Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
160/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 12/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 1380.º; 1410.º; 416.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. O direito de preferência é um direito real que confere ao titular o direito de prevalência e sequela sobre o objecto preferido, tudo se passando, quando feito valer judicialmente, como se o contrato de alienação houvesse sido celebrado com o preferente, o qual se substitui ao comprador na escritura de compra e venda.
2. Os requisitos essenciais para o exercício de tal direito são, para além dos que constam do artigo 1380.º do Código Civil, igualmente os que têm a sua sede no artigo 416º; designadamente sobre o Autor recai o ónus de provar que tem o direito de preferência e que o prédio foi vendido; ao R. incumbe provar que ao primeiro foi dado conhecimento dos elementos essenciais do negócio e que o mesmo renunciou ao seu direito ou não o exerceu atempadamente, ou ainda outros factos que casuisticamente sejam impeditivos do direito a que o Autor se arroga.
3. Entre tais factos poder-se-ão enumerar aqueles que se prendem essencialmente com peculiaridades fisionómicas e de confrontação do prédio objecto de preferência, susceptíveis de afastar tal direito, nomeadamente a confinância do prédio com outro de natureza rústica pertencendo ao mesmo dono que adquiriu o prédio objecto da preferência e contra o qual a acção vem intentada.
4. A lei não nos fornece directamente qualquer critério prático de caracterização da natureza rústica ou urbana dos prédios; os critérios que têm sido propostos para aquela diferenciação têm natureza doutrinária.
5. Estando-se perante uma edificação com logradouro a classificação do prédio como rústico ou urbano depende em última análise da função do terreno adjacente em que a construção se implanta; o prédio será rústico se se verificar que o mesmo assume importância primordial estando ao seu serviço; será urbano se verificar a situação inversa.
6. Sendo o prédio objecto da preferência atravessado por uma estrada e na ausência de fraccionamento em dois artigos matriciais, o direito terá de ser exercido em relação à totalidade.
7. O direito de preferência motiva a notificação do preferente para o respectivo exercício, fixa simultaneamente perante aquele os contornos do negócio jurídico, no que toca a fisionomia do prédio, preço, prazo e eventuais compradores. É na situação jurídica destarte delineada que o preferente pretende ver-se substituído.
8. É irrelevante para o modus de exercício do direito de preferência a rectificação da escritura posterior à notificação dos elementos essenciais do negócio, na qual se pretende corrigir o preço do contrato aumentando-o de € 25.000 para € 5.000. Na verdade os RR. exerceram o seu direito balizado pela notificação que lhes foi feita; e foi com base na mesma que procederam ao depósito da importância constante da escritura, i.e. € 25.000. Não havia assim neste caso que proceder ao acréscimo do depósito, o qual só teve lugar após a prolação da sentença em primeira instância, apurado que foi o valor real do prédio em causa, i.e. € 4.000.
Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.
A... e B... movem a presente acção de preferência, com processo ordinário, contra C..., D..., E... e F..., tendo pedido que lhes seja reconhecido o direito de preferência e, por via dele, o direito de haverem para si o prédio vendido que identificam, substituindo-se aos Réus compradores no contrato de compra e venda e sejam estes Réus condenados a abrir mão do prédio, fazendo a sua entrega imediata aos demandantes.
Alegaram os Autores para tanto e em síntese que são donos de um prédio rústico composto de terra de cultura, pinhal e pastagem com castanheiros, situado no Vale Quente, freguesia de Souto Maior, concelho de Trancoso, inscrito na respectiva matriz no artigo 823, descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso sob o nº 20 e aí inscrito a seu favor.
Por escritura pública outorgada no dia 14 de Novembro de 2003, os Réus C... e D... venderam aos Réus E... e F... um prédio rústico composto por terra de semeadura e castanheiros, situado no Vale Quente, freguesia de Souto Maior, concelho de Trancoso, inscrito na respectiva matriz no artigo 824, descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso sob o nº 242 e aí inscrito a favor da vendedora, - o prédio objecto da compra e venda referida confina a norte, com o identificado prédio dos Autores. Este último prédio tem a área de 3.009 m2 e o prédio vendido tem a área de 4.998 m2, pelo que ambos têm área inferior à unidade de cultura e a mesma aptidão agrícola.
Os Réus compradores não são proprietários de qualquer prédio rústico confinante com o prédio vendido. Assim, e nos termos do artº 1 380º do Código Civil, assiste aos Autores o direito de preferência na venda de tal prédio, sendo certo que tal preferência não lhe foi oferecida nem à mesma renunciaram. Consta da escritura pública que o prédio foi vendido pelo preço de € 25.000, importância esta que irá ser depositada, bem como o valor das demais despesas suportadas a título de sisa imposto de selo e escritura.
Os Autores só tiveram conhecimento dos elementos essenciais da compra e venda em 8 d Abril de 2004, data em que obtiveram certidão da escritura pública.
Contestaram os Réus E... e mulher, alegando, em síntese:
Tanto o prédio dos Autores como o prédio objecto da preferência são atravessados pela estrada, no sentido sul – norte, que os divide, cada um, em duas partes distintas,
Do prédio objecto da preferência, apenas a parte que fica a nascente da estrada, confina a norte, e numa pequena extensão, com a parte do prédio dos Autores que fica a nascente da mesma estrada.
O prédio objecto da preferência esteve anos à venda, sendo os Autores conhecedores de tal facto e do preço pretendido, sempre tendo afirmado que não lhes interessava a compra por preço algum.
Os Réus compraram por escritura pública de 12 de Dezembro de 1998, outorgada no Cartório Notarial de Celorico da Beira, um prédio rústico composto por terra de pastagem, situado no Vale Quente, limite da freguesia de Souto Maior, concelho de Trancoso, inscrito na respectiva matriz no artigo 900, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 165 e aí inscrito a seu favor e este prédio rústico dos Réus confina a poente com o prédio rústico objecto da preferência.
São ainda os Réus proprietários de outros dois prédios rústicos, confinantes entre si e com o prédio rústico comprado pela escritura pública de 12 de Dezembro de 1998, tendo feito destes três prédios uma unidade única de cultura com extinção dos respectivos limites ou seja, fazendo deles um único prédio.
Os Réus, por manifesto lapso, declararam na escritura pública de compra e venda do prédio objecto da preferência o preço de € 25.000, quando o preço acordado com os Réus vendedores e efectivamente aos mesmos pago, foi o de € 50.000.
Aliás, os Autores bem sabiam ser este o preço mínimo de venda do imóvel, por ser o que o Réus vendedores sempre anunciaram e assim, só por este preço poderiam os Autores ser admitidos a preferir, se tal direito tivessem.
Concluem pela improcedência da acção.
Replicaram os Autores, alegando, em síntese:
Nunca o prédio objecto da preferência esteve à venda nem nunca os Autores tiveram conhecimento do preço que os vendedores por ele pediam e que o tenham anunciado.
Sempre os Autores manifestaram publicamente a sua intenção de adquirirem o referido prédio.
O prédio rústico de que os Réus dizem ser donos e que confina com o prédio objecto da preferência não tem tal natureza, pois antes se trata de um prédio urbano, composto por casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, sendo a parte não edificada logradouro desta. Mas ainda que, por absurdo, se entendesse que o dito prédio dos Réus tem natureza de prédio rústico, sempre o direito de preferência caberia aos Autores, uma vez que a área do seu prédio somada com a área do prédio objecto da preferência atinge os 8.007 m2 enquanto a área do prédio dos réus (1.700 m2) somada à área do prédio objecto da preferência apenas atinge 6.698 m2, bem mais distante, portanto, da unidade de cultura fixada para a zona.
Os Autores desconhecem se os Réus são donos de quaisquer outros prédios rústicos,
A afirmação dos Réus de ter existido lapso na indicação do preço da compra e venda é irrelevante e não verdadeira, apenas tendo os preferentes que ter em conta o que consta da escritura pública de compra e venda.
Concluem pela improcedência das excepções.
No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância, tendo sido elencados os factos provados e elaborada a Base Instrutória.
Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que decidiu:

A)

1. Julgar improcedente a excepção da renúncia ao direito de preferência.

2. Julgar improcedente a excepção da caducidade do direito de preferência, por extemporaneidade da efectivação do complemento de depósito do preço.

B)

Julgar a acção provada e procedente e, em consequência,

1. Reconhecer o direito de preferência dos Autores na compra e venda formalizada pela escritura pública de 14 de Novembro de 2003, outorgada no Sétimo Cartório Notarial de Lisboa, do prédio rústico composto de terra de semeadura e castanheiros, situado no Vale Quente, freguesia de Souto Maior, concelho de Trancoso, com a área de 4.998 m2, inscrito na respectiva matriz sob o número 824, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso sob o número duzentos e quarenta e dois daquela freguesia, melhor identificado nas alíneas B) e C) da factualidade assente, substituindo-os na mesma compra e venda, ao réu comprador, E..., nela passando a ocupar a posição deste.

2. Condenar os Réus E... e F... a entregar imediatamente aos Autores o prédio rústico identificado no número 1 que antecede.

Daí o presente recurso de apelação interposto pelos RR. E... e mulher, os quais no termo da sua alegação pediram que seja revogada a sentença em crise, julgando-se a acção improcedente por não provada.
Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) Os apelantes, antes da aquisição do prédio objecto de presente acção, compraram o prédio rústico a que respeitam os quesitos 23º a 34º prédio este com a área de 1.700m2 e que confronta com outros dois rústicos (estes confrontando entre si) deles recorrentes, prédio rústico esse que também confrontava com o prédio rústico objecto desta acção de preferência.
2) Nesse prédio rústico os RR. construíram uma casa de habitação com jardim anexo.
3) Perante isto deu-se como provado (resposta ao quesito 11º) que os RR. – recorrentes – não são donos de qualquer prédio rústico confinante com o prédio objecto da acção de preferência; - e que aquele prédio rústico que confronta com este último, hoje vivenda e jardim que constitui a casa de habitação dos RR e que é esta vivenda e jardim que confronta com os outros prédios rústicos adjacentes dos RR. – respostas aos quesitos 35º e 36º
4) Dos elementos constantes do processo, vê-se que os RR. residem no concelho de Vila Franca de Xira e que construíram uma casa no prédio confinante com o da preferência.
5) O Mto. Juiz “classificou” como urbano esse prédio rústico, embora sem dados probatórios concretos para tanto.
6) Não se esclarece que área ocupa a construção, qual a área do jardim e a que fim se destina a restantes área, - nem se é casa que está na dependência dos prédios rústicos, servindo-lhes de apoio ou se é a casa que predomina em relação aos rústicos, - se a casa tem mais ou menos valor (saliente-se que a casa nem inscrição matricial ainda tem); - ou ainda se há autonomia da área ocupada pela casa em relação ao restante terreno rústico, constituindo prédios independentes.
7) Perante toda esta indefinição (e não há nos autos algo que permita concluir o contrário) o prédio em causa tem de se considerar como era antes, ou seja como rústico.
8) Perante estes elementos constantes dos autos, devem dar-se como provados os quesitos 35º e 36º, ou seja, que o prédio objecto da preferência confronta com o prédio rústico identificado nos quesitos 23º a 34º e como não provado o quesito 11º, estando assim provado que é o prédio constante de B) dos factos assentes (objecto de preferência) que confronta com o outro prédio rústico do qual os RR. compradores já eram donos.
9) Provado está que quer este prédio rústico quer o prédio rústico dos AA. são atravessados por uma estrada municipal que divide cada um deles em duas partes distintas e autónomas.
10) Estando, como estão, cada um deles divididos em duas partes distintas e autónomas, separadas pela estrada, conclui-se à evidência que cada um desses prédios está dividido em dois outros prédios distintos e autónomos, um a nascente da estrada e o outro a poente da mesma estrada.
11) Provado está que a parte-prédio a nascente da estrada é que confronta com os AA. e que a outra parte-prédio a poente não confronta com os AA.
12) Sendo assim, não podia ser reconhecido o direito de preferência aos AA. em relação às duas partes que constituem, de facto, prédios distintos e autónomos divididos pela estrada.
13) Também se se reconhecesse o direito de preferência sobre a parte que confronta com os AA. ia-se além do pedido, o que está vedado pelo artº 661º nº l do Cód.Proc.Civil, pelo que a acção tem de improceder.
14) Os AA. vieram preferir pelo preço constante de escritura que era de € 25.000,00; todavia o preço real era outro superior sendo que só podiam preferir pelo preço real. Deu-se como provado que o preço real foi de € 40.000,00 quando os RR. alegam que foi de € 50.000,00.
15) Os RR. fizeram juntar o documento de fls. 216 em que os vendedores declaram ter recebido de sinal 10.000,00 € referentes à venda do prédio em causa, declaração de quitação de fls. 217 de 7 desse mês e dois cheques de fls. 218 a 220, referentes ao pagamento do restantes 40.000,00 € bem como a procuração desse mesmo dia, de fls. 226 a 228, bem como a certidão da escritura de rectificação do preço para 50.000,00 € a fls. 156 a 159, documentos estes que os AA. não impugnaram nem foram postos em crise.
16) Porque contendo todos os elementos de prova nos autos, devem ser alteradas as respostas aos quesitos 40º, 41º e 42º (artº 712º do CPC) no sentido de que o preço real da venda foi de 50.000,00 € tendo sido este o valor recebido pelos vendedores.
17) Independentemente disto, certo é que os RR. apelantes na sua contestação alegaram que o preço real foi de 50.000,00 €, portanto superior ao da escritura inicial e que já tinha sido regularizada a situação referente ao valor real.
18) Os AA. persistiram no seu desígnio de preferir pelos 25.000,00 € na sua réplica, não alterando a sua posição nem depois da junção dos documentos atrás citados, inclusivamente da escritura de rectificação do preço, até ao encerramento da audiência persistindo sempre no mesmo, pelo que não declarando pretender preferir pelo valor real nem tendo feito qualquer depósito referente a este ainda que condicional são factos suficientes para inviabilizar o seu direito de preferência, havendo assim renúncia ao mesmo.
19) Os AA., com a notificação da contestação, foram informados que o preço real era superior ao declarado na escritura e não curaram sequer de alterar o pedido na réplica mo sentido de lhe ser reconhecido o direito de preferência pelo preço que viesse a ser considerado efectivamente pago nem procederam ao depósito de qualquer quantia mais referente ao preço, ainda que condicional, nem depois da rectificação da escritura nem da junção de documentos.
20) O depósito que fizeram já depois de encerrada a discussão é completamente intempestivo, pelo que o seu pretenso direito havia caducado, caducidade esta que os RR. invocaram nos autos em reposta e logo que notificados desse mesmo depósito.
21) Ainda que assim não fosse, a acção tinha de ser declarada improcedente pois o pedido inicial é em relação à escritura inicial e ao preço nela constante, não tendo havido alteração do pedido, pelo que, atento do disposto no art. 661º do C.P.C. a acção não podia ser declarada procedente por ir além do pedido, o que está vedado pelo artigo referido.
22) Ao decidir-se com se decidiu violou-se, nomeadamente, o disposto nos artsº 204º, 371º, 1376º, 1380º e 1 410º todos do Código Civil e artº 661º do Código de Processo Civil.
Contra-alegaram os Apelados pugnando pela confirmação da sentença.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2. FUNDAMENTOS.

O Tribunal deu como provados os seguintes,

2.1. Factos.

2.1.1. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso sob o nº 00220/110687 da freguesia de Souto Maior, sito no Vale Quente, composto de terra de cultura, pinhal e pastagem com castanheiros, com a área de 3.009 m2, a confrontar do norte com Carlos Alberto da Costa, sul com estrada, nascente com Norberto Ascensão Bártolo e poente com herdeiros de José Jerónimo, inscrito sob o artigo 823, com o valor patrimonial de 6 69,34, encontra-se inscrito na sua totalidade a favor de A..., casado com A... na comunhão geral de bens, sendo ¼ por compra a Pompeu de Jesus Martins Castro e esposa, Maria Magnólia Martins de Castro Matias e marido e Maria de Jesus Neves Martins de Castro, e ¾ por permuta com Carlos Augusto Domingues e esposa Ana Isabel Máximo Domingues, casados na comunhão de adquiridos, respectivamente pela inscrição G-4, correspondente à apresentação 02/130898, e G-5, correspondente apresentação 04/30032001. (A)
2.1.2. Por escritura pública de compra e venda, outorgada no dia 14 de Novembro de 2003 no Sétimo Cartório Notarial de Lisboa, exarada a fls. 15 a 16 do Livro número 66-J, C... e marido D... declararam vender a E..., casado com F... no regime de comunhão geral, pelo preço de € 25.000 a qual, por sua vez, declarou comprar, um prédio rústico localizado em Vale Quente, freguesia de Souto Maior, concelho de Trancoso, descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso sob o número duzentos e quarenta e dois daquela freguesia, registado a favor da vendedora, conforme inscrição G-um, inscrito na respectiva matriz sob o número 824, com o valor patrimonial de € 16,60. (B)
2.1.3. O prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso sob o nº 00242/271003, localizado em Vale Quente, freguesia de Souto Maior, concelho de Trancoso, composto de terra de semeadura e castanheiros, inscrito na respectiva matriz sob o número 824, com o valor patrimonial de € 16,60, com a área de 4.998 m2, a confrontar do norte com Adrião de Castro, do nascente com António Pires, do sul com José do Nascimento Costa e poente com Adrião de Castro, encontra-se inscrito a favor de E..., casado com F... no regime de comunhão geral de bens, por compra, pela inscrição G-2, correspondente à apresentação 01/27112003, encontrando-se inicialmente inscrito a favor de C..., casada com D..., na comunhão de adquiridos, pela inscrição G-l, correspondente à apresentação 03/27102003. (C)
2.1.4. Em consequência da escritura referida em B) dos factos assentes os réus compradores pagaram a quantia de 6 1.250 a título de sisa, 6 380 pela outorga da escritura e 6 225 de imposto de selo. (D)
2.1.5. Os autores procederam, no dia 18 de Maio de 2004, ao depósito da quantia de € 26.855, por depósito autónomo que se encontra afecto aos presentes autos. (E)
2.1.6. Por si e antepossuidores, vêm os autores detendo e fruindo o prédio descrito em A) dos factos assentes (1), Há mais de vinte anos (2), sempre convictos de que são seus proprietários (3), dele retirando todas as utilidades (4), sem oposição de quem quer que seja (5), à vista da generalidade das pessoas de Souto Maior e São Martinho (6), sem qualquer interrupção (7), na firme convicção de que, ao fazê-lo, exercem um direito próprio. (8)
2.1.7. O prédio descrito na alínea B) da factualidade assente confina, pelo seu lado Norte, com o prédio descrito na alínea A) da mesma factualidade. (9)
2.1.8. Os Réus E... e F... não são donos de qualquer prédio rústico que confine com o prédio descrito na alínea B) da factualidade assente. (11)
2.1.9. Os prédios descritos nas alíneas A) e B) da factualidade assente são atravessados pela estrada municipal, sensivelmente no sentido Norte – Sul, conforme “croquis” de fls. 230. (13)
2.1.10. Estrada que divide o prédio descrito na alínea A) da factualidade assente em duas partes e divide o prédio descrito na alínea B) da factualidade assente também em duas partes conforme “croquis” de fls. 230. (14)
2.1.11. Umas das partes do prédio descrito na alínea B) da factualidade assente fica, relativamente à referida estrada municipal, do lado Poente desta, conforme “croquis” de fls. 230 (15),
2.1.12. - E confronta, dos seus lados Norte e Poente, com um prédio rústico de Carlos Augusto Domingues, conforme “croquis” de fls. 230. (16)
2.1.13. A outra parte do prédio descrito na alínea B) da factualidade assente fica, relativamente à referida estrada municipal, do lado Nascente desta, conforme “croquis” de fls. 230. (17)
2.1.14. E confina do seu lado Norte, com a parte do prédio descrito na alínea A) da factualidade assente que também fica, relativamente à referida estrada municipal, do lado Nascente desta, conforme “croquis” de fls. 230. (18)
2.1.15. Por escritura pública de justificação e compra e venda, outorgada no dia 12 de Dezembro de 1998, exarada no Cartório Notarial de Celorico da Beira, a fls. 76 a 77 v. do Livro 34-D, Francisco José dos Santos Silva e Deolinda Maria Santos Oliveira Alves, casados no regime de comunhão geral de bens, declararam ter adquirido por usucapião um prédio rústico composto de terra de pastagem, sito no lugar do Vale Quente, limite da freguesia de Souto Maior, concelho de Trancoso, com a área de 1.700 m2, a confrontar do Norte com passagem, do Sul com José Caseiro Monteiro, do Nascente com António Aguiar da Silva e do Poente com herdeiros de Norberto S. Bártolo, inscrito na matriz sob o artigo 900, com o valor patrimonial de 200$00 e então não descrito na Conservatória do Registo Predial. (23)
2.1.16. Mais declararam, na referida escritura pública, Francisco José dos Santos Silva e Deolinda Maria Santos Oliveira Alves, vender o prédio rústico ali justificado, a E..., casado com F... no regime de comunhão de adquiridos, pelo preço de 120.000$00. (24)
2.1.17. O prédio justificado e vendido na referida escritura pública encontra-se actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso sob o nº 00165/080399 da freguesia d Souto Maior. (25)
2.1.18. E encontra-se inscrito a favor de E..., casado com F..., no regime de comunhão de adquiridos, por compra a Francisco José do Santos Silva e esposa, Deolinda Maria Santos Oliveira Alves, pela inscrição G-l, correspondente à apresentação 03/080399. (26).
2.1.19. Por si e antepossuidores, os Réus E... e F... vêm detendo e fruindo o prédio referido nas respostas dadas aos quesitos vigésimo terceiro a vigésimo sexto, nele tendo construído, há cerca de nove anos, a vivenda com jardim, onde habitam. (27), na convicção de serem seus verdadeiros proprietários. (28), há mais de vinte anos (29), dele retirando todas as utilidades (30), sem oposição de quem quer que seja (31), à vista da generalidade das pessoas da localidade (32), sem qualquer interrupção (33), na firma convicção de que, ao fazê-lo, exercem um direito próprio. (34).
2.1.20. O prédio referido nas respostas dadas aos quesitos vigésimo terceiro a vigésimo sexto, hoje vivenda e jardim, que constitui a casa de habitação dos Réus E... e F..., confronta do seu lado Poente, com o prédio descrito na alínea B) da factualidade assente, conforme “croquis” de fls. 230. (35)
2.1.21. Os Réus E... e F... são donos de terrenos rústicos que confinam com a vivenda e jardim, sua casa de habitação, referida n resposta dada ao quesito anterior, pelos lados Nascente e Sul desta casa, conforme “croquis” de fls. 230 (36).
+
2.2. O Direito.

Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- Da alegada confinância do prédio dos adquirentes com o referido na alínea A) dos Factos Provados.
- Reflexos sobre o direito de preferência do atravessamento do prédio que dele é objecto por uma estrada.
- Efeitos da escritura de rectificação no depósito do preço do prédio objecto de preferência.
+
2.2.1. Da alegada confinância do prédio dos adquirentes com o referido na alínea A) dos Factos Provados.

A presente acção de preferência foi intentada pretendendo os AA. vir a ocupar o lugar dos 2ºs RR. outorgantes compradores do prédio rústico identificado na alínea B) da especificação, arvorando como causa de pedir o serem proprietários de um outro prédio rústico confinante, o que permitirá através da junção de ambos conseguir um prédio que mais se aproxima da área de unidade de cultura para a região – artigo 1380º do Código Civil – Diploma ao qual pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem.
O direito de preferência é um direito real que confere ao titular o direito de prevalência e sequela sobre o objecto preferido, tudo se passando quando feito valer judicialmente com êxito como se o contrato de alienação houvesse sido celebrado com o preferente, o qual se substitui ao primitivo comprador na respectiva escritura. Os requisitos essenciais para o exercício do direito são, para além dos que constam do normativo citado, igualmente os que têm a sua sede no artigo 416º; o Autor tem que provar com vista à procedência da acção, que tem o direito de preferência e que o prédio foi vendido; ao R. incumbe fazer a prova que ao primeiro foi dado conhecimento dos elementos essenciais do negócio e que o mesmo renunciou ao seu direito ou não o exerceu atempadamente, ou ainda outros factos que casuisticamente sejam impeditivos do direito a que o Autor se arroga.
No caso vertente os óbices ao direito de preferência a que os AA. se arrogam opostos pelos RR. adquirentes, prendem-se essencialmente com peculiaridades fisionómicas e de confrontação do prédio objecto de preferência que na tese dos RR. afastariam tal direito.
Assim referem os RR. apelantes-adquirentes que são donos de um prédio rústico que confronta pelo lado poente com o prédio descrito na alínea B) da especificação. Tal facto obstaria à preferência, já que a mesma in casu só poderá ter lugar quando exercida ocorrendo a venda do prédio rústico preferente a quem não for proprietário confinante.
Os AA. pretendem que tal prédio assume natureza urbana; os RR, contrapõem que mau grado tenham erguido no prédio supra-apontado uma casa de habitação com jardim anexo, a mesma não ocupa todo esse terreno; logo está incorrecta a conclusão de que se trata da habitação dos apelantes até porque os mesmos têm habitação noutro local. A casa ora em análise visa dar apoio à exploração dos terrenos circundantes e vizinhos.
Face ao exposto entendem até os Apelantes dever dar-se como não provado o quesito 11º e provados tal como foram formulados os quesitos 35º e 36º da Base Instrutória.
À matéria do quesito 11º o Tribunal deu como provado que os recorrentes não são donos de qualquer prédio rústico que confine com o prédio descrito na alínea B) da factualidade assente; Ao quesito 35º deu como provado que “o prédio referido nas respostas dadas aos quesitos 23º a 26º, hoje vivenda e jardim, que constitui a casa de habitação dos recorrentes, confronta do lado poente com o prédio descrito na alínea B) da factualidade assente, conforme croquis de fls. 230. Ao quesito 36º deu como provado que os Recorrentes são donos de terrenos rústicos que confinam com a vivenda e Jardim a sua casa de habitação pelos lados nascente e sul desta casa.
Os RR. Apelantes não têm razão.
A lei não nos fornece directamente qualquer critério prático de caracterização da natureza rústica ou urbana dos prédios; os critérios que têm sido propostos para aquela diferenciação têm natureza doutrinária, destacando-se os da teoria do valor; teoria da afectação económica; teoria do fraccionamento e teoria da consideração social. Não cabendo naturalmente neste aresto escalpelizar as teorias supra-indicadas, diremos contudo que optamos neste particular pelo critério que aponta prima facie para a rusticidade dos prédios; estes são rústicos a menos que neles se encontrem edificações cujo relevo na caracterização definitiva do prédio terá que ser avaliada casuisticamente. Ora prédio urbano é - diz-nos o artigo 204º do Código Civil “(…) qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”; este último constitui “o terreno adjacente à casa, com carácter de quintal, pátio ou jardim terreno de horta, com árvores da dependência de moradia, servindo de aproveitamento ou suporte às necessidades ocasionais do dono da casa” Cfr. Ac. desta Relação de 17-11-81 in CJ VI, 5, 70 I. . Assim entendemos com Menezes Cordeiro que se tal logradouro estiver ao serviço da edificação (o que só pontualmente poderá ser apurado, estaremos em face de um prédio urbano) É aliás a ideia que transparece in A. citado “Tratado de Direito Civil Português” Pare Geral, Tomo II, Almedina, 2002, 2ª Edição, pags. 124. Também frisando o relevo da casuística na distinção poderá ver-se o Ac. do S.T.J. de 16-4-1996 (P. 88 325) in Bol. do Min. da Just., 456, 321.

. Se pelo contrário se constata o primado do terreno sobre a construção que nele está inserida mas ao seu serviço, o prédio será rústico.
Revertendo ao caso em análise e sem abordar agora, porque não nos vêm levantados, quaisquer problemas de direito urbanístico, podemos concluir perante a prova existente nos autos, nomeadamente das fotografias juntas a fls. 98 e croquis de fls. 230 que bem se andou ao classificar o prédio em análise como urbano; com efeito ali se patenteiam claramente uma casa de habitação com o logradouro que a rodeia, o que foi corroborado pelo resultado da inspecção feita ao local.
Nesta conformidade improcede o óbice que neste ponto é levantado à tese dos AA.. +
2.2.2. Reflexos sobre o direito de preferência do atravessamento do prédio que dele é objecto por uma estrada.

Insurgem-se ainda os apelantes contra o decidido com o fundamento de que o facto de o prédio preferendo ser atravessado por uma estrada lhe retira a unidade não podendo ser assim objecto do direito de preferência; estaremos pois em face de dois prédios e no caso vertente não é possível na falta de cumprimento de formalidades legais, estabelecer sobre que fracção da totalidade incide a preferência dos AA.
Não têm razão os apelantes. “O direito de preferência numa versão tradicional autêntica, consiste na faculdade atribuída a alguém de em condições de igualdade (tanto por tanto) chamar a si com preterição de outrem a aquisição de determinada coisa ou direito que o titular pretenda alienar” Cfr. Antunes Varela in RLJ 119, pags. 381. . Esta definição, captadora da essência do aludido direito, dita a solução a conferir à questão que nos é colocada. Na verdade foi o prédio na sua configuração actual que os RR. compraram como uma unidade, sem embargo de já estar atravessado por uma estrada; é na venda dessa mesma unidade que os Autores pretendem preferir. Ora não estando criados dois artigos matriciais, a preferência só poderá ser exercida pela totalidade do prédio. O direito de preferência que motiva a notificação do preferente para o respectivo exercício, fixa simultaneamente perante aquele os contornos do negócio jurídico, no que toca a fisionomia do prédio, preço, prazo e eventuais compradores. É na situação jurídica destarte delineada que o preferente pretende ver-se substituído ao comprador. A isto acresce que constituindo o prédio uma unidade e tendo sido vendido como tal, não saberiam os AA. como exercer o seu direito nomeadamente quanto aos respectivos requisitos de exercício indispensáveis para tanto, v.g o depósito do preço (ficar-se-ia na verdade sem saber qual o valor da parcela directamente confinante com o seu prédio). Ora o direito de preferência dos AA. não pode ser prejudicado pelo facto de não terem sido regularizadas em relação ao prédio as formalidades para a respectiva divisão e que não estavam na sua disponibilidade promover.
Nesta conformidade entendemos que falece igualmente razão aos RR. neste particular.
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2.2.3. Efeitos da escritura de rectificação no depósito do preço do prédio objecto de preferência.

Vêm os RR. invocar como óbice ao exercício do direito de preferência o facto de haverem referido na sua contestação que efectuaram uma escritura de rectificação do preço da escritura segundo o qual o preço alegadamente real pago pelo prédio preferendo foi não de € 25.000 mas antes de € 50.000. Os AA. tiveram conhecimento da escritura e não obstante isso não declararam preferir pelo preço assim rectificado alterando nessa conformidade o pedido.
Assim sendo o depósito do preço que os RR. fizeram após o trânsito em julgado da sentença que entendeu ter o preço do prédio ascendido a € 40.000 é já extemporânea não lhes aproveitando.
Defendem até por isso que o preço a depositar deveria ter sido de € 50.000, assim pugnando pela alteração da resposta aos quesitos 40º, 41º e 42º.
Decidindo. Também aqui poderiam adiantar-se os argumentos exarados em 2.2.2.: os RR. exerceram o seu direito balizado pela notificação para preferir que lhes foi feita Carlos Lacerda Barata in “Da Obrigação de Preferência, Coimbra Editora, 2000. pag. 161, refere, reforçando tese do carácter definitivo do aviso para exercer o direito de preferência, que o mesmo “deve ser apresentado como tal e não como elemento de um comum processo de negociação”.
O cariz conformador do aviso para preferência a denuntiatio, que aqui defendemos, parece ressaltar de igual forma das considerações de Agostinho Cardoso Guedes in “O Exercício do Direito de Preferência”, Porto, Teses, Universidade Católica, pags 354 ss. No mesmo sentido H. Mesquita in “Obrigações Reais e Ónus Reais”, Teses Almedina, 1990, maxime pags. 214 e 215 onde nomeadamente se escreve que “A efectivação do direito de preferência resulta da cooperação de quem cumpriu a obrigação de notificar o projecto de venda e cumpriu outrossim, na sequência da declaração emitida pelo preferente a obrigação de celebrar com ele o negócio projectado” (Sublinhado nosso).
Na Jurisprudência cfr. ainda o Ac. do S.T.J. de 19-11-2002 (P. 3447/02) in Col. de Jur., 2002, 3, 133; desta Relação de 18-10-1988 (R. 332/88) Col. de Jur., 1988, 4, 81


; e com base na mesma procederam ao depósito da importância constante da escritura, i.e. € 25.000; é a notificação que foi feita aos AA. repetimo-lo, que decide da configuração da lide; e se é certo que houve uma alteração posterior – curiosamente a 23 de Junho de 2004, após a propositura da presente acção, tal facto já não pode alterar os dados assentes. Admitir tal óbice como impeditivo do direito de preferência, seria abrir a porta a manobras oportunísticas; antolhar-se-ia fácil desencorajar o preferente - que formulou a decisão de exercer o seu direito potestativo com base em determinados pressupostos - agora através de um preço inflacionado corrigindo ficticiamente o preço real. Assim e mesmo independentemente do carácter genético do modus de exercício do direito de preferência que filiamos na notificação acima aludida, valorar em favor dos RR. o seu comportamento ao rectificarem a escritura seria pactuar com um comportamento indiciador de má-fé pela sua parte. A isto acresce que o depósito da quantias a que alude o artigo 1410º do Código Civil tem lugar nos quinze dias subsequentes à propositura da acção não se nos antolhando lícito por qualquer forma após a apresentação da contestação o retorno a uma fase processual que não está prevista na lei.
Atenta a posição que os AA. tomaram nos autos e valorando devidamente o escopo da justiça material, conclui-se que o preço da venda do prédio ficou em dívida não lhes sendo exigível que naquela fase processual efectuassem qualquer outro depósito nomeadamente o do preço apurado - € 40.000 que aliás acabaram por fazer a final.
O quadro supradescrito em que o caso sub iudice se integra é pois completamente diferente das hipóteses comuns surgidas em juízo onde à partida o Autor intenta a acção invocando na PI a simulação da escritura e pretende preferir pelo preço real que está em discussão; nesses casos o preferente está na posse do quadro estabilizado dos elementos do negócio, plasmados na PI, tendo já ponderado apresentar-se à preferência pelo preço real que aponta, depositando por cautela aquele que consta (simuladamente?) da escritura para a hipótese de ter sido essa a quantia efectivamente paga pelo prédio preferendo. Não é isso como é óbvio, o que se passa no caso em análise.
Pelo exposto, ultrapassados os únicos óbices opostos por via do presente recurso à sentença de 1ª instância haverá que confirmá-la, já que estão preenchidos todos os elementos de que depende a procedência da acção com base no artigo 1380º do Código Civil, tal como vêm explanados no aresto em crise.

Poderá assim concluir-se o seguinte:

1) O direito de preferência é um direito real que confere ao titular o direito de prevalência e sequela sobre o objecto preferido, tudo se passando, quando feito valer judicialmente, como se o contrato de alienação houvesse sido celebrado com o preferente, o qual se substitui ao comprador na escritura de compra e venda.
2) Os requisitos essenciais para o exercício de tal direito são, para além dos que constam do normativo citado, igualmente os que têm a sua sede no artigo 416º; designadamente sobre o Autor recai o ónus de provar que tem o direito de preferência e que o prédio foi vendido; ao R. incumbe provar que ao primeiro foi dado conhecimento dos elementos essenciais do negócio e que o mesmo renunciou ao seu direito ou não o exerceu atempadamente, ou ainda outros factos que casuisticamente sejam impeditivos do direito a que o Autor se arroga.

3) Entre tais factos poder-se-ão enumerar aqueles que se prendem essencialmente com peculiaridades fisionómicas e de confrontação do prédio objecto de preferência, susceptíveis de afastar tal direito, nomeadamente a confinância do prédio com outro de natureza rústica pertencendo ao mesmo dono que adquiriu o prédio objecto da preferência e contra o qual a acção vem intentada.

4) A lei não nos fornece directamente qualquer critério prático de caracterização da natureza rústica ou urbana dos prédios; os critérios que têm sido propostos para aquela diferenciação têm natureza doutrinária.

5) In casu adopta-se o critério segundo o qual estando-se perante uma edificação com logradouro a classificação do prédio como rústico ou urbano depende em última análise da função do terreno adjacente em que a construção se implanta; o prédio será rústico se se verificar que o mesmo assume importância primordial estando ao seu serviço; será urbano se verificar a situação inversa.

6) Sendo o prédio objecto da preferência atravessado por uma estrada e na ausência de fraccionamento em dois artigos matriciais, o direito terá de ser exercido em relação à totalidade.

7) O direito de preferência motiva a notificação do preferente para o respectivo exercício, fixa simultaneamente perante aquele os contornos do negócio jurídico, no que toca a fisionomia do prédio, preço, prazo e eventuais compradores. É na situação jurídica destarte delineada que o preferente pretende ver-se substituído.

8) É irrelevante para o modus de exercício do direito de preferência a rectificação da escritura posterior à notificação dos elementos essenciais do negócio, na qual se pretende corrigir o preço do contrato aumentando-o de € 25.000 para € 5.000. Na verdade os RR. exerceram o seu direito balizado pela notificação que lhes foi feita; e foi com base na mesma que procederam ao depósito da importância constante da escritura, i.e. € 25.000. Não havia assim neste caso que proceder ao acréscimo do depósito, o qual só teve lugar após a prolação da sentença em primeira instância, apurado que foi o valor real do prédio em causa, i.e. € 4.000.
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3. DECISÃO.

Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente confirmando a sentença apelada.
Custas pelos Apelantes.