Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2925/07.3TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: COMPRA E VENDA
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 11/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU - 4º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 232º, 246º, 247E 251º C. CIVIL, ARTºS 5º E 6º DO DL. 446/85, DE 25 DE OUTUBRO E ART. 8º, Nº4 DA LEI Nº24/96
Sumário: I – O dever de informação do vendedor para com o consumidor não pode ser entendido de forma absoluta ou exacerbada, devendo atender-se às circunstancias do caso concreto e à postura de prudência e diligencia que, este, perante as mesmas, deveria ter; tudo sob pena de se onerar intoleravelmente a posição daquele e se afectarem princípios de razoabilidade e boa fé.

II- Assim, se o comprador foi informado pelo vendedor, via internet, de uma certa característica ou qualidade do mesmo, e, depois, negoceia directamente com este os termos e condições da compra, experimenta o veículo, não lhe nota defeito, diz que lhe agrada e fecha negócio apondo a sua assinatura no contrato, não pode depois retractar-se com o argumento que tal característica ou qualidade não ficou expressa no contrato e que, destarte, a vendedora violou o seu dever de informação, maxime se não provou que ela era essencial para que comprasse a viatura.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.
A... instaurou contra B... acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo sumário.

Pediu:
- Que seja declarado resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre autor e ré.
- Que a Ré seja condenada a restituir ao autor o dobro da quantia entregue, €4.800,00, mais juros à taxa legal até efectivo pagamento.
- Que a Ré seja condenada a pagar ao Autor uma quantia não inferior a €2.000 a título de danos não patrimoniais.
Invocou, para tanto:
Que a ré vende carros usados. O autor adquiriu à Ré uma viatura usada, através de um contrato de adesão. Ao autor não foi dado influir no seu conteúdo, pelo que o mesmo é nulo. A isto acresce que o vendedor não prestou ao autor informações necessárias à aquisição consciente da viatura, pelo que violou disposições da Lei de Defesa do Consumidor.
Contestou a ré.
Invocou, para além do mais e no que ao caso interessa, que a venda do veículo foi negociada, tendo o Autor participado nas negociações. Que colocou no veículo alguns extras a pedido do autor. Este, porém, e porque eventualmente se terá arrependido, não levantou a viatura do stand da Ré. Assim, perdeu a parte do preço que entregou à Ré a título de sinal.

2.
Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que:
Julgou parcialmente procedente, por provada, a acção, e, consequentemente:
- Declarou resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre autor e ré;
- Condenou a ré a restituir ao autor a quantia de €2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros) mais juros, à taxa legal, vencidos desde 24/2/2007 até integral e efectivo pagamento.

3.
Inconformada apelou a ré.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1.ª - Dos factos sobressaídos e que se provaram, permite-nos concluir que a ré vendedora prestou todas as informações necessárias para que o Autor pudesse em consciência adquirir a viatura, não lhe tendo sido negado um único pormenor, facto aliás que ele pode constatar ao experimentar a viatura, o que fez por mais que uma vez.
2.ª – O direito à informação importa que seja produzida uma informação completa e leal capaz de possibilitar uma decisão consciente e responsável;
3.ª - No caso vertente, a ré:
a) anunciou o bem na internet - Alínea A) da matéria assente;
b) Descreveu-o com minúcia, nomeadamente quanto à marca, modelo e ano de fabrico- Alínea A) da matéria assente;
c) Informou detalhadamente sobre as informações técnicas do mesmo, vide quilómetros percorridos (149.413 Km); fez menção à sua garantia (2 anos), advertiu que o bem havia sido sempre assistido na marca e que tinha a inspecção -Alínea A) da matéria assente;
d) Enumerou exaustivamente o equipamento que o mesmo possuía; as especificações técnicas - Alínea A) da matéria assente;
e) Permitiu que o Autor testasse a viatura - Alínea D) da matéria assente.
f) A viatura pareceu ao autor encontrar-se em bom estado - Alínea E) da matéria assente;
g) A viatura agradou muito ao autor que a quis comprar se Ihe fosse efectuado um desconto ao preço. - resposta ao ponto 18.º da base instrutória.
3.ª – Considerando os factos provados – mormente os acabados de destacar – verifica-se que ao autor foram prestadas todas as informações relevantes quanto às características do veículo objecto do negócio, sendo que é o próprio autor que confessa (cfr. art.º 25º da p.i.) que à data do negócio a viatura contava com 149.413 Km.
4.ª - A matéria constante do artigo 25 da p.i. que era prova do autor, encontra-se vertida nos pontos 11 a 14 da b.i., tendo sido dada como não provada, mas nem por isso, se pode dela deixar de extrair a parte que na mesma vem confessada pelo autor – como a quilometragem.
5.ª – No caso dos autos o dever de informar não pode ser erigido em dogma para que, invocada a sua violação, o comprador facilmente se desvincule das obrigações assumidas, tanto mais que o dever de comunicação é uma obrigação de meios, o qual varia, no modo da sua realização, e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas.
6.º - Se assim não se entendesse, e tomando em atenção a matéria provada nos pontos 20 e 21 da b.i. sempre assistiria à Ré a possibilidade de abater a quantia de trezentos euros ao valor entregue pelo autor, porquanto este solicitou à ré a colocação a suas expensas de uns de sensores de aparcamento, o que efectivamente foi efectuado.
Subsidiariamente,
7.ª – Para a hipótese de se entender que os factos provados são em si insuficientes a uma decisão no sentido da absolvição da Recorrente, entende-se, mercê da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, mormente através do depoimento prestado pela testemunha C..., mercê do qual resulta dever ser alterada a resposta dada ao artº 17 da base instrutória, que assim, e contrariamente à resposta que recebeu, deverá ser considerado provado.
8.ª - De tal depoimento - gravado em suporte digital - resulta sumariamente demonstrado que, o autor conhecia e foi-lhe dado a conhecer todas as características do carro; que o autor experimentou pelo menos duas vezes o carro; que não consta do contrato os quilómetros e as demais características porque o autor assim pediu uma vez que já as conhecia e estava a chover, encontrando-se o carro à chuva em virtude de o ter ido experimentar; que lhe foi dado a conhecer o livro de revisões, aliás, outra coisa não podia ser porquanto estava anunciado que o carro tinha o livro e que havia sido sempre assistido na marca.
9.ª - A decisão recorrida fez errada interpretação dos artºs 227, 239 e 762 e 913 todos do CC., bem como, do art.º 8 da Lei 24/96 na subsunção dos factos a estes normativos, normas essas que entre outras violou.
10.ª A decisão em crise fez igualmente errada consideração sobre algumas das provas produzidas em audiência, violando com isso o disposto no art.º 659º do CPC.

Inexistiram contra-alegações.

4.
Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

Cumprimento do dever de informação da ré, como vendedora, perante o autor, enquanto consumidor.

Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

5.
Os factos dados como provados e que, liminarmente, a ré não impugna, são os seguintes:
1. A Ré é uma sociedade que se dedica à actividade de compra e venda de veículos automóveis. – Alínea A) da matéria de facto assente
2. Ao consultar o sítio da ré na Internet, o autor interessou-se pela viatura Mercedes ML 270, ano 2000, Matrícula 00-00-PG em virtude das especificações técnicas, aí descritas, nomeadamente: - 149.413 km, garantia de 2 anos, sempre assistido na marca e com inspecção feita, etc., e equipamentos: computador de bordo, entre outros. – Alínea B) da matéria de facto assente
3. Em consequência o Autor em 24/02/2007 (Sábado) dirigiu-se ao Stand da Ré, sito no Porto. – Alínea C) da matéria de facto assente
4. O autor testou a viatura, pelo que pagou provisão pelo combustível. – Alínea D) da matéria de facto assente
5. A viatura pareceu ao Autor encontrar-se em bom estado. – Alínea E) da matéria de facto assente
6. Autor e ré celebraram nessa data (24/02/2007), o "contrato de compra e venda de veículo usado", conforme consta do documento de fls. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual se encontrava antecipadamente elaborado e pré impresso pela Autora, e é igual para todos os seus clientes de veículos usados. – Alínea F) da matéria de facto assente
7. O objecto do acordo referido em F) foi uma viatura Mercedes ML 270, ano 2000, Matrícula 00-00-PG, tendo sido estipulado o preço de compra de €24.300,00 (vinte e quatro mil e trezentos euros). – Alínea G) da matéria de facto assente
8. O autor pagou nessa data à ré, a título de sinal e princípio do pagamento a quantia de €2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros), pelo cheque nº8030723003IBPI. – Alínea H) da matéria de facto assente
9. A restante parte do preço no montante de €21.900,00 (vinte e um mil e novecentos euros) seria pago no dia da entrega da viatura. – Alínea I) da matéria de facto assente
10. No stand da ré o autor foi atendido pelo Sr. C..., vendedor da ré. – resposta ao ponto 1º da base instrutória
11. No dia 28 de Fevereiro de 2007 o vendedor não veio a Viseu entregar o automóvel viatura. – resposta ao ponto 10º da base instrutória
12. Em 05/03/2007, o autor enviou carta registada à ré rescindindo o contrato de compra e venda cujo conteúdo consta do documento de fls. 20 e 21 e que aqui se dá por integralmente reproduzido. – resposta ao ponto 14º da base instrutória
13. A viatura agradou muito ao autor que a quis comprar se lhe fosse efectuado um desconto ao preço. – resposta ao ponto 18º da base instrutória
14. Foi feito ao autor um desconto ao preço anunciado de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros). – resposta ao ponto 19º da base instrutória
         15. O autor solicitou então a colocação de sensores de aparcamento. – resposta ao ponto 20º da base instrutória
16. Após negociações, e dada a pressão do autor, o vendedor da Ré comprometeu-se a colocar os sensores de aparcamento, suportando o autor apenas a quantia de €300,00. – resposta ao ponto 21º da base instrutória
17. Como a colocação duraria uns dois dias e como era Sábado, combinaram que a viatura ficaria nas instalações da ré para que se procedesse à execução do pretendido. – resposta ao ponto 22º da base instrutória
18. No dia 28 de Fevereiro a ré entrou em contacto com o autor para que este viesse levantar a viatura. – resposta ao ponto 24º da base instrutória
19. Volvidos alguns dias, o autor nunca mais lá passou nem atendia os telefonemas que lhe eram dirigidos pela ré. – resposta ao ponto 30º da base instrutória
20. Por isso a ré esta enviou-lhe a carta cujo conteúdo consta a fls. 53 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, onde solicita a comparência do autor para levantar a viatura concedendo-­lhe um novo prazo de 5 dias para o efeito, sob pena de se assim o não fizesse perder o sinal entregue. – resposta ao ponto 31º da base instrutória
21. A ré dirigiu a carta para a morada fornecida pelo autor e que consta do documento apelidado de contrato de compra e venda de veículo usado. – resposta ao ponto 32º da base instrutória
22. O autor não levantou a carta dos correios (a carta era registada com aviso de recepção), vindo a mesma devolvida com a indicação de "endereço insuficiente". – resposta ao ponto 33º da base instrutória

6.
Apreciando.
6.1.
Primeira questão.
6.1.1.
Em sede de negócios sujeitos ao regime das clausulas contratuais gerais, para que as cláusulas pré-estabelecidas devam considerar-se parte integrante deles é necessária a respectiva aceitação pela outra parte, o que só pode ocorrer se esta tiver conhecimento dessas componentes da proposta negocial. Sem o que não pode falar-se de uma livre, consciente e correcta formação de vontade, nomeadamente isenta dos vícios a que se alude nos arts. 246º, 247º e 251º C. Civil.
Na verdade, como também o art. 232º C. Civil previne, não pode falar-se em conclusão de um contrato se não estiver assegurada coincidência entre a aceitação e a oferta relativamente aos elementos relevantes do negócio, o que nos contratos de adesão supõe que se garanta ao aderente um cabal e efectivo conhecimento do clausulado que integra o projecto ou proposta negocial.
Estatuem, destarte, os artºs 5º e 6º do DL. 446/85, de 25 de Outubro
                                             Artº 5º (comunicação):
   «1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
   2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a sua extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
   3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.».
                                            Artº 6º(Dever de informação):
   «1. O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
   2. Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.»

   6.1.2.
   Nesta conformidade a generalidade da doutrina e da jurisprudência entendem que o dever de comunicação não se cumpre pela mera comunicação para que as condições gerais se consideram incluídas no contrato singular.
   Sendo, outrossim, necessário para que esta inclusão se verifique e aquele dever se concretize, que, antes da conclusão do contrato, a comunicação se efective e seja de molde a proporcionar à contraparte a possibilidade e um conhecimento completo e real do conteúdo do clausulado.
   Tal comunicação não pode, pois, ser meramente parcelar ou sumária e exarada no exacto momento da assinatura do contrato.
   Devendo antes abranger a totalidade do clausulado, com a antecedência necessária a uma cabal apreensão, interiorização e possibilidade de reponderação - normalmente na fase de negociação, ou pré-contratual - e  efectivada de modo adequado, tendo-se em conta, designadamente, a importância do contrato e a sua extensão e complexidade das suas cláusulas – cfr. entre outros, o Ac. da Relação do Porto de 24-04-2008, dgsi.pt, p.  0832041; os Acs. do STJ de 19-01-2006  p. 05B4052, de 18-04-2006  p.  06A818, de 24-05-2007  p. 07A1337 e de 23-10-2008 p. 08B2977.
6.1.3.
Quanto ao dever de informação ele reporta-se, como resulta da lei, não à globalidade das condições mas apenas a «aspectos» das cláusulas que, segundo as circunstâncias, justifiquem aclaração.
   Certo é que também aqui existe o dever do predisponente em informar o aderente.
   Mas nos casos, como o presente, em que ele cumpre adequadamente o seu dever de comunicação este dever de informação, de certa forma e em certa medida, encontra-se mitigado.
   Por outro lado é de perspectivar que este dever não se impõe sempre e inexoravelmente ao proponente, mas apenas se as circunstâncias o justificarem.
   Estamos a pensar, vg., nos casos em que as clausulas assumem uma complexidade tal que dificulte a apreensão do seu conteúdo, significado e consequências e/ou nos casos em que o aderente revele uma perspicácia e uma capacidade de entendimento e discernimento abaixo da média.
   Enfim e como se viu e resulta do nº 2 do artº 6º o próprio aderente tem, neste particular, o poder/dever ou ónus de pedir os esclarecimentos que bem entender.
   6.1.3.
   Temos assim que a postura, conduta e actuação do aderente também deve ser considerada e avaliada.
Na verdade  o  seu comportamento não pode ser negligente ou  descuidado, antes se lhe exigindo, ou cometendo o ónus – visto que a sua negligencia normalmente apenas a si afectará – de actuar, pelo menos, com o normal cuidado e diligência do cidadão médio.
Consequentemente,  a análise mais razoável em vista da conjugação dos interesses, direitos e deveres dos outorgantes nos contratos de adesão em que as clausulas preestabelecidas relevam essencialmente, é a seguinte:
Ao predisponente cumpre sejam proporcionadas e asseguradas as condições que permitam ao aderente aceder a um real conhecimento do conteúdo do contrato, a fim de, se este assim o quiser, formar adequadamente a sua vontade e medir o alcance das suas decisões.
Mas já não lhe é exigido que o aderente venha a ter, na prática, tal conhecimento, pois bem pode suceder que a conduta deste não se conforme com o grau de diligência legalmente pressuposto.
 Destarte aquilo a que o proponente está vinculado é tão-só proporcionar à contraparte a razoável possibilidade de ela tomar conhecimento das condições do contrato pré-estabelecidas.
É que, como alega a recorrente, na esteira de conceituada doutrina e jurisprudência, o dever de informar não pode ser erigido em dogma para que, invocada a sua violação, o aderente se desvincule das suas próprias obrigações e do seu dever de cuidado e de prudência.- cfr. Almeno de Sá, ob. cit. p.190; Acs. do STJ de 2/11/04, CJ/STJ XII-III-104; de 28/6/05, dgsi.pt p. 05B4052; de 19-01-2006 p. 05B4052; de 17-10-2006  p.06A2604 e de 13-05-2008, p. 08A1287.
Ora se assim é para o regime dos contratos de adesão, por igualdade ou maioria de razão – argumento a fortiori – o deve ser para os contratos que não assumam esta natureza, pois que neles é suposto que os outorgantes negoceiem, cabal e plenamente, todos os aspectos relevantes para os seus interesses, livre, voluntária e conscientemente, no pleno exercício da autonomia da sua vontade.
6.1.4.
O caso vertente.
6.1.4.1.
Foi decidido, e tal foi aceite e está pois assente, que o presente contrato não pode ser considerado como de adesão.
E bem assim se entendeu.
Na verdade: «Para que se considere a existência de um contrato de adesão não é bastante a existência de algumas cláusulas pré-ordenadas pelo oferente; importa que o núcleo essencial modelador do regime jurídico assumido constitua um bloco que se aceita ou repudia, sem qualquer possibilidade de negociação…» -Ac. do STJ de 13.05.2008 cit.
É o caso dos autos, já que se provou que as clausulas essenciais do contrato – vg. o preço – foram negociadas pelas partes.
O Sr. Juiz julgou a acção parcialmente procedente com base no seguinte discurso argumentativo:
«O autor não alega a existência de uma desconformidade entre o veículo usado que comprou e as cláusulas do contrato celebrado com a ré. Com efeito, o autor apenas diz que não lhe foi facultada informação sobre as condições técnicas da viatura, designadamente, quanto às revisões efectuadas no concessionário da marca. Não se trata de qualquer desconformidade mas apenas de falta de informação.
Ora, “Quando se verifique falta de informação, informação insuficiente, ilegível ou ambígua que comprometa a utilização adequada do bem ou do serviço, o consumidor goza do direito de retractação do contrato relativo à sua aquisição ou prestação, no prazo de sete dias úteis a contar da data da recepção do bem ou data da celebração do contrato de prestação de serviços.”art. 8º, nº4 da Lei nº24/96. O direito à informação só se satisfaz com uma “…informação completa e leal capaz de possibilitar uma decisão consciente e responsável, tudo com vista a habilitar o consumidor a uma decisão de escolha consciente e prudente”
Analisado o contrato de compra e venda …verifica-se que não se encontram preenchidos numerosos items, sendo que no que diz respeito ao campo 3 (mêcanica/carroçaria/substituições) nenhum deles está preenchido. No campo 2 não existe qualquer informação relativa a quilómetros, quilómetros na última revisão, livro de revisões e outras. As informações que não constam do acordo escrito e pré-impresso são informações relevantes. É ao vendedor que incumbe provar que informou o comprador, não estando o consumidor obrigado a tomar iniciativas com vista ao seu integral esclarecimento. Nesta matéria apenas se prova que a negociação incidiu sobre determinados aspectos do negócio como o preço e a colocação de extras no veículo. Provou-se, é certo, que o autor testou o veículo. Não se provou, porém, que o vendedor tenha informado o autor relativamente a aspectos relacionados com as revisões efectuadas ao veículo, sendo que esta informação não consta do contrato escrito celebrado, nem é perceptível através de qualquer tipo de teste de condução. Esta informação é muito relevante quando se trata de adquirir um veículo usado pois é determinante quanto à expectativa de “vida útil” da viatura e, logo, determinante do valor da mesma. Nesta medida podemos afirmar que a falta de informação compromete a utilização adequada do bem. O autor tem, por isso, direito à retractação prevista no nº4 do artigo 8º da Lei nº24/96».
6.1.4.2.
Não se podem sufragar, na íntegra, e salvo o devido respeito, todas estas asserções.
Certo é que a questão, tal como colocada pelo autor, não se prende com a desconformidade/qualidade entre o veículo usado que comprou e as cláusulas do contrato celebrado com a ré.
Na verdade  e como se diz na sentença, o demandante invoca,  fundamentalmente, «a circunstância do veículo não ter sido submetido a qualquer revisão no concessionário da marca após ter atingido os 73.000 Km e que as cláusulas 2 e 3 relativas às condições técnicas da viatura não foram preenchidas no momento da celebração do contrato».
Mas nem por este motivo ele alegou que o veículo deixou de ser apto a satisfazer os fins a que se destinava ou a produzir os efeitos que se lhe atribuem, ou seja, que deixava de ter a qualidade inicialmente por ele perspectivada.
 Tanto assim que o autor viu o carro, experimentou-o, achou-o em bom estado e, porque até lhe agradou muito, fechou o negócio, assinando o contrato.
O que afasta a previsão do artº 4º da Lei 24/96 de 31/07 e do artº 2º o DL 67/2003 de 08/04.
É tudo pois, apenas um problema de informação, ou falta dela.
Neste particular há, desde logo, que atentar no facto de o autor ter  tido conhecimento do veículo na internet e aqui virem anunciadas  as respectivas  especificações técnicas, nomeadamente: - 149.413 km, garantia de 2 anos, sempre assistido na marca e com inspecção feita, etc., e equipamentos: computador de bordo, entre outros. – Alínea B) da matéria de facto assente.
Ou seja, o autor foi, desde logo, alertado e estava cônscio de que o veículo tinha, ou deveria ter, as inspecções feitas na marca.
De qualquer modo e se este aspecto fosse determinante para a sua decisão de comprar ou não comprar, deveria ele, prudente e diligentemente, confirmá-lo perante a vendedora.
Ele ainda alegou que verificou, no dia seguinte à assinatura do contrato, que encontrando-se em branco os itens do mesmo atinentes ao veículo e à mecânica, carroçaria e substituições, contactou o vendedor da ré para levarem o carro à concessionária da Mercedes em Viseu para se realizar uma revisão da viatura, suprindo-se tal defeito do contrato.
 Mas não logrou provar tal facto.
Mais.
Alegou que as revisões realizadas nos concessionários era uma condição essencial para que ele comprasse a viatura.
Mas, outrossim, não convenceu de tal.
Assim sendo, e bem vistas as coisas, nem sequer se provou que o veículo não tivesse efectuado as revisões na marca.
Ou seja, queda inverificado o quid fulcral consubstanciador da essência da pretensão do autor.
Não sendo bastante para se concluir pela violação do dever de informação neste particular por parte da ré o facto de no contrato tal facto não ter sido especificado.
Sendo que, repete-se, se para o autor esse facto era assim tão importante, dele se deveria certificar e/ou, aquando da assinatura de forma livre e voluntária e supostamente avisada e consciente, exigir que nele ficasse a constar, adrede e inequivocamente, a sua menção, ou, como alegou mas não provou, uma actuação da ré tendente ao suprimento de tal desconformidade.
 Até porque nem sequer nos encontramos perante contrato imbuído de complexidade, muito antes pelo contrário. Pelo que ao autor seria facilmente intuível e verificável a omissão de tais referências, se efectivamente elas fossem determinantes da sua vontade de comprar ou não comprar.
Mas o que ressumbra de todo o processo, maxime  dos factos provados  -e até dos não provados, posto que aqui não num rigor jurídico-formal, mas numa perspectiva mais prosaica e de experiencia comum - é que na realidade o não eram.
O que emerge é que ao autor efectivamente agradou a viatura e ficou algo inebriado com a sua aquisição.
E que depois, quer por motivos de pormenor atinentes à negociação, vg. forma de pagamento, não cabalmente dilucidados, mas que terão incompatibilizado as partes e/ou, quer porque simplesmente terá reponderado a sua posição, desistiu da compra.
Em todo o caso não terá agido com a diligência e a prudência devidas, descurando assim, voluntariamente, aspectos do contrato.
Mas assim sendo, sibi imputet, não podendo vir agora, quase numa actuação de abuso de direito consubstanciado num venire contra factum proprium, querer servir-se de alegadas omissões contratuais, que, em seu entender importam violação do dever de informação, para as quais ele próprio contribuiu.
Ou seja, e aqui disside-se do Sr. Juiz a quo, não é razoável e conforme aos factos apurados, aos normativos pertinentes e até aos princípios da boa fé, concluir-se que a ré violou o seu dever de informação e, menos ainda, que a falta de informação – se a houvesse - comprometia a utilização adequada do bem.
Nesta conformidade, não se pode concordar, salvo o devido respeito, com a, aliás douta, decisão da 1ª instância, merecendo provimento a presente pretensão da recorrente.
Na procedência desta questão queda prejudicada a apreciação da subsequente.

7.
Sumariando.

I – O dever de informação do vendedor para com o consumidor não pode ser entendido de forma absoluta ou exacerbada, devendo atender-se às circunstancias do caso concreto e à postura de prudência e diligencia que, este, perante as mesmas, deveria ter; tudo sob pena de se onerar intoleravelmente a posição daquele e se afectarem princípios de razoabilidade e boa fé.

II- Assim, se o comprador foi informado  pelo vendedor, via internet, de uma certa característica ou qualidade do mesmo, e, depois, negoceia directamente com este os termos e condições da compra, experimenta o veículo, não lhe nota defeito,  diz que lhe agrada e fecha negócio apondo a sua assinatura no contrato, não pode depois retractar-se  com o argumento que tal característica ou qualidade não ficou expressa no contrato  e que, destarte, a vendedora violou o seu dever de informação, maxime se não provou que ela era essencial para que comprasse a viatura.

8.
Deliberação.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso e, consequentemente, absolver a ré do pedido.

 Custas pelo autor.