Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
146/10.7TACDN-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
TAXA DE JUSTIÇA - PAGAMENTO PRÉVIO
Data do Acordão: 10/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CONDEIXA - A - NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 8º, DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário: No domínio do Regulamento das Custas Processuais, na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2012, de 13.02, a admissão do pedido de indemnização civil não dependia do pagamento prévio de taxa de justiça, por parte do demandante.
Decisão Texto Integral: 22

I. Relatório

1. Nos autos de processo comum singular nº 146/10.7TACDN, que correm termos pelo tribunal Judicial de Condeixa-a-Nova e que originaram os presentes autos de recurso em separado, remetidos os autos para a fase de julgamento, no despacho a que se reporta o artigo 311º do CPP, foi rejeitado o pedido de indemnização civil deduzido em tempo pelo demandante civil/recorrente Instituto da Segurança Social – IP, pelo simples facto de não ter sido paga a competente taxa de justiça.
2. Inconformada com a decisão, recorre o demandante ISS – IP, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1 - A “vexata quaestio” ora submetida à aprovação de V. Ex.as é a seguinte: o pedido de indemnização civil enxertado em processo penal está ou não sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça?
2 - Obviamente, não estando sujeito ao pagamento prévio, tem sempre de pagar a final, caso venha a ser condenado em custas na sentença, altura em que pagará a taxa de justiça respectiva, uma vez que esta faz parte das custas.
3 - No processo criminal, está imediatamente em causa o interesse público do ius puniendi, por isso, o processo penal tem a sua autonomia e especificidades próprias, sendo certo que, mesmo o pedido cível nele enxertado obrigatoriamente, salvo as excepções previstas na lei, a nível da tramitação processual obedece às regras próprias estabelecidas no CPP.
4 - O artigo 523° do CPP refere-se à responsabilidade por custas (remetendo para as normas do processo civil que definem a responsabilidade por custas), não remetendo para as normas do processo civil que prevêem a junção do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça, como sucede, por exempio, com o disposto no art. 467°, n° 3, do CPC, relativamente à petição inicial.
5- O pedido cível no processo penal não obedece aos requisitos mais exigentes previstos no CPC para a petição inicial, bem como a contestação do pedido cível, enxertado na acção penal, não obedece às exigências previstas no CPC, sendo certo que, em qualquer caso, a sua falta não implica a confissão dos factos (art. 78°, n° 3, do CPP).
6 -Inclusivamente no processo penal, o tribunal pode remeter as partes para os tribunais civis e a legitimidade e poderes processuais das partes civis (que são sujeitos processuais em processo penal) estão limitados de acordo com o disposto no 74° do CPP (não sendo, portanto, tão amplas como sucede no processo civil).
7 - O art. 13°, n° 1, do RCP (quando refere que a taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respectivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais) tem de ser interpretado tendo presente a opção do legislador no processo penal, quando regulamentou de forma simplificada e com as suas especificidades próprias o pedido cível.
8 – O acto processual que consiste na dedução do pedido cível não é uma acção autónoma, nem pode ser equiparado à petição inicial na acção cível e tem que ser fundado na prática de um crime.
9 - O sistema adoptado a nível da responsabilidade civil no processo penal foi o da “interdependência” (e não o “sistema da identidade” ou o “sistema de absoluta independência”).
10 - Um dos objectivos da reforma do RCP, foi a “repartição mais justa e adequada dos custos da justiça”, razão pela qual também por aí não fazia sentido passar a exigir a prévia auto liquidação de taxa de justiça em relação a acto que (no âmbito do processo penal) não tem autonomia, é tramitado de forma simplificada e que está dependente do processo penal.
11 - Por outro lado, ficava por explicar a razão pela qual, no processo penal se privilegiavam os lesados que fossem sociedades comerciais (em detrimento dos lesados que são pessoas singulares, em princípio com menor capacidade económica), uma vez que quando deduzem pedido cível não são penalizados com uma taxa de justiça agravada como sucede no processo civil (cf. art. 14° da Portaria n° 419-A/2009, de 17.4).
12 - No preâmbulo do RCP acrescenta-se que, “as normas centrais relativas à responsabilidade pelo pagamento das custas podem encontrar-se no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal, os quais serão aplicáveis, a titulo subsidiário, aos processos administrativos e fiscais e aos processos contra-ordenacionais respectivamente.”
13 - Ora, essa explicação contraria qualquer interpretação que pretenda extrair do art. 13°, n° 1, do RCP o entendimento de que nele se pode encontrar justificação para exigir a auto liquidação de taxa de justiça quando é deduzido pedido cível em processo penal.
14 - Quando se diz que uma norma é aplicada subsidiariamente pressupõe-se que existe uma lacuna, uma omissão de regulamentação (e não uma deliberada opção do sistema normativo existente) e, nesse aspecto, no processo penal é clara a intenção do legislador de não exigir auto- liquidação de taxa de justiça fora dos casos excepcionais previstos na lei.
15 - O processo penal existe independentemente da dedução de pedido cível pelo lesado (ao contrário do que sucede na acção cível, a qual apenas passa a existir por impulso da parte - Autor).
16 - Por isso se conclui que, no pedido cível que é deduzido no processo penal, não se pode exigir a auto-liquidação da taxa de justiça pela sua dedução, por essa exigência, importada do CPC, não se harmonizar com as pertinentes regras do processo penal, nem com os princípios que lhe estão subjacentes.
17 - Por sua vez, o n° 2 do mesmo artigo 13° do RCP quando se refere ao “sujeito processual” tem precisamente em vista as situações em que está prevista a auto liquidação de taxa de justiça (como sucede com os casos previstos no artigo 8o, n° 1 e n° 2, do RCP e com a interposição de recurso, ressalvadas as excepções previstas no artigo 15° do RCP).
18 - O art. 8o do RCP contém regras especiais aplicáveis em processo penal e contra-ordenacional, indicando dois casos em que há lugar à auto-liquidação de taxa de justiça em processo penal relacionados com outro sujeito processual - que é o assistente.
19 - A propósito do n° 2 do artigo 8o do RCP, recorda Salvador da Costa que, essa norma “não se reporta à taxa de justiça devida pelo arguido por virtude do requerimento de abertura de instrução, pelo que a conclusão é no sentido de não dever ser por ele objecto de prévio pagamento.”
20 - O que reforça a ideia de que existem outros actos praticados em processo penal que, mesmo não estando incluídos na tabela III,não devem ser objecto de prévio pagamento de taxa de justiça.
21 - Oque não é surpresa porque também existem actos praticados em processo penal que, não obstante não estarem mencionados no artigo 8o do RCP, dependem do prévio pagamento de taxa de justiça (como sucede com o recurso, salvo as excepções previstas no artigo 15° do RCP).
22 - Por sua vez, o n° 5 do mesmo art. 8o do RCP, prevê os restantes casos em que a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III onde estão previstos os actos que, pela sua potencial complexidade, merecem uma especial e variável tributação a nível da taxa de justiça (que é contada e paga a final).
23 - Nem todos os actos a tributar estão previstos nessa tabela III, nomeadamente, a fixação de taxa de justiça devida pelo assistente no caso de o arguido ser absolvido ou não ser pronunciado por todos ou por alguns crimes constantes da acusação que haja deduzido, se decair, total ou parcialmente, em recurso que houver interposto ou em que tenha feito oposição, ou se fizer terminar o processo por desistência ou abstenção injustificada de acusar.
24 - Também no CPP existem normas que se debruçam sobre o pagamento de taxa de justiça (v.g. arts. 513° e 515° do CPP), embora algumas delas não fixem o seu montante (sequer variável).
25 - Por regra é também devido o pagamento de taxa de justiça (artigo 6o, n° 6 e Tabela III do RCP) quando é interposto recurso (para efeitos do Regulamento, considera-se como processo autónomo, além do mais, o acto de interposição de recurso - ver artigos 1o, n° 2, do RCP - acto esse que só existe por impulso processual do recorrente, dando origem a tributação própria).
26 - No entanto, tais normas (arts. 8o n° 1 e n° 2 e 6o, n° 6 do RCP) só são aplicadas quando não se verifiquem situações de excepção previstas na lei, como sucede quando esta expressamente estabelece a dispensa do pagamento prévio de taxa de justiça (artigo 15° do RCP).
27 - Conjugando os artigos 6°. n° 1, 13°. n° 1, 14°, n° 1 e 8°. do RCP, verifica-se que o acto processual que consiste na dedução de pedido cível em processo penal não está sujeito ao prévio pagamento de taxa de justiça (razão pela qual a taxa de justiça, que se integra no conceito de custas, só é paga a final).
28 - Se o legislador pretendesse que no processo penal fosse auto-liquidada taxa de justiça pela apresentação do pedido cível ou pela apresentação de contestação, assim o teria dito expressamente no CPP, uma vez que o mesmo tem normas próprias que regulamentam a prática de tais actos processuais ou então teria consagrado norma expressa, clara e inequívoca nesse sentido no próprio RCP, tal como o fez, por exemplo, com a norma especial que previu no citado artigo 8°.
29 - Mesmo o estabelecido no art. 13°, n° 1, do RCP, não significa que a prática de tais actos processuais (pedido cível, sua contestação em processo penal) tenha que ser acompanhada de auto-liquidação de taxa de justiça (o disposto no art. 8o do mesmo Regulamento é uma norma especial para o processo penal que, nesse aspecto, prevalece sobre o referido artigo 13°, não existindo no RCP norma específica que preveja a auto liquidação de taxa de justiça quando é deduzido pedido cível em processo penal).
30 - O facto de haver remissão para o processo cível a nível da responsabilidade por custas, não significa que tivesse de haver remissão para as normas de processo civil que exigem o comprovativo do prévio pagamento de taxa de justiça.
31 - Face a todo o exposto se depreende que em processo penal, o pedido cível nele enxertado (independentemente da qualidade do demandante e do respectivo valor) não está sujeito ao pagamento prévio de taxa de justiça, sendo a matéria de custas - as quais compreendem a taxa de justiça - apenas decidida a final, no momento em que é proferida a sentença ou acórdão, o que significa que o seu pagamento apenas pode ser exigido depois do trânsito em julgado da decisão penal condenatória - art. 467° do CPP - observado que seja o disposto nos arts. 29° e ss. do RCP na parte aplicável em processo penal).
Nestes termos e nos mais de direito que doutamente serão supridos, deverá revogar-se o Despacho recorrido.”



3. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo:
A demandante cível interpôs recurso do despacho, proferido nos autos supra mencionados, que rejeitou o pedido de indemnização cível apresentado por aquela por falta de liquidação prévia da taxa de justiça devida.
Não se conformando com tal decisão interpor recurso a demandante cível pugnando pela revogação do despacho recorrido defendendo que não há lugar a pagamento prévio de taxa de justiça quando o pedido de indemnização cível é feito no âmbito do processo penal atento o disposto no art. 8.°, n.° 5 do Regulamento das Custas Processuais.
A questão que se coloca é a de saber se o demandante cível no âmbito do processo penal cujo pedido seja superior a 20 unidades de conta está ou não obrigado ao pagamento prévio da taxa de justiça.
Sobre esta questão já se pronunciou sobejamente a jurisprudência dos Tribunais superiores, sendo maioritária a posição de que nestes casos não há lugar a pagamento prévio de taxa de justiça sendo a mesma liquidada a final.
Veja-se a titulo meramente exemplificativo os Acórdãos da Relação do Porto de 06-04-2011 relatado por Maria do Carmo Silva Dias, de 18-05-2011 relatado por Joaquim Gomes, da Relação de Coimbra de 19-10-2011 relatado por Paulo Guerra, da Relação de Guimarães de 19-09-2011 relatado por Maria Luísa Arantes todos in www.dqsi.pt.
Propugnando a tese contrária, ou seja, no sentido de exigir o pagamento prévio da taxa de justiça veja-se Acórdão da Relação do Porto de 20-12-2011, relatado por Lígia Figueiredo também disponível em www.dqsi.pt.
Sopesando os argumentos explanados nos referidos arestos e analisando o quadro legal vigente (D.L. n.° 34/2008 de 26 de Fevereiro na versão anterior à Lei n.° 7/2012 de 13 de Fevereiro dado que as alterações introduzidas por tal diploma ainda não se encontram em vigor e de qualquer forma não se aplicariam à questão aqui em discussão atento o disposto no art. 8.°, n.° 2 do referido diploma) teremos de concluir que bem andou o Tribunal a quo ao exigir o pagamento prévio da taxa de justiça à recorrente.
De facto, parece-nos que face ao quadro legal aplicável aos presentes autos não há lugar à isenção de pagamento prévio da taxa de justiça para o demandante civel no âmbito do processo penal contrariamente ao que acontecia no Código das Custas Judiciais (art. 29.°, n.° 3, alinea f) ) e que acontecerá no novo regime das custas instituído pela lei n.° 7/2012 de 13 de Fevereiro (art. 15.°, n.° 1 alinea d)).
Senão vejamos:
Por uma questão de facilidade de exposição passamos a transcrever os dois normativos que, no nosso entender, terão de ser chamados à colação para análise e resposta à questão supra-enunciada.
Dispõe o art. 8.° do Regulamento das Custas Processuais:
"1. A taxa de justiça devida pela constituição como assistente é auto liquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta actividade processual do assistente.
2. A taxa de justiça devida pela abertura de instrução requerida pelo assistente é auto liquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração a utilidade prática da instrução na tramitação global do processo.
3. Para o denunciante que deva pagar custas, nos termos do disposto no artigo 520.° do Código de Processo Penal, é fixado pelo juiz um valor entre 1 UC e 5 UC.
4. É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas no âmbito de processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, sendo a taxa autoliquidada nos 10 dias subsequentes ao recebimento da impugnação pelo tribunal, no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela iii, que faz parte integrante do presente Regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito.
5. Nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada paio juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III." (negrito nosso).
Estatui o art. 15.° do mesmo diploma que:
"Ficam dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça:
a) O Estado, incluindo os seus serviços e organismos ainda que personalizados, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, quando demandem ou sejam demandados nos tribunais administrativos ou tributários, salvo em matéria administrativa contratual e pré- contratual e relativas às relações laborais com os funcionários, agentes e trabalhadores do Estado;
b) As partes que beneficiarem de apoio judiciário na modalidade respectiva, nos termos fixados em legislação especial;
c) Os arguidos nos processos criminais ou nos habeas corpus e nos recursos que apresentem em quaisquer tribunais. (negrito nosso).
Da mera leitura de tais preceitos resulta que só nas circunstâncias plasmadas no art. 15.° e nos casos previstos na tabela III por força da remissão operada pelo art. 8.°, n.° 5, poderá haver lugar à prática de actos processuais sem prévio pagamento da taxa de justiça correspondente.
Em todas as demais situações e fora dos casos em que há lugar à isenção do pagamento de taxa de justiça (art. 4.°) o interveniente processual terá de proceder a prévio pagamento da taxa de justiça correspondente.
E não se invoque o estatuído no art. 8.°, n.° 5 do Regulamento das Custas Processuais, como faz a recorrente, para afastar o prévio pagamento da taxa de justiça por parte do demandante cível cujo valor peticionado seja superior a 20 unidades de conta.
Pois uma leitura avisada da tabela III leva-nos a concluir que aí não é feita qualquer referência ao pedido cível deduzido em processo penal.
Na verdade, no caso do pedido cível deduzido em processo penal o montante da taxa de justiça devida é fixado de acordo com a tabela I conforme decorre da regra geral plasmada no art. 6.° n.° 1 do Regulamento das Custas Processuais.
Ora, resulta à evidência que o disposto no art. 8.°, n.° 5 apenas vale para os actos processuais descritos na tabela III, o que não ocorre com o pedido de indemnização civil deduzido no processo penal, e não para todos os actos processuais a praticar no processo penal à excepção dos descritos no art. 8.°, n.° 4 como advoga a recorrente. Pois se assim fosse seria desprovida de sentido a isenção plasmada na alínea c) do art. 15.° que se reporta ao processo penal, mais precisamente aos actos processuais praticados pelos arguidos.
Ora, se o art. 8.°, n.° 5 valesse para todos os actos processuais praticados no processo penal e não apenas para os plasmados na tabela III seria redundante a isenção plasmada no art. 15.° alinea c).
Neste sentido também Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado, 2011 3a edição, pág.234 a propósito do disposto no n.° 5 do art. 8.° do Regulamento das Custas Processuais:
"Estamos, assim perante um normativo residual susceptível de abranger uma pluralidade de actos processuais, simples, complexos ou de execução emparelhada, não previstos nos n°s 1 a 4 deste artigo, mas relativos à área do processo penal ou contra-ordenacional. Todavia, não abrange o pedido de indemnização cível deduzido em processo penal, cuja taxa de justiça devida é determinada nos termos da tabela I-A anexa a este regulamento".
De referir também que a redacção dada ao Regulamento das Custas Processuais pela Lei n.° 7/2012, de 13 de Fevereiro vem reforçar a ideia de que, no âmbito da redacção agora vigente do Regulamento das Custas Processuais, o demandante em pedido de indemnização civil apresentado em processo penal quando o valor seja superior a 20 UC terá de proceder a pagamento prévio da taxa de justiça.
De facto, o legislador manteve intocado o teor do art. 8.°, n.° 5. Contudo, introduziu uma nova isenção de pagamento prévio da taxa de justiça no art. 15.°, podendo agora ler-se:
"Ficam dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça:
(...)
d) O demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respectivo valor seja igual ou superior a 20 UC."
Ora, acreditando que o legislador soube exprimir de forma adequada o seu pensamento, não faria sentido que, se tal isenção resultasse já do disposto no art. 8.°, n.° 5 como pretende ver reconhecido a recorrente, o legislador a contemplasse de forma expressa no art. 15.°, limitando-se, se assim fosse, a duplicar a consagração de tal isenção, o que não nos parece ter acontecido.
A consagração expressa de tal isenção vem, sem dúvida, reforçar a posição, embora minoritária na jurisprudência, de que na redacção original do Regulamento das Custas Processuais o demandante no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal de valor superior a 20 UC terá de proceder ao prévio pagamento da taxa de justiça correspondente.
Face ao exposto pugnamos pela manutenção da decisão recorrida por considerarmos que fez um correcta aplicação do Direito e consequentemente pela improcedência do recurso apresentado.
Assim se fazendo Justiça!

4- Também o arguido respondeu concluindo:

1) No que tange ao artigo 523° do Código de Processo Penal, o mesmo dispõe que a responsabilidade por custas relativas ao pedido de indemnização civil são aplicáveis as normas do processo civil.
2) Não obstante, ser o presente processo uma acção penal, o pedido de indemnização civil nele enxertado são aplicáveis as normas do processo civil. Trata-se apenas de um enxerto civil, em um processo penal.
3) Tanto que o pedido de indemnização civil pode ser requerido dentro do processo penal ou em separado - em acção própria - obedecendo em ambos os casos, às regras próprias estabelecidas no Código de Processo Civil.
4) O artigo 4o, n° 1, alínea m), do Regulamento das Custas Processuais é claro quando dispõe: ”que estão isentos de custas o demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil apresentados em processo penal, quando o respectivo valor seja inferior a 20 UC”.
5) O montante peticionado a título de indemnização peio “instituto da Segurança Social, IP/Centro Distrital de Coimbra” é superior a 20 UC (20 x 102,00€ = 2.040,00€), ou seja, é de 48.642,95€, e como tal não beneficia o demandante da isenção objectiva prevista na alínea m) do n°1 do art° 4o do Regulamento das Custas Processuais, não estando também dispensado de proceder ao prévio pagamento da taxa de justiça, em conformidade com o que resulta das disposições conjugadas dos artigos 6o, 13°, e 15° a contrario, do mesmo diploma.
6) O legislador expressando-se de forma clara consagrou os casos de dispensa de pagamento prévio de taxa de justiça no artigo 15° do RCP.
7) No artigo 14° n°2 da Portaria n°419-A/2009 de 17 de Abril, se excluem expressamente da penalização prevista no n°3 do artigo 13° os pedidos cíveis deduzidos em processo penal, dispondo que “Os pedidos deduzidos em processo penal não são contabilizados nem agravados para efeitos da penalização do n°3 do artigo 13° do RCP.”
8) Os recursos de natureza não penal que sobem juntamente com a acção penal, são exactamente os recursos interpostos do pedido cível. Está bem claro o pensamento do legislador que não teria de regulamentar sobre o pedido cível processado com a acção penal no que concerne ao processamento da taxa de justiça, se em algum momento fosse sua intenção que o tal pedido ficasse isento do pagamento prévio.
9) Do artigo 8o n°5 do RCP quando aí se prevêem os montantes de taxa de justiça a auto liquidar em processo penal e contra-ordenacional, e se estipula que “Nos restantes casos a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa dentro dos limites fixados pela tabela ///”.
10) No caso do pedido cível o montante da taxa de justiça devida é fixado de acordo com a tabela I conforme decorre do disposto no artigo 6o n°1 do RCP.
11) A propósito diz Salvador da Costa que o n°5 do artigo 8o do RCP não abrange o pedido cível, ao escrever em anotação a este artigo “Estamos, assim perante um normativo residual susceptível de abranger uma pluralidade de actos processuais, simples, complexos ou de execução emparelhada, não previstos nos n°s 1 a 4 deste artigo, mas relativos à área do processo penal ou contra-ordenacional. Todavia, não abrange o pedido de indemnização cível deduzido em processo penal, cuja taxa de justiça devida é determinada nos termos da tabela I-A anexa a este regulamento”, in Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado, 2011, 3a edição, pág. 234.
12) A aplicação do direito foi realizada de forma exemplar e, por isso, o despacho “sub judice" não merece qualquer censura e/ou reparo, muito menos ser revogado.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Instituto da Segurança Social, IP/Centro Distrital de Coimbra, e, em consequência, confirmar-se “in totum” o despacho “sub judice”.


5 . Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos [de recurso em separado] remetidos a este Tribunal.

6. Na Relação, o Exmo Senhor Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso merecer provimento por entender que:
“… apesar da bem fundamentada resposta do Ministério Público e sendo defensável a posição que apresenta, já nos parece que o argumento final usado com base na nova lei das custas processuais, não permite retirar a conclusão a que chega.
Desde logo como bem refere no momento da decisão judicial posta em crise pelo presente recurso, tal regulamentação ainda não estava em vigor e por outro lado, o facto de o legislador ter acrescentado uma nova isenção para o pagamento da taxa de justiça prévia - a da al. d) do art.° 15° da Lei n.° 7/2012 de 13-2 - não é forçoso concluir-se que então na sua redacção anterior estaria a permitir a isenção prévia que vem questionada por parte do recorrente.
Era nesse sentido, isto é, no sentido de se considerar que não havia lugar à isenção do pagamento prévio da taxa de justiça, a jurisprudência maioritária, tal como vem citada na resposta do Ministério Público (Acs. de 6-4-2011 e de 18-5-2011, do Tribunal da Relação de Coimbra e de 19-9-2011 do Tribunal da Relação de Guimarães, todos in www.dgsi.ptl
Acontece que ainda recentemente este Tribunal da Relação foi de novo chamado a pronunciar-se sobre esta mesma questão, na qual era recorrente o Instituto da Segurança Social, tendo sido decidido que esta entidade, não estando isenta do pagamento de custas, estava, contudo, isenta do pagamento prévio de taxa de justiça pela apresentação do pedido cível, em processo penal. E assim, com data de 1-2-2012, em acórdão, relatado pela Exma. Desembargadora, Dr.a Alice Santos, consultado na página informática do Tribunal da Relação de Coimbra, foi considerado que:
"... Pesem embora os propósitos de uniformização do RCP o mesmo continuou a distinguir a fixação da taxa de justiça devida em geral [6.°], relativamente a outros processos ou fases processuais [7.° e 8.°], bem como aos actos avulsos [9.0].
No caso da taxa de justiça devida em processo penal enumerou taxativamente os casos de autoliquidação e prévio pagamento, os quais estão expressamente previstos no seu art. 8.°, reconduzindo os mesmos à constituição de assistente [8.°, n.° 1] à abertura de instrução [8.°, n.° 2] e mais nada.
Por sua vez, estipulou como regra geral que "Nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III" [8.°, n.° 5].
Por outro lado, o modo de pagamento dessa taxa de justiça encontra-se regulado pelo art. 13.° do RCP, sendo paga nos termos fixados pelo Código de Processo Civil [447.°, n.° 2 e 447.°-A do C. P. Civil], designadamente em função do respectivo impulso processual, estando a oportunidade desse pagamento, quando seja devida a taxa de justiça prévia, prevista no subsequente art. 14.°, n.° 1 e 2 do mesmo RCP.
Isto significa que, como de resto já sucedida anteriormente na vigência do CCJ, que não há lugar ao pagamento prévio de taxa de justiça "Nas acções cíveis declarativas e arresto processados conjuntamente com a acção penal" [29.°, n.°
3, al. f) CCJ], atenta a autonomia do processo penal em relação ao processo civil [Ac. R. P. de 20ll/Abr./04,emwww.dasi.pt].
Manteve-se, deste modo, a jurisprudência maioritária e ao que conhecemos uniforme neste Tribunal da Relação, no sentido que vem alegado pelo recorrente.”


7. Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP.
8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso
O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que os recorrentes extraem das respectivas motivações, de acordo com o estabelecido no art. 412º, n.º 1 do CPP, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Perante as conclusões das motivações, a questão submetida à apreciação deste tribunal, consiste em saber o pedido de indemnização civil enxertado em processo penal está ou não sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça.

2. A decisão recorrida
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
“Do pedido de indemnização civil
Dispõe o artigo 523.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe «Custas no pedido cível» que à responsabilidade por custas relativas ao pedido de indemnização civil são aplicáveis as normas do processo civil.
Em consequência, no que concerne ao enxerto cível em análise, são aplicáveis as pertinentes normas de custas do Código de Processo Civil e as do Regulamento das Custas Processuais que com elas estejam directa ou indirectamente conexionadas.
Assim, por exemplo, são aplicáveis à fase civilística do processo penal as regras de determinação do valor da causa, da taxa de justiça e dos encargos – cfr. Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, 2009, pág. 115.
Dispõe, por sua vez, o artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, no seu n.º 1, alínea m), que estão isentos de custas o demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respectivo valor seja inferior a 20 UC.
Reporta-se este artigo às isenções de custas nos processos a que é aplicável o
Regulamento das Custas Processuais. Concretamente, no que respeita ao excerto normativo em análise, a isenção nele prevista está condicionada à circunstância de o pedido formulado ser inferior ao montante correspondente a vinte unidades de conta (cfr. A. e ob. cits., págs. 156 e 157).
Em face do montante peticionado a título de indemnização pelo “Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Coimbra” (48.642,95€), que excede as vinte unidades de conta (20 x 102,00€ = 2.040,00€) e como resulta do que se deixou exposto, devia ter sido junto aos autos o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça.
Uma vez que o demandante cível o não fez e em face do disposto nos citados comandos normativos legais e ainda nos artigos 6.º, n.º 1, e 13.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento das Custas Processuais, e nos artigos 150.º-A, n.º 1, 447.º-A, n.º 1, e 467.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, rejeito o pedido de indemnização civil deduzido nos presentes autos, sem prejuízo do disposto no artigo 476.º do Código de Processo Civil.
Notifique.”

3. Apreciando

Importa não confundir a isenção de custas com a dispensa do prévio pagamento da taxa de justiça, sendo certo porém que na situação concreta não se mostra controvertida a aplicação, ao caso, do Regulamento das Custas Processuais, dado que o valor do pedido de indemnização civil deduzido no processo penal pelo demandante/ recorrente, é de montante igual ou superior a 20 UC, pois que se assim não fosse, em face da al. m) do n.º 1 do artigo 4º, a discussão não faria qualquer sentido uma vez que o demandante estaria isento de custas, conceito que abrange a taxa de justiça – [cf. artigo 3º do RCP].
A questão reduz-se assim a saber se à luz do RCP o demandante que enxerta em processo de natureza penal pedido de indemnização civil de montante igual ou superior a 20 UC se mostra, ou não, dispensado do pagamento prévio da taxa de justiça, não tendo, como tal de proceder à sua autoliquidação, nos termos do artigo 6º do RCP.
O presente processo iniciou-se já na vigência do Regulamento das Custas Processuais (por os presentes autos terem sido instaurados em data posterior a 20.4.2009 - artigo 27º do DL nº 34/2008, de 26.2, na redacção da Lei nº 64-A/2008, de 31.12).
Estabelece o artigo 8º (taxa de justiça em processo penal e contra-ordenacional) do mesmo RCP:
1. A taxa de justiça devida pela constituição como assistente é auto liquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta actividade processual do assistente.
2. A taxa de justiça devida pela abertura de instrução requerida pelo assistente é auto liquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração a utilidade prática da instrução na tramitação global do processo.
3. Para o denunciante que deva pagar custas, nos termos do disposto no artigo 520.º do Código de Processo Penal, é fixado pelo juiz um valor entre 1 UC e 5 UC.
4. É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas no âmbito de processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, sendo a taxa autoliquidada nos 10 dias subsequentes ao recebimento da impugnação pelo tribunal, no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela III, que faz parte integrante do presente Regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito.
5. Nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III.
Por seu lado, o artigo 14º (oportunidade do pagamento) do mesmo RCP adianta:
1 - O pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento.
2. Quando se trate de causa que não importe a constituição de mandatário e o acto seja praticado directamente pela parte, só é devido o pagamento após notificação de onde conste o prazo de 10 dias para efectuar o pagamento e as cominações a que a parte fica sujeita caso não o efectue.
3. O documento comprovativo do pagamento perde validade 90 dias após a respectiva emissão, se não tiver sido, entretanto, apresentado em juízo ou utilizado para comprovar esse pagamento, caso em que o interessado solicita ao Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., no prazo referido no número seguinte, a emissão de novo comprovativo quando pretenda ainda apresentá-lo.
4. Se o interessado não pretender apresentar o documento comprovativo em juízo, requer ao Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., no prazo de seis meses após a emissão, a sua devolução, mediante entrega do original ou documento de igual valor, sob pena de reversão para o referido Instituto.
Analisando conjugadamente estas normas com outras do CPP e do CPC, conclui-se que:
Em processo penal, quando o respectivo valor do pedido de indemnização civil apresentado for igual ou superior a 20 UC, ressalvadas as excepções previstas no RCP (nomeadamente outros casos de isenção de custas previstos no seu artigo 4º, mas sem prejuízo v.g. do estabelecido no seu nº 6) e no art. 14º, nº 3, da Portaria nº 419-A/2009, de 17.4), é da responsabilidade do demandante e/ou do arguido demandado o pagamento das custas que forem devidas nos termos das correspondentes normas previstas no CPC (cf. artigo 523º do CPP e artigos 446º a 455º do CPC).
A decisão sobre custas relativas ao pedido cível (enxertado na acção penal), que não foi objecto de indeferimento ou rejeição, tendo prosseguido para julgamento, é proferida a final, isto é, na sentença ou acórdão (artigos 374º, nº 4 e 377º, nº 3 e nº 4 do CPP).
O disposto nos artigos 6º, nº 1 e 14º, nº 1, do RCP não se aplica ao demandante cível que em processo penal deduz pedido civil, porque por um lado o processo penal, atentas as suas finalidades, não está dependente de impulso processual do demandante cível e, por outro lado, segundo o princípio da adesão consagrado no artigo 71º do CPP, “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.”. Consequentemente, em processo penal, o pedido cível nele enxertado (independentemente do respectivo valor ser igual ou superior a 20 UC e das excepções previstas no RCP e no art. 14º, nº 3, da Portaria nº 419-A/2009, de 17.4), não está sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça.
“Consequentemente, não tinha o demandante que autoliquidar taxa de justiça por força da dedução de pedido de indemnização cível, não sendo lícita a rejeição daquele pedido com tal fundamento. De resto, acompanhamos a posição que vem expressa no Ac. da Relação do Porto de 06/04/2011 (proc. nº 4515/09.7TAMTS-B.P1, disponível em www.dgsi.trp, de que os casos em que se exige o prévio pagamento de taxa de justiça como condição de validade da prática de actos processuais deve estar claramente regulamentada, não podendo ser deduzida “a contrario” pelo intérprete a partir de outras normas, como as que se referem à dispensa de prévio pagamento de taxa de justiça.” Ac Rel Coimbra de 12-10-2011.
De notar contudo que a questão tem tido soluções divergentes, ambas fundamentadas com argumentos valiosos, os quais, por comodidade, passamos a reproduzir.
Assim, do acórdão do TRG de 2.11.2011 [proferido no processo n.º 1173/10.0GBGMR.G1, relator Fernando Monterroso], que seguiu a linha de orientação do acórdão da mesma Relação de 22.02.2011 [proferido no proc. nº 104/10.1GAEPS – A.G1, relator Paulo Fernandes Silva], respigam-se as seguintes passagens:
“(…), o artigo 4º, nº 1, alínea m), do RCP dispõe que «estão isentos de custas o demandante e o arguido demandado, no pedido de indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respectivo valor seja inferior a 20 UC».
Por outro lado, o artigo 15.º, alínea c), do RCP estipula que «ficam dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça os arguidos nos processos criminais ou nos habeas corpus e nos recursos que apresentem em quaisquer tribunais».
Ou seja, da conjugação daquelas duas disposições legais decorre que:
- Sempre que o pedido de indemnização cível deduzido em processo penal for igual ou superior a 20 UC haverá lugar ao pagamento de custas por parte de qualquer demandante ou demandado;
- Quando o pedido indemnizatório seja inferior a 20 UC, haverá lugar ao pagamento de custas por parte do demandado que não seja arguido;
- Havendo lugar ao pagamento de custas, apenas o arguido está dispensado de taxa de justiça.
Na falta de disposição especial quanto àquele pagamento da taxa de justiça, é aplicável o respectivo regime geral, pelo que a taxa de justiça é determinada em função do valor do pedido indemnizatório em causa e do indicado na Tabela I – A anexa ao RCP, é paga, em regra, integralmente e de uma só vez, até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito – cf. artigos 6º, n.º 1 segundo o qual, «a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente regulamento, aplicando-se na falta de disposição especial, os valores constantes da da tabela I- A, que faz parte integrante do presente Regulamento». --- 11.º O qual dispõe que «a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo». --- 13.º, nº 2 Preceitua-se aí que «a taxa de justiça é paga integralmente e de uma só vez por cada parte ou sujeito processual, salvo disposição em contrário resultante da legislação relativa ao apoio judiciário»., e 14.º, nº 1 De acordo com o qual «o pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento». ---, todos do RCP.”
Conclui, ainda, o citado aresto não ser o artigo 8.º do RCP aplicável na matéria em causa, não contendo o mesmo qualquer referência ao pedido de indemnização cível deduzido em processo penal, sendo a Tabela III, no que a tal concerne, omissa.
Assim, nos «restantes casos», aludidos no nº 5 da dita disposição legal, não se incluiria o pedido de indemnização civil enxertado no processo penal.
A entender-se de outra forma, prossegue “a um tempo era chamada à colação a Tabela I – A, para determinar o valor da taxa de justiça, e a outro tempo a Tabela III, para dispensar o pagamento de tal taxa, o que seria destituído de razoabilidade.”
Em sentido contrário, decidiu o acórdão desta Relação de 12.10.2011 [proferido no processo nº 410/11.8TBGRD – A.C1, relator Jorge Jacob], no qual, considerando estar o regime de pagamento de taxa de justiça em processo penal e contra-ordenacional previsto no artigo 8º do RCP, ficou consignado:
“Da interpretação conjunta dos preceitos incluídos neste artigo 8º resulta com linear clareza terem sido taxativamente enumerados todos os casos de autoliquidação de taxa de justiça e de prévio pagamento. Todas as situações que impliquem pagamento de taxa de justiça e que não estejam expressamente contempladas, caem sob a alçada do nº 5, implicando o pagamento de montante variável, a fixar pelo juiz, a final, em função da complexidade da causa e dentro dos limites fixados na Tabela III anexa ao Regulamento”, concluindo no sentido de que, não beneficiando o demandante da isenção prevista na al. m) do art. 4º do RCP e tratando-se de pedido de valor superior a 20UC, “a taxa de justiça correspondente será fixada a final, dentro dos limites legais, sendo a correspondente responsabilidade determinada segundo as regras do processo civil, por expressa imposição o art. 523º do CPP, apenas podendo ser exigido o respectivo pagamento após o trânsito em julgado da decisão que a impuser”, acrescentando, ainda, “De resto, acompanhamos a posição que vem expressa no Ac. da Relação do Porto de 06/04/2011 …, de que os casos em que se exige o prévio pagamento de taxa de justiça como condição de validade da prática de actos processuais deve estar claramente regulamentada, não podendo ser deduzida “a contrario” pelo intérprete a partir de outras normas, como as que se referem à dispensa de prévio pagamento de taxa de justiça”. – apud Ac Rel Coimbra de 24-04-2012, também por nós subscrito.
Tal como ali, reconhecendo, embora a valia das duas posições em confronto, e com plena consciência das dificuldades de cada uma delas, propendemos para o entendimento que defende não ser exigível ao demandante no pedido cível deduzido no processo penal, de montante igual ou superior a 20 UC, o pagamento prévio da taxa de justiça.
De facto, como vem referido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6.04.2011 [proferido no processo n.º 4515/09.7TAMTS – B.P, relatora Maria do Carmo Silva Dias], com referência à tabela III a que alude o n.º 5 do artigo 8º do RCP – disposição residual que abrange uma pluralidade de actos processuais não contemplados nos nºs 1 a 4, a qual, contudo, não faz referência ao pedido de indemnização cível deduzido no processo penal, sendo, antes, a respectiva taxa determinada nos termos da tabela I – A anexa ao RCP - “nem todos os actos a tributar estão previstos nesta tabela III: a propósito, recorda Salvador da Costa que a “lei não prevê especificamente, na referida tabela, além do mais, a fixação de taxa de justiça devida pelo assistente no caso de o arguido ser absolvido ou não ser pronunciado por todos ou por alguns crimes constantes da acusação que haja deduzido, se decair, total ou parcialmente, em recurso que houver interposto ou em que tenha feito oposição, ou se fizer terminar o processo por desistência ou abstenção injustificada de acusar, a que se reportam as alíneas a), b) e d) do art. 515º do Código de Processo Penal …Por isso, o facto de o lesado não ter de auto-liquidar taxa de justiça quando deduz o pedido cível não significa que a não tenha de pagar a final, caso venha a ser condenado em custas na sentença (altura em que pagará a taxa de justiça respectiva, uma vez que esta faz parte das custas)”.
Por outro lado, tal como ficou expresso no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.09.2011 [proferido no processo n.º 176/10.9TAGMR – A.G1, relatora Maria Luísa Arantes], também se nos afigura que “Se o legislador pretendesse que no processo penal fosse autoliquidada a taxa de justiça pela dedução do pedido de indemnização civil, tê-lo-ia dito expressamente, como o fez para os casos de constituição de assistente e abertura da instrução requerida pelo assistente (art. 8º n.º 1 e 2 do RCP).
(…)
O pedido cível enxertado no processo penal tem especificidades próprias que justificam a opção do legislador em não exigir a auto-liquidação da taxa de justiça pela dedução do pedido cível ou pela apresentação da contestação a esse pedido cível.
Por outro lado, a Lei nº 26/2007, de 23-7, que autoriza o Governo a aprovar um Regulamento das Custas Processuais, no art. 2.º n.º 1 dispõe que “O sentido e a extensão da autorização legislativa, no que se refere à aprovação de um novo regime jurídico de custas processuais, são os seguintes:
(…)
f) – Reduzir significativamente o benefício da dispensa de pagamento prévio, mantendo-o apenas no âmbito do processo penal, dos processos que devam decorrer no Tribunal Constitucional, nos casos previstos na lei que aprova o regime de acesso ao direito e aos tribunais e no que respeita ao Estado, em alguns processos que decorram nos tribunais administrativos e fiscais”.
Ora, no domínio do anterior Código das Custas Judiciais a dedução de pedido de indemnização civil em processo penal não estava dependente do prévio pagamento de taxa de justiça e a autorização legislativa para a aprovação de um Regulamento das Custas Judiciais foi dada no sentido de, no processo penal, se manter o âmbito da dispensa do prévio pagamento da taxa de justiça.”

Também no acórdão de 1-2-2012 deste Tribunal da Relação de Coimbra ( rel Des Alice Santos) se entendeu que “Pesem embora os propósitos de uniformização do RCP o mesmo continuou a distinguir a fixação da taxa de justiça devida em geral [6.º], relativamente a outros processos ou fases processuais [7.º e 8.º], bem como aos actos avulsos [9.º].
No caso da taxa de justiça devida em processo penal enumerou taxativamente os casos de autoliquidação e prévio pagamento, os quais estão expressamente previstos no seu art. 8.º, reconduzindo os mesmos à constituição de assistente [8.º, n.º 1] à abertura de instrução [8.º, n.º 2] e mais nada.
Por sua vez, estipulou como regra geral que “Nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III” [8.º, n.º 5].
Por outro lado, o modo de pagamento dessa taxa de justiça encontra-se regulado pelo art. 13.º do RCP, sendo paga nos termos fixados pelo Código de Processo Civil [447.º, n.º 2 e 447.º-A do C. P. Civil], designadamente em função do respectivo impulso processual, estando a oportunidade desse pagamento, quando seja devida a taxa de justiça prévia, prevista no subsequente art. 14.º, n.º 1 e 2 do mesmo RCP.
Isto significa que, como de resto já sucedia anteriormente na vigência do CCJ, que não há lugar ao pagamento prévio de taxa de justiça “Nas acções cíveis declarativas e arresto processados conjuntamente com a acção penal” [29.º, n.º 3, al. f) CCJ], atenta a autonomia do processo penal em relação ao processo civil [Ac. R. P. de 2011/Abr./04,emwww.dgsi.pt].”
E pese embora, a recente alteração ao Regulamento das Custas Processuais, levada a efeito pela Lei nº 7/2012, de 13.02, presentemente em vigor, não colher aplicação no caso – cf. artigo 8º -, foi esta a solução que veio, agora, a ficar expressamente em letra de lei, concretamente no artigo 15º, nº 1, al. d) do RCP.
É claro que, também, deste facto se podem retirar argumentos a favor e contra cada uma das posições, não nos sendo difícil admitir que, com recurso às normas sobre a aplicação no tempo, designadamente o nº 10, do artigo 8º, haja quem veja em tal alteração a confirmação de que até ao momento numa situação como a que nos ocupa havia lugar ao prévio pagamento de taxa de justiça.
Não obstante, somos de parecer que nenhum argumento decisivo se pode dali retirar num ou noutro sentido, sobretudo se atentarmos nos aspectos acima enunciados, a propósito da evolução legislativa neste domínio, do propósito que lhe presidiu, da simplicidade do pedido de indemnização civil enxertado no processo penal, da circunstância de, quer se queira, quer não, o processo penal não o deixar de ser – de revestir tal natureza - pelo facto de lhe ter sido enxertado o pedido cível e, bem assim, de não raramente se concluir que a concreta “questão” a resolver não foi expressamente equacionada pelo legislador.- ac desta Relação de 24-04-2012, Relator Des Maria José Nogueira.
Em suma: no domínio do Regulamento das Custas Processuais, na redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei nº 7/2012, de 13.02 [quadro legal aplicável no caso dos autos] defendemos – reconhecendo, embora, a pertinência dos argumentos que vem sendo expendidos em sentido oposto - a solução contrária à que subjaz ao despacho recorrido, e nessa medida se procede à respectiva revogação, para que seja substituído por outro que não faça depender a admissão do pedido cível do pagamento prévio, por parte da demandante, ora recorrente, de taxa de justiça.


III. Decisão

Nos termos expostos, acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que não faça depender a admissão do pedido cível do pagamento prévio, por parte da demandante, de taxa de justiça.
Sem custas

Coimbra, 10 de Outubro de 2012
(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do C.P.P.).


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(Isabel Valongo)



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(Joaquim Correia Pinto)