Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
119-H/1996.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: REVISÃO DA INCAPACIDADE
ACIDENTE DE TRABALHO
PENSÃO FIXADA
FILHO DE SINISTRADO FALECIDO
DOENÇA FISICA
DOENÇA MENTAL
INCAPACIDADE PARA O TRABALHO
Data do Acordão: 09/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: AL. D) DO Nº 1 DA BASE XIX DA LEI 2127, DE 1965; 147º, Nº 1, CPT/1981
Sumário: I – O artº 3º do DL nº 480/99, de 9/11, que aprovou o actual CPT, estabeleceu que o mesmo entrava em vigor em 1/1/2000, sendo apenas aplicável aos processos instaurados a partir dessa data.

II – A NLAT, aprovada pela Lei nº 100/97, de 13/09, no seu artº 41º estabelece que a mesma se aplica apenas aos acidentes de trabalho que ocorrerem após a sua entrada em vigor.

III – Tendo um dado acidente de trabalho ocorrido em 1996, aplica-se-lhe o regime da LAT aprovada pela Lei nº 2127, de 3/08/1965.

IV – A al. d) do nº 1 da Base XIX da Lei 2127 estabelecia que, no caso de morte do sinistrado, os filhos “afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho” teriam direito a uma pensão anual (vitalícia).

V – O artº 147º, nº 1, do CPT de 1981 (Dec. Lei nº 272-A/81, de 30/09), reporta-se à revisão da incapacidade de sinistrado de acidente de trabalho ou de doente profissional.

VI – Esta norma reporta-se apenas à revisão da incapacidade de sinistrado de acidente de trabalho ou de doente profissional, pelo que não admite a revisão de pensão fixada aos filhos de um sinistrado falecido em acidente de trabalho “afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho”.

Decisão Texto Integral:
Autor: A...
Ré: B...

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em processo emergente de acidente de trabalho, em que assume a qualidade de beneficiário o identificado autor, a seguradora requereu exame de revisão de incapacidade.
O Sr. juiz a quo, proferiu então o seguinte despacho:
A pensão do beneficiário A... é vitalícia - cfr. a decisão de fls. 65 e 66 do apenso E), e o disposto no art. 49º, nº 5, do D.L. nº 143/99, de 30-04. Logo, tal pensão não admite revisão.
Por outro lado, o incidente previsto no art. 147° do Código de Processo do Trabalho destina-se ao agravamento (ou superveniência) da doença que afecta o beneficiário, e não à sua melhoria.
Desse modo, julgamos que o requerido não pode proceder.
Porém, antes demais, notifique a requerente para se pronunciar, no prazo de 10 dias - art. 3°, nº 3, do C.P.C.”.
Perante este despacho, a requerente seguradora pronunciou-se pela admissibilidade do incidente de revisão e o Ministério Público pela sua inadmissibilidade.
Ouvidas as partes, o Sr. juiz proferiu então o seguinte despacho:
Pelos motivos já expostos no despacho de fls. 11 (PP), que nos dispensamos de repetir, e que mantemos, indefiro liminarmente o requerimento de revisão formulado pela requerente "B...".
Custas do incidente pela requerente - art. 446°, nº 1 e 2, do C.P.C.
Notifique”.

É deste despacho que a ré veio agravar apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:
[…]
O autor, patrocinado pelo Ministério Público, apresentou contra-alegações pronunciando-se pela manutenção do despacho recorrido.
O Sr. juiz sustentou o seu despacho.
*
III. As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, o objecto do recurso, é a de saber se, em face da legislação aplicável, deve ser revogado o despacho que indeferiu o pedido de revisão da incapacidade do beneficiário atendendo a que ao mesmo lhe foi atribuída uma pensão vitalícia, por morte do seu pai em acidente de trabalho e em resultado de doença que o incapacita para o trabalho.

Podemos considerar assentes os seguintes factos:
- O autor/beneficiário é filho de C..., falecido em 14/8/1996 e em consequência de acidente de trabalho;
- Por acordo datado do 22/11/1996, homologado nos autos, foi-lhe atribuída, enquanto menor, uma pensão anual e temporária (v. acta de fls. 50 e 51 do processo principal).
- O mesmo beneficiário completou 18 anos de idade em 26/10/2005.
- Em 30/11/2006, por apenso, foi requerido incidente de revisão nos termos do art° 150°, nº 1 do CPT aprovado pelo DL 272­A/81, de 30 de Setembro (apenso 119-E/1996), com fundamento daquele beneficiário padecer de deficiência mental que o incapacita para o trabalho.
- No âmbito do incidente, foi efectuado exame médico, no qual o Sr. perito concluiu que o mesmo beneficiário era portador de uma deficiência mental de grau moderado, crónica e irreversível, que o incapacita para o trabalho.
- Com base nessa avaliação foi proferido em 23/11/2007 decisão judicial, transitada, que reviu “a pensão atribuída ao beneficiário A... (...), tornando-a vitalícia”, nos termos do disposto na Base XIX nº 1, al. c), da Lei 2.127, de 3/8/1965 (v. fls. 65 e seg. do dito apenso).

Vejamos:
A primeira questão suscitada pela agravante relaciona-se com a legislação substantiva e processual aplicável à situação dos autos.
A decisão recorrida invocou, na sua argumentação, o disposto no artigo 49º, nº 5, do D.L. nº 143/99, de 30-04 e o disposto no actual art. 147° do Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9/11.
A agravante defende que é antes aplicável o CPT aprovado pelo Decreto-lei nº 272-A/81, de 30 de Setembro, tendo o acidente de trabalho ocorrido em 14/08/96 e, consequentemente, o presente e respectivo processo ter tido início no mesmo ano. E quanto ao direito substantivo defende que importa atender ao disposto na Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965, designadamente à Base XIX, dado o disposto na Lei nº 100/97, de 13 de Setembro e respectivo diploma de regulamentação, o Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, apenas se aplicar aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor que teve lugar em 1 de Janeiro de 2000.
A razão está, neste particular, com a agravante.
Na verdade o artigo 3º do DL nº 480/99, de 9/11, que aprovou o actual CPT, estabeleceu que o mesmo entrava em vigor em 1/1/2000, sendo apenas aplicável aos processos instaurados a partir dessa data. Tendo este processo tido início em 1996, aplica-se-lhe, por isso, o CPT de 1981, aprovado pelo DL nº 272-A/81, de 30/9.
Por outro lado, a nova Lei dos Acidentes de Trabalho, aprovada pela Lei nº 100/97, de 13/9, no seu artigo 41º, estabelece que a mesma se aplica apenas aos acidentes de trabalho que ocorrerem após a sua entrada em vigor. Tendo o acidente de trabalho dos autos tido lugar em 1996, aplica-se-lhe, por isso, o regime da LAT aprovada pela Lei nº 2127, de 3/8.

Trata-se agora de saber se a revisão requerida pela seguradora agravante é ou não admissível.
A alínea d) da Base XIX da Lei 2127, estabelecia que, no caso de morte do sinistrado, os filhos “afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho” teriam direito a uma pensão anual. Não se previa, para estas situações, qualquer limite para a vigência da pensão durante a vida dos beneficiários.
Por seu turno, a Base XXII, sob a epígrafe “revisão das pensões”, estabelecia no seu nº 1 que quando se verificasse “modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação (…) as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada”.
Ou seja, a lei substantiva só previa a revisão da pensão em função da revisão da incapacidade para as vítimas de acidentes de trabalho, isto é os sinistrados.
Apenas o artigo 150º do CPT de 1981 previa a situação de revisão da pensão de beneficiário com fundamento em superveniência de doença, física ou mental que afectasse a sua capacidade de ganho. Foi justamente com base neste preceito que o autor/beneficiário requereu a atribuição da sua actual pensão. Este preceito, com algumas características de norma substantiva inserta num código de processo (uma vez que não tem correspondência na Lei 2127 e no seu Regulamento – aprovado pelo Dec. 360/71, de 21/8), não prevê a faculdade do responsável pela reparação requerer o mesmo incidente para redução (neste caso só configurável, mais do que redução, com a sua extinção) da pensão. Mais, o nº 2 do referido preceito parece circunscrever as situações de previsão da norma a casos de hipotético aumento da pensão e não da sua redução ou extinção. Por comparação, podemos observar que o actual artº 147º do CPT de 1999 tem sensivelmente a mesma redacção ao que aqui nos importa.
Será que a revisão não poderá, então, ser requerida pela seguradora?
A agravante defende que deve considerar-se para o caso o disposto no artigo 147º do CPT de 1981, na exacta medida em que esta norma não restringe o seu âmbito à revisão da incapacidade ou da pensão do sinistrado, uma vez que refere no seu nº 1 que “quando for requerida a revisão da incapacidade, o juiz deve mandar submeter o sinistrado ou doente a exame médico”, sendo certo que não estabelece qualquer critério de legitimidade para este pedido de revisão.
Observada, contudo, a norma em causa podemos concluir que a mesma se reporta a revisão da incapacidade de sinistrado de acidente de trabalho ou de doente profissional. O que não é o caso do autor, cuja doença não resulta de acidente de trabalho ou de doença profissional.
Ou seja, quando a norma refere “doente” deve entender-se que refere “doente profissional”. Efectivamente, a mesma está inserta na secção que tem por epígrafe “processo para a efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais”. A contraposição com o disposto no artigo 148º do mesmo Código torna claro que se tratava dos casos em que o processo emergente de doença profissional se processava no tribunal e não na Caixa Nacional de Seguros de Doença Profissionais.
Afastada a sua aplicabilidade “directa”, poderá o referido artigo 147º ser aplicado por analogia, como defende a agravante, quando esteja em causa a revisão da incapacidade ou da pensão dos filhos do sinistrado que sofram de doença que afecte a sua capacidade de ganho?
A agravante entende que sim uma vez que, segundo diz, a recusa desta aplicação analógica terá como consequência, no plano do direito substantivo, a atribuição, por inexistência de meio processual adequado, de carácter vitalício a uma pensão que a lei não configurou como tal.
A questão tem, assim, de ser situada no plano do direito substantivo, uma vez que se a lei substantiva previsse a possibilidade de revisão do grau de incapacidade resultante da doença do filho beneficiário, teria de lhe corresponder adequado meio processual, por hipótese o indicado pela agravante, por analogia.
Contemplará a situação da Base XIX, nº1, alínea d), da LAT, aprovada pela Lei nº 2127, para os filhos de sinistrado de morte afectados de doença incapacitante, a possibilidade de revisão da pensão?
Entendemos, na esteira dos Acs. desta Relação de Coimbra de 3 de Novembro de 2005 e de 8 de Maio de 2008 (respectivamente, in CJ t. V e t. III, disponíveis em CJ-on line, refªs 5447/2008 e 5144/2008) que o legislador da Lei 2127 previu soluções diferenciadas consoante o grau de parentesco dos familiares da vítima.
Assim - e considerando, única e especificamente, o caso de doença física ou mental - exigiu-se, além do mais, que, tratando-se do cônjuge ou dos ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis, a situação de doença de que padeçam seja o de uma doença que “afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho” ou “os incapacite sensivelmente para o trabalho” (cfr. alíneas a)e d) do nº1 e nº 2 da norma).
No Regulamento da LAT (art. 55º/1 do Dec. nº 360/71) precisou-se depois o que deveria entender-se por “sensivelmente afectados na sua capacidade de trabalho”: “consideram-se sensivelmente afectados na sua capacidade de trabalho, para os fins previstos na Base XIX, os familiares da vítima que sofram doença física ou mental que lhes reduza definitivamente a sua capacidade geral de ganho em mais de 0,75”.
Mas o mesmo legislador, não foi todavia tão exigente, ao tempo (e dizemos ao tempo porque hoje a situação é diferente ante a redacção do artigo 20º nº 1 al. c) da NLAT), relativamente aos familiares contemplados na alínea c) do mesmo n.º1 da Base XIX, ou sejam, os filhos da vítima, bastando que estejam afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho. Ou seja, qualquer que seja o grau de incapacidade que os afecte na sua capacidade de ganho.
Não podemos senão considerar como deliberada essa diferenciação, “compreensível por óbvias e generosas razões de uma maior protecção e cuidados devidos pelo progenitor directamente aos seus filhos” (v. os Acs. citados). Neste mesmo sentido, é o entendimento de Carlos Alegre, na nota ao art. 20º da NLAT, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª Edição, pgs. 114-115.
Posição de que a agravante não discorda nas suas alegações de recurso.
O que a mesma defende é que para os demais beneficiários abrangidos pela definição do art. 55º do Dec. nº 360/71 poder-se-ia dizer que a pensão seria definitiva, já que os seus nº 1 e 2 referem a necessidade de se verificar, previamente à atribuição da pensão, que a incapacidade de ganho tem essa natureza definitiva – compreendendo-se que, neste caso, se exclua a revisão. Mas que para o caso dos filhos do sinistrado de morte já o mesmo se não poderia dizer pois não existe apoio legal para condicionar a atribuição da pensão à natureza definitiva da doença incapacitante.
Ora, conjugadas as duas situações não podemos reconhecer razão à agravante.
Quer para uma e outra das situações (dos filhos e dos outros parentes) o legislador não pode deixar de ter relevado apenas as situações de doença que reduza definitivamente a capacidade de ganho.
Por um lado, porque, para o caso dos filhos, a alínea c) do nº 1 da Base XIX não parece talhada para cobrir situações de doença “passageira” (na qual poderia caber uma simples pneumonia), mas antes doenças crónicas, de natureza irreversível. Não é de presumir que o legislador tenha querido proteger tanto os filhos do sinistrado que os contemplasse com um direito a uma pensão anual por mera doença temporariamente incapacitante e, ainda por cima, qualquer que fosse o grau da incapacidade. O paralelismo com a situação explicitada no artigo 55º do Dec. 360/71 – convocável para comprender a unidade do sistema – conduz-nos a interpretar as situações de doença como situações definitivas.
Por outro lado, porque então o legislador teria, a um tempo, protegido mais os filhos do sinistrado do que os outros parentes (como dissemos) e, a outro tempo, retirado essa mesma especial protecção ao permitir a revisão dessa incapacidade para eles, mas não para os demais parentes. É que nestes casos é mais fácil admitir que uma doença que incapacite para o ganho em mais de 0,75 tenha uma evolução positiva para uma incapacidade de ganho de menos de 0,75, do que uma doença incapacitante para o ganho em qualquer grau possa desaparecer como incapacitante.
Ou seja, partindo das regras de interpretação contidas no artigo 9º do Código Civil, de acordo com as quais o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta, designadamente, a unidade do sistema jurídico, entendemos que não é lícita uma interpretação que, ao mesmo tempo que reconhece que o legislador quis beneficiar um segmento de interessados, venha a acolher um sentido que os desfavoreça em relação aos demais.
Por isso, podemos concluir que a lei não admite a revisão de pensão como a que foi fixada ao beneficiário/autor, nem, por isso, prevê normas adjectivas para que tal suceda. Não há assim que “construir” meio processual para atingir aquele fim, como pretendia a agravante.
Finalmente e aqui chegados, cumpre mesmo reconhecer que a decisão que atribuiu a pensão ao beneficiário/autor consignou, sem margem para dúvidas, mal ou bem, que essa pensão seria “vitalícia”, isto é, para a vida desse beneficiário. E transitou em julgado. Sendo isso que sustentou a argumentação da 1ª instância no despacho agravado.
Ante a falta de previsão legal para a revisão daquela mesma decisão, o incidente suscitado pela agravante teria, em nossa opinião, de conduzir ao seu indeferimento.
Pelo que o agravo improcede, em conformidade.
*
III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, delibera-se julgar improcedente o recurso de agravo e, em consequência, manter a decisão agravada.
Custas pela agravante.
*
Coimbra,
(Luís Azevedo Mendes)
(Felizardo Paiva)
(Fernandes da Silva)