Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
296/1998.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PREÇO
Data do Acordão: 09/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: ACÓRDÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 1410.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: O depósito do preço devido a que alude o artigo 1410.º do Código Civil ao sentido rigoroso e técnico jurídico de preço, entendido como o valor correspectivo, a contraprestação ou contrapartida desembolsada pela transferência da propriedade da quota (ou do bem) do alienante para o adquirente.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A..., B..., C... e D...propuseram acção com processo sumário contra E... e mulher F... e G... e H..., pedindo a condenação dos RR. a verem-se substituídos pelos AA. na compra de 1/4 indiviso de determinados prédios rústicos que por escritura pública de 20/11/97 os 2ºs RR. fizeram aos 1ºs pelo preço global de Esc.800.000$00, adjudicando-se a eles AA. sem determinação de parte ou direito a quota parte de cada um dos imóveis assim alienada.
Para tanto alegam que sendo a herança que representam – aberta por óbito de Augusto Luís, falecido em 15/06/90 – comproprietária dos restantes 3/4 dos imóveis supra referidos, não lhes foi dado qualquer conhecimento do negócio, vindo a saber da respectiva realização apenas em Fevereiro de 98.

Contestaram apenas os 1ºs RR. (compradores), aduzindo a caducidade do direito de preferência dos AA. (uma vez que não só o não manifestaram no prazo de 20 dias que para esse fim lhes foi concedido pelos RR. adquirentes, como não procederam ao depósito no processo das despesas com a escritura pública da venda em causa); a ineptidão da petição; e, pedindo em reconvenção - para a hipótese de procedência da acção - a condenação dos AA. na devolução dos valores da sisa e da escritura que despenderam, importando em Esc. 83.430$00.

Os AA. responderam à excepção da caducidade e à reconvenção, terminando pela improcedência de uma e outra.

No despacho saneador foi julgada verificada a excepção da ineptidão da petição, com absolvição de todos os Réus da instância.
Porém, esta decisão viria a ser revogada por esta Relação, ordenando-se a sua substituição por outra que não declarasse pelo mesmo motivo a ineptidão da petição inicial.

Na prolação de novo despacho saneador, foi decidido que, dado não constar do depósito documentado nos autos a fls. 26 e seguintes " o valor da escritura de compra e venda, bem como do registo que no caso eram obrigatórios à luz do art.º 1410, nº 1 do C.Civil (…)" não foi feito "depósito do valor total do preço devido, no prazo legal (…)" pelo que "caducou o direito do preferente". Com este fundamento foi então a acção julgada improcedente e os RR. absolvidos do pedido.

Novamente inconformados recorrem os AA., recurso admitido como apelação.

Nas respectivas alegações surgem formuladas conclusões que suscitam a singela questão de saber se os autores arrogando-se titulares do direito de preferência, estavam ou não obrigados a depositar, além do já efectuado, o valor das despesas com a escritura e registo da aquisição do imóvel.

Os RR. contra-alegaram pugnando pela manutenção do sentenciado.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

São os seguintes os pressupostos da decisão impugnada:

1 . A A. Maria Joaquina era casada segundo o regime de comunhão geral de bens com Augusto Luís, o qual faleceu em 15.6.90.
2. Os restantes AA. são filhos da Maria Joaquina e do falecido.
3. O falecido não deixou quaisquer ascendentes vivos ou outros descendentes.
4. Os AA. são assim os únicos e universais herdeiros daquele António Luis.
5. Por morte do Augusto Luís não foram ainda feitas partilhas.
6. Da herança fazem parte, entre outros, 3/4 indivisos de cada um dos seguintes prédios, sitos em Cavalinhos, da freguesia da Maceira, que se encontram em nome do falecido: UM- Terra de vinha, com diversas árvores, sita em Fetais, que confronta do norte com estrada, do sul com José Cruz Neto, do nascente com Abílio da Silva e Sousa e do poente com serventia, que é o artigo R14232, descrito na 2a Conservatória Predial de Leiria, sob o n° 5031; DOIS- Terra de vinha no sítio de Fetais, que confronta do norte com Augusto Luís, do sul com Armindo da Silva, do nascente com Abílio da Silva e Sousa e do poente com serventia, que é o artigo R- 14233, descrito na 1a Conservatória Predial de Leiria sob o n° 5032; TRÊS- Terra de vinha, sita em Fatais, que confronta do norte com José da Cruz Neto, do sul com Augusto Luís, do nascente com Abílio da Silva e Sousa e do poente com serventia, que é o artigo R- 14234, descrito na 1a Conservatória Predial sob o n° 5033; QUATRO- Terra de vinha no sítio de Fetais, que confronta do norte com Armindo Francisco, do sul Afonso Ferreira, do nascente com Abílio da Silva e Sousa e do ponte com serventia, que é o artigo R14235, descrita na 1a Conservatória Predial de Leiria sob o n° 5034.
7. A restante parte dos prédios (1/4 indiviso), pertencia aos RR. Luciano Francisco e mulher.
8. Por escritura de 20.11.97, lavrada no Cartório Notarial da Batalha, os RR. Luciano Francisco e mulher venderam aos RR. Ilídio da Silva mulher as referidas quotas-partes dos prédios pelo preço de Esc. 200.000$00 cada uma, ou seja, pelo preço global de Esc. 800.000$00.
9. A acção deu entrada em 17 de Abril de 1998.
10. Em 29 de Abril de 1998 os AA. juntaram aos autos comprovativo do depósito na CGD de Leiria em 27/04/98 de Esc. 800.000$00 e 64.000$00 relativos, respectivamente, ao preço e à sisa inerentes à compra e venda das quotas-partes dos imóveis acima identificadas em 6 e 8.

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Entrando agora na apreciação da questão do recurso.

Dispõe o art.º 1410, nº 1 do CC:
"O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação cm cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção".

A sentença, ao interpretar ao subsumir o depósito dos autos ao conceito legal de preço devido, perfilhou a interpretação doutrinal e jurisprudencial mais lata , de molde a englobar aí "todo o sacrifício patrimonial que o adquirente suportou como consequência necessária da aquisição feita (…)". Aí se abrangeriam sempre "a sisa paga, as despesas da escritura e as do registo, quando obrigatório".

Cremos todavia que está hoje bem delineada uma tendência jurisprudencial que aponta para a acepção restrita do que seja o preço devido que deve ser objecto do depósito aludido no mencionado preceito, de forma a considerar que o mesmo corresponde ao sentido rigoroso e técnico jurídico de preço, entendido como o valor correspectivo, a contraprestação ou contrapartida desembolsada pela transferência da propriedade da quota (ou do bem) do alienante para o adquirente.
E, na verdade, mal se compreenderia que outra tivesse sido a intenção do legislador, visto que não se trata aqui, na fase inicial do processo, de garantir propriamente a indemnização ao adquirente pelo candidato a preferente, mas tão-só de se poder tornar efectiva a sua substituição no negócio, tendo em mente que a preferência opera ex tunc e coloca o preferente no lugar do adquirente, como se fosse aquele, desde logo, o único adquirente. E para que a venda (ou dação) possa realizar-se - do ponto de vista de quem aliena, que é que para aqui importa – o único elemento imprescindível é a satisfação do preço ou valor acordados que geraram a convergência de vontades das partes no negócio.
Aliás, se estivesse no propósito do legislador garantir desde logo, com a extensão do depósito em apreço, o integral ressarcimento do adquirente preterido de outras despesas por ele feitas por causa ou em consequência do negócio seria lógico que o dissesse expressamente, eliminando de modo peremptório qualquer rasto de dúvida a tal respeito. Dúvida que de resto o qualificativo "devido" a nosso ver não consente porquanto esclarece que o preço a atender é aquele que foi ajustado para o negócio (naturalmente, pelo adquirente com a outra parte).
Pelo que são de acolher integralmente as conclusões do recurso.

Pelo exposto, julgando procedente a apelação, revogam o saneador-sentença, determinando que o Sr. Juiz proceda à respectiva elaboração, considerando válido o depósito do preço constante dos autos.
Custas pelos apelados.