Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
241/07.0TBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
DECISÃO
DESPACHO
Data do Acordão: 10/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 18º CRP, . 64º, N.º2 DO RGCC
Sumário: 1. A decisão por despacho proferida nos termos do artº 64º da RGCC não se trata de uma sentença, stricto sensu, que tenha de proceder à apreciação da matéria de facto e de direito, mas antes de um simples “despacho” que apenas terá de seguir o formalismo da sentença na estrita medida em que a questão a decidir o imponha.

2. Cumpre apreciar o recurso de impugnação da decisão administrativa apenas tendo que enunciar os dados necessários para o efeito. Sendo mesmo redundante e desnecessário reportar os elementos do processo não questionados nem relevantes para a decisão a proferir.

3. Limitando-se o recorrente a dizer que não era ele que conduzia a viatura, não tendo sido questionada a pena acessória não tem o tribunal de se debruçar sobre ela, não tendo nomeadamente que apreciar, uma questão (suspensão) que não lhe foi colocada.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

MF, recorre da decisão do tribunal de comarca que julgou improcedente o recurso de impugnação de decisão administrativa que (depois de o recorrente ter pago voluntariamente a coima correspondente) o condenara, como autor de uma contra-ordenação p e p pelas disposições conjugadas dos artigos 27º, n.ºs 1 e 2, al. a), 138º e 145º, al. a), todos do C. da Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 60 dias.

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Remata a motivação com as seguintes Conclusões:

1- Por Sentença de fls…, e seguintes o Recorrente MF, mantendo a decisão administrativa nos seus preciso termos, foi condenado, automaticamente, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias.

2- Deve a douta Sentença recorrida ser considerada nula por omissão de pronúncia, por força da conjugação do disposto nos artigos 50º, 70º 71º e 379º nº1 a) e c) do CPP, uma vez que o Tribunal “a quo” tinha o poder - dever de apreciar a possibilidade da concessão ou denegação da suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, não o tendo feito, como estava obrigado, atento o consignado nos artigos 18º do RGCOC, e 139º, 141, nº3 do C.E.

3- A decisão é nula por falta de fundamentação, verificando-se, por isso, a nulidade prevista no artigo 379º nº1 a) e 374º nº2 e nº3 a), ambos do CPP, uma vez que, atentas as exigências de prevenção geral e especial, omitiu a especificação dos dados estatísticos rodoviários regionais e nacionais, que permitissem concluir pela aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir.

4- A Sentença recorrida não deu cumprimento ao disposto no nº3 do artigo 71º do C.P., uma vez que, no entender do recorrente, da mesma não resultam expressamente quais os fundamentos da medida da pena aplicada, sendo omissa quanto à imputação subjectiva.

5- Atendendo aos critérios dosiométricos previstos no artigo 7º do C.P. e artigos 139º e 141º, nº3 do CE e ao circunstancialismo dos autos, deve a sanção acessória de inibição de conduzir a que o recorrente foi condenado ser suspensa na sua execução, condicionada à prestação de caução de boa conduta, ao abrigo do disposto nos artigos 139º e 141 nº3 do CE. e artigos 40º, 50º, 70º e 71º do C.P., revogando-se aquela decisão, ora recorrida.

6- Resulta que poderia, apesar do Recorrente apresentar no seu RIC antecedentes rodoviários, e deveria ser ter sido formulado um juízo de prognose favorável de que a simples ameaça da sanção satisfaz as necessidades de aplicação da sanção.

7- Por fim, atendendo ao disposto no artigo 18º da C.R.P., que impede que da sanção resultem consequências gravosas desnecessárias para o arguido, devendo as restrições limitar-se ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, deveria a sanção acessória de inibição de conduzir ter ficado suspensa na sua execução ou, em último, condicionar-se a suspensão da execução à prestação de caução.

8- Termos em que foi violado o principio da necessidade e da proporcionalidade.

9- Termos em que deverá revogar-se a douta decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra em que seja suprida a nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação invocadas, e se suspenda a execução da sanção acessória de inibição de conduzir, em último caso, mediante prestação de caução de boa conduta.

10- Com que em suma violou a douta decisão em apreço o artigo 379 n0 1 alíneas a) e c) e artigo 374 nº 2, ambos do C.P.P., os artigos 40, 50, 70 e 71, do C.P., os artigos 139 e 141 nº3 do C.E., artigo 18º do RGCOC e artigo 18º da C.R.P.

Atendendo-se à motivação do presente recurso e ao decidir-se como se conclui.

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Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido sustentando a improcedência do recurso, alegando designadamente que no recurso de impugnação o ora recorrente não suscitou a questão em que agora se enreda, não tendo por isso o tribunal ora recorrido que dela conhecer.

No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual manifesta a sua concordância com a resposta apresentada em 1ª instância.

Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.

Corridos os vistos, tendo-se procedido a julgamento, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre conhecer e decidir.


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Compulsando os autos no sentido de contextualizar a decisão recorrida e melhor apreciar as questões suscitadas, verifica-se que:

O objecto do processo consiste na prática da contra-ordenação (sancionada pelas disposições legais já referenciadas) consistente na circulação, na via pública, detectada por radar fotográfico, da viatura de matrícula XX-XX-SR, pertencente ao recorrente, ao Km. 21 da EN 234, no dia 01..04.2005 às 16h.42m., à velocidade de pelo menos 89 Km./h. (velocidade registada de 94km./h.), em local onde o máximo permitido é de 50km./h., nas demais circunstâncias de modo, tempo e lugar descritas no auto de notícia – cfr. teor do auto de fls. 3 dos autos, bem conhecido do recorrente, dispensando por isso a sua reprodução;

O recorrente foi devidamente notificado do teor do referido auto de notícia, para exercício do direito de defesa, para efeito do disposto no art. 50º do RGCC - notificação constante de fls. 8 dos autos;

Dessa notificação consta, além da remessa do triplicado do auto de notícia com os factos e previsão legal que tipifica a infracção, além do mais: “Junto envio a V. Exª a notificação n.º (…) que pode ser paga e/ou impugnada de acordo com as instruções expressas no verso da mesma. (…) Mais informo que, de acordo com o n.º2 do art. 171º do Código da Estrada, não tendo sido possível identificar o autor da contra-ordenação, a responsabilidade pela mesma recai sobre o proprietário (…) se no prazo concedido para a defesa V. Exª identificar devidamente pessoa distinta como autora (…) o processo será suspenso e instaurado novo processo contra a pessoa por si identificada (…)”;

No recurso de impugnação para o tribunal ora recorrido limitou-se a suscitar determinada questão a que se fará referência mais detalhada infra;

A decisão recorrida foi proferida depois de notificados o recorrente e o Mº Pº nos termos e para efeitos do disposto no art. 64º, n.º2 do RGCC, por ter sido entendido, por despacho prévio, que as questões suscitadas podiam ser decididas por “simples despacho” – cfr. despacho de fls. 24 e talão da notificação junto a fls. 25;

Só depois de findo o prazo, não tendo sido apresentada oposição, foi decidido o recurso, por “mero despacho”, como enunciado na decisão e no despacho prévio a que se fez referência, com base no preceito legal citado.

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Alega o recorrente que a decisão recorrida não apreciou questões de que lhe competia conhecer.

Ora, ao contrário do que sustenta o recorrente na sua 1ª conclusão (pressuposto de todos os considerandos subsequentes), “não foi condenado pela sentença de fls…” de que recorre.

Não foi a decisão recorrida, como se viu, que aplicou a sanção acessória questionada. Nem apreciou, em primeira-mão, dos pressupostos da contra-ordenação e da aplicação da sanção correspondente.

Pelo contrário a decisão recorrida constitui a apreciação do recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa - que, previamente, verificara a existência dos pressupostos, de facto de direito, constitutivos da contra-ordenação e aplicou (depois de a recorrente ter procedido ao pagamento voluntário da coima pelo mínimo) a sanção acessória em causa.

Por outro lado a decisão recorrida foi proferida depois de notificados o recorrente e o Mº Pº nos termos e para efeitos do disposto no art. 64º, n.º2 do RGCC, por ter sido entendido, por despacho prévio, que as questões suscitadas podiam ser decididas por “simples despacho” – cfr. despacho de fls. 24 e talão da notificação junto a fls. 25.

Só depois de findo o prazo, não tendo sido apresentada oposição, foi decidido o recurso, por “despacho”, tal como enunciado na decisão bem como no despacho prévio a que se fez referência que não foi contestado, com base no preceito legal citado.

Assim, não se trata de uma sentença, stricto sensu, que tenha procedido à apreciação da matéria de facto e de direito, mas antes de um simples “despacho”, apenas teria que seguir o formalismo da sentença na estrita medida em que a questão a decidir o impusesse.

E o âmbito do poder/dever de cognição do tribunal no “despacho” ora recorrido era definido pela motivação do recurso de impugnação da decisão administrativa que ao tribunal cumpria apreciar e decidir.

Por outro lado, cumprindo-lhe apreciar o recurso de impugnação da decisão administrativa o tribunal recorrido apenas tinha que enunciar – pour cause – os dados necessários para o efeito. Sendo mesmo redundante e desnecessário reportar os elementos do processo não questionados nem relevantes para a decisão a proferir. Aliás é proibida a prática, no processo, de actos inúteis – cfr. art. 137º do CPC, aplicável ex vi do art. 4º do CPP.

Isto posto, verifica-se que no requerimento de interposição do recurso que ao tribunal recorrido cumpria apreciar – cfr. motivação a fls. 19-21 dos autos - o recorrente limitava-se a dizer que não era ele que conduzia a viatura e que só nessa altura (da motivação do recurso de impugnação para o tribunal recorrido - volvido um ano e 4 meses sobre a notificação para o efeito) conseguira identificar a suposta funcionária da sua empresa que teria praticado a infracção.

Assim o tribunal recorrido apenas tinha que apreciar, como apreciou (como se viu por mero despacho) a questão suscitada. O que fez decidindo, nomeadamente, que a defesa/impugnação apresentada era intempestiva pois o recorrente devia ter procedido à identificação no prazo legalmente definido, para o efeito – devidamente identificado na notificação que lhe foi feita.

Não tinha que (re)apreciar a medida/efectividade da sanção acessória porque não suscitada.

Aliás, a este respeito, verifica-se que se encontra junto aos autos o cadastro individual de condutor do qual consta o registo de duas infracções activas - ambas por condução automóvel em excesso de velocidade – nas quais foi condenado em sanção acessória de inibição de conduzir, uma delas com cumprimento efectivo. Circunstância que, caso tivesse sido impugnada a pena acessória de forma relevante, também teria que ser ponderada como impeditivas do juízo de prognose favorável previsto no art. 50º do C. Penal pressuposto da suspensão.

Assim o tribunal conheceu das questões de que lhe cumpria conhecer, tendo enunciado os dados pertinentes, necessários e suficientes para o efeito.

Não enfermando, pois o despacho recorrido da assacada nulidade.

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A decisão recorrida não viola o invocado art. 18º da CRP. Desde logo porque não “aplicou”, muito menos de forma “automática” a sanção acessória questionada. Limitou-se a (re)apreciar, em função da motivação do recurso de impugnação, a sanção que tinha sido aplicada por decisão administrativa, em processo próprio, com aplicação dos preceitos legais de natureza substantiva vigentes, previamente comunicados ao recorrente, com salvaguarda do direito de defesa do recorrente.

Sendo certo ainda que, tendo a pena acessória sido aplicada por decisão da autoridade competente não foi questionada no recurso de impugnação relativamente aos fundamentos relativos à sua efectividade. Não tendo o tribunal recorrido que apreciar, como se viu, uma questão (suspensão) que não lhe foi colocada.

Além de que havia sido fixada pela decisão impugnada, de forma parcimoniosa, muito próximo do limite mínimo da moldura abstracta (de um a 12 meses). E existiam nos autos elementos (R.I.C. do arguido) que o tribunal não podia deixar de apreciar caso a questão da suspensão tivesse sido suscitada e que arredavam a verificação do juízo de prognose necessário.


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Nestes termos decide-se negar provimento ao recurso. ---

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida pela apreciação do recurso [atenta a extensão das questões colocadas e total falta de fundamento, nos termos dos artigos 513º, n.º1 do CPP e 82º, n.º1 e 87º, n.º1, al. b) do CCJ] em 7 (sete) UC.