Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3583/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JAIME FERREIRA
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO COMERCIAL POR ENCERRAMENTO PROLONGADO
Data do Acordão: 01/27/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ART.º 64º AL. H DO R.A.U.
Sumário:
I – Não deve ser considerado como socialmente útil a manutenção de um local arrendado onde, na prática, se não desenvolve qualquer actividade comercial e industrial ou se exerce qualquer profissão liberal, retirando-o do mercado .
II – O senhorio e eventuais outros interessados nesse espaço podem melhor dispor desse espaço, sem necessidade da intermediação abusiva e contratualmente desadequada do inquilino que não dá o conveniente aproveitamento ao espaço arrendado, impondo-se, em tais casos, o despejo desse inquilino.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, A, residente na Av. Infante Sagres em Castelo Branco, e B, residente na Av. Nuno Álvares, nº 17, em Castelo Branco, instauraram contra a C, com sede na E. N. nº 1, a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo que seja decretada a resolução de um contrato de arrendamento existente entre as partes e identificado nos autos, com a consequente condenação da Ré a despejar o local arrendado, devendo entregá-lo livre e devoluto .
Alegaram as A.A., muito em resumo, que são proprietárias de um prédio urbano sito na Av. General Humberto Delgado, inscrito na matriz urbana sob o artigo 2843, no qual foi dado de arrendamento à Ré o seu R/C esquerdo, com os nºs 48 e 50 de polícia .
Que tal arrendamento foi acordado em 21/05/1968, destinando-se o local arrendado ao comércio de automóveis, máquinas agrícolas e acessórios respectivos, ou a qualquer outro ramo de comércio ou indústria em que as partes acordem .
Que desde finais de Abril de 1999 que esse local se encontra encerrado, com as portas e janelas fechadas, sem nada no seu interior, e sem que quaisquer empregados da Ré ou outrem aí se desloque.
Que por se encontrar abandonado esse espaço desde há mais de um ano, deve considerar-se resolvido o correspondente contrato de arrendamento, nos termos da al. h) do artº 64º do RAU .
II
Contestou a Ré, alegando, muito em resumo, que sempre tem ocupado o espaço arrendado com veículos novos e usados para venda, onde também negoceia retomas de outros veículos usados, com exposição ao público e mantendo o local cuidado e em boas condições .
Que, por isso, sempre o local arrendado se tem mantido ocupado e com utilização por si, sendo falso tudo o que em contrário é alegado pelas A.A. .
Terminou pedindo a improcedência da acção .
III
Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, a considerar como regular todo o processado, no qual foram seleccionados os factos alegados pelas partes para efeitos de instrução e de discussão da causa, do que não houve qualquer reclamação .

Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria da base instrutória, com indicação0 da respectiva fundamentação, ao que foram apresentadas reclamações por parte da Ré, as quais foram satisfeitas em parte .

Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção procedente, com o decretamento da resolução do contrato de arrendamento em questão .
IV
Dessa sentença interpôs recurso a Ré, recurso que foi admitido como apelação e com efeito suspensivo .

Nas alegações que apresentou a Recorrente formulou as seguintes conclusões :
1ª - O quesito 1º da base instrutória e respectiva resposta contêm matéria conclusiva, pelo que, nos termos do artº 646º, nºs 4 e 5, do CPC, devem ser tidos como não escritos, concluindo-se dos restantes factos considerados provados que não houve encerramento do estabelecimento locado para efeitos do despejo, nos termos exigidos pelo artº 64º, nº 1, al. h), do RAU .
2ª - Caso assim não se entenda, o que apenas academicamente se concede, mantendo-se o quesito 1º e sua resposta, então dúvidas não restam que existe uma manifesta contradição entre a resposta ao quesito 1º e a matéria de facto dada como provada nos nºs 3 a 9 e 11 a 17 da sentença, devendo, por isso, a Relação anular a decisão proferida na 1ª instância, nos termos do nº 4 do artº 712º do CPC .
3ª - Se ainda assim as conclusões 1ª e 2ª não procederem, o que se configura como simples hipótese, parece à Apelante que o termo “ encerrado “ utilizado no quesito 1º e sua resposta deve ser interpretado restritivamente, isto é, no sentido da Ré não exercer a sua actividade no locado em sistema de “ porta aberta “ em horário normal de comércio de abertura ao público, sendo certo que nem lei ( artº 110º do RAU ) nem o contrato celebrado entre as partes obrigava que a Ré tivesse que exercer a sua actividade dessa forma .
4ª - Assim, a utilização que a Ré retirou do locado é a mais adequada ao tipo de produto por si comercializado no seu estabelecimento, conforme decorre da matéria de facto dada como provada nos pontos 5 e 6 da sentença, continuando a Apelante a exercer, no arrendado, o comércio dos seus produtos, exibindo, divulgando e vendendo viaturas automóveis usadas ( vide nºs 11 a 17 da matéria de facto da sentença ) .
5ª - Tendo em conta o tipo de produtos comercializados pela Ré no “ stand “ , as obras camarárias e o reinicio da actividade da Apelante após cessão de exploração do seu estabelecimento não se pode, de modo algum, concluir que as vendas realizadas ( vide nºs 11, 12, 13 e 16 da sentença recorrida ) e a exposição continuada de veículos “ ... consubstanciam actos isolados esporádicos, pelos quais a Ré apenas efectuou negócios ocasionais ... “ .
6ª - Mesmo que se entenda que o sentido de comércio utilizado no contrato de arrendamento obrigava a Ré a manter o estabelecimento aberto ao público dentro do horário normal de comércio, o que nunca por nunca se concede, é jurisprudência corrente que a sua utilização como montra de exibição de viaturas para venda também não consubstanciará “ encerramento do estabelecimento “ .
7ª - Acresce que, tendo em conta os factos dados como provados em M e N da sentença, “o facto de o arrendado ter deixado de ser o local principal do estabelecimento, e passado a ser um simples armazém de mercadorias, não integra o conceito de encerramento do estabelecimento, para o efeito de resolução do contrato “ .
8ª - Foram, pois, violados os artºs 64º, nº 1, al. h) e 110º do RAU, e o artº 511º, nº 1, do CPC .
9ª - Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente .
V
Contra-alegaram as Recorridas, pugnando pela manutenção do decidido, com citação de alguma jurisprudência no sentido de tal decisão .

Nesta Relação foi aceite o recurso tal como fora admitido, procedendo-se à recolha dos “ vistos “ inerentes ao seu processado, pelo que nada obsta ao conhecimento do seu objecto .
Tendo em conta as conclusões apresentadas pela Recorrente, as quais delimitam esse objecto, pode sintetizar-se o dito nas seguintes questões :
A – O quesito 1º da base instrutória e respectiva resposta contêm matéria conclusiva e não simples factos ?
B – Caso assim se não entenda verifica-se alguma contradição entre essa resposta e a demais matéria de facto dada como assente, designadamente a constante dos pontos 3 a 9 e 11 a 17 da sentença recorrida ?
C – Da matéria de facto que venha a ser considerada como definitivamente assente deve ou não entender-se que a Ré mantém o seu estabelecimento encerrado há mais de um ano ?

Começando pela análise da 1ª das questões elencadas, há que tomar em conta o teor do apontado quesito 1º, no qual se indaga se “ desde finais de Abril de 1999 que o estabelecimento comercial ( da Ré ) se encontra encerrado “ , o qual é completado com os demais factos constantes dos quesitos 2º e 3º, cuja matéria se afigura que até poderia ter sido integrada num único quesito.
Nestes dois outros quesitos pergunta-se “(se o dito estabelecimento se encontra encerrado ) com as portas e janelas fechadas e vazio e sem quaisquer automóveis, máquinas ou outros produtos susceptíveis de serem comercializados ou em exposição “.
Resultaram esses quesitos do alegado pelas A.A. nos artigos 9º a 12º da petição, onde se alegou exactamente essa matéria, a qual foi perfeitamente entendida pela Ré, com o único e exacto sentido que da mesma resulta, isto é, de que o dito estabelecimento se encontrava fechado, sem ser aberto, em clausura e sem bens da natureza dos alegados no seu interior, como bem resulta do por si alegado nos artigos 2º a 6º e 12º a 25º da contestação, onde até usa a expressão “ o locado ... não está fechado , ao contrário do alegado pelas A.A.“.
Daqui resulta, afigura-se-nos, e salvo melhor entendimento, que o dito quesito apenas contém matéria de facto, que é precisada ou completada pelos dois quesitos seguintes, os quais formam um facto único no seu todo, e não matéria conclusiva ou juízo de valor, como pretende a Recorrente .
Nem se vê, sequer, de que outro modo poderia ser alegada e quesitada uma tal situação, que não aquela que se verifica, para descrever uma tal situação real, pois as palavras têm o seu próprio sentido, usem-se os sinónimos que se queira, pelo que perguntar se o estabelecimento se encontrava encerrado ou fechado ou sem ser aberto, significa uma e a mesma coisa, e de conteúdo real perceptível ao comum das pessoas, pelo que não se pode considerar uma alegação desse tipo como sendo um juízo de valor.
Assim sendo, como se nos afigura ter de ser considerada tal questão, carece de razão a Recorrente ao pretender que se deveriam considerar como não escritos quer o referido quesito 1º quer a resposta que o mesmo mereceu, à qual foi respondido como “ provado, sem prejuízo das respostas aos nºs 11 a 17, 19 e 25 “, resposta que foi igual à dada ao quesito 2º, assim tendo ficado provado que “ desde finais de Abril de 1999 que o estabelecimento comercial ( da Ré ) se encontra encerrado, com as portas e janelas fechados, apesar de a Ré ter instalado no local um stand de venda e exposição de automóveis usados, onde tem vindo a ter em exposição alguns veículos automóveis, os quais são comercializados. E que a Ré apenas utiliza esse stand, que mantém limpo, para expor ao público e vender veículos usados, entre os quais também da marca volvo mas usados e com garantia, como sucedeu com os veículos a que se reportam as respostas dadas aos quesitos 19º a 25º e nas datas delas constantes.

Passando à segunda das questões enunciadas, também se afigura que nenhuma contradição existe entre os factos dados como provados, ao contrário do que sustenta a Recorrente, pois ter-se dado como provada a matéria supra exposta não envolve, em si mesma, uma contradição, mas antes uma clara e muito precisa situação de facto que se tem verificado ao longo do tempo.
Com efeito, o que resulta assente e sem qualquer contradição aparente é que desde finais de Abril de 1999 a Recorrente apenas utiliza o local arrendado como stand de exposição ao público de automóveis usados, que comercializa , entre os quais da marca volvo ( ditos usados com garantia ) , como sucedeu com um modelo 850 GLT, matrícula 72-37-FN que vendeu em 2/12/1999; com um BMW, matrícula 62-28-CF, que foi vendido a 15/09/1999 ; com o Volvo matrícula RQ-50-85, que foi vendido em Fevereiro de 2000 ; e com a exposição dos veículos VOLVO matrículas PQ-18-43 e 72-79-IQ e com o FIAT matrícula 26-86-JR, o que ocorreu em Novembro e Dezembro de 1999 e em Fevereiro de 2000 , factos estes que ocorreram apesar de a Recorrente manter o dito local encerrado ( ou fechado ) ao público, desde Abril de 1999, com portas e janelas fechadas ( não abertas ) .
Do que resulta a conclusão de que apenas abre essas portas quando tem necessidade de mostrar algum dos veículos em exposição a algum interessado, para conclusão do respectivo negócio, quando é caso disso, mas sem ter uma pessoa permanentemente no dito local, nem manutenção das portas franqueadas, para acesso imediato do público que passa no local .
É clara a situação de facto descrita, não se vendo qualquer contradição entre os apontados factos, sem prejuízo da interpretação e enquadramento jurídico que esses factos mereçam .
Assim, há que manter a matéria de facto tal como resultou da discussão havida em 1ª Instância, a qual se enuncia de seguida ( no que de relevante tem para a discussão ainda a proceder ) :
1 – As A.A. têm inscrito a seu favor, como proprietárias, um prédio urbano, composto de lojas, dois andares e forros, sito na Av. General Humberto Delgado nºs 46 a 58, em Castelo Branco, o qual se encontra inscrito na matriz predial urbana de Castelo Branco sob o artigo 2843 .
2 – Tal propriedade foi adquirida por sucessão, de seu avô José dos Reis Sanches, ...
3 - ...
4 – Por escritura pública de 21/05/1968, o avô das A.A. , então na qualidade de proprietário do prédio, deu de arrendamento à Ré o R/C esquerdo, com os nºs 48 e 50 .
5 – Arrendamento esse destinado ao comércio de automóveis, máquinas agrícolas e artigos eléctricos ou qualquer outro ramo de comércio ou indústria que as partes acordem .
6 – Efectuado pelo prazo de um mês, a contar de Junho do mesmo ano e pela renda mensal de 1.500$00, a ser paga no dia um do mês respectivo .
7 – A renda era de 34.444$00 à data da entrada em juízo da presente acção ( ano de 2000 ) .
8 – Em Março de 1997 e tendo em vista atribuir a cessão de exploração do estabelecimento à sociedade “ Beirauto –Automóveis da Beira, L.dª “, a Ré acordou com as A.A. firmar um protocolo pelo qual o montante da renda mensal a pagar seria de 50.000$00 por todo o tempo em que durasse essa cessação de exploração .
9 – Findo o referido período, a renda retomaria o valor em vigor antes de firmado o protocolo, corrigido com as actualizações legais, o que veio a concretizar-se .
10 – A última renda daquele montante paga ela Ré foi em Abril de 1999 e respeitante a esse mesmo mês .
11 – Em Maio de 1999 foi paga pela Ré a renda de acordo com os montantes em vigor antes de firmado o protocolo, acrescidos das correcções legais .
12 – Tendo o contrato de cessão de exploração celebrado com a Beirauto terminado em Abril de 1999 .
13 – A Ré é representante da marca “ Volvo “ , na zona de Castelo Branco e noutros locais do país, na venda de veículos ligeiros, sendo também distribuidora de camiões da mesma marca e de máquinas de outros fabricantes, também prestando assistência oficinal a esses veículos e máquinas .
14 – A Ré dispõe, há cerca de 20 anos, de amplas e modernas instalações para o comércio de veículos ( ligeiros e pesados ) e de máquinas e oficinas de reparação, também com zona de exposição ( stand ) para ligeiros, em Edifício VOLVO, Estrada Nacional nº 18, Zona Industrial de Castelo Branco, onde é feito o “ grosso “ das suas vendas no distrito .
15 – Desde finais de Abril de 1999 que o estabelecimento comercial ( da Ré e sito no local arrendado) se encontra encerrado, com as portas e janelas fechadas, apesar ( ou sem prejuízo ) do que consta nos nºs 16 a 24 abaixo mencionados .
16 – A Ré passou a utilizar, tem instalado e destina esse local a um “ stand “ de venda e de exposição de automóveis usados, entre os quais da marca volvo com garantia, ditos “ Volvo Aprovado “, que comercializa , o que fez de forma continuada .
17 – Derivado ao elevado preço dos veículos novos da marca VOLVO, em relação ao poder de compra da cidade, o melhor aproveitamento do stand consiste na comercialização de veículos usados VOLVO, no sistema “ Volvo aprovado “ ( usados com garantia ) .
18 – No dito local a Ré apenas expôs ao público os veículos, mantendo as instalações limpas .
19 – A seguir ao fim da cessação de exploração esteve em exposição no stand o veículo da marca volvo, modelo 850 GLT, com matrícula 72-37-FN, que foi vendido ... em 2/12/1999 .
20 – Também o veículo BMW matrícula 62-28-CF esteve em exposição no locado após a cessação de exploração, tendo sido vendido a 15/09/1999 ...
21 – Durante os meses de Novembro e Dezembro de 1999 esteve em exposição no stand o veículo marca volvo matrícula PQ-18-43 .
22 – A Ré manteve exposto no locado um veículo marca FIAT, matrícula 26-86-JR, que vendeu ... em Dezembro de 1999 .
23 – Também esteve em exposição no locado o veículo VOLVO matrícula RQ – 50-85, que foi vendido ... em Fevereiro de 2000 .
24 – Desde 7/02/2000 que a Ré colocou em exposição o veículo VOLVO matrícula 72-79-IQ, proveniente de um negócio que efectuou ...
25 – A Ré procedeu a obras de reparação do locado .
26 - Em Junho de 2000, tiveram início obras de renovação do pavimento, das condutas de água, das condutas de electricidade e das condutas de gás existentes na rua onde se situa o “ stand “ .
27 – A Av. General Humberto Delgado teve o trânsito condicionado desde Junho até meados de Julho de 2000, esteve encerrada ao trânsito desde Julho até 18 de Agosto de 2000, e esteve de novo condicionada ao trânsito desde 18/08/2000 até 31/12/2001, o que prejudicou de forma significativa alguns comerciantes, mas não o stand da Ré , já que permaneceu nela aberta a circulação de peões.
28 – Já no decurso de 2000 o vidro da montra ( do stand da Ré ) estalou em dois locais distintos, tendo havido necessidade de proceder à sua substituição, para o que foi então contactada a mãe das A.A. , a quem foi solicitada autorização para a substituição desse vidro, o que foi concedido .
29 - ... As obras de colocação desse vidro foram executadas em Abril de 2000 ..., posto que foi pintada toda a zona de exposição do “ stand “ ...
30 – Em finais de Maio de 2000 as A.A. souberam que Francisco Romãozinho estava em negociações com a Ré para obter a cedência de exploração do referido estabelecimento para ali instalar o seu próprio negócio .
31 – Tendo sido iniciadas obras para o efeito nos finais de Maio de 2000, as quais não contenderam com o exercício de qualquer actividade comercial ...
32 – A 8/06/2000 foram pela Ré postos no locado veículos automóveis .
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Fixados os factos a considerar, importa entrar na análise da última das questões colocadas pela Recorrente, que é saber-se se tais factos configuram ou não uma situação de encerramento do estabelecimento da Recorrente e por mais de um ano, nos termos e para efeitos do artº 64º, nº 1, al. h), do RAU .
Entendeu a 1ª Instância que assim se devia considerar, entendimento esse que desenvolveu de forma extensa e devidamente fundamentada, com apelo a conceitos doutrinais e jurisprudenciais, com o que não podemos deixar de estar em absoluta concordância .
Com efeito, tal como resulta do Acórdão nº 147/2001 do Tribunal Constitucional, publicado no D. R. – II série, de 22/05/2001, que considerou organicamente constitucional a redacção da citada alínea, tem de entender-se que o legislador pretendeu, com essa redacção, “ formular um juízo sobre a utilidade social das regras do arrendamento urbano, eliminando ou reformulando regras anteriores que se revelavam socialmente imprestáveis, designadamente porque subvertiam princípios basilares do ordenamento jurídico ou tratavam desigualmente os contraentes sem que para tanto houvesse fundamento material, ... , não sendo de entender como socialmente útil a manutenção de um local arrendado onde, na prática, se não desenvolve qualquer actividade comercial e industrial ou se exerce qualquer profissão liberal, retirando-o do mercado ... “ .
Com este novo entendimento deste “ caso “ de resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio, procurou-se por cobro à divergência jurisprudencial que até então se debruçara sobre o advérbio de modo “ consecutivamente “ que fazia parte da redacção da al. h) do artº 1093º do C. Civ. ( preceito este revogado pelo Dec. Lei nº 321-B/90, de 15/10 ), a qual se debruçava acerca da interpretação a ser dada às situações em que um dado prédio arrendado para os fins de comércio, indústria ou exercício de profissão liberal apenas era aberto um ou poucos mais dias durante um ano ( se se podia, nesses casos, considerar ou não como uma situação de encerramento consecutivo do estabelecimento) .
Assim, passou a ter de se considerar como prevalente ou dominante, por vontade do legislador, o entendimento de que não deve ser considerado como socialmente útil a manutenção de um local arrendado onde, na prática, se não desenvolve qualquer actividade comercial e industrial ou se exerce qualquer profissão liberal, retirando-o do mercado ... “ .
Com este entendimento evita-se a consequente desvalorização do arrendado e lançam-se no mercado locativo espaços claramente desaproveitados e desinteressantes para o locatário, que apenas os mantém arrendados com vista a uma possível especulação oportunística, dando a oportunidade a terceiros de ocupar esses espaços de uma forma socialmente útil e em prol do desenvolvimento económico de todos .
Dos factos assentes transparece que o local em questão nos autos foi arrendado em 1968 à Ré, quando esta tinha necessidade do mesmo para a sua actividade de comércio de automóveis da marca “ VOLVO “, de que é representante na zona de Castelo Branco .
Porém, posteriormente a Ré construiu amplas e modernas instalações para o comércio de veículos, com um stand adequado aos tempos actuais, instalações essas sitas na chamada Zona Industrial de Castelo Branco, onde efectua a exposição dos ligeiros que também aí comercializa, pelo que deixou de ter necessidade do espaço arrendado para os citados fins .
Donde que já em Março de 1997 tenha feito uma cessão de exploração desse espaço ( estabelecimento ) a uma outra sociedade, o que vigorou até Abril de 1999, data a partir da qual esse espaço ficou fechado ao público, isto é, deixou de ter as portas franqueadas a quem por aí passasse e deixou de nele ter qualquer pessoa a atender eventuais interessados na aquisição de viaturas comercializadas pela Ré .
E em Maio de 2000 a Ré aprontou-se a efectuar nova cessão de exploração desse espaço a favor de Francisco Romãozinho, pessoa que aí pretende instalar um negócio próprio, para o que até se iniciaram obras de remodelação do espaço ...
Toda esta situação revela muito claramente o total desinteresse comercial da Ré pelo espaço em causa, pelo menos desde 1997, o qual apenas mantém arrendado por razões que não se descortinam mas claramente prejudiciais para a colectividade e para o mercado de arrendamento em geral .
Se a Ré pretende apenas obter lucros com essas cessões de exploração, não entregando o local ao senhorio nem trespassando o seu estabelecimento, está a violar claramente a finalidade do contrato de arrendamento existente e a prosseguir um objectivo ilícito, nos termos da citada al. h) do nº 1, do artº 64º do RAU .
É que o senhorio e eventuais outros interessados nesse espaço podem melhor dispor desse espaço, sem necessidade da intermediação abusiva e contratualmente desadequada da Ré .
E os factos demonstrados de a Ré , desde Abril de 1999, ter vindo a utilizar o local arrendado com a exposição pontual de algumas viaturas usadas, mas mantendo o local sempre encerrado ao público, apenas revela o propósito anti-contratual antes exposto, pois não se pode considerar essa mera exposição de algumas viaturas usadas em local fechado, apenas funcionando como “ montra “, como um estabelecimento de comércio, que não o é muito claramente e a que foi destinado no contrato acordado
.
Vejam-se, no sentido exposto, entre muitos outros, os seguintes arestos : Ac. Rel. Po. de 28/6/94; Ac. Rel Év. de 26/11/92, in BMJ 421, 521; Ac. Rel. Po. de 3/2/98, in BMJ 474, 546 .
Donde que se tenha de considerar como absolutamente correcta a abordagem feita na sentença recorrida sobre a interpretação a dar aos factos assentes, a qual aqui se dá como reproduzida, dado o seu rigor jurídico, havendo que concluir como dela consta, isto é, que se tem de considerar que a Ré vem mantendo o citado espaço arrendado encerrado por mais de um ano, concretamente desde Abril de 1999, a tal não obstando a prática dos actos isolados e pontuais de mera exposição ao público de viaturas usadas, sem que alguém esteja no local para aí atender o público, o qual não tem qualquer acesso a esse espaço .
Em consequência do que há que decidir no mesmo sentido da sentença recorrida, a qual importa manter e confirmar, pelo seu acerto, assim improcedendo a apelação deduzida pela Ré .
VI
Decisão :
Face ao exposto e sem necessidade outras considerações, acorda-se em manter a sentença recorrida, assim julgando improcedente a apelação deduzida .

Custas pela Ré .
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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /