCO (na redacção de 2001) afirma:

O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:

a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79;

b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79;

c) Um ano, nos restantes casos”.

Assim, o procedimento contra-ordenacional extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação tiver decorrido o prazo de três anos (cfr. art.º 27, al. b), do D.L. n.º 433/82, de 27 de Outubro na redacção dada pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro).

Temos, pois, que o facto contra-ordenacional se reporta a 13 de Julho de 2005.

Não se verifica causa de suspensão do prazo prescricional, visto não ocorrer qualquer dos factos subsumíveis ao disposto no artigo 27-A do RGCO (designadamente não há notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso).

A arguida foi notificada, em 08-11-2005, do teor do auto de notícia, o que constitui causa de interrupção do prazo prescricional – artigo 28º, nº 1, al. a) do RGCO.

A requerente apresentou defesa em 18-11-2005 (apresentou defesa mas não prestou declarações, pelo que não ocorreu, aqui, interrupção do prazo prescricional) mas juntou logo toda a prova que entendeu, limitando-se esta à natureza documental (nem sequer arrolou testemunhas).

A entidade administrativa, por sua iniciativa, levou (quase) dois anos a inquirir os autuantes e (quase) outros dois para decidir.

Não ocorre interrupção do prazo prescricional por se entender que a al. b) do nº 1 do artigo 28º do RGCO não é aplicável ao caso dos autos.

Com efeito, dispõe tal alínea que a prescrição do procedimento por contra-ordenação se interrompe “(b) com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa”.

Não esquecendo que os actos praticados no processo e que revelem a manutenção do interesse do Estado no exercício do seu ius puniendi têm dignidade interruptiva do prazo prescricional, a referida alínea não pode ser lida de forma a permitir o seu uso abusivo.

Bem se pode afirmar que, se a alínea permitisse a interrupção do prazo prescricional pela inquirição dos dois autuantes bastaria que a mesma dispusesse: “com a realização de quaisquer diligências de prova …”.

A referência a “exames e buscas” transmite a ideia de necessidade de realização de diligências de prova (que sejam estritamente necessárias) que revelem alguma complexidade e morosidade ou que, requeridas pela defesa, atrasem relevantemente o decurso do processo.

O que se não pode permitir é que a simples inquirição dos autuantes por iniciativa da entidade administrativa seja usada como uma medida de “gestão” das interrupções do prazo prescricional.

Esse é um uso abusivo que a al. b) do nº 1 do artigo 28º do RGCO não permite. O direito à decisão em prazo razoável também é operante em processo contra-ordenacional, não podendo a entidade administrativa “gerir” os momentos adequados à interrupção do prazo prescricional.

Assim uma corriqueira inquirição dos dois autuantes não tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional, pois que se impõe uma leitura restritiva da al. b) do nº 1 do artigo 28º do RGCO: a referência a “exames e buscas” transmite a ideia de necessidade de realização de diligências de prova estritamente necessárias e que revelem alguma complexidade e/ou morosidade.

O prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação vem a interromper-se, no entanto, com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima, o que se verificou, no caso dos autos, em 30 de Janeiro de 2009.

Mas como a interrupção validamente existente nos autos havia ocorrido em 08-11-2005, a prescrição do procedimento contra-ordenacional já havia ocorrido em 08-11-2008.

Assim sendo, o terminus do prazo prescricional ocorreu em 08-11-2008, antes, portanto, da decisão final da entidade administrativa.

É pois de concluir estar prescrito, desde aquela data, o procedimento contra-ordenacional.


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C - Dispositivo:

Face ao que precede, os Juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra negam provimento ao recurso interposto.

Notifique.

Não são devidas custas.

Coimbra, 18 de Novembro de 2009

(Processado e revisto pelo relator)

João Gomes de Sousa

Calvário Antunes