Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
172/07.3YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
CASO JULGADO MATERIAL
Data do Acordão: 06/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SEVER DO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTºS 111º, Nº 2, CPC
Sumário: I – Nos termos do artº 111º, nº 2, do CPC, a decisão transitada em julgado sobre a competência territorial resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que tenha sido oficiosamente suscitada, devendo, no caso da excepção ser julgada procedente, o processo ser remetido para o tribunal que foi julgado competente.

II – Com a doutrina consagrada no citado preceito visa-se impedir que a questão da competência territorial, já apreciada por um tribunal, volte a ser reapreciada por outro, ainda que com base em argumentos ou fundamentos diferentes.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. A... , com sede em Lisboa, instaurou contra B... , residente em ......, processo de execução comum, apresentando como título executivo um requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória pelo srº Secretário Geral de Injunção de Lisboa, e visando obter do último o pagamento da quantia ali indicada.

2. Processo de execução esse que foi instaurado no tribunal judicial de Águeda, tendo sido distribuído ao 1º juízo e ali autuado sob o nº ....../06.3TABGD.
Porém, o srº juiz desse juízo proferiu, 28/11/2006, despacho em que declarou aquele tribunal incompetente, em razão do território, para conhecer do processo, deferindo essa competência ao tribunal judicial de Sever de Vouga, e com o fundamento de o domicílio do executado se situar na área deste último tribunal.

3. Na sequência de tal despacho, e após o seu trânsito em 15/12/2006, foi o referido processo remetido ao tribunal judicial de Sever de Vouga.

4. Por sua vez, recebido o processo neste último tribunal, o srº juiz proferiu, 19/1/2007, despacho em que declarou igualmente o tribunal judicial de Sever de Vouga incompetente, em razão do território, para conhecer do processo, deferindo essa competência àquele mesmo tribunal de Águeda, e precisamente baseado no fundamento de que o indicado domicílio do executado se situa na área desse tribunal (de Águeda) e não na área do tribunal de Sever de Vouga.
Despacho esse que veio a transitar em julgado em 6/2/2007.

5. Perante tal impasse, o exmº srº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal veio, à luz do artº 117 do CPC, requerer a resolução daquele conflito negativo de competência.

6. Notificadas que foram as entidades judiciárias em conflito, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 118 do CPC, o srº juiz do tribunal de Sever de Vouga defendeu a posição por si sustentada naquele seu despacho, enquanto, por sua vez, o srº juiz do 1º juízo tribunal de Águeda, veio agora aceitar a competência desse tribunal para conhecer do processo, reconhecendo que aquele seu despacho em que declinou a competência do referido tribunal assentou no pressuposto erróneo de que o lugar indicado como sendo o domicílio do executado não se situava na área da comarca desse seu tribunal.

7. O Exmo. Representante do MºPº, junto deste tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 36, concluindo no sentido de dever ser atribuída a competência para julgar o referido processo ao 1º juízo do tribunal judicial de Águeda.

8. Dispensados que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
1. De facto
Com relevância para a decisão do conflito devem ter-se como assentes os factos acima descritos no ponto I (e que resultaram das diversas peças processuais que foram juntas aos autos para instruir os mesmos).
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2. De direito
Começaremos por afirmar que o conflito acima aludido envolve dois tribunais da mesma jurisdição da 1ª instância, sediados na área deste Tribunal.
E daí a competência deste Tribunal para solucionar tal conflito (cfr. artºs 115, nº 2, e 116, nº 1 – 2ª parte – do CPC, 47 e 56, nº 1 al. d), da LOFTJ).
Porém, na realidade, e como iremos ver, o caso em apreço configura mais um conflito de competência aparente do que real, e pelas razões que, suscintamente, passaremos a enunciar.
É inquestionável estarmos perante uma situação que consubstancia um conflito (negativo) de competência em razão do território.
Apreciando a questão do ponto de vista substantivo, é manifesto, e face ao disposto no artº 94, nº 1 – 1ª parte -, do CPC (na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 14/06 de 26/04), que seria competente para conhecer do processo o 1º juízo do tribunal Judicial de Águeda, já que é na área desse tribunal que se situa o domicilio do executado.
Na verdade, ambos os srºs juizes dos tribunais em conflito estão de acordo que, no caso, o critério de aferição da competência territorial seria o do domicílio do executado, só que ambos consideraram então nos seus despachos que esse domicílio se situava na área do outro (que não do deles) tribunal (muito embora o srº juiz do 1º juízo do tribunal Águeda tenha vindo mais tarde reconhecer o erro de localização em que se assentou o seu despacho).
Mas será que, face a tal conclusão, se deverá então, in casu, atribuir, agora, a competência ao 1º juízo do tribunal Judicial de Águeda?
Vejamos.
Como é sabido, a infracção às regras de competência territorial configura a chamada incompetência relativa (cfr. artºs 73 e ss e 110 do CPC – diploma ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua origem).
Ora, nesse domínio ou âmbito, estatui o nº 2 do artº 111 que a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que tenho sido oficiosamente suscitada”, devendo, no caso da excepção (de incompetência) ser julgada procedente, o processo ser remetido para o tribunal que foi julgado competente (cfr. nº 3 do citado normativo, e tendo sempre presente o caso sub júdice) – sublinhado nosso.
Assim, e enquanto que, nos termos do artº 106, a decisão sobre a incompetência absoluta, embora transitada em julgado, não tem, em regra, valor fora do processo em que foi proferida, já a decisão proferida sobre a incompetência relativa, em razão do território, assume a natureza e a força de caso julgado. Aliás, isso mesmo já sucedia na vigência do CPC de 1939, conforme referia o prof. Alb. dos Reis (in “CPC Anotado, 3ª ed. pág. 247”).
Com a doutrina consagrada no citado nº 2 do artº 111 visa-se, desse modo, impedir que a questão da competência territorial, já apreciada por um tribunal, volte a ser reapreciada por um outro, ainda que com base em argumentos ou fundamentos diferentes, estando subjacentes a tal norma interesses (de ordem pública) de celeridade processual e bem como de boa imagem da administração da justiça.
Assim, e uma vez transitada em julgado, a decisão que conheça (mesmo que oficiosamente) a excepção dilatória de incompetência territorial, impõe-se dentro e fora do processo, ou seja, torna-se definitivamente vinculativa não só para o tribunal que a profere, como também para aquele outro que, porventura, venha, em consequência dessa decisão, a ser julgado competente para apreciar a causa (cfr., a propósito, o prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., LEX 1997, pág. 133”; o prof. Lebre de Freitas, in “ Código de Processo Civil, Anotado, vol. 1º, Coimbra Editora 1999, pág. 205” e Cons. Lopes do Rego, in “Comentário ao Código de Processo Civil, Almedina, pág. 105”).
Ora, posto e isto, e voltando ao caso em apreço, verifica-se que o srº juiz do 1º juízo do tribunal de Águeda, começou então por declarar esse tribunal incompetente, em razão do território, para conhecer do sobredito processo de execução, entendendo (pelas razões já supra exaradas) ser competente para o efeito o tribunal de Sever de Vouga.
Dessa decisão não foi oportunamente interposto qualquer recurso (que no caso só era admissível até esta Relação – cfr. nº 4 do artº 112).
Logo, tendo tal despacho transitado em julgado (em15/12/2006), não poderia o srº juiz do tribunal de Sever de Vouga, deixar de aceitar a competência que lhe foi deferida na sequência da prolação do despacho proferido por aquele tribunal de Águeda. Despacho esse que se tornou para si vinculativo, já que regulou, como se viu, definitivamente a questão do tribunal competente para conhecer do processo. E isso independentemente de não concordar (e bem, como já supra deixámos reconhecido, com os fundamentos que foram aduzidos pelo srº juiz daquele tribunal de Águeda que deferiu a competência a esse seu tribunal).
E daí a afirmação acima feita, que não se poderia configurar o caso sub júdice como um real conflito negativo de competência.
Todavia, o que é certo, embora não o devendo fazer, é que o srº juiz do tribunal de Sever de Vouga, não acatando, de forma ilegal aquela 1ª decisão, veio também a proferir um novo despacho no qual, apreciando novamente a questão da competência territorial, declinou a competência do seu tribunal, deferindo novamente a mesma ao tribunal de Águeda.
Despacho esse, que também veio a transitar em julgado (em 6/02/2007).
E, sendo assim, quid iuris?
É certo que mais tarde, já após aqueles dois sobreditos despachos terem transitado e a resolução do conflito ter sido suscitada junto deste Tribunal Superior, o srº juiz do 1º juízo do tribunal de Águeda veio aceitar a sua competência, por reconhecer que a sua decisão assentara num pressuposto de facto que estava errado, isto é, que não correspondia à realidade. Porém, essa aceitação de competência revela-se, no caso em apreço, demasiado tardia, dado que, foi feita numa altura em que se havia esgotado o seu poder jurisdicional (cfr. artºs 666, nºs 1 e 2), sendo certo ainda que nem sequer estamos perante um dos quaisquer erros materiais a que se alude no artº 667.
A questão terá, portanto, de ser resolvida à luz do estatuído no artº 675, nºs 1 e 2, ou seja, deverá então cumprir-se o despacho decisório que primeiramente transitou em julgado.
Ora, pelo que atrás de deixou expresso, foi o despacho do srº juiz do 1º juízo do tribunal de Águeda que primeiro transitou em julgado, pelo que será esse que deverá ser cumprido. E nesses termos (e por razões de ordem puramente formal que atrás deixámos expressas) o “conflito” deverá ser resolvido no sentido de ser o tribunal de Sever de Vouga o competente para doravante conhecer e assegurar a tramitação ulterior do aludido processo de execução. Decisão essa que, aliás, vai ao encontro da corrente de opinião que também na nossa jurisprudência é esmagadoramente dominante, e sobretudo a nível do nosso mais alto tribunal (vidé, por todos, Acs. do STJ de 17/2/2005, de 05/12/2002, de 29/1/2004; de 10/2/2004 e de 8/5/2003, in www.dgsi.pt/jstj, e ainda Acordãos desta Relação e Secção de 15/11/2004 e de 3/5/2005, respectivamente, in “procs. nºs 1604/04 e 705/05”).
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III- Decisão
Assim, por tudo o atrás exposto, decide-se o presente conflito no sentido de atribuir ao Tribunal Judicial de Sever de Vouga, a competência para doravante conhecer e a tramitar o sobredito processo de execução.
Sem custas