Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
451/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: TRABALHO PORTUÁRIO
SUBSÍDIO DE REGULARIDADE
AGENTE DE TRÁFEGO
ESTIVADOR
Data do Acordão: 04/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 3º, 5º, AL. A), 7º E 14º, Nº 1, DA LRCT (DL Nº 519-C1/79, DE 29/12); CCT CELEBRADO ENTRE A ASSOCIAÇÃO DOS AGENTES DE TRÁFEGO, ESTIVA E DESTIVA DO PORTO DE AVEIRO E OUTROS E O SINDICATO DOS TRABALHADORES PORTUÁRIOS DE AVEIRO, PUBLICADO NO BTE, 1ª SÉRIE, Nº 22, DE 15/06/1994
Sumário: I – Uma convenção colectiva de trabalho resulta de um acordo entre o sindicato e a associação patronal ou de empresa, por um lado, com os direitos e deveres daí decorrentes, e, por outro lado, é um acto criador de normas jurídicas, relativamente a contratos individuais de trabalho, na medida em que com ela são preenchidos pontos deixados em claro pelas partes contratantes e se substituem às condições menos favoráveis para o trabalhador que resultem da contratação individual – artºs 3º, 5º, al. a), 7º e 14º, nº 1, da LRCT (DL nº 519-C1/79, de 29/12).

II – O CCT celebrado entre a Associação dos Agentes de Tráfego, Estiva e Destiva do Porto de Aveiro e outros e o Sindicato dos Trabalhadores Portuários de Aveiro, publicado no BTE, 1ª série, nº 22, de 15/06/1994, obriga exclusivamente os trabalhadores do efectivo do porto de Aveiro e só eles – sua cláusula 1ª, nº 1.

III – A definição de “trabalhador do efectivo do porto” consta do artº 2º do DL nº 280/93, de 13/08, onde se entende, como tal, “o conjunto de trabalhadores detentores de carteira profissional adequada que desenvolvem a sua actividade profissional, ao abrigo de contrato de trabalho sem termo, na movimentação de cargas”.

IV – De acordo com o disposto no artº 5º do DL nº 280/93, só podem ser contratados para a prestação de trabalho portuário os indivíduos habilitados com carteira profissional, sendo que tal documento deve ser emitido pelo Instituto de Trabalho Portuário, ao abrigo de Portaria elaborada pelos Ministérios do Emprego e Segurança Social e do Mar.

V – Porém, esta Portaria nunca foi publicada, pelo que nenhuma carteira profissional foi emitida relativamente aos trabalhadores da actividade portuária.

VI – O que vale dizer que a expressão “trabalhadores efectivos do porto” utilizada no referido CCT não pode ter o mesmo significado que a definição que deles é dada pelo DL nº 280/93, sob pena de o dito CCT não ter campo de aplicação.

VII – Havendo trabalhadores ligados à Associação do Trabalho Portuário de Aveiro por contratos sem termo, mesmo sem possuírem carteira profissional, a eles é aplicável o CCT referido, face ao que têm eles direito ao subsídio de regularidade previsto na cláusula 72ª desse CCT, desde que verificados os pressupostos aí exigidos e que são condição essencial para a sua atribuição.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Social do T. Relação de Coimbra


A...,
B... ,
C... ,
D... ,
E... ,
F... ,
G... ,
H... ,
I... , e
J... , intentaram acção declarativa emergente de contrato de trabalho contra Associação do Trabalho Portuário (ETP) de Aveiro, com sede no Terminal Norte do Porto de Aveiro, Ílhavo pedindo a condenação desta:
- - a reconhecer o direito dos Autores ao subsídio de regularidade previsto na cláusula 72ª da CCT outorgada entre a Associação dos Agentes de Tráfego, Estiva e Desestiva do Porto de Aveiro e outros e o Sindicato dos Trabalhadores Portuários de Aveiro, publicada no BTE, 1ª série, n.º 22, de 15/6/1994.
- - a pagar a cada um dos trabalhadores a quantia de € 340,75 a esse título, por referência à Páscoa de 2002.
- - a pagar juros vencidos e vincendos incidentes sobre a referida quantia e bem assim as prestações vincendas até à data do efectivo pagamento.

Realizada sem êxito a audiência de partes, foi a Ré notificada para contestar, o que fez aduzindo argumentos de facto e de direito que em seu entender deveriam conduzir à improcedência da acção.
Os Autores apresentaram Resposta.
Prosseguindo o processo seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que, julgando a acção totalmente improcedente, absolveu a Ré do pedido.
Discordando apelaram os AA alegando e concluindo:
1- A sentença recorrida absolveu a Ré com base em dois fundamentos expressamente nela invocados, a saber:
a) - o primeiro com base no facto de os AA não serem detentores da carteira profissional de trabalhador portuário
b) - o segundo porque alegadamente, o sentido e alcance da expressão “ efectivo do porto” de Aveiro, a que se refere o nº 1 da Clª 1ª do CCT, pressuporia para efeitos de aplicabilidade aos AA da respectiva convenção colectiva de trabalho, que eles possuíssem necessariamente esse título de qualificação profissional previsto no art. 2º a) do D.L. 280/93 de 13/8
2- Ora o CCT não define o que, para efeitos da sua aplicação, se deve entender por “ trabalhadores do efectivo do porto”, nem contém qualquer estipulação no sentido de que tal expressão equivalesse, ou devesse equivaler, para todos e quaisquer efeitos, à expressão plural “ efectivo dos portos”, definida na citada alínea a) do artº 2º do D.L. 289/93 ou às expressão “ efectivo portuário nacional”, a que se refere o nº 2 do artº 11º do mesmo diploma legal
3- Dos autos também nada consta, nem foi provado que o conteúdo factual e jurídico da expressão “efectivo do porto” de Aveiro- utilizada na mencionada Clª 1ª, nº 1 do CCT – correspondesse ao sentido e conteúdo prático- jurídico do disposto na al. a) do artº 2º do referenciado diploma legal
4- A sentença recorrida, porém, concluiu e decidiu que o CCT em apreço era “ ope juris”, inaplicável aos AA da acção, na medida em que para estes trabalhadores poderem considerar-se abrangidos pela convenção colectiva em apreço teriam que, não só ser detentores de um vínculo contratual de trabalho sem termo com
a Ré como também cumulativamente, possuírem carteira profissional de trabalhador portuário
5- Os AA da acção não alegaram nem provaram possuir carteira profissional, nem tinham necessidade de o fazer, porque a respectiva lei sectorial (o citado D.L. nº 280/93) que a exigia como condição “ sine qua non” da prestação de trabalho portuário não tinha ainda sido regulamentada, mediante aprovação e publicação da competente Portaria de regulamentação do regime de emissão e atribuição da carteira profissional de trabalhador portuário, diploma este previsto para o efeito no nº 2 do art. 6º do D.L. 280793
6- Por outro lado, é pacificamente entendido na doutrina e na jurisprudência respeitantes à interpretação e aplicação das leis, que qualquer exigência legal sujeita a regulamentação não é considerada em vigor, não pode invocar-se como oponível a quem quer que seja e não pode haver-se como impeditiva daquilo que tenha visado estabelecer-se se e enquanto tal regulamentação não se achar aprovada e publicada
7- A sentença recorrida cometeu assim um manifesto erro de apreciação dos factos e de aplicação do direito corresponde
8- Acresce que sempre seria de entender que são distintos o objecto e a finalidade específica do CCT, por um lado e da lei que previu a necessidade da carteira profissional para que qualquer trabalhador possa prestar trabalho portuário, por outro
9- A perfilhar-se o fundamento da sentença recorrida, nem sequer os trabalhadores do Tipo “A” (CLª 5 do CCT) poderiam prestar trabalho, por a não possuírem nem poderem requerer enquanto o regime da carteira profissional não fosse regulamentado
10- A regulamentação colectiva de trabalho constante do CCT, ao dispor sobre as especificidades da organização do trabalho neste porto e sobre direitos e garantias dos trabalhadores que asseguram a execução de todas as respectivas operações portuárias, regulou e não podia deixar de regular o estatuto laboral do universo dos trabalhadores que diariamente, realizam tais operações em regime de contrato de trabalho, mesmo sabendo por um lado, que não era exigível a posse da carteira profissional, enquanto o respectivo diploma regulamentar não estabelecesse o regime da sua emissão e sabendo, por outro lado, que apesar disso, iam sendo e tinham que ser contratados e utilizados trabalhadores para o efeito sem que fossem titulares da carteira profissional
11- De resto, sabendo as partes que outorgaram o Protocolo de 10/4/01 e o Acordo de 16/5/01- bem como aquela que celebrou com os AA os cit,s- que o legislador se tinha abstido de regular a emissão e a atribuição da carteira profissional portuário, nem por isso deixaram de negociar, outorgar e praticar de boa – fé, o correspondente regime convencional regulador das condições de trabalho portuário, sem que a falta da carteira tenha constituído óbice para o efeito
12- Um tal requisito legal não constituiu nunca impedimento ou condicionante para o exercício da profissão e para aplicabilidade geral das condições colectivas de trabalho estabelecidas para o porto, que o CCT contém
13- Por outro lado, porque consideraram útil e necessário estabelecer critérios e determinar, por acordo, o que deveria entender-se por “ trabalhadores do efectivo do porto de Aveiro”, os outorgantes dos referenciados instrumentos convencionais de 2001, fixaram o respectivo “ efectivo”, nos termos expressamente enunciados nesse acordo de 16/5/, designando como tal “ O número dos trabalhadores titulares de vínculo contratual de trabalho sem termo adstritos ao exercício da operação portuária no porto de Aveiro”
14- Por isso, sendo os AA, trabalhadores do Tipo “B” (CLª 5ª nº 3 do CCT), adstritos ao porto de Aveiro, era-lhes directamente aplicável esta convenção colectiva, tanto mais quanto é certo que a qualificação como trabalhadores do Tipo “B” somente tem consagração e definição do seu sentido no CCT em apreço
15- Mais: o citado Acordo de 16/5 transitou directamente para o CCT, conforme expressa estipulação dele constante, nomeadamente no tocante á definição do que seria o “ efectivo de trabalhadores portuários do porto de Aveiro”
16- Os AA da acção passaram assim de facto e de direito, a pertencer ao efectivo do porto de Aveiro, tendo nele – conforme se estabeleceu no Protocolo de 10/4/01 e de 16/5/01 e nos cit,s celebrados com a Ré- o estatuto de trabalhadores “ tipo B”
17- Assim devendo os ora recorrentes serem considerados como trabalhadores portuários abrangidos directamente pelo CCT, não era lícito às parte outorgantes dos referidos instrumentos convencionais, nem também à Ré restringir - de forma expressa, ou pela via de uma artificiosa interpretação normativa – direitos e regalias que lhes eram assegurados em sede de aplicação de regulamentação colectiva de trabalho vigente no porto.
18- Na verdade, a tanto se opunham as disposições legais constantes do artº 13º do RJCIT aprovado pelo D.L. 49.408 de 24/11/69 e também o disposto no artº 15º do D.L. 519-C1/79 de 29/12, este na medida em que, nem do Acordo de 16/5/01, nem do CCT constava a imperativa e insuprível declaração das partes de que as condições retributivas de trabalho fixadas para os ora recorrentes tinham carácter globalmente mais favorável, quanto ao estatuto laboral destes trabalhadores, do que aquelas que se encontravam fixadas no CCT para os trabalhadores tipo “B”
19- Por outro lado da Clª 72º do CCT, não resulta que a sua aplicação fosse apenas exigível em relação aos trabalhadores do “ Tipo A”, acrescendo ainda que, face ao teor da Clª 135º do mesmo CCT, o subsídio de regularidade ali instituído não poderia nunca ser entendido como excludente dos trabalhadores do tipo “B”
20- Assim, face ao que antecede, reconhecer-se-á que a sentença recorrida violou:
a) O sentido e alcance da Clª 72ª e da Clª 135º do CCT referenciado nos autos, por ter feito uma incorrecta interpretação do nº 1 da Clª 1ª, da Clª 5ª, do nº 1 e 2 da Clª 7ª e da própria Clª 26º nº 3 desta convenção colectiva
b) O regime jurídico do trabalho portuário, aprovado pelo D.L. 280/93 de 13/8, relativamente à aplicabilidade ao CCT e aos ora recorrentes do disposto na al. a) do seu artº 2º e no seu artº 5º, em matéria de exigibilidade da carteira profissional de trabalhador portuário, sem ter presente e sem revelar a inexistência da regulamentação prevista no artº 6º nº 2 do mesmo diploma legal
c) O regime jurídico das relações colectivas de trabalho, aprovado pelo D.L. 519-C1/79 de 29/12, no tocante ao disposto com carácter imperativo, no seu artº 15º nº 1
d) O regime jurídico da prevalência das fontes de direito superiores relativamente às fontes inferiores, conforme se dispunha no nº1 do artº 13º do RJCIT, aprovado pelo D.L. 49.408 de 24/11/69
e) Finalmente, o regime convencional enunciado quer no Protocolo de 10/4/01. quer no Acordo de 16/5/01, quer nos cit,s celebrados entre a Ré e os ora recorrentes
21- Nesta conformidade a sentença recorrida carece de ser revogada e substituída por acórdão que reconheça aos ora recorrentes os direitos reclamados na acção
Contra alegou a recorrida defendendo a correcção do decidido.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, tendo o Ex. mo Sr. PGA emitido douto parecer no sentido da respectiva improcedência, cumpre decidir
Dos Factos
Foi a seguinte a factualidade dada como assente na 1ª instância
1. Os Autores são trabalhadores portuários filiados no Sindicato dos Trabalhadores do Porto de Aveiro, sendo esta a designação actual resultante da alteração estatutária.
2. A Ré é uma empresa que tem por objectivo de actividade a cedência temporária a empresas de estiva ou a utentes de áreas portuárias privativas da utilização de trabalhadores portuários para a prestação de trabalho nas operações portuárias realizadas no porto de Aveiro.
3. A Ré assumiu a natureza de ETP – Empresa de Trabalho Portuário, tendo resultado da transformação do anterior organismo de gestão da mão-de-obra portuária, então designado por “OCG/Aveiro – Organismo de Gestão de Mão-de-obra Portuária de Aveiro”.
4. A transformação operou-se ao abrigo do disposto no art.º 12º do Decreto-Lei n.º 280/93, de 13 de Agosto e os trabalhadores que pertenciam ao “contingente comum do porto” foram absorvidos pela ETP de Aveiro.
5. Ainda como OGB/Aveiro, a Ré subscreveu a CCT publicada no BTE, 1ª série, n.º 22, de 15/6/1994, quer com a Associação Patronal representativa das entidades empregadoras de trabalhadores portuários no porto de Aveiro, quer com Empresas Operadoras Portuárias que neste porto exerciam a sua actividade, tendo por contraparte igualmente outorgante da convenção colectiva de trabalho em referência, o Sindicato dos Trabalhadores do Porto de Aveiro.
6. Em 16/5/2001, o STPA - Sindicato dos Trabalhadores do Porto de Aveiro e a AEEPA – Associação de Empresas de Estiva do Porto de Aveiro, outorgaram um acordo a que alude o documento de fls. 37/38, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Por força de tal acordo todos os Autores outorgaram com a ETP de Aveiro contrato individual de trabalho, nos termos constantes do documento de fls. 32 e seguintes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Por força de tal acordo e dos contratos atrás indicados, os Autores passaram a possuir a qualidade de trabalhadores do quadro permanente da ETP e considerados como trabalhadores do tipo B.
9. A Ré não procedeu ao pagamento, a favor dos Autores, do prémio de regularidade vencido no ano de 2002, sendo então a respectiva retribuição base de € 973,58 mensais.
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
Pelo que no caso concreto, cumpre resolver se os AA têm ou não direito ao subsídio de regularidade previsto na cláusula 72ª da CCT outorgada entre a Associação dos Agentes de Tráfego, Estiva e Desestiva do Porto de Aveiro e outros e o Sindicato dos Trabalhadores Portuários de Aveiro, publicada no BTE, 1ª série, n.º 22, de 15/6/1994.
Vejamos então
Tudo está em saber – para resolução deste problema- se o CCT em causa é ou não aplicável aos AA.
Ora e como se sabe, qualquer convenção colectiva tem uma faceta negocial e outra regulamentar.
Efectivamente ela resulta por um lado de um acordo entre o sindicato por um lado e a associação patronal ou de empresa, por outro, com os direitos e deveres daí decorrentes.
Por outro lado, é um acto criador de normas jurídicas, relativamente a contratos individuais de trabalho, pois que preenchem os pontos deixados em claro pelas partes e se substituem às condições menos favoráveis para o trabalhador que resultem da tal contratação individual (cfr. artºs 5 a), 7º, 3º e 14/1 da LRCT).
E assim sendo, resulta que no que diz respeito à formação do acordo, sua interpretação e integração, entende- se que devem ser aplicáveis a título subsidiário, as regras pertencentes à disciplina jurídica dos contratos ( artºs 224 a 257 do CCv, principalmente); no que concerne às condições de eficácia destas convenções elas serão idênticas às das leis (artº 10/1 da LRCT), mormente as que resultam dos artºs 5º, 7º e 12º do CCv- cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 9ª ed. 1º Vol. págs. 96/97.
Ora bem.
No caso em apreço e com data de 15/6/94 foi publicado no BTE 1ª Série nº 22, um CCT celebrado entre a Assoc. dos Agentes de Tráfego, Estiva e Destiva do Porto de Aveiro e outros e o Sind dos Trabalhadores Portuários de Aveiro.
E logo na sua Clª 1 nº 1 se refere expressamente que a dita convenção obriga exclusivamente todos os trabalhadores do efectivo do porto e só eles (sublinhado nosso).
Não define tal IRCT o que se deve considerar “ trabalhador do efectivo do porto”.
Essa definição consta todavia do artº 2º do D.L. 280/93 de 13/8, que assim dispõe: para efeitos deste diploma, entende-se por “ efectivo dos portos “ o conjunto de trabalhadores detentores de carteira profissional adequada que desenvolvem a sua actividade profissional, ao abrigo de contrato de trabalho sem termo, na movimentação de cargas”.
E em consonância com esta norma (que é anterior como se viu ao CCT em análise) este na sua Clª 7ª nº 1 determina que os trabalhadores abrangidos por esse contrato terão de ser titulares de uma carteira profissional, a emitir nos termos da lei aplicável.
Acresce ainda que de acordo com o disposto no artº 5º do citado D.L. 280/93 só podem ser contratados para a prestação de trabalho portuário os indivíduos habilitados com carteira profissional, sendo que tal documento deve (deveria) ser emitido pelo Instituto de Trabalho Portuário, mediante Portaria elaborada pelos Ministérios do Emprego e da Segurança Social e do Mar(artº 6º nºs 1 e 2 do mesmo D.L., 2º e 3º ambos do D.L. 358/84 de 13/11).
Como se sabe, a exigência de “ carteira profissional” como condição necessária para o exercício de determinada profissão, prende-se com a natureza da actividade exercida, que terá que ser de grande qualificação técnica ou então que implique grandes riscos
(cfr. acórdão in C.J. XXI, III, págs. 295).
Porém a verdade é que e pese embora o longo lapso de tempo decorrido, nunca tal portaria foi publicada, o que significa que nenhuma carteira profissional foi emitida, relativamente aos trabalhadores da actividade portuária.
E então deparamo - nos com a seguinte situação.
Porque não é crível que durante todo este tempo, nenhum contrato tenha sido celebrado para o exercício da actividade de trabalhador portuário, então todos os convénios outorgados a partir da vigência do D.L. 280/93, estão feridos de nulidade (cfr. artºs 4º nº1 da LCT e 113º nº1 do C. Trabalho).
Depois e porque o CCT em análise exige também para que os abranja que os trabalhadores possuam a tal carteira profissional (e nenhum a tem, nem pode ter porque o legislador primou pela inércia), então estamos perante uma convenção que não pode ter qualquer aplicabilidade prática, pois não abrange qualquer trabalhador, seja ele quem for.
É certo que na sua Clª 7º nº 2 se refere que “à data da entrada em vigor deste contrato consideram-se com direito ao certificado de aptidão profissional, todos os trabalhadores do Tipo A”.
E também os artºs 11º nº 2 e 13º nº 1 do mencionado D.L. 280/93 estabeleceram um regime transitório, segundo o qual aos trabalhadores inscritos no contingente dos diversos porto era reconhecida, sem qualquer formalidade, a integração no efectivo portuário nacional, devendo, a seu requerimento, ser emitida a carteira profissional (artº 11º) e ainda que os trabalhadores que à data da entrada em vigor deste diploma se encontrassem inscritos num organismo de gestão de mão de obra portuária regularmente constituído e registado no ITP, quando pertencessem ao contingente comum do porto, seriam considerados para todos os efeitos legais, vinculados a tal organismo, por contrato de trabalho sem termo.
Mas tudo isto poderá significar , no máximo, que esses trabalhadores, estão dispensados de possuírem os requisitos que, para os demais a lei exija para a obtenção da carteira profissional.
Mas de modo algum - em nosso modesto entender – que eles estejam dispensados de requerer tal documento, o qual deverá ser emitido (mas tem que o ser), sem a exigência de qualquer formalidade (prestação de provas, demonstração de habilitações escolares etc. cfr. artºs 6º nº 2 do D.L. 280/93 e artºs 2 e 3 do D.L. 358/84).
Ora esta exigência legal da posse de uma carteira profissional para o exercício da actividade, não podia de modo algum ser desconhecida das entidades outorgantes do CCT em análise (entre os quais se conta a Ré).
E tanto assim é que também a plasmaram tal exigência na dita convenção.
E igualmente sabiam que – pelo menos até então - nenhum trabalhador possuía, por motivos que eram em absoluto independentes da sua vontade, o tal documento.
E mesmo assim concordaram em outorgar em tal CCT, regulamentando como se alcança da simples leitura deste convénio, toda a actividade laboral de todo o tipo de trabalhadores portuários, - tal como a dita convenção os define na sua Clª 5 nº 1 (trabalhadores do Tipo A , B e C).
E isto claro, independentemente de serem possuidores da tal carteira profissional, pela simples razão de que nenhum deles a podia possuir, pois o legislador, por motivos que em absoluto desconhecemos, não publicou a legislação adequada á sua obtenção.
O que vale dizer, que a expressão” trabalhadores efectivos do porto” utilizada na Clª 1ª nº 1 do mencionado contrato colectivo, não pode ter exactamente o mesmo significado que a definição que deles é dada pelo D.L. 280/93, sob pena – como se disse - o dito CCT não ter campo de aplicação.
O que vale dizer que os AA estão abrangidos pelo CCT em análise e uma vez que ficaram ligados á empresa, por contratos sem termo, enquadrados no Tipo “B”, pois que e de acordo com o disposto no Clª 5ª nº 3 “ são do Tipo B, os trabalhadores portuários que venham a ingressar no sector a título permanente”, como sucedeu com os recorrentes, por força dos contratos sem termo que outorgaram com a Ré.
E como está provado, a partir de 30/5/01 os AA passaram (por efeito de contrato individual de trabalho, à situação de trabalhadores contratados a tempo indeterminado)
Mas outro elemento existe para que se considere que – e sempre ressalvando o devido respeito por entendimento diverso e reconhecendo o melindre que a questão envolve, questão esta cuja existência seria evidentemente escusada se o legislador cumprisse minimamente a sua função de ser cuidadoso e cumprir aquilo que ele próprio determina
- o CCT em causa não pode deixar de abranger os AA, pese embora o facto de não possuírem carteira profissional (nem a poderem possuir, como aliás todos os outros trabalhadores da mesma actividade, pela simples razão de que, como se disse, o legislador não ter providenciado no sentido de emitir a Portaria que estabeleceria as condições de concessão de tal documento).
É que e conforme a factualidade dada como assente na 1ª instância em 16/5/01 o STPA- Sindicato dos Trabalhadores do Porto de Aveiro e a AEEPA- Associação das Empresas de Estiva do Porto de Aveiro - outorgaram o acordo constante de doc. fls. 37/38, com base no qual foram celebrados os contratos de trabalho entre os AA e a Ré, nos termos constantes de fls. 32 e segs.- acordo esse que –segundo os seus termos visava resolver a situação dos trabalhadores portuários que se encontravam na situação dos AA e que portanto incluía estes.
E segundo tal acordo (seu ponto IV) as partes declararam que “ o presente acordo transita directamente para o CCT relativamente às estipulações acima enunciadas”.
O que significa que, não podendo desconhecer os contraentes que continuava naquela data a não ser possível (como tanto quanto sabemos ainda hoje não o é) a emissão de carteiras profissionais para nenhum trabalhador portuário (e evidentemente e por isso para os AA, que evidentemente não podiam possuir tal certificado de qualificação profissional), tiveram necessariamente de considerar que o CCT em análise se aplicava aos trabalhadores portuários, mesmo que não tendo carteira profissional, que repete-se, embora prevista e exigida por lei, ninguém podia ter, por exclusiva responsabilidade de quem legisla.
Não pode deixar de ser esse - em nosso entender – o sentido normal de tal declaração, tal como a entenderia o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (teoria da impressão do destinatário artº 236º nº1 do CCv).
Temos assim e em suma, que contrariamente ao decidido na 1ª instância a convenção colectiva em análise se aplica aos AA.
E sendo assim têm eles direito, ao referido subsídio de regularidade, previsto na Clª 72, desde que verificados os pressupostos ali constantes e cuja existência, relativamente pelo menos à Páscoa de 2002, não foi posta em causa pela Ré, pelo que têm que se ter por demonstrados, demonstração essa que incumbia aos AA( artº 342º nº1 do CCv).
É verdade que os ora recorrentes celebraram contratos individuais de trabalho, cujas cláusulas relativamente á retribuição parecem afastar o pagamento desta parcela retributiva.
Porém, mesmo que assim seja sempre, nesse ponto, esses convénios, não são válidos, já que e segundo o artº 14º nº 1 do D.L.519-C1/79 de 29/12 a regulamentação estabelecida por qualquer dos modos referidos no artº 2º( convenção colectiva, decisão arbitral e acordo de adesão), não pode ser afastada pelos contratos individuais de trabalho, salvo para estabelecer condições mais favoráveis aos trabalhadores, o que não é manifestamente o caso.
E por outro lado, não se pode olvidar que este subsídio não se encontra incluído no clausulado de exclusão referentes a trabalhadores do tipo”B”, que como vimos, os AA são (cfr. Clª 135º).
Invoca a Ré que seja como for os AA agem com abuso do direito que pretendem exercer.
Ora e nos termos do artº 334º do CCv é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa- fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
A verdade é que porém- e atendo-nos à factualidade dada como assente- não resulta indiciada qualquer destas situações.
Daí que, também por esta via nenhum obstáculo se coloca ao deferimento da pretensão dos AA.
Porém há que atentar no seguinte:
A atribuição do dito subsídio de regularidade, que deve ser pago pela Páscoa (Clª 72ª) não é automática.
Na verdade como se alcança da aludida norma ela depende do preenchimento pelos trabalhadores de vários requisitos relativos à sua assiduidade, produtividade etc.
Portanto se é certo que no que concerne ao que devia ser pago pela Páscoa de 2002, o direito dos AA é evidente, pois que como oportunamente se afirmou, a verificação de tais requisitos (alegados pelos AA na sua p. inicial) não foi de forma alguma impugnada pela Ré- e portanto têm que se considerar como provados (artº 490º nº 2 do CPC)- já relativamente aos posteriores (e até porque a acção foi proposta em Novembro de 2002), não pode esta Relação determinar sem mais a sua atribuição, pois que, tem que se admitir que (eventualmente), nos anos seguintes, qualquer dos AA não cumpra os ditos requisitos.
Todavia ( e se bem entendemos) os ora apelantes peticionam - nos no seu todo “ tout court”.

Posta esta ressalva e concluindo, decide-se:

1- Revogar a sentença recorrida
2 )- Condenar a Ré a reconhecer que os AA têm direito ao subsídio de regularidade previsto na Clª 72º do CCT em causa, desde que cumpram os requisitos ali mencionados e que são condição essencial para a sua atribuição e efectuar o respectivo pagamento, com juros de mora à taxa legal desde os respectivos vencimentos.
3)- Condenar a Ré a pagar a cada um dos AA, a quantia de € 340, 75 por referência à Páscoa de 2002, a que acrescerão juros de mora à taxa legal desde o respectivo vencimento até integral pagamento.

Custas pela Ré.