Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
439/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
SUBSÍDIO POR ELEVADA INCAPACIDADE - CONDIÇÕES DA SUA ATRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 03/31/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 17º, Nº 1, ALS. A) A C), E 23º DA LEI Nº 100/97, DE 13/09 .
Sumário: I – Como decorre expressamente da Lei nº 100/97, de 13/09 – arts 17º, nº 1, als. a) a c), e 23º - há três situações de incapacidade permanente do sinistrado a que se confere complementarmente o direito a um subsídio por elevada incapacidade : afectação por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho; afectação por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual; e afectação por incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70% .
II – Relativamente às situações de IPP igual ou superior a 70% o subsídio deve ser ponderado pelo grau de incapacidade fixado, nunca podendo ser inferior a 70% da remuneração mínima mensal garantida x 12 .

III – Ás situações intermédias de IPATH deve corresponder um subsídio que se situe algures entre o mínimo de 70% da r.m.m.g. ( devida nos casos de IPP) e os 100% ( devida nos casos de IPA para todo e qualquer trabalho ), a ponderar em função da (in)capacidade funcional residual para o exercício de uma outra profissão compatível .

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –
1 – Em acção com processo especial emergente de Acidente de Trabalho que corre termos pelo Tribunal do Trabalho de Aveiro e em que figuram como partes o sinistrado A..., devidamente identificado, e R. a Companhia de Seguros ‘B...’ procedeu-se oportunamente a exame por Junta Médica e proferiu-se depois sentença, conforme dispositivo a fls. 42, na qual, além do mais, se conferiu ao A./sinistrado, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente, a quantia de 4.176,00 Euros.

2 – Veio então a R. ‘B...’ requerer a rectificação do cálculo do referido subsídio, pretensão que foi deferida pelo despacho de fls. 57-58, fixando-se o montante do subsídio em causa, nos termos do art. 23º da LAT, em 2.484,80 Euros.

3 – É ora o sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, que, in- conformado, vem agravar desta decisão.
Alegou para o efeito e concluiu:
- Confere a Lei aos sinistrados direito a um subsídio por elevada incapacidade para as situações seguintes: 1) – na incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70%; 2) – na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual; 3) – na incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho;
- Situações hierarquizadas pela mesma ordem – e ordem crescente de gravidade dessas incapacidades;
- A situação correspondente à mais elevada incapacidade é, pois, aquela de que resulta para o sinistrado uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho;
- A uma tal situação corresponde uma incapacidade permanente de valor igual à unidade ( isto é, uma incapacidade correspondente a 100%);
- Pelo que lhe corresponde, ponderado aquele grau de incapacidade, um subsídio por elevada incapacidade de valor também igual à unidade;
- Donde que, tendo o Recorrente ficado afectado de uma IPA para todo e qualquer trabalho, tem direito a um subsídio por elevada incapacidade igual ao valor da RMA garantida vigente à data do acidente, isto é, de 4.176,00 Euros;
- Ora, não tendo assim decidido, violou a douta decisão recorrida o disposto nas disposições combinadas dos arts. 17º/1 e 23º da Lei n.º 100/97.
Deve pois julgar-se reconhecido o direito do sinistrado ao subsídio de elevada incapacidade no valor de 4.176,00 Euros.

4 – Respondeu a recorrida, concluindo, por sua vez, em síntese, que o sinistrado ficou com uma desvalorização correspondente a uma IPP de 59,50%, com IPA para todo e qualquer trabalho, devendo por isso o subsídio ser calculado tendo em atenção a referida incapacidade (348,01 Euros x12x59,50% = 2.484,80 Euros).
Ao ser fixada uma IPP de 59,50%, associada a uma IPA, o apuro do subsídio por elevada incapacidade terá necessariamente de ser ponderado com o grau de IPP para o trabalho residual.

5 – Mantido tabelarmente o despacho, subiram os Autos.
Recebidos e colhidos os vistos legais, vamos decidir.

II –
Os elementos factuais relevantes para tratamento e solução da questão decidenda são todos de natureza processual e vêm referidos já na exposição esquemática que antecede, sendo essencial reter que, em consequência do acidente a que se reportam os Autos, o sinistrado ficou afectado de uma Incapacidade Permanente Absoluta para Todo e Qualquer Trabalho...com uma desvalorização correspondente a uma IPP de 59,5%.

Consiste a mesma afinal em saber como se alcança, 'in casu', o valor do montante devido a título do subsídio por elevada incapacidade.

Tudo visto e ponderado:
Temos por certo – como vamos dilucidar na sequência – que o a razão determinante do embaraço e dificuldade maior em que em que se analisa a controvérsia objecto do recurso entronca afinal no teor do laudo pericial constante da resposta oferecida pela Junta Médica aos quesitos formulados a fls. 25 – pressuposto donde emerge a factualidade plasmada no item 5. do respectivo alinhamento e em que assenta a decisão sob protesto – uma vez que o mesmo encerra uma clara contradição nos seus termos, que tem que ser necessariamente considerada/alterada e interpretada em termos hábeis e valorada em conformidade.

Como decorre expressamente da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro – arts. 17º, n.º1, alíneas a) a c) e 23º - há três situações de incapacidade permanente do sinistrado a que se confere complementarmente o direito a um subsídio por elevada incapacidade.
Assim será nos casos de afectação por Incapacidade Permanente para Todo e Qualquer Trabalho, por Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual e nas situações de Incapacidade Permanente Parcial igual ou superior a 70%.

Como se calcula o valor dessa prestação pecuniária de pagamento único?
Dispõe-se no falado art. 23º que ‘A Incapacidade Permanente Absoluta ou a Incapacidade Permanente Parcial igual ou superior a 70% confere o direito a um subsídio igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida à data do acidente, ponderado pelo grau de incapacidade fixado, sendo pago de uma só vez aos sinistrados nessas situações’.

Tendo presente – como aliás decorre do art. 9º do Regulamento da NLAT, o DL n.º 143/99, de 30 de Abril – que os acidentes de trabalho podem determinar incapacidades temporárias ou permanentes para o trabalho e que as primeiras podem ser parciais ou absolutas, enquanto as permanentes podem assumir uma tríplice espécie (1- parciais; 2- absolutas para o trabalho habitual e 3- absolutas para todo e qualquer trabalho), facilmente se convirá que, no que tange às de natureza permanente, o seu grau de incapacitância é progressivamente maior, pela ordem enunciada.
Assim – e veja-se em igual sentido a reflexão de Carlos Alegre, em nota a este normativo, in ‘Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais’, 2ª edição, pg. 188 – se a incapacidade permanente é em grau que permita trabalhar, no seu trabalho habitual, sem dificuldade de maior, diz-se parcial (IPP); se, apesar de tudo, permite uma actividade residual, que não a habitual, a incapacidade diz-se absoluta para o trabalho habitual (IPATH); e se não permite trabalhar de todo, diz-se absoluta para todo e qualquer trabalho.


Aceitando que não é de todo isenta de dificuldades hermenêuticas a solução legalmente consagrada – e daí, nesta fase de relativa indefinição, a proliferação de soluções desencontradas sobre esta problemática – afigura-se-nos todavia que a cada uma das faladas situações de incapacidade com direito ao subsídio em causa (subsídio por elevada incapacidade permanente) corresponderá, por imperativo lógico e equânime, um valor diferenciado, proporcionalmente mais elevado.

Destarte:
Sensíveis embora ao entendimento por alguns preconizado segundo o qual a ponderação pelo grau de incapacidade só operará nos casos de IPP, (que não de IPA, em qualquer das suas modalidades), uma vez que a Lei apenas alude a duas situações (IPA e IPP = ou > a 70% - art. 23º), sendo nas de IPA sempre devido o subsídio pelo valor máximo, (veja-se, v.g., a nótula in ‘Questões Laborais’, n.º21, Ano X, 2003, pg. 119), cremos que, pelas referidas razões, terá sido propósito do legislador fazer corresponder a cada uma das situações da falada tripla gradação um valor diferenciado em função do gravidade da incapacidade correspondente.

- Não se discutirá que relativamente às situações de IPP igual ou superior a 70% o subsídio deva ser ponderado pelo grau de incapacidade fixado, nunca podendo ser inferior, por isso, a 70% da remuneração mínima mensal garantida x 12 – cfr. 2º segmento da alínea c) do n.º1 do art. 17º e art. 23º.

- E aceitar-se-á, como solução mais consentânea com a teleologia da norma, que às situações intermédias de Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH) corresponda um subsídio que se situe algures entre o mínimo de 70% da r.m.m.g. (devido nos casos de IPP) e os 100%, a ponderar em função da (in)capacidade funcional residual para o exercício de uma outra profissão compatível.

- Por fim, haverá que concluir, necessariamente, que às situações definidas como de Incapacidade Permanente Absoluta para todo e qualquer trabalhonão podendo, sob pena de absurda contradição, deixar de significar a impossibilidade lógica da existência de qualquer capacidade funcional restante – corresponde o subsídio por inteiro, uma vez que estando de todo incapacitado para o exercício de qualquer profissão ou actividade, não há que proceder a qualquer ponderação por reporte a uma suposta capacidade residual, que, por incontornável imperativo lógico, decorrente da natureza das coisas, não pode relevar.
E a reforçar a bondade desta solução, note-se, pelo menos por igualdade de razão, que a pensão anual e vitalícia que foi conferida ao sinistrado – subsumindo-se à previsão da alínea a) do n.º1 do art. 17º - ignorou, como não podia deixar de ser, a ‘apendicular’ desvalorização correspondente a uma IPP de 59,5%, mencionada no laudo pericial e depois no rol dos factos provados, considerando apenas como relevante a IPA para todo e qualquer trabalho.


Isto posto, e considerando:
Por um lado, que a prova pericial, não obstante a sua especificidade, vê a força probatória das respostas dos peritos sujeita à livre fixação pelo Tribunal, no âmbito do princípio geral da liberdade de julgamento, 'ut' arts. 389º do Cód. Civil e 655º/1 do C.P.C.;
E, por outro, que esta Relação tem a faculdade, consentida pelo art. 712º do C.P.C., nomeadamente pela previsão do n.º1, b), de alterar a decisão sobre matéria de facto do Tribunal de 1ª Instância, tendo-se por não escrito o excesso da resposta, quando assim considerada – situação que cabe, por analogia, na previsão constante do n.º4 do art. 646º do mesmo C.P.C., como preconizam, entre outros, os Acórdãos do S.T.J. de 5.7.94, in B.M.J. n.º 439/479 e desta Relação de 11.10.94, in B.M.J. n.º 440/560 – expurga-se do ponto 5. da decisão de facto o seu primeiro segmento, fixando-se-lhe esta redacção:
‘O sinistrado ficou com Incapacidade Permanente Absoluta para todo e qualquer trabalho, em consequência do acidente de trabalho referido e desde a data da alta (31.8.2003)’.


Em conclusão:
Assim, ante o exposto – e na procedência das razões que enformam as doutas conclusões da motivação do recurso – o valor do subsídio por elevada incapacidade permanente correspondente a uma situação de Incapacidade Permanente Absoluta para todo e qualquer trabalho é devido por inteiro, ou seja, pelo montante relativo a uma incapacidade de 100% (no caso, igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida à data do acidente – 12X348,00 Euros = 4.176,00 Euros).

III –

Nos termos delineados, delibera-se conceder provimento ao agravo, e, revogando, em consequência, o despacho impugnado, fixa-se o subsídio em causa, devido pela R. Seguradora, em 4.176,00 Euros.
Custas pela Recorrida.
***

Coimbra,