Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | NUNES RIBEIRO | ||
Descritores: | RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE INTERESSE EM AGIR REQUISITOS | ||
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Data do Acordão: | 09/11/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | MANGUALDE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 494° Nº 1, 393° E 234°-A N° 1 TODOS DO C.P.CIVIL | ||
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Sumário: | 1. Falta interesse em agir à pessoa colectiva de direito público que recorre aos meios civis, e concretamente ao tribunal comum, para repelir e fazer cessar actos de turbação ou esbulho da sua posse. 2. A restituição provisória de posse consiste num procedimento cautelar especificado cujos pressupostos são: a posse, o esbulho e a violência. No caso em apreço, a requerente vem pedir a restituição provisória da posse de um caminho alegadamente público, mais precisamente de um caminho vicinal integrado no domínio público da freguesia, ou seja, de um bem que não é susceptível de posse. Impunha-se, assim, por manifesta improcedência do pedido, o indeferimento liminar do requerimento inicial. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
A Freguesia de A... , com sede no ....., em Mangualde, deduziu procedimento cautelar de restituição provisória de posse contra B... e mulher C...; D... e mulher E... ; F... e marido G...; H...; I... e esposa J..., todos residentes na ......., freguesia e concelho de Mangualde, pedindo seja restituída à posse do caminho identificado nos anteriores artigos 5.° a 10.° do requerimento inicial, ordenando-se aos requeridos que não coloquem quaisquer obstáculos no caminho ou, por qualquer forma, impeçam ou dificultem a circulação de pé e de carro pelo mesmo, e dele retirem todos os obstáculos que impedem a circulação de pé e de carro. A agravada contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida. O Sr. Juiz recorrido sustentou a decisão sob recurso. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. ** Os Factos Os factos provados são os que constam da decisão recorrida, para cujos termos se remete, ao abrigo do disposto no art.º 713º n.° 6 do C. P. Civil. ** O Direito Como é sabido são as conclusões da alegação que delimitam o objecto do recurso (art°s 684° n.º 3 e 690º nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso. Nas conclusões da sua alegação os requeridos suscitam duas questões que não submeteram à apreciação do tribunal recorrido, mas que esta Relação não poderá deixar de conhecer por se tratar de matéria de conhecimento oficioso: a incompetência em razão da matéria do tribunal recorrido e a inadmissibilidade legal de tutela possessória das coisas dominiais. Por elas começaremos, já que da sua eventual procedência resultará inútil o conhecimento das restantes questões suscitadas. *
1- Defendem, primeiramente, os agravantes que sendo público o caminho, como vem alegado pela requerente e concluiu o tribunal recorrido, então este seria incompetente em razão da matéria para conhecer da providência requerida. A competência determina-se pelo pedido do autor. É - como ensina o Prof. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pag 91 -“ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.” A requerente vem pedir a restituição provisória da posse de um caminho alegadamente vicinal. Ora, a restituição provisória de posse trata-se de um meio de tutela possessória previsto no art° 1279° do C. Civil e adjectivado nos art°s 393° e segs do C.P.Civil. Logo, só no caso de haver lei a submeter à jurisdição do foro administrativo tal matéria, o tribunal judicial comum careceria de competência para dela conhecer. Não é esse, porém, o caso em apreço, porquanto nenhuma lei existe a atribuir aos tribunais do contencioso administrativo competência para conhecer e julgar questões sobre a propriedade ou a posse. O tribunal a quo é, por isso, e ao invés do agora sustentado pelos agravantes, materialmente competente para conhecer da providência requerida. O que se poderia e poderá questionar é se será legítimo que uma pessoa colectiva de direito público recorra aos meios civis e concretamente ao tribunal comum, para repelir e fazer cessar actos de turbação ou esbulho da sua posse? Na verdade, gozando as autarquias do privilégio da execução prévia, elas podem definir as situações jurídico-administrativas e executá-las sem prévia decisão judicial. Evidentemente que, ao particular que se ache lesado, é legítimo discutir a legalidade ou ilegalidade da decisão tomada, por via do recurso ao contencioso administrativo. Mas enquanto, por meio dessa impugnação, as decisões tomadas no exercício da função administrativa não forem anuladas, os seus efeitos impõem-se coercivamente, como se de urna sentença se tratasse, podendo a Administração executá-las por sua própria força e autoridade (vide art° 149° n° 2 do CPA). Ora, nos termos do art° 2° n° 1 al. a) da Lei das Autarquias Locais (Lei n.º 100/84 de 29/3), a estas cabe a “administração de bens próprios e sob sua jurisdição” — como é o caso, relativamente à freguesia, dos caminhos públicos vicinais, por força do estatuído no Dec. Lei n° 34 593, de 11 de Maio de 1954 — e, no âmbito das funções de fiscalização do cumprimento das normas de ocupação, uso e transformação dos solos, elas podem nomeadamente, de acordo com o Dec. Lei nº 92/95 de 09/5, proceder ao embargo e demolição de obras ilegais, socorrendo-se, se necessário, do auxílio da PSP ou da GNIR (vide art° 2°). Daí que o recurso ao presente procedimento se apresente como um acto desnecessário e inútil Ora, as pessoas — singulares ou colectivas — só devem ser admitidas a tornar o tempo e actividade aos Tribunais quando os seus direitos estejam realmente carecidos de tutela judiciária. Tempo e actividade que, na actual conjuntura, em que os tribunais só dificilmente conseguem dar resposta, em tempo útil, às reais solicitações dos cidadãos, muito mais se justificará que não seja desperdiçado com pretensões desnecessárias. A esse interesse em utilizar a máquina judiciária, a essa necessidade de recorrer ao processo, costuma a doutrina designar por interesse em agir ou interesse processual. Não é líquido o enquadramento teórico ou a qualificação do interesse em agir: enquanto uns defendem tratar-se de uma condição da acção (vide, por exemplo, o Prof. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pag 79 e segs), outros entendem que se trata antes dum pressuposto processual autónomo e inominado (neste sentido, o Prof. Anselmo de Castro, in Lições, vol. II, pag 809), cuja falta de verificação, à semelhança das demais excepções dilatórias, obsta ao conhecimento do mérito da causa (art.º 493º n.° 2 do C. P. Civil). Inclinamo-nos a considerar o interesse em agir um pressuposto processual, uma excepção dilatória inominada, consentida na previsão do n.° 1 do art° 494° do C. P. Civil e, como tal, de conhecimento oficioso do tribunal, por força do disposto no art.º 495° do mesmo diploma. Daí que, verificando-se, no caso em apreço, falta de interesse em agir da requerente, o procedimento não devesse, a nosso ver, sequer ter passado o crivo do despacho liminar.
2- Mas não só por isso o requerimento inicial merecia ser liminarmente indeferido. Uma tal decisão justificava-se ainda pelo facto de não serem susceptíveis de posse, como bem sustentam os agravantes, as coisas dominiais. Na verdade, a restituição provisória de posse trata-se de um procedimento cautelar especificado cujos pressupostos, como resulta do disposto no art° 393° do C.P.Civil são: a posse, o esbulho e a violência. Sendo que a posse pode ser ofendida ou por um facto que deva qualificar-se de turbação ou por um facto a que caiba a qualificação de esbulho. Todavia a posse, como resulta dos art.ºs 1267° n° 1 al. b) e 202º do C.Civil, só é admissível relativamente às coisas que podem ser objecto do direito de propriedade, não sendo, por isso, susceptíveis de posse as coisas integradas no domínio público.2 No caso em apreço, a requerente vem pedir, como se viu, a restituição provisória da posse de um caminho alegadamente público, mais precisamente de um caminho vicinal integrado no domínio público da freguesia, ou seja, de um bem que não é susceptível de posse. Daí que a requerida providência nunca pudesse proceder. Impunha-se, assim, nos termos do disposto no art° 234°-A n° 1 do C.P.Civil, por manifesta improcedência do pedido, o indeferimento liminar do requerimento inicial. 2 Neste sentido, Mota Pinto, in Direitos Reais, pag 195 e segs; Henrique Mesquita, in Direitos Reais, pag 73 e segs; Manuel Rodrigues, in A Posse, pag 134 e segs e Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, vol. II, pag 951 e segs.
Não pode, por isso, manter-se a decretada providência de restituição de posse. O agravo merece, portanto, ser provido, ficando, consequentemente, prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas pelos agravantes.
Decisão Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao agravo, revogando o despacho recorrido e com ele a decisão que deferiu a providência, cujo levantamento se ordena.
Custas pela agravada.
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