Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2808/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. COELHO DE MATOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO ; AUTO ESTRADA
Data do Acordão: 01/13/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Legislação Nacional: 493º E 799º DO CÓDIGO CIVIL; N.º 1 DA BASE XXXV DO DEC. LEI N.º 315/91, DE 20/08 E BASE XXXVI DO DEC. LEI N.º 294/97, DE 24/10
Sumário:
1 - Sempre que ocorra um acidente na auto-estrada originado por uma falha objectiva das específicas condições de segurança, a concessionária encarregada da vigilância e da permanente eficácia daquelas condições, responde pelos danos que estejam numa relação de causa e efeito com essa falha, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
2 - Tendo ocorrido um acidente na auto-estrada causado pela presença de uma matilha na respectiva faixa de rodagem, e não tendo a concessionária demonstrado que os animais aí penetraram por modo totalmente alheio às condições de segurança, terá de responder pelos consequentes danos.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. Carlos Alberto... demandou, na comarca de Alcanena, a Companhia de Seguros..., na qualidade de seguradora da Brisa - Auto Estradas de Portugal, S.A, concessionária da auto-estrada A1, para ser ressarcido dos danos sofridos em consequência de acidente de viação ocorrido naquela via, causado por uma matilha (um bando de quatro ou cinco cães, segundo diz o autor) que entrou na faixa de rodagem por onde circulava o autor com a sua viatura automóvel de matrícula 03-17-IB.
Alega, em síntese, que se deparou, de forma imprevista, com aqueles animais na auto-estrada, ocupando a faixa de rodagem por onde circulava e que, apesar de todos os esforços para o evitar, colidiu com um deles e sofreu danos na viatura e outros de que pretende ser ressarcido.
Os animais teriam entrado por um furo existente na vedação que a Briza tinha a obrigação de manter permanentemente em condições de obstar a que tal viesse a acontecer. Daí o entender que é desta concessionária a responsabilidade pelo acidente e da seguradora a obrigação de indemnizar, por a ter assumido em competente contrato.

2. A ré contestou e, no prosseguimento da acção, veio a ser condenada no pagamento de danos patrimoniais e não patrimoniais em sentença de que agora recorre. Os fundamentos do recurso sintetiza-o nas seguintes conclusões:
1) Face aos concretos meios probatórios constantes da gravação realizada no processo (e documentais dos autos) impunha-se decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados bem diversa da ora recorrida, designadamente quanto à existência de furo na vedação de segurança.
2) Não resulta provado dos depoimentos testemunhais gravados que a vedação de segurança da auto estrada apresentava um furo.
3) Ao invés resulta provado, dos depoimentos testemunhais gravados, dos documentos juntos pela Brisa e da resposta positiva ao quesito 20° .
4) Todo este circunstancialismo implica a reapreciação da prova, com a alteração da factualidade dada como provada pelo Tribunal "a quo" no quesito 10°, que terá de ser modificado dela se expurgando que a Sª Irene Fabião, funcionária da Brisa de Leiria, detinha o processo de reclamação e que na participação apresentada à FIDELIDADE os serviços da BRISA de Leiria confirmavam a existência de um furo na vedação e com a resposta positiva aos quesitos 21° e 22° como atrás se consignou.
5) Ao decidir de forma diversa o M.mo Julgador fez incorrecta apreciação da matéria de facto, violando o disposto no D.-L. n° 294/97, de 24.10 e Bases anexas, dos Art°s 483º e 799º do Cód. Civil e 653.º e 659.º do Cód. Proc. Civil.
6) A responsabilidade da BRISA em face de terceiros pelas indemnizações devidas em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão regula-se pelas normas estabelecidas no Código Civil, assenta na culpa e não em responsabilidade objectiva, no caso de acidente traduzido no embate do veículo do A. no canídeo que atravessa a auto-estrada, a concessionária não é responsável pela indemnização dos danos ocorridos, quer por falta de prova de culpa, quer por não existir culpa presumida.
7) Na douta decisão sub-judice, considerando provados os factos, o M.mo Julgador enquadrou-os juridicamente na responsabilidade contratual, visto o A. circular no seu veículo na A1 e sujeito ao pagamento da respectiva portagem.
8) Mas, tal enquadramento não é admissível, uma vez que a responsabilidade da BRISA em face de terceiros pela actividade decorrente da concessão rege-se pelas normas estabelecidas no Código Civil, sendo a responsabilidade extra-contratual assente na culpa e não em responsabilidade objectiva,
9) E não existe legalmente consagrado ou tipificado qualquer caso de responsabilidade objectiva ou pelo risco da BRISA relativamente a danos causados a terceiros, resultando do n° 1 da Base XLIX em conjugação com o disposto no n° 2 do Art° 483.º do Cód. Civil, que a responsabilidade da concessionária neste domínio é extra-contratual.
10) Ora, dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos tipificados no Art° 483.º do Cód. Civil, nenhum foi provado pelo A. e, tal prova competia-lhe ex-vi do n° 1 do artigo 487.º Código Civil, ou seja incumbia-lhe fazer a prova de que a BRISA soubesse ou devesse saber da presença dos canídeos na via e que eles lá se encontravam por culpa sua (que a BRISA não fez aquilo que deveria ter feito, tendo incorrido numa omissão culposa) e nem que a vedação estivesse furada e que, por tal facto e por tal sítio, os canídeos entraram na auto estrada.
11) Assim, não resultando provados nos autos quaisquer elementos que permitam imputar a responsabilidade do evento danoso produzido, em termos de causalidade adequada, a um facto voluntário, ilícito, doloso ou negligente da BRISA, impunha que se julgasse improcedente a pretensão do A.
12) Ora, o Tribunal a quo ao decidir nos termos constantes da douta sentença recorrida violou e fez incorrecta interpretação dos normativos legais aplicáveis, Dec. Lei n.º n° 294/97, de 24 de Outubro e suas BASES, artigos 483°, 487°, 493°, 799º do Cód. Civil.


3. O apelado contra-alegou em defesa do julgado. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre conhecer e decidir. Para que conste, os factos provados em primeira instância são os seguintes:
1. No dia 9 de Janeiro de 1998, o A. conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula 03- 17 – IB, marca Volvo, modelo V70 e que utiliza regularmente nas viagens de trabalho, seguindo pela AI, no sentido sul/norte (resposta ao quesito 1°);
2. Pelas 13h 35m, ao Km 90, junto à saída para Torres Novas / Abrantes, um bando de quatro ou cinco cães invadiram súbita e imprevistamente, a faixa de rodagem, pela qual circulava o A., formando um obstáculo em linha (resposta ao quesito 2°);
3. O A., que seguia dentro do limite de velocidade permitida, apesar de travar a fundo, até com risco de ser embatido pelos veículos que seguiam atrás, com perigo da sua segurança e de terceiros, não conseguiu evitar o embate, tendo atropelado um dos cães (resposta ao quesito 3°)
4. Os condutores profissionais de duas viaturas pesadas, que seguiam no mesmo sentido atrás do A., dado o aparato do acidente, que podia ter tido gravíssimas consequências, pararam junto do local do mesmo, para lhe prestar auxílio (resposta ao quesito 4°);
5. Tendo visto o que se passara, esses condutores, com a experiência de profissionais da estrada, aconselharam o A. a apresentar uma reclamação à Brisa, na portagem (resposta ao quesito 5°);
6. Seguindo o seu conselho, o A. dirigiu-se à Portagem de Torres Novas, ao Km 93, onde apresentou a reclamação de fls. 9, por indicação do portageiro principal, o Sr. Mário Henriques (resposta ao quesito 6°);
7. Em 20.01.98, o A. recebeu carta da Brisa, remetendo-o para a sua seguradora, a Companhia de Seguros Fidelidade, S.A., para quem transferira a sua responsabilidade civil;
8. A Brisa -Auto Estradas de Portugal, S.A. tinha transferido para a Fidelidade a sua responsabilidade civil por indemnizações que, conforme a lei, lhe sejam exigidas como civilmente responsável pelos prejuízos e/ou danos causados a terceiros na sua qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção da rede de auto estradas (Auto Estrada A1 -Lisboa -Porto);
9. A Sra. Irene Fabião, funcionária da Brisa de Leiria, com quem o A. falou e que detinha à altura o processo de reclamação referido, informou-o que na participação que apresentaram à R., os serviços da Brisa de Leiria confirmavam a existência de um furo na vedação (resposta ao quesito 10°);
10. A R. por carta datada de 19.02.98, omitindo o furo da vedação de segurança, comunica ao A. que a auto - estrada A1 estava em perfeito estado de conservação, não havendo qualquer responsabilidade da sua segurada;
11. Posição que a Brisa reafirma por carta de 10.03.98;
12. O A. perante a resposta referida em 10, tentou contactar o Dr. Luís Pinto, da BRISA de Leiria, a quem competia o seu processo de reclamação, a fim de obter uma explicação (resposta ao quesito 9°);
13. A reparação do veículo foi orçamentada em 496.893$00;
14. O veículo conduzido pelo A., em consequência do acidente, ficou com a parte frontal partida, tendo sido necessária a substituição da forra da pára-choques, dos rebites da forra, da grelha, das ópticas, do radiador do ar condicionado, entre outras peças (resposta ao quesito 11°);
15. A sua reparação importou em 496..893$00, tendo o veículo estado imobilizado na oficina de 1.02.98 a 9.03.98 (resposta ao quesito 12°);
16. O A. é médico oftalmologista, dando consultas no Cacém, na Covilhã e no Pinhal Novo e fazendo uma média de cerca de 1200 KM por mês (resposta ao quesito 13°);
17. Durante o período em que a viatura ficou imobilizada na oficina para reparações, o A. algumas vezes usou um automóvel emprestado pela sogra (resposta ao quesito 14°);
18. O A. viu-se obrigado a desmarcar algumas das consultas já marcadas na Covilhã e no Pinhal Novo, por não ter meio de transporte, perdendo o valor monetário correspondente ao preço dessas consultas (resposta ao quesito 16°);
19. O A. sofreu ainda um grande choque moral com o acidente, do qual, dada a sua violência e gravidade, poderia ter resultado a sua própria morte ou lesões físicas (resposta ao quesito 18°);
20. A situação referida em 13, era com uma paralisação da viatura durante 2/3 dias (resposta ao quesito 19°);
21. A Auto Estrada do Norte é patrulhada 24 horas por dia alternadamente por funcionários da Brisa e por elementos da Brigada de Trânsito da GNR, patrulhas destinadas a velar pela segurança dos utentes (resposta ao quesito 20°);
22. Não há notícia da não efectivação do patrulhamento referido em 21, no dia 9 de Janeiro de 1998 (resposta ao quesito 22°).


4. Com estes factos o sr. Juiz decidiu julgar a acção procedente e condenar a ré a indemnizar o autor, porque entendeu que entre o utente da auto-estrada e a sua concessionária se estabelece um vinculo contratual de cada vez que nela entra e paga a respectiva portagem e, consequentemente, deve a concessionária assegurar as especiais condições que oferece para se circular nesse tipo de via, designadamente em rapidez e segurança.
Daí que, ocorrendo um acidente por inobservância das especiais condições de segurança da auto-estrada se lhe imponha o dever de provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso [da obrigação de assegurar as condições de segurança] não procede de culpa sua (artigo 799º, n.º 1 do Código Civil).
Vem agora a ré - considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente - atacar a sentença recorrida em duas das suas vertentes: i) a deficiente decisão de facto; ii) a decisão de direito.
No primeiro caso questiona o ter-se dado como provado que existia um furo na vedação (por onde teriam entrado os cães); e argumenta com depoimentos de testemunhas, registados em suporte magnético, que vão no sentido de obstar a que se tenha dado tal facto como provado e até mesmo no sentido de considerar tal facto não provado.
Para abreviarmos as coisas digamos, desde já, que nem dos factos transcritos consta ter sido dado como provada a existência desse furo; o que vem provado é que uma funcionária da Briza afirmou que se fez menção da existência do furo ou buraco na vedação e não que tal furo ou buraco existisse, de facto. São coisas distintas. Por outro lado, como já iremos ver, existir ou não o questionado buraco, é insuficiente para a solução que se procura.
Por isso, passemos à segunda questão: o direito.

5. Diz o n.º 1 da Base XXXV do Dec. Lei n.º 315/91, de 20/08 – diploma que regulamenta a concessão das auto-estradas- que: “a concessionária deverá manter as auto-estradas que constituem o objecto da concessão em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando, nas devidas oportunidades, todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam”.
E depois, na Base XXXVI do Dec. Lei n.º 294/97, de 24/10 – diploma que revê as bases de concessão – diz-se que: “2 - A concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem. 3 - A concessionária deverá estudar e implementar os mecanismos necessários para garantir a monitorização do tráfego, a detecção de acidentes e a consequente e sistemática informação de alerta ao utente, no âmbito da rede concessionada e em articulação com as acções a levar a cabo na restante rede nacional e com particular atenção às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.”
E a propósito da responsabilidade civil por factos ilícitos colhe-se do n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil que “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar (...) responde pelos danos (...) que a coisa (...) causar (...) salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Ora, como parece não haver qualquer dúvida, está cometido à concessionária das auto-estradas o dever de vigilância daquela coisa imóvel que é a auto-estrada no seu todo, considerando não só as faixas de rodagem, como as bermas, raids de protecção e toda a zona envolvente criada para a segurança da própria via e dos seus utentes, como sejam as vedações e outros equipamentos.
Por isso, sempre que ocorra um acidente originado por uma falha das condições de segurança específicas da auto-estrada, a concessionária encarregada da vigilância dessas condições e da sua permanente eficácia, responde pelos danos que estejam numa relação de causa e feito com essa falha de segurança, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Assim, se um animal entra na auto-estrada e provoca um acidente a concessionária responde pelos danos, a menos que prove que não houve culpa da sua parte pelo facto de o animal ali surgir, ou que, mesmo que tivessem funcionado em pleno as condições de segurança, designadamente as vedações, o mesmo animal teria entrado e causado o acidente. Estabelece-se, assim, uma presunção de culpa da concessionária e o correspondente ónus de prova da inexistência de culpa.
Como diz Sinde Monteiro, num notável estudo publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência ( RLJ, ano 133º, n.º 3911 e 3912, págs.66. Note-se que há dois trabalhos sobre a matéria: um publicado nesta RLJ, ano 131º, págs. 41 e sgs. 106 e sgs. 378 e segs. ano 132º, págs. 60 e segs. e págs. 90 e segs.; e outro publicado na mesma Revista, Ano 133º, págs. 17 e sgs. e 59 e sgs. ) “para que o dano se possa dizer causado pela coisa imóvel é necessário que a mesma apresente algum defeito ou anomalia. (...) no caso da auto-estrada, a coisa tem de ser vista na sua globalidade, considerando todas as componentes que contribuem para a segurança, a fim de verificar se o funcionamento da coisa obedece aos parâmetros do direito positivo.
Ora, se as bases de concessão impõem a vedação em toda a extensão é porque se pretende evitar a entrada de animais. Logo, a simples presença de um animal na auto-estrada é uma anomalia que faz presumir a culpa do encarregado da vigilância da coisa”. Há aqui – no dizer do mesmo autor- não só uma presunção de culpa, como ainda uma presunção da prática de um facto ilícito.

6. Como se sabe, as auto-estradas constituem uma particular fonte de perigos, pelas velocidades que o seu traçado permite. Por isso mesmo, ao tornar obrigatória a vedação das auto-estradas em toda a sua extensão, o nosso direito pretende afastar essa fonte de perigos. É, pois, perfeitamente compreensível que, no plano do direito probatório, se cometa o ónus da prova da ausência de culpa sobre quem tem a possibilidade (e o dever, ligado à custódia), bem como os conhecimentos e meios técnicos e humanos para controlar a fonte de perigos.
Assim se compreende, volvendo ao caso dos autos, que não basta à ré argumentar que não se provou existir um furo na vedação, porque parte da posição (contrária à que preconizamos) de que o autor lesado tem o ónus de provar a culpa da ré lesante, em face do disposto no artigo 487º, n.º 1 do Código Civil. O que lhe competia demonstrar é que, dado o modo como os animais entraram na auto-estrada, eles sempre teriam entrado, existisse ou não esse furo, houvesse ou não qualquer falha de segurança.
Competia à ré, em suma, a prova histórica do acontecimento e com ela a conclusão de que não tinha havido falha no dever de vigilância, afastando a culpa inerente à presunção legal.

7. Apresenta ainda a sentença recorrida uma visão contratual estabelecida entre o utente e a concessionária da auto-estrada, fazendo corresponder à prestação do utente a contraprestação das especiais condições de segurança oferecidas pela concessionária. Efectivamente não falta quem veja nisso a existência dum “contrato de utilização” ou um “contrato com eficácia de protecção para terceiros”( Cfr. Sinde Monteiro, RLJ, 132º, págs. 95.), ou até mesmo um “contrato inominado”, situação que também obriga a concessionária a suportar o ónus de prova da ausência de culpa, face ao disposto no artigo 799º, n.º 1 do Código Civil.
E sendo assim, como nada parece obstar a que concorra na única pretensão indemnizatória este duplo fundamento, está suficientemente demonstrado que a concessionária deve responder pelos danos causados pela entrada dos canídeos na auto-estrada, uma vez que não provou a ausência de culpa da sua parte.
Na verdade, sobre esta questão crucial a ré limitou-se a alegar em matéria de facto que a auto-estrada é constantemente patrulhada pela Brigada de Trânsito e vigiada pelos funcionários da concessionária, não havendo notícia de nenhum furo na vedação. Claro que isto é muito pouco, ou quase nada, para o que se lhe exigia.
Com efeito, do que deixamos dito, pode resumir-se que a Brisa é obrigada a assegurar, de modo continuado e permanente, a conservação das auto-estradas de que é concessionária, devendo proceder às intervenções, necessárias e adequadas, para que, salvo casos de força maior devidamente comprovados, nelas se possa circular sem perigo. Apesar de não se lhe poder exigir operações de vigilância permanentes, em todos os troços das auto-estradas, deve exigir-se-lhe que tais operações sejam efectivas e eficazes, de modo a detectar, em tempo oportuno, potenciais fontes dos riscos de circulação automóvel.( Foi assim que se decidiu no acórdão desta Relação, de 5/11/2002, CJ, tomo v, págs. 14. No mesmo sentido vejam-se ainda os acórdãos do STJ, de17/02/2000, CJ, tomo l, pág. 107 e desta Relação, de 8/1/2001, CJ, tomo III, pág. 9. )
Podemos então concluir que:
- Sempre que ocorra um acidente na auto-estrada originado por uma falha objectiva das específicas condições de segurança, a concessionária encarregada da vigilância e da permanente eficácia daquelas condições, responde pelos danos que estejam numa relação de causa e efeito com essa falha, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
- Tendo ocorrido um acidente na auto-estrada causado pela presença de uma matilha na respectiva faixa de rodagem, e não tendo a concessionária demonstrado que os animais aí penetraram por modo totalmente alheio às condições de segurança, terá de responder pelos consequentes danos.
Logo, por tudo o que deixamos dito, devem improceder as doutas conclusões da recorrente e a sentença recorrida é de manter, por não ter violado a lei.

8. Decisão.
Por todo o exposto, acordam os juizes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Coimbra, 13 de Janeiro de 2004