Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
32/04.0TACDN-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
ABERTURA DA INSTRUÇÃO
Data do Acordão: 10/11/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 80º, N.º 1 E 2, DO C. C. JUDICIAIS, ARTIGO 145º, DO C. P. CIVIL
Sumário: I- A taxa de justiça que seja condição de abertura da instrução, de constituição de assistente ou de seguimento do recurso, deve ser autoliquidada e o documento comprovativo do seu pagamento junto ao processo com a apresentação do requerimento na secretaria ou no prazo de 10 dias a contar da sua formulação no processo.

II- No caso de falta de apresentação do documento comprovativo no prazo de 10 dias, deve a secretaria notificar o faltoso para proceder à apresentação da liquidação da taxa inicial no prazo de 5 dias com acréscimo de taxa de justiça de igual montante.

III- O art.º 145º, do C.P.Civil não se aplica à prática de actos previstos no C. C. Judiciais

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de
Coimbra.


Não se conformando com a decisão proferida pelo Exmo. Sr. Juiz de Instrução
Criminal, do Tribunal de Instrução Criminal ( TIC ) de Coimbra em 13.2.2006
¬- fls. 540 a 543 -, que declarou sem efeito o seu requerimento de
interposição de recurso, do despacho de não pronúncia, a assistente A.... interpôs recurso que motivou e
concluiu - fls. 556 a 561 .

Formula as seguintes conclusões:

- o art. ° 80º do CCJ que disciplina o pagamento da taxa de justiça que
seja condição de alguns actos, deve ser interpretado no sentido de que a
falta de junção do documento comprovativo desse pagamento pode ser suprida
através da sua entrega no tribunal nos 10 dias subsequentes;
- Assim, no caso dos autos, tendo o requerimento de interposição de recurso,
sido formulado para o processo em 4.1.06 e a respectiva taxa de justiça
junta no dia 10.1.06, ou seja, 6 dias após, não se verificou qualquer
omissão do pagamento da taxa de justiça, porquanto o respectivo comprovativo
foi entregue no processo nos termos e prazos legais, não havendo, por isso
justificação para a secretaria cumprir o disposto no art. 80 n° 2, do CCJ.
-Sem prescindir, e admitindo apenas como mera hipótese outra interpretação,
ainda assim a recorrente poderia pagar a taxa de justiça no 2° dia após o
termo do prazo assinalado nos termos do art. ° 80°, n° 2, do CCJ, de acordo
com o disposto no n° 5, do art. 145° do C PC, porquanto aquela é uma norma
de natureza processual.
- Com a relatada interpretação a douta decisão recorrida violou, por
manifesto erro de interpretação e aplicação, as normas contidas nos art.
145°, n° 5, 150°-A e outros, do CPC, 50° e outros, do CCJ e 286°, 287° e
seguintes do CPP, pelo que, no provimento do presente recurso, deve ser
revogado e admitido o recurso interposto, com todas as consequências legais.

O recurso foi admitido.

Na resposta o Exmº Procurador - Adjunto concluiu nos seguintes termos:

1 - Pela interposição de qualquer recurso em processo penal, é devida taxa
de justiça - art. 86°, n° 1, do CC.J -, cujo pagamento é feito por
autoliquidação, nos termos da Portaria n° 42/2004, de 14.1, devendo o
documento comprovativo dessa autoliquidação ser junto ao processo com a
apresentação do requerimento de interposição do recurso na secretaria do
Tribunal, ou no prazo de 10 dias a contar da sua formulação ( em acta) -
art. 80°, n° 1, do CCJ.
2 - Ou seja, quer o requerimento de interposição de recurso seja formulado
autonomamente (como in casu ) em relação ao processo, quer seja formulado em
acta, o requerente deve apresentar documento comprovativo da autoliquidação
da taxa de justiça, sendo a diferença apenas temporal, no primeiro caso com
o respectivo requerimento e, no segundo, no decêndio posterior à sua
formulação no processo.
3 - se o recorrente não juntar o documento comprovativo do pagamento, a
secretaria notifica-o para, no prazo de cinco dias, proceder à sua
apresentação e proceder ao pagamento de uma sanção de montante igual à taxa
de justiça devida ¬art. 80°, n° 2, do CCJ.
4- E se o recorrente não efectuar a autoliquidação da taxa de justiça devida
e não se mostrar paga a sanção respectiva o Tribunal deverá considerar sem
efeito o requerimento de interposição do recurso - art. 80°, n° 3, do CCJ -.
5.- Os art. 107°, n. 5, do CPP e 145°, n. 5 e 6, do C PC, são normativos que
se referem a actos processuais e não a actos tributários praticados no
âmbito processual.
6 - O pagamento de taxa de justiça sancionatória - sanção pelo retardamento
no pagamento da taxa de justiça inicial, como é o caso da prevista no art.
80°, n° 2, do CCJ - tem natureza meramente tributária, pelo que, nos termos
do art. 11º n° 2, do Dec. Lei n° 324/2003, de 27.12, o disposto no n° 5, do
art. 145°, do C PC não lhe é aplicável.
7- No caso dos autos, na sequência da decisão instrutória de não pronúncia,
interpôs a assistente recurso, tendo o respectivo requerimento dado entrada
na secretaria do Tribunal de Instrução Criminal em 4/01/06. Contudo, com a
apresentação do requerimento de interposição do recurso no Tribunal não
juntou a assistente o documento comprovativo da autoliquidação da taxa de
justiça devida, só o vindo a efectuar em 10.1.06.
8.- Por isso, o ilustre mandatário da assistente foi notificado pela
secretaria do Tribunal de Instrução Criminal, por carta enviada em 6/01/06
para, no prazo de cinco dias, apresentar documento comprovativo do pagamento
autoliquidado da taxa de justiça devida pela interposição do recurso e
proceder - até 16.1.06 - ao pagamento da sanção de igual montante à taxa de
justiça devida - art. 80°, n° 2, do CCJ -, sob pena de, nos termos do n° 3
desta disposição legal, a interposição do recurso ser dada sem efeito.
9.- Em 19.1.06 entregou a assistente novo requerimento no qual referia que,
embora não concordando com a notificação efectuada pela secretaria, para
proceder ao pagamento autoliquidado da taxa de justiça e da sanção, já que
procedera ao pagamento daquela ( taxa de justiça) dentro dos 10 dias após a
entrega do requerimento de interposição do recurso, se apresentara, na
secretaria do Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra, no dia 18.1.06, 2°
dia útil após o prazo fixado - 16.1.06 -, requerendo a passagem de guias
para pagamento da sanção prevista no art. 80°, n° 2, do CCJ, acrescida de
multa igual a metade da taxa de justiça, nos termos do art. 145°, n° 5, do C
PC, o que, todavia, lhe foi recusado pela secretaria.
10. - Ora, face ao exposto, uma vez que a assistente não procedeu à junção,
ao processo, do documento comprovativo da autoliquidação da taxa de justiça
aquando da apresentação do requerimento de interposição do recurso na
secretaria do tribunal e porque não procedeu, no respectivo prazo, ao
pagamento da sanção de montante igual à taxa de justiça devida, apesar de
notificada para esse efeito, bem andou, a nosso ver, o Mmº Juiz de Instrução
Criminal, ao declarar sem efeito o requerimento de interposição de recurso,
do despacho de não pronúncia, apresentado pela assistente.

Os recorridos não se pronunciaram.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanha e entendimento do
Ministério Público na motivação do recurso.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

São duas as questões que nos são propostas, a saber:
l. - se o documento comprovativo da autoliquidação da taxa de justiça,
devida pela interposição de recurso, deve ser junto ao processo com a
apresentação do requerimento de interposição do recurso na secretaria, ou se
pode sê-lo no prazo de 10 dias a contar dessa apresentação.
2. - se o disposto no art. 145°, n° 5, do C PC é, ou não, aplicável ao
prazo.

È do seguinte teor a decisão recorrida:

A...., assistente nos presentes
autos, em requerimento datado de 18/01/2006, peticionou fosse ordenada à
Secretaria Judicial a emissão de guias para pagamento da sanção prevista no
art. 80, n. 2, do Cód. das Custas Judiciais, acrescida da respectiva multa
igual a metade da taxa de justiça inicial, nos termos do art. 145, n. 5, do
Cód. de Processo Civil, alegando, em suma, que: seis dias após a entrega do
requerimento de interposição de recurso, juntou aos autos documento
comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida; a secretaria notificou
a assistente para pagar a taxa de justiça sanção prevista no art. 80, n. 2,
do Cód. das Custas Judiciais, pelo que a mesma, embora discordando, o fez,
todavia no 2º dia útil após o termo do prazo, tendo peticionado a emissão de
guias para pagamento da multa prevista no art. 80, n. 2, do Cód. das Custas
Judiciais, o que a secretaria se recusou a fazer.
O Ministério Público e o arguido Mário Manuel Guedes Teixeira Ruivo
pronunciaram-se no sentido do indeferimento da pretensão da ora reclamante.
A assistente interpusera recurso do despacho de não pronúncia, mediante
requerimento escrito dirigido aos autos, datado de 04/01/2006.
Fora notificada da decisão instrutória em 07/12/2005.
O ilustre mandatário da assistente foi notificado para proceder ao pagamento
da taxa de justiça sanção prevista no art. 80, n. 2, do Cód. das Custas
Judiciais, por via postal registada, datada de 06/0 1/2006.
Juntou o comprovativo do pagamento da taxa de justiça em 10/01/2006.
Apreciando e decidindo.
Pela interposição de recurso é devida taxa de justiça correspondente a 2
UCs, conforme preceitua o art. 86, n. 1, do Cód. das Custas Judiciais.
Sobre o modo e prazo de pagamento prescreve o art. 80, n.1 a 3, deste
código: " 1 - A taxa de justiça, que seja condição de abertura da instrução,
de constituição de assistente ou de seguimento de recurso, deve ser
autoliquidada e o documento comprovativo do seu pagamento junto ao processo
com a apresentação do requerimento na secretaria ou no prazo de 10 dias a
contar da sua formulação no processo"
2 - Na falta de apresentação do documento comprovativo no prazo referido no
número anterior, a secretaria notifica o interessado para proceder à sua
apresentação no prazo de cinco dias, com acréscimo de taxa de justiça de
igual montante"
3 - A omissão do pagamento das quantias referidas no número anterior
determina que o requerimento para abertura da instrução, para constituição
de assistente ou o recurso sejam considerados sem efeito".
Assim, consoante escreve Salvador da Costa, "quer o requerimento para os
referidos fins seja formulado autonomamente em relação ao processo, quer
seja formulado em acta, o requerente deve apresentar documento comprovativo
da autoliquidação da taxa de justiça, sendo a diferença apenas temporal, no
primeiro caso, com o respectivo requerimento e, no segundo, no decêndio
posterior à sua formulação no processo".
Por outras palavras, só no caso de o requerimento ser formulado em acta é
que o requerente tem dez dias para apresentar o comprovativo da
autoliquidação da taxa de justiça devida. Caso contrário, é apresentado
simultaneamente com o próprio requerimento.
Bem andou, pois, a secretaria, quanto a esta questão, tendo em consideração
a não apresentação atempada do comprovativo da autoliquidação da taxa de
justiça devida.
No que respeita à recusa da emissão de guias, nos termos vistos, importa
convocar o preceituado no art. 107, n. 5, do Cód. de Processo Penal, segundo
o qual, "independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado
no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil,
com as necessárias adaptações", com o que somos remetidos para o art. 145 do
Cód. de Processo Civil, cujos n. 4 e 5 dispõem: " 5 - Independentemente de
justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias
úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do
pagamento, até ao termo do 1º dia útil posterior ao da prática do acto, de
uma multa de montante igual a um quarto da taxa de justiça inicial por cada
dia de atraso, não podendo a multa exceder 3 UC.
6 - Decorrido o prazo referido no número anterior sem ter sido paga a multa
devida, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado
para pagar multa de montante igual ao dobro da taxa de justiça inicial, não
podendo a mesma exceder 20 UC'.
Tais normativos referem-se, todavia, a actos processuais, como a
apresentação de requerimentos e não a actos tributários praticados no âmbito
processual.
Tanto assim é que o art. 11º, n. 2, do Dec.-Lei 324/2003, de 27/12,
prescreve expressamente que "o disposto no n. 5 do art. o 145 do Cód. de
Processo Civil, não se aplica à prática de actos tributários previstos no
Cód. das Custas Judiciais".
Não assiste, portanto, razão à reclamante.
Pelo exposto:
Indefiro o requerido.
Declaro sem efeito o requerimento de interposição de recurso apresentado
pela assistente, do despacho de não pronúncia.


1.- Da autoliquidação da taxa de justiça

Alega o recorrente que o art. 80º do CCJ quando disciplina o pagamento da
taxa de justiça que seja condição de alguns actos, deve ser interpretado no
sentido de que a falta de junção do documento comprovativo desse pagamento
pode ser suprida através da sua entrega no tribunal nos 10 dias
subsequentes.
E para sustentar a sua argumentação socorre-se do acórdão da relação do
Porto de 7/11/05 que apresenta o seguinte sumário: “Remetida por via
electrónica para o Tribunal – e-mail – um requerimento de injunção,
desacompanhado de documento comprovativo do pagamento prévio da taxa de
justiça inicial, autoliquidação, a parte dispõe, ainda, do prazo de cinco
dias para comprovar tal pagamento, pelo que não deve, desde logo, ser
sancionada com multa”.
Neste acórdão considera-se que por aplicação do art. 150º - A do Código
Processo Civil ; sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a
falta de junção do documento referido no número anterior não implica a
recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias
subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das
cominações previstas nos artigos 486.°-A, 512.°-B e 690.°-B.
Como refere o Ministério Público a interpretação que a assistente pretende
fazer da parte final do n° 1, do art. 80° do CCJ, não é sustentável, pois,
caso assim fosse, aquela disposição legal seria contraditória em si mesma:
ao mesmo tempo que impunha a junção ao processo da comprovação da
autoliquidação da taxa de justiça como condição de seguimento do
requerimento de interposição do recurso, estabelecia o prazo de 10 dias para
que tal autoliquidação fosse comprovada.
Isto é, quer o requerimento para o referido fim (seguimento de recurso) seja
formulado autonomamente em relação ao processo, quer seja formulado em acta,
o requerente deve apresentar documento comprovativo da autoliquidação da
taxa de justiça - ¬a efectuar nos termos da Portaria n° 42/04, de 14.1 -,
sendo a diferença apenas temporal, no primeiro caso com o respectivo
requerimento e no segundo, no decêndio posterior à sua formulação no
processo .
E sobre esta questão não há qualquer dúvida. A letra da lei é clara. A taxa
de justiça, que seja condição de abertura da instrução, de constituição de
assistente ou de seguimento de recurso, deve ser autoliquidada e o documento
comprovativo do seu pagamento junto ao processo com a apresentação do
requerimento na secretaria ou no prazo de 10 dias a contar da sua formulação
no processo – art. 80º nº1 do CCJ.
Quando no preceito se alude à formulação no processo, para concessão de um
prazo acrescido de dez dias, apenas e tão só se contempla os recursos
interpostos para a acta previstos no art. 411º n.2 do Código Processo Penal.
Fixando a lei processual penal regras precisas para a admissão dos recursos
e liquidação da taxa de justiça devida pela interposição dos recursos – art.
524º do Código Processo Penal e art. 80º do CCJ- não faz sentido apelar ao
direito processual subsidiário do Código Processo Civil.
Pelo exposto consideramos que a decisão recorrida fez correcta aplicação do
art. 80 do CCJ ao considerar, nos termos do n.2 do art. 80 do CCJ, que na
falta de apresentação do documento comprovativo no prazo de dez dias, a
secretaria deveria (como efectivamente o fez) notificar a recorrente para
proceder à apresentação da liquidação da taxa inicial no prazo de cinco
dias, com acréscimo de taxa e justiça de igual montante. É a sanção
estipulada na lei para a omissão atempada da liquidação da taxa inicial.

2.- Da aplicação do art. 145°, n° 5, do C PC na falta de pagamento atempado
da taxa inicial

Como não cumpriu esta sanção no prazo estipulado, argumenta o recorrente que
ainda assim a recorrente poderia pagar a taxa de justiça no 2° dia após o
termo do prazo assinalado nos termos do art. ° 80°, n° 2, do CCJ, de acordo
com o disposto no n° 5, do art. 145° do C PC, porquanto aquela é uma norma
de natureza processual.
Porém esta argumentação esbarra com o art.11 n° 2, do dec. lei n° 324/2003,
de 27.12( ): o disposto no n.5 do art. 145 do Código Processo Civil, não se
aplica à prática de actos tributários previstos no Código das Custas
Judiciais
Embora os prazos previstos no Código das Custas Judiciais se orientem pelo
Código Processo Civil, o disposto no art. 145º do Código Processo Civil não
tem aplicação para a prática de actos tributários previstos no Código das
Custas Judiciais.
Deste modo, não tendo a assistente procedido ao pagamento da taxa de justiça
sancionatória até ao dia 16.1.06, a consequência só pode ser a de se
considerar sem efeito o recurso interposto, como impõe o n° 3, do art. 80°.
do CCJ.
Tanto basta para concluir que também por aqui não assiste razão à
recorrente.

Termos em que acorda negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente – 4 UC de taxa de justiça.
Coimbra 11 de Outubro de 2006