Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3043/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 11/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PINHEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 23º, 24º E 27º, Nº 1, AL. A), DO CIRE .
Sumário: I – A apresentação à insolvência faz-se por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida e se conclui pela formulação do correspondente pedido, devendo o apresentante, além do mais, indicar se a situação de insolvência é actual ou apenas iminente – artº 23º, nºs 1 e 2, al. a), do CIRE .
II – E nos termos do artº 24º, nº 1, do CIRE, com a petição deve o requerente, quando seja o devedor, juntar os documentos previstos nessa disposição .

III – Perante a falta de junção desses documentos, deve o juiz proferir despacho de aperfeiçoamento, convidando o requerente a suprir a omissão, no prazo de 5 dias, sob pena de indeferimento .

IV- Uma mera irregularidade formal verificada na apresentação desses documentos, sem relevância substancial e facilmente suprível, não é, por si só, motivo de conduzir à improcedência da declaração de insolvência, não constituindo fundamento suficiente para o indeferimento liminar .

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. RELATÓRIO
“A...”, com sede na Rua Carreira do Tiro, 6400 – 338 Pinhel, apresentou-se à insolvência, nos termos dos artºs 23º e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) Aprovado pelo Dec. Lei nº 53/2004, de 18 de Março e alterado pelo Dec. Lei nº 200/2004, de 18 de Agosto., alegando, em síntese, que está impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, não sendo, a valores actuais de mercado, o seu património suficiente para pagamento do passivo.
Nos termos do artº 27º, nº 1, al. b) do CIRE, o tribunal concedeu à apresentante o prazo de cinco dias para, sob pena de indeferimento, corrigir os vícios da petição e a juntar os documentos que indicou, ao que aquela respondeu através do requerimento de fls. 119 e 120 e documentos com ele juntos.
Entendendo que a requerente não dera cabal cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento, o tribunal, invocando o artº 27º, nº 1, al. a) do CIRE, indeferiu liminarmente o pedido de declaração de insolvência.
Inconformada, a requerente interpôs recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Na alegação de recurso que apresentou, a agravante formulou as conclusões seguintes:
1. Constam dos autos todos os elementos necessários à apreciação da situação económico-financeira da requerente e esses elementos demonstram a necessidade e a urgência da declaração de insolvência;
2. O facto de a requerente ter apresentado três listas ordenadas de credores, conforme a natureza dos respectivos créditos, não implica qualquer prejuízo e não é vício formal que, só por si implique o indeferimento do pedido;
3. Não foi a requerente notificada de qualquer falta de junção com a petição da lista de acções e execuções pendentes que aí refere expressamente;
4. O facto de a requerente ter de momento apenas dois funcionários ao seu serviço e de se terem extraviado documentos é justificação bastante para os efeitos do disposto no artº 27º, nº 1, alínea a), do CIRE, pelo que os autos deveriam ter prosseguido com a declaração de insolvência;
5. Violou o Douto Despacho recorrido o disposto nos artigos 24º e 27º do CIRE.
Foi proferido despacho de sustentação.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada apenas a questão de saber se o tribunal “a quo” tinha ou não fundamento legal para o decretado indeferimento liminar.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
Os elementos de facto relevantes para a decisão são os que resultam do relatório antecedente e ainda os seguintes:
3.1.1. Com a petição foram juntos os seguintes onze documentos:
A) Certidão da Conservatória do Registo Comercial de Pinhel, relativa à matrícula da “A...” e respectivas inscrições, averbamentos e anotações;
B) Relatório e Contas do ano de 2001;
C) Relatório e Contas do ano de 2002;
D) Relatório e Contas do ano de 2003;
E) Lista Provisória de Dívidas, com identificação do credor, indicação do montante da dívida e declaração de se encontrar vencida e de não ter garantias;
F) Cópia de auto de arresto em que é requerente António Alexandre Pereira Gonçalves e requerida “A...”, lavrado em 2005/03/14, no processo nº 100/05.0TBPNH, recaindo sobre dois veículos automóveis, um de marca “Toyota”, modelo “Dina”, com a matrícula 21-68-OI e outro de marca “Opel”, modelo “Corsa”, com a matrícula 57-31-OR;
G) Boletins individuais de remunerações referentes aos trabalhadores Tiago Miguel Pereira Martins, Maria da Graça Pinto B. Saraiva, Helena Maria Monteiro da Costa, Sandra Cristina Matias Lopes Santos, Joaquim Tavares Monteiro, Ezequiel Dias Lino, Ana Isabel Marques da Silva, António José Morgado Vitorino, António Campos Fonseca, Orlando dos Santos Nunes, José Luís da Fonseca Monteiro, Rui Miguel Almeida Martins, António Luís Soares Guerra e Telma Alexandra Sanches Pombal;
H) Lista de Imóveis integrada pelas fracções A, B e D do prédio urbano sito em Carreira do Tiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Pinhel sob o nº 01328/250294, com a declaração de que sobre tais fracções incidem hipotecas a favor do Banco Totta & Açores, S.A.;
I) Lista para os Corpos Sociais da Cooperativa – Triénio 2004/2007 –, com a composição da Mesa da Assembleia Geral, da Direcção e do Conselho Fiscal;
J) Acta da reunião da Direcção realizada em 2005/03/12, em que foi deliberado mandatar o ilustre subscritor da petição “para requerer em Tribunal a declaração de insolvência da A...”;
L) Documento em que a apresentante à insolvência descreve o que entende serem as causas da situação em que se encontra (artº 24º, nº 1, al. c) do CIRE).

3.1.2. No despacho de aperfeiçoamento de fls. 113 a 117 o Tribunal “a quo”, convidando a apresentante a corrigi-los, apontou à petição os vícios seguintes:
A) A relação dos credores “não menciona a data do vencimento dos créditos em causa, recorrendo à expressão telegráfica que os créditos já estão vencidos”;
B) O conjunto dos boletins individuais de remunerações juntos como documento nº 7 cfr. 3.1.1., G), supra não constitui um mapa de pessoal, como exigido na al. i) do nº 1 do artº 24º do CIRE;
C) Na petição é referido (artº 13º) haver já salários em dívida, mas tal não se vê repercutido na lista de credores junta;
D) Na petição é também referido (artº 14º) que não têm sido pagos os honorários aos formadores das acções de formação promovidas pela requerente, mas na lista de credores não constam os nomes dos formadores, os montantes dos honorários em dívida e as datas de vencimento;
E) Na petição alega-se ainda que a requerente tem diversas dívidas vencidas, cujos juros a têm sufocado financeiramente, e várias situações em contencioso e penhoras sobre as fracções autónomas referidas na relação de bens junta como documento nº 8 cfr. 3.1.1., H), supra. No entanto nada refere quanto aos montantes de juros suportados, nem junta lista de execuções que tenha pendentes;
F) A lista de credores não inclui o Banco Totta & Açores, S.A., apesar de, segundo a relação de bens apresentada, este beneficiar de hipotecas sobre as fracções autónomas que integram aquela relação;
G) Para satisfazer o exigido pelo artº 24º, nº 1, als. c) e f) do CIRE, deveria a requerente ter junto “documentação em que explicite qual a actividade ou actividades a que se tenha dedicado nos últimos três anos, ou seja deverá juntar aos autos documentação atinente aos exercícios fiscais dos últimos três anos que, in casu, atenta a data do pedido de insolvência, deverão corresponder aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, bem como as respectivas demonstrações de liquidação fiscais, uma vez que a declaração periódica de rendimentos do modelo 22 de IRC deveria ter sido entregue pelos sujeitos passivos deste imposto até ao dia 22 de Maio do corrente ano”.
H) A petição alude ao arresto de dois automóveis da requerente, tendo até sido junta cópia do respectivo auto cfr. 3.1.1., F), supra, mas aquelas viaturas não constam da relação de bens junta cfr. 3.1.1., H), supra.

3.1.3. Em resposta, a “A...” apresentou o requerimento de fls. 122 e 123, com o qual juntou os seguintes documentos:
A) Nova relação de credores, dividida em três categorias, cada uma organizada por ordem alfabética: a primeira relativa a credores bancários, prestadores de serviços (excepto formadores) e fornecedores; a segunda referente a outros credores (formadores e formandos); e a terceira a trabalhadores (lista de trabalhadores, com nome, morada, montantes em dívida já contabilizados e data de vencimento);
B) Dessa relação passou a constar – com excepção de uma dívida à Caixa Geral de Depósitos em que se diz tratar-se de dívida não vencida, mas garantida por hipoteca – a data do vencimento dos créditos e, no tocante aos credores Banco Totta & Açores e Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Seia, CRL, a alusão a “execução pendente”, bem como, no que tange a António Alexandre Pereira Gonçalves, a referência a “processo em tribunal: 156/05.6TBPNH”;
C) Mapas de pessoal dos meses de Março, Maio e Junho;
D) Relatório e Contas do ano de 2004;
E) Modelos 22 entregues em 2003, 2004 e 2005;
F) Comprovativo da entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal;
G) Cópia de certidões dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Pinhel sob os nºs 01328/250294, 01329/250294, 01329/250294-A, B e D e 01673/080596, das quais resulta que sobre o imóvel descrito sob o nº 01328 vigora uma hipoteca e uma penhora a favor do Banco Totta & Açores, S.A.; sobre os imóveis descritos sob os nºs 01329 –A e B vigora uma hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A. e uma penhora a favor da Fazenda Nacional; sobre o imóvel descrito sob o nº 01329-D vigora uma penhora a favor da Fazenda Nacional e uma penhora a favor da Caixa de Crédito agrícola Mútuo de Seia, CRL; e sobre o imóvel descrito sob o nº 01673 vigora uma hipoteca a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Concelho de Pinhel, CRL e uma penhora a favor da Caixa de Crédito agrícola Mútuo de Seia, CRL.

3.1.4. No requerimento de fls. 122 e 123 a “A...” diz que junta mapa do imobilizado (nº 4) e balancete analítico de Junho de 2005, acompanhado de notas explicativas (nº 5), mas tais documentos não se encontram nos autos.

3.1.5. Sob o nº 8 do aludido requerimento a “A...” esclarece e pede seguinte:
Assinala a Vª Excia que a Requerente tem ao seu serviço apenas dois funcionários neste momento, tendo os outros resolvido entretanto os contratos de trabalho. Esta situação, associada ao extravio de alguns documentos, tem dificultado a recolha dos elementos necessários aos autos, pese embora os esforços desenvolvidos nesse sentido.
Requer por isso a Vª Excia o prosseguimento dos autos, com a nomeação de um liquidatário judicial que auxilie a carrear para o processo todos os elementos necessários. Sugere-se para o desempenho do cargo o Dr. Luís Gonzaga, com domicílio profissional no edifício Liberal, Rua António Sérgio, Guarda”.

3.1.6. No despacho sob recurso entendeu-se que a “A...” não deu cabal cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento, apontando-se as seguintes falhas:
Quanto à lista de credores.
Apresentou três listas de credores, consignando numa os credores bancários prestadores de serviços e fornecedores, numa segunda lista os credores formadores, e numa terceira lista os credores laborais.
Ora o que a lei exige é uma lista organizada por ordem alfabética de todos os credores, identificando-os pelos seus domicílios, expressão pecuniária do credito data de vencimento e se gozam de alguma garantia especial.
Nos processos de insolvência os créditos não são graduados em função da fonte mas em função da sua posição relativamente aos bens que compõem a massa insolvente, ou seja se detém, ou não, de determinada posição privilegiada (real ou legal) sobre os bens em causa (cfr. nº 4 do artº 47º do CIRE, créditos garantidos e privilegiados, subordinados e comuns e os laborais artº 377º do Cód. do Trabalho).
Verifica-se assim que a requerente não deu cumprimento, nesta parte, ao despacho de aperfeiçoamento em causa.

Quanto à lista de execuções e acções pendentes.
Relativamente a este aspecto a requerente não apresentou qualquer lista, limitando-se ao longo das suas listas de credores a indicar que determinados credores que gozam de garantia real tem execuções pendentes contra a requerente, contudo não identifica nenhuma delas, limitando-se a identificar uma acção de António Alexandre Pereira Gonçalves sem especificar de que tipo de acção se trata, além de que a mesma deverá ser relacionada numa lista própria devidamente individualizada das demais listas.
Por último nas fotocópias da Conservatória do Registo Predial ora juntas pela requerente mostram-se averbadas diversas penhoras da fazenda nacional sobre bens imóveis da requerida, sem que estas acções tenham sequer sido retractadas e identificadas pela requerente.

Quanto à relação de bens.
Quanto a este aspecto, conforme se enfatizou no despacho de aperfeiçoamento, a requerente no seu artº 8º referia que lhe tinham sido arrestados dois bens, juntando para o efeito o auto de arresto de duas viaturas como documente nº 6, contudo na relação de bens junta como documento nº 8 não menciona tais viaturas como fazendo parte dos seus bens.
Nesta nova peça aperfeiçoada volta a não relacionar tais bens.
Mas mais grave do que isso, na relação de bens de fls. 107, documento nº 8 do requerimento inicial, a requerente apenas relacionou como bens do seu imobilizado corpóreo três fracções autónomas, fracção A, B e D, descritas na competente conservatória respectivamente sob os nºs 01329/250294-A, 01329/250294-B, 01329/250294-D).
Neste novo requerimento não apresenta nova lista de bens e junta fotocópias da conservatória do registo predial dando conta que é proprietária dos imóveis descritos na conservatória sob os nºs 01328/250294 e 01673/090596.

Face ao conjunto de inúmeras irregularidades apontadas entendemos que a requerente não deu cabal cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento de fls. 113 a 117, dando por isso origem ao presente despacho de indeferimento liminar como se decidirá infra.
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3.2. De direito
O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (artº 1º do CIRE).
É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, sendo que as pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis (artº 3º, nºs 1 e 2 do CIRE).
O devedor, exceptuadas as pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência, deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.° l do artigo 3.°, ou à data em que devesse conhecê-la, sendo que, relativamente ao devedor que seja titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g) do n.° l do a p artigo 20º (tributárias, de contribuições e quotizações para a segurança social, dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato, e rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência) – artº 18º do CIRE.
A apresentação à insolvência faz-se por meio de petição escrita na qual são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida e se conclui pela formulação do correspondente pedido, devendo o apresentante, além do mais, indicar se a situação de insolvência é actual ou apenas iminente – artº 23º, nºs 1 e 2, al. a) do CIRE.

E, nos termos do artº 24º, nº 1 do CIRE, com a petição, o devedor, quando seja o requerente, junta ainda os seguintes documentos:
a) Relação por ordem alfabética de todos os credores, com indicação dos respectivos domicílios, dos montantes dos seus créditos, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem, e da eventual existência de relações especiais, nos termos do artigo 49º.
b) Relação e identificação de todas as acções e execuções que contra si estejam pendentes;
c) Documento em que se explicita a actividade ou actividades a que se tenha dedicado nos últimos três anos e os estabelecimentos de que seja titular, bem como o que entenda serem as causas da situação em que se encontra;
d) Documento em que identifica o autor da sucessão, tratando-se de herança jacente, os sócios, associados ou membros conhecidos da pessoa colectiva, se for o caso, e, nas restantes hipóteses em que a insolvência não respeite a pessoa singular, aqueles que legalmente respondam pelos créditos sobre a insolvência;
e) Relação de bens que o devedor detenha em regime de arrendamento, aluguer ou locação financeira ou venda com reserva de propriedade, e de todos os demais bens e direitos de que seja titular, com indicação da sua natureza, lugar em que se encontrem, dados de identificação registral, se for o caso, valor de aquisição e estimativa do seu valor actual;
f) Tendo o devedor contabilidade organizada, as contas anuais relativas aos três últimos exercícios, bem como os respectivos relatórios de gestão, de fiscalização e de auditoria, pareceres do órgão de fiscalização e documentos de certificação legal, se forem obrigatórios ou existirem, e informação sobre as alterações mais significativas do património ocorridas posteriormente à data a que se reportam as últimas contas e sobre as operações que, pela sua natureza, objecto ou dimensão extravasem da actividade corrente do devedor;
g) Tratando-se de sociedade compreendida em consolidação de contas, relatórios consolidados de gestão, contas anuais consolidadas e demais documentos de prestação de contas respeitantes aos três últimos exercícios, bem como os respectivos relatórios de fiscalização e de auditoria, pareceres do órgão de fiscalização, documentos de certificação legal e relatório das operações intragrupo realizadas durante o mesmo período;
h) Relatórios e contas especiais e informações trimestrais e semestrais, em base individual e consolidada, reportados a datas posteriores à do termo do último exercício a cuja elaboração a sociedade devedora esteja obrigada nos termos do Código dos Valores Mobiliários e dos Regulamentos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;
i) Mapa de pessoal que o devedor tenha ao serviço.

Entrada a petição no tribunal, de acordo com o artº 27º, nº 1 do CIRE, no próprio dia da distribuição, ou, não sendo tal viável, até ao 3.° dia útil subsequente, o juiz:
a) Indefere liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente;
b) Concede ao requerente, sob pena de indeferimento, o prazo máximo de cinco dias para corrigir os vícios sanáveis da petição, designadamente quando esta careça de requisitos legais ou não venha acompanhada dos documentos que hajam de instrui-la, nos casos em que tal falta não seja devidamente justificada.

“Em vista disto, escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda CIRE Anotado, 2005, pág. 151., perante a falta de junção de documentos, o juiz deve proferir despacho de aperfeiçoamento, convidando o requerente a suprir a omissão no prazo de cinco dias e, como diz a al. b) do nº 1, sob pena de indeferimento.
Ressalva-se a hipótese de o devedor ter justificado a falta, o que implica que na ressalva caberá também o caso de, perante a notificação, o insolvente aproveitar a oportunidade para, em alternativa à junção, fundamentar ainda a não junção.
Se, porém, o devedor não adopta nenhum destes procedimentos, então o juiz deverá proferir despacho de indeferimento (é diferente o entendimento de Luís MT. Menezes Leitão, in Código da Insolvência, ed. cit, págs. 61-62, com o qual, todavia, pelas razões expostas, não podemos concordar; no sentido defendido no texto pronunciam-se A. Raposo Subtil e Outros, ob. cit, pág. 105).
(...).
Resta, no entanto, uma boa margem de discricionariedade do juiz quanto à aceitação da justificação que o devedor possa apresentar para o facto de não fazer a junção.
Precisamente a este propósito, e sem que isso possa ser entendido como um meio de prejudicar as exigências legais, o tribunal não deve deixar de ponderar o facto de a falta do documento não afectar, por regra, a consecução dos fins do processo”.

No caso “sub judice”, não há dúvida que a lista de credores junta pela “A...”, em resposta ao despacho de aperfeiçoamento – e é essa que conta – ao subdividir os credores em três grupos 1º bancos, prestadores de serviços (excepto formadores) e fornecedores; 2º Outros Credores (Formadores e Formandos); 3º Trabalhadores, cada qual deles disposto por ordem alfabética, parece não respeitar escrupulosamente a previsão da al. a) do nº 1 do artº 24º do CIRE, a qual alude a uma relação única, organizada alfabeticamente.
Contudo, salvo o devido respeito por opinião contrária, tal representa uma irregularidade formal sem relevância substancial, facilmente suprível pela simples colocação no local próprio ditado pela ordem alfabética de cada um dos credores dos três subgrupos, assim reduzindo a eventual aparência de três relações de credores a uma única.

Não corresponde à verdade que não tenha a agravante sido notificada de qualquer falta de junção com a petição da lista de acções e execuções pendentes que aí refere expressamente (cfr. conclusão 3ª).
Com efeito, no despacho de aperfeiçoamento em que se concede prazo à requerente para corrigir os vícios apontados e apresentar os documentos omitidos – fls. 115, 4º parágrafo – diz-se textualmente: “Refere também na sua peça processual, no seu artº 6º, 7º e 19º que já tem diversas dividas vencidas, cujos juros a têm sufocado financeiramente, e várias situações em contencioso (pressupõe-se judicial, uma vez que não faz menção a dívidas fiscais) e penhoras sobre as fracções autónomas referidas na relação de bens como documento nº 8, no entanto nada refere quanto aos montantes de juros suportados, nem junta lista de execuções que tenha pendentes (sublinhado nosso).
Porém, mesmo não tendo apresentado relação e identificação autónoma de todas as acções e execuções contra si pendentes, a “A...”, relacionou os credores indicando aqueles que já exigiram judicialmente o pagamento e juntou cópias da certidão da Conservatória do Registo Predial relativas aos seus bens imóveis onde constam os ónus e encargos que sobre eles recaem, o que, não traduzindo um respeito total pela prescrição da al. b) do nº 1 do artº 24º do CIRE, todavia fornece os elementos indispensáveis a, com o andar do processo, ser a relação e identificação devidamente feitas.

Também no tocante à relação de bens – cfr. artº 24º, nº 1, al. e) do CIRE – a requerente postergou as exigências da lei e o convite do Tribunal, não juntando nova e completa relação, onde se mostrassem incluídas as duas viaturas arrestadas, dizendo juntar, sem o fazer, mapa do imobilizado e apresentando certidão da Conservatória do Registo Predial da qual resulta que, para além dos imóveis inicialmente relacionados, é proprietária de outros omitidos na dita relação.
Mais uma vez, contudo, se constata que a irregularidade é meramente formal, já que, do ponto de vista substancial, os documentos juntos permitem refazer a incompleta relação dos bens, o que, com o desenvolvimento do processo, facilmente será colmatado.

Acresce que, em homenagem ao objectivo de celeridade que o CIRE quis imprimir ao processo de insolvência (cfr. artº 9º e nº 12 do preâmbulo do Dec. Lei aprova aquele diploma), o prazo previsto para o requerente corrigir os vícios da petição e juntar os documentos omitidos (cinco dias, no máximo) é claramente curto, o que justifica alguma compreensão para o eventual menor rigor no cumprimento do despacho respectivo e no respeito pelas muitas formalidades previstas no artº 24º.
De resto, a al. b) do nº 1 do artº 27º, ao aludir à concessão de prazo para correcção dos vícios da petição que não venha acompanhada dos documentos que hajam de instruí-la, nos casos em que tal falta não seja devidamente justificada (sublinhado nosso), aponta para a acima referida compreensão Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, pág. 161, afirmam:
“Ora, é assim de entender que, se a irregularidade que baseia o despacho de aperfeiçoamento consiste na falta de documentos que a lei determina deverem ser juntos com a petição, a sanação tanto se dá quando o requerente promove a junção como quando, sendo o próprio devedor, ele justifica a falta.
Neste ponto deve, aliás, o tribunal revelar-se tolerante, porquanto, como já sublinhámos na anotação ao art.° 24.°, a generalidade dos documentos exigidos pela lei tem por função a simples facilitação de produção das consequências que estão ligadas à declaração de insolvência mas não são estruturalmente condicionantes da apreciação da situação do devedor. .
E a “A...”, ao tentar corrigir os vícios apontados pelo Tribunal, logo ensaiou uma tentativa de justificação para eventuais imperfeições, alegando que “tem ao seu serviço apenas dois funcionários neste momento, tendo os outros resolvido entretanto os contratos de trabalho”, situação que, “associada ao extravio de alguns documentos, tem dificultado a recolha dos elementos necessários aos autos, pese embora os esforços desenvolvidos nesse sentido” e requerendo “o prosseguimento dos autos, com a nomeação de um liquidatário judicial que auxilie a carrear para o processo todos os elementos necessários”.

Ou seja, sem prejuízo de se reconhecer a existência dos vícios apontados pelo Tribunal “a quo” e o imperfeito cumprimento do despacho de aperfeiçoamento, entende-se que eles, porque de natureza essencialmente formal e passíveis de posterior e fácil sanação, não são, por si só, de molde a conduzir à improcedência da declaração de insolvência, não constituindo fundamento suficiente para o decretado indeferimento liminar Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, pág. 151, sustentam que “a ponderação dos objectivos gerais que presidem ao instituto da insolvência e da finalidade essencial que subjaz à generalidade dos documentos exigidos, acrescida da tutela do princípio da economia processual e da consciência de que sempre o processo de insolvência poderá vir a correr normais termos sem que a generalidade dos documentos referidos no preceito em anotação sejam juntos pelo devedor – precisamente no caso de a acção ser instaurada por credor ou outro legitimado e em conformidade com o que decorre dos artºs 23.° e 25.° - justificaria, a nosso ver, um regime como o que se contemplava no Anteprojecto e havíamos defendido na vigência do CPEREF em anotação ao art.° 16.° (cfr. Código dos Processos Especiais, 3ª ed. Cit., págs. 104 e 105)”. E, adiante, na pág. 162, insistem em que teria sido melhor solução a que se acolhia no nº 4 do artº 28º do Anteprojecto, “segundo o qual só a falta de documentos comprovativos da qualidade de administradores do devedor e da decisão por eles tomada com vista à instauração da acção é que fundamentaria o indeferimento liminar, visto que então faltava a prova da legitimidade do apresentante”. .

Dá-se, portanto, razão à agravante, o que implica o provimento do agravo, a revogação do despacho recorrido e o prosseguimento dos autos.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogar o despacho recorrido e ordenar o prosseguimento dos autos.
Sem custas.
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Coimbra,