Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
27/07.1TTFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: DESPEDIMENTO
POSTO DE TRABALHO
EXTINÇÃO
MOTIVOS RELEVANTES
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 11/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 397º, Nº 2, 402º, 403º E 429º, Nº 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – O artº 402º do Código do Trabalho estabelece que “a extinção do posto de trabalho determina o despedimento justificado por motivos económicos, tanto de mercado como estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa, nos termos previstos para o despedimento colectivo”.

II – Por remissão para o artº 397º, nº 2, do CT, podemos concluir que se consideram: a) motivos económicos ou de mercado, a redução da actividade da empresa provocada pela diminuição da procura de bens ou serviços ou a impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado; b) motivos estruturais, o desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes; c) motivos tecnológicos, as alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização dos instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.

III – O nº 1 do artº 403º CT estabelece os requisitos exigidos, cumulativamente, para que o despedimento por extinção de posto de trabalho possa ter lugar.

IV – Ou seja, é necessário que: a) os motivos invocados não sejam devidos a uma conduta culposa do empregador ou do trabalhador; b) seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; c) não existam na empresa trabalhadores contratados a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto; d) não se aplique o regime previsto para o despedimento colectivo; e) seja posta à disposição do trabalhador a compensação devida.

V – Uma vez que o despedimento é considerado ilícito designadamente quando “forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento”, nos termos do artº 429º, nº 1, do Código do Trabalho, incumbe ao empregador provar em juízo a exactidão dos factos justificativos do despedimento e que se consideram susceptíveis de determinar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho.

VI – O despedimento com fundamento em extinção do posto de trabalho só pode ser promovido licitamente quando dos motivos invocados pela entidade patronal, necessariamente de mercado, estruturais ou tecnológicos, emergir uma concreta necessidade de extinção do posto de trabalho do trabalhador que se pretende despedir (motivos concretos e claros, não bastando a invocação pelo empregador de ter necessidade de diminuir os custos).

Decisão Texto Integral: Autor: A...
Ré: B...

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor instaurou contra a ré a presente acção declarativa sob a forma de processo comum pedindo que esta seja condenada a reconhecer a ilicitude do despedimento do autor que ela decidiu, a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, com a categoria e funções que desempenhava à data do despedimento, a pagar-lhe as retribuições que se vencerem, no montante mensal bruto de € 2.132,38, desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença, a pagar-lhe os subsídios de alimentação em dívida até 31/1/07, no montante de € 355,00, a pagar-lhe juros de mora que se vencerem, desde a data da propositura da acção em relação ao valor dos subsídios de alimentação, e desde o final de cada mês quanto às prestações vincendas, tudo até integral pagamento, a pagar-lhe uma indemnização por danos morais no valor de € 20.000,00.
Alegou em resumo, designadamente, que sendo trabalhador subordinado da ré, esta o despediu com fundamento em extinção do seu posto de trabalho decorrente de um alegado esvaziamento do conteúdo funcional que competia ao autor; tal esvaziamento não se verificava, com a consequente ilicitude do despedimento, daí resultando a obrigação da ré proceder à reintegração do autor; à data do despedimento auferia € 1.555,50 de retribuição base, € 78,00 de diuturnidades, € 388,88 de subsídio de isenção de horário de trabalho, e € 5,00 diários de subsídio de alimentação; previamente ao despedimento e no âmbito de um procedimento disciplinar que instaurou e nunca chegou a concluir, a ré suspendeu preventivamente o autor, sem perda de retribuição, sendo que a partir da data da suspensão deixou de lhe pagar, ilicitamente, o subsídio de alimentação, estando em dívida, até Janeiro de 2007, a quantia de € 355,00; o despedimento protagonizado pela ré causou-lhe danos não patrimoniais cujo ressarcimento exige a condenação da ré a pagar-lhe a peticionada indemnização de € 20.000,00.
Contestou a ré pedindo a improcedência da acção, alegando que o despedimento do autor foi lícito, uma vez que se registou o esvaziamento funcional do posto de trabalho do autor alegado na decisão de despedimento, com a consequente extinção desse posto de trabalho, sendo que a ré obedeceu a todo o formalismo legalmente imposto para, com esse fundamento, promover a cessação do contrato de trabalho do autor.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo-a do demais pedido, declarou a ilicitude do despedimento do autor, condenando a ré a reconhecer essa ilicitude, bem como a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, com a categoria e funções que desempenhava à data do despedimento e a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas, desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença, à razão de € 2.022,38 mensais ilíquidos, acrescidas de juros moratórios legais, a contar da data do trânsito em julgado da decisão que fixar o montante da dívida da ré para com o autor.

É desta sentença que, inconformada, a ré vem apelar.
Alegando, concluiu:
[…]
Não foram apresentadas contra-alegações.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto no sentido de se negar provimento ao recurso.
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
A sentença final dos autos, baseando-se no despacho de fls. 447/477 que decidiu a matéria de facto, e do qual não houve reclamações, enumerou assim factualidade provada:
[…]
*
É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artigos 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil.
Decorre do exposto que as questões que importa resolver se podem equacionar da seguinte forma: se o despedimento por extinção de posto de trabalho do autor teve justificação adequada e, por isso, foi lícito.

Vejamos:
Não está em causa a validade do procedimento formal adoptado para o despedimento.
Está sim em causa a verificação dos requisitos materiais para que fosse possível (e, portanto, lícita) a decisão de despedimento fundada e extinção de posto de trabalho.
Interessa, antes de mais, situar a figura do despedimento por extinção de posto de trabalho.
O art. 402° do Código do Trabalho estabelece que “a extinção do posto de trabalho determina o despedimento justificado por motivos económicos, tanto de mercado como estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa, nos termos previstos para o despedimento colectivo”. Por remissão para o artigo 397º nº 2 do CT, podemos concluir que consideram-se (1) motivos económicos ou de mercado a redução da actividade da empresa provocada pela diminuição da procura de bens ou serviços ou a impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado; (2) motivos estruturais o desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes, (3) motivos tecnológicos as alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização dos instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.
E o nº 1 do art. 403º estabelece os requisitos exigidos, cumulativamente, para que o despedimento por extinção do posto de trabalho possa ter lugar. Ou seja, é necessário que: a) os motivos invocados não sejam devidos a uma conduta culposa do empregador ou do trabalhador; b) seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; c) não existam na empresa trabalhadores contratados a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto; d) não se aplique o regime previsto para o despedimento colectivo; e) seja posta à disposição do trabalhador a compensação devida.
Uma vez que o despedimento é considerado ilícito designadamente quando “forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento”, nos termos do artigo 429º nº 1 do Código do Trabalho, incumbe ao empregador provar em juízo a exactidão dos factos justificativos do despedimento e que se consideram susceptíveis de determinar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho. Ao autor cumpre alegar e provar o despedimento, competindo à ré alegar e provar os pressupostos substanciais do despedimento (v. art. 342º nºs 1 e 2 do Código Civil e art. 435º nº 3 do CT, bem como, entre outros, o Ac. do STJ de 16-01-2008, in www.dgsi.pt, proc. 07S4105).
Importa ter presente o princípio geral de conservação da relação laboral que se pode extrair do artigo 53º da Constituição, sob a epígrafe “segurança no emprego”, e que estabelece a proibição de despedimentos sem justa causa, com a qual a figura de despedimento que analisamos, por justa causa objectiva, é conciliado através da relativa rigidez dos seus pressupostos e, sobretudo, da exigência que seja requisito para o despedimento o de ser praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Ora, no caso dos autos, a ré invocou a extinção do posto de trabalho por razões económicas, designadamente: “(i) de mercado, traduzidos na redução da actividade da empresa em tudo quanto não esteja integrado na actividade do jogo; (ii) estruturais, traduzidos na instauração, desde há alguns anos, de um processo de redução de efectivos com vista a assegurar a viabilidade e rentabilidade da empresa e a racionalização dos seus recursos, para o que se decidiu mudar a actividade, voltando a concentrá-la no jogo e prescindindo de outras áreas de negócio e, em geral, assim reestruturando profundamente a sua organização, modificações que determinaram o esvaziamento progressivo das suas tarefas” (v. decisão de despedimento, a fls. 62 vº, reproduzida no facto 64. supra referido).
Como salienta Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 12ª edição, pags. 587 e 588), a apreciação da justa causa objectiva, que tratamos, há-de incidir, sobretudo, no nexo sequencial entre a decisão de extinção do posto de trabalho e a decisão de extinguir o contrato. Tendo presente que “o «momento» decisivo, sob o ponto de vista do regime do despedimento - isto é, da sua motivação relevante - parece localizar-se, não no feixe de ponderações técnico-económicas ou gestionárias a que alude o art. 397º nº 2 (e que são cobertas pela liberdade de iniciativa do titular da empresa), mas no próprio facto da extinção do posto de trabalho que se situa a jusante daquela e que é, ele próprio, o produto de uma decisão do empregador. Está-se (...) perante uma forma de despedimento que culmina uma cadeia de decisões do empregador situadas em diferentes níveis mas causalmente interligadas: esquematicamente, uma decisão gestionária inicial, uma decisão organizativa intermédia (a da extinção do posto) e uma decisão «contratual» terminal (a do despedimento)”.
Isto, porque o nº 3 do artigo 403º do Código do Trabalho objectiva o conceito de impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho reconduzindo-o à situação do empregador não dispor de outro que seja compatível com a categoria do trabalhador.
Sendo isto certo para a apreciação da justa causa (repete-se), importa sempre, contudo, a nosso ver que antes se verifique que houve uma relação causal entre a decisão gestionária inicial e a decisão organizativa intermédia de extinção do posto de trabalho. Sob pena de não se poder controlar a efectiva verificação da existência de uma decisão gestionária que implique a segunda.
Tal não significa controlar a bondade da decisão gestionária. Significa apenas determinar se ela existiu de forma a ter relação com a segunda decisão.
Ou seja, como se no refere Ac. do STJ de 4-7-2002, in www.dgsi.pt, proc. JSTJ000, é importante “verificar se a extinção dos postos de trabalho decorre causalmente dos motivos invocados - os quais o empregador terá obviamente de alegar e demonstrar - e não tanto aferir da legitimidade da decisão gestionária inicial”.
Isto é tanto mais relevante, quando sempre se tem de verificar uma negligência na ponderação dos motivos invocados (na expressão de Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4ª edição, pag. 1007), o que não é o mesmo que criticar os motivos gestionários.
Ora, aqui chegados, podemos afirmar que não encontramos, ao contrário do que a apelante defende, uma crítica à gestão da ré na sentença em recurso. Nela, o Sr. juiz diz mesmo que “a decisão gestionária do empregador é, a nosso ver, insusceptível de ponderação e fiscalização judiciária quanto ao seu mérito, uma vez que os empresários são livres de empreenderem o caminho que melhor entenderem, estando aquela decisão a coberto, assim, da liberdade empresarial de iniciativa e decisão”.
O que o Sr. juiz diz sim é, tal como explicámos, que “o despedimento com fundamento em extinção do posto de trabalho só pode ser promovido licitamente quando dos motivos invocados pela entidade patronal, necessariamente de mercado, estruturais ou tecnológicos, emergir uma concreta necessidade de extinção do posto de trabalho do trabalhador que se pretende despedir”.
Aqui chegados, podemos acompanhar o seu raciocínio, reproduzindo os trechos da sentença que se lhe referem e que são os seguintes:
No caso em apreço, como se viu, a ré fez cessar o contrato de trabalho do autor invocando, antes de mais, uma decisão gestionária no sentido de reduzir todas as actividades do seu casino que não estivessem integradas no sector do jogo – cfr. fls. 62 vº, ponto (i).
Não é isso o que resulta dos factos provados.
É certo que a ré tomou uma decisão gestionária no sentido de racionalizar e optimizar os recursos da sua empresa, de reduzir os seus custos, designadamente com pessoal, de aumentar a produtividade dos seus trabalhadores, e de incrementar os seus lucros (ponto 77º dos factos provados), recorrendo a ré, para o efeito, à externalização de serviços que antes eram prestados por trabalhadores subordinados dela (ponto 73º dos factos provados); é ainda exacto que a ré procurou rentabilizar o mais possível o principal sector de actividade do seu casino, o do jogo (ponto 130º dos factos provados); é certo, igualmente, que de tudo isso resultou, em última análise, uma redução do quadro de pessoal da ré (ponto 76º dos factos provados) e uma redução do número de eventos levados a cabo pela ré no seu casino (ponto 131º dos factos provados);
O que já não é exacto é que a ré tenha reduzido todas as actividades do seu casino que não estivessem integradas no sector do jogo (alínea rrrrr dos factos não provados); o que a ré reduziu foi o seu grau de actividade nos sectores do seu casino que em nada pudessem contribuir para concretizar a decisão gestionária de rentabilizar o mais possível o seu sector de jogo (ponto 132º dos factos provados), sendo que nada nos factos provados permite sequer conjecturar que o sector de actividade onde o autor laborava (Direcção da Qualidade) era, exactamente, um desses que importaria reduzir no seu grau de actividade e quadro de pessoal, por em nada poder contribuir para a concretização daquele desiderato.
Bem ao contrário. Na verdade, para ser alcançado aquele objectivo último de rentabilizar o mais possível o sector do jogo e de, por essa via, incrementar os seus lucros, a ré procedeu à dinamização e organização de outras actividades/eventos que não estão directamente relacionadas com o jogo, mas que, em qualquer caso, são susceptíveis de contribuir para a consecução daquele objectivo último (pontos 80º e 130º dos factos provados); em Abril de 2006, os eventos realizados pela ré tinham uma importância tal no quadro da exploração do seu casino que foram criadas as reuniões de eventos (ponto 38º dos factos provados), nas quais o autor passou a participar a partir de Junho de 2006, enquanto membro da Direcção da Qualidade (ponto 43º dos factos provados), sendo que nada nos factos provados permita conjecturar, sequer, uma redução das actividades promovidas/organizadas por essa Direcção.
Portanto, não se provou o alegado pela ré no sentido da redução de todas as actividades realizadas no seu casino que não estivessem relacionadas com o jogo.
Não tendo a ré provado ter tomado e executado a decisão gestionária que invocou na decisão do despedimento - a de reduzir todas as actividades que não estivessem integradas no jogo -, evidente é que nunca poderá sustentar-se a existência de qualquer nexo de causalidade entre essa invocava (mas não provada) decisão gestionária e a decisão intermédia de seleccionar o posto de trabalho do autor como um dos que deveria ser extinto em consequência dela.
Por outro lado, a ré invocou na sua decisão de despedimento a necessidade de “…adequar a sua estrutura de custos às suas receitas, com vista a permitir a sua sustentabilidade.” (fls. 61), bem assim como de assegurar “…a viabilidade … da empresa” (fls. 62 vº, ponto ii).
É certo que a ré procurou reduzir as suas despesas, designadamente com pessoal (ponto 77º dos factos provados); o que não resulta dos factos provados é que alguma vez tivesse estado em risco a sustentabilidade da ré, nem que se registasse alguma relação de desadequação entre as suas receitas e despesas; muito menos se provou, consequentemente, a necessidade de extinguir o posto de trabalho do autor como via de ser assegurada aquela sustentabilidade e de ser reposta a adequação entre receitas e despesas - tenham-se em consideração, a este propósito, as alíneas lllll) e mmmmm) dos factos não provados.
Consequentemente, a ré não logrou provar este outro fundamento que invocou na sua decisão de despedimento.
É certo que a ré levou a cabo uma política de redução dos seus quadros de pessoal - pontos 73º, 75º e 76º dos factos provados.
Admite-se, também, como é das regras da boa experiência empresarial, que a redução dos quadros de pessoal da ré tenha sido levada a cabo no quadro de uma política mais ampla da ré no sentido de racionalizar os seus custos, de aumentar a produtividade dos seus trabalhadores e de aumentar a sua própria rentabilidade - cfr. ponto 77º dos factos provados.
Porém, o que se não vislumbra é o necessário nexo de causalidade entre essas intenções da ré e as decisões que tomou para as concretizar, por um lado, e a decisão intermédia de extinguir o posto de trabalho do autor, por outro lado.
Invocou a ré, no sentido da demonstração desse nexo, um esvaziamento funcional do autor, que passou a ter um conteúdo funcional meramente residual e perfeitamente incapaz de justificar a subsistência do contrato de trabalho do autor e os custos a tanto associados.
Ora, vistos os factos dados como provados, logo se verifica que a ré não logrou provar, como lhe competia, esse esvaziamento do conteúdo funcional do autor.
Para assim concluir basta atentar, nomeadamente, nos pontos 25º, 30º a 43º, 45º a 50º, 53º, 65º, 66º, 74º, 81º, 82º, 97º, 98º, 108º a 110º e 123º dos factos provados, bem assim como nas alíneas xxxx), kkkkk), wwwww) dos factos não provados”.
Esta fundamentação afigura-se-nos correcta e susceptível de ser densificada com recurso a mais pontos de facto.
Na verdade, como se refere no Ac. do STJ já referido, de 4-7-2002, a cessação do contrato de trabalho feita pelo empregador com fundamento na necessidade de extinguir o posto de trabalho ocupado pelo trabalhador, tem que ser baseada em motivos concretos e claros, não bastando a invocação pelo empregador de ter necessidade de diminuir os custos.
Ora, na prática foi isto que ocorreu no caso dos autos. As funções, aliás, bastante polivalentes que o autor exercia não parecem afectadas com a execução da comprovada decisão de reduzir funcionários (não se sabendo em que áreas funcionais ocorreu tal redução), de forma a ter-se como necessária a extinção do “posto” que ocupava. As demais circunstâncias invocadas (concentração no jogo e abandono de outras áreas de negócio) também não parecem afectá-las de forma a que se possa perceber de forma concreta essa relação.
Ou seja, a nosso ver com os factos tão só provados não de consegue perceber que, conforme invocado pela ré, do “processo de redução de efectivos com vista a assegurar a viabilidade e rentabilidade da empresa e a racionalização dos seus recursos, para o que se decidiu mudar a actividade, voltando a concentrá-la no jogo e prescindindo de outras áreas de negócio e, em geral, assim reestruturando profundamente a sua organização” tenham havido “modificações que determinaram o esvaziamento progressivo” das tarefas do autor.
É certo que se provou (facto 133.) que depois do despedimento do autor, o posto de trabalho que este ocupava desapareceu na estrutura orgânica da ré e da sua Direcção de Qualidade, ninguém tendo sido admitido para o substituir, nem mesmo por contrato a termo, tendo as funções por ele desempenhadas sido redistribuídas pelos outros trabalhadores subordinados da ré da Direcção da Qualidade. O que poderia ser um indício do alegado esvaziamento das tarefas do autor. Mas tal indício é insuficiente, porque também pode significar, noutra leitura, que se os outros trabalhadores puderam receber essas tarefas é porque as que detinham já estavam elas mesmas “esvaziadas” (sobretudo quando se provou que – facto 135. - os demais trabalhadores integrados nessa Direcção de Qualidade, ocupavam postos de trabalho de conteúdo funcional diferente daquele que era ocupado pelo autor).
Mas na análise da licitude do despedimento, observada a matéria respeitante, podemos ainda, num passo seguinte, concluir que mesmo que se demonstrasse que entre a decisão gestionária invocada e a tal “decisão intermédia” de extinguir o posto de trabalho havia uma relação causal, outro problema se levanta para a posição da ré.
E este afigura-se-nos incontornável (embora não tenha sido abordado na sentença da 1ª instância).
É que nesse seguinte passo, teríamos (temos) de chegar já à apreciação da justa causa propriamente dita, ou seja, como acima dissemos, de incidir essa apreciação no nexo sequencial entre a decisão de extinção do posto de trabalho e a decisão de extinguir o contrato. Isto é, à apreciação de saber se o conceito de impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho está, no caso, preenchido (403º nº 1 al. b) do CT).
Já dissemos que o nº 3 do artigo 403º do Código do Trabalho objectiva esse conceito de impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho reconduzindo-o à situação do empregador não dispor de outro lugar que seja compatível com a categoria do trabalhador.
Ora a ré não provou que não dispunha desse lugar.
Tão só se provou que (facto 138.) não existiam, nem existem, na Direcção da Qualidade postos de trabalho com conteúdo funcional idêntico ao do posto de trabalho do autor. Já não noutras áreas da empresa.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, pag. 885) a referência da lei à categoria deve entender-se como reportada à categoria interna e não à categoria funcional do trabalhador. Ou seja, “não está em causa a manutenção da mesma função (ou seja, a acepção horizontal da categoria ou categoria funcional), sob pena da total inoperacionalidade do preceito” (a favor desta posição cita o Ac. do STJ de 22-06-2005, in www.dgsi.pt, proc. 05S923).
Concordamos com essa posição. Assim a ré tinha de provar que não dispunha de lugar para o autor compatível com a categoria interna de chefe de serviço que este detinha (v. factos 5, 13, 18, 20, 37, 42 e 97).
Não fez essa prova (v. alíneas sssss) e ttttt) dos factos não provados na decisão de facto de fls. 447 e segs. destes autos).
Por isso, o requisito em questão, da impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho, não se verifica no caso em apreço e daí, por esta via, a ilicitude do despedimento (v. artigo 432 al. a) do Código do Trabalho).
Assim sendo, e ainda com este último fundamento (argumento de segurança do julgado), concluímos que a decisão da 1ª instância foi adequada.
E, por isso, improcederá, a apelação.

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III- DECISÃO
Termos em que se delibera confirmar inteiramente a sentença impugnada, negando provimento ao recurso de apelação.
Custas a cargo da apelante.
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Coimbra,
(Azevedo Mendes)
(Fernandes da Silva)
(Serra Leitão)