Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
951/05.6TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ALMEIDA
Descritores: PEDIDO
PETIÇÃO INICIAL
Data do Acordão: 03/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 668º ALS. D) E E) DO CPC
Sumário: Sendo a petição inicial um todo, o juiz não pode deixar de conhecer de um pedido que, não constando embora expressamente das conclusões da p.i., está, no entanto, claramente formulado no articulado, onde se revela com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos correspondentes.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I – RELATÓRIO
1. I – A Herança aberta por óbito de A..., representada pela cabeça de casal, B..., intentou a presente acção de Despejo, como processo Sumário, contra a Herança aberta por óbito de C..., representada pelos seus herdeiros D... e Outros, alegando para tanto, e em síntese, que é dona de um prédio urbano que foi arrendado, em 1 de Dezembro de 1960, ao falecido C..., e no qual este, conforme o estipulado, instalou um estabelecimento comercial de venda de móveis e artigos de decoração.
Todavia -mais alega- tal estabelecimento vem estando permanentemente encerrado desde final de Outubro de 2003, além de que as rendas do arrendado não são pagas desde Setembro de 2004.
E como assim, termina pedindo que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento e que os RR. sejam condenados a despejar imediatamente as instalações
arrendadas, entregando-as à A. (por manifesto lapso refere “AA.”) livres e devolutas, bem como a pagar as rendas vencidas e vincendas até ao trânsito em julgado da sentença acrescida dos respectivos juros.
Os RR. apresentaram por sua vez contestação, alegando -também sinopticamente-, que apesar de gravemente doente, o falecido C... nunca deixou, por si ou pela sua esposa, de manter aberto ao público o seu estabelecimento diária e ininterruptamente.
Após o seu falecimento, ocorrido a 06-02-04, foi a sua viúva –mais dizem-, quem cuidou sempre de manter o estabelecimento permanentemente aberto ao público, situação que até hoje se mantém.
Quanto às rendas –acrescentam-, é certo que não foram pagas tal como se alega na inicial, mas, no entanto, já foram depositadas juntamente com a respectiva indemnização, o que determina a caducidade do direito à resolução do contrato.
E assim fundados, concluem pela improcedência total da acção.

2. Seguindo os autos, foram os RR. notificados, por despacho proferido a fls. 114, para comprovarem o pagamento, até à contestação, das rendas dos meses de Setembro e Outubro de 2004, acrescidas da indemnização de 50%, por isso que, tendo confessado o não pagamento dessas rendas, não juntaram documento comprovativo de tais pagamento e correspectiva indemnização.
Os RR. vieram então, ressalvando haverem na sua contestação unicamente reconhecido –posto que de forma equívoca e pouco clara-, não terem pago à A. as rendas apenas desde Novembro de 2004, juntar dois documentos bancários (talões de depósito), dizendo-os comprovativos de que à data da interposição da acção se achavam pagas as rendas de Setembro e de Outubro de 2004.
Notificada, a A. respondeu alegando que os documentos juntos não comprovam a que rendas se reportam e que, em última análise, não incluem qualquer valor de indemnização.

3. Conclusos os autos, o Mm.º Juiz, considerando-se a tanto habilitado com os elementos já existentes nos autos, passou a proferir saneador-sentença, rematado com o seguinte dispositivo:
“ (...)
Pelo exposto, decide-se:
- Julgar improcedente a excepção de caducidade invocada pelos Réus;
- Julgar a acção procedente, decretando-se a resolução do contrato de arrendamento supra referido, condenando-se os Réus a despejar o arrendado, entregando-o à Autora livre e devoluto de pessoas e bens;
- A Autora poderá levantar os depósitos correspondentes às rendas dos meses de Novembro de 2004 a Abril de 2005, inclusive, (comprovados nos autos), condenando-se ainda os Réus a pagar à Autora as rendas referentes aos meses subsequentes até ao trânsito em julgado da presente sentença, à razão de 76,98 € por mês, acrescidas de juros, à taxa legal, desde o respectivo vencimento até pagamento;
- Os Réus poderão levantar o depósito que efectuaram correspondente à indemnização, no montante de 230,94 €.
(...)”.

4. Irresignados com o assim decidido, os RR. interpuseram o vertente recurso de apelação, cujas alegações encerram com as seguintes conclusões:
1ª- A presente apelação, porque interposta de sentença que decretou o despejo, tem efeito suspensivo;
2ª- Os autores não pediram, alternativa, subsidiária ou cumulativamente, a declaração de resolução do contrato de arrendamento com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 64° do RAU;
3ª- A decisão ora recorrida, ao condenar os apelantes, exclusivamente, com base num pedido não formulado pelos apelados, condenou em objecto diverso do pedido (artigo 661 1 do C PC:) e conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, pelo que padece de nulidade (artigo 668 nº 1, alíneas d) e e) do C PC).
4ª- Os apelantes não confessaram (artigo 352° do Código Civil) nem admitiram por acordo (artigo 490 nº 2 do C PC) os factos alegados no artigo 42 da petição inicial, a saber, que não pagariam a renda do arrendado" desde Setembro de 2004".
5ª- Os apelantes não confessaram (artigo 352° do Código Civil) nem admitiram por acordo (artigo 490 n° 2 do C PC) não haver pago as rendas de Setembro e de Outubro de 2004.
6ª- Os apelantes, na sua contestação - conjugação dos artigos 35° e 36° da contestação e do Documento 7 que a acompanhou - reconheceram apenas não terem pago aos apelados as rendas que se haviam vencido a partir de Novembro de 2004, ou seja, as rendas referentes ao mês de Dezembro de 2004 e aos primeiros meses de 2005.
7ª- Ao invocar a confissão ou admissão por acordo dos factos alegados no artigo 42° da petição inicial, a douta sentença viola o artigo 354°, alínea c) do Código Civil - pois o facto supostamente confessado - não haverem os apelantes pago as rendas de Setembro e de Outubro de 2004 - é notoriamente inexistente.
8ª- Ao invocar a confissão ou admissão por acordo dos factos alegados no artigo 42° da petição inicial, a douta sentença viola os artigos 357° no 1 do Código Civil e 490° no 2 do C PC - porque a pretensa declaração confessória não é inequívoca, e porque a defesa, considerada no seu conjunto - em particular da conjugação dos artigos 35° e 36° da contestação com o Documento 7 que a acompanha - opõe-se frontalmente aos factos alegados nesse artigo 42°.
9ª- O tribunal a quo julgou incorrectamente a matéria fáctica relativa à verificação, in casu, das circunstâncias ou condições postas pelos artigos 22° do R A.U. e 1048° do C. Civil determinantes da caducidade do direito à resolução do contrato por parte dos autores.
10ª- Constam do processo, meios probatórios - as peças processuais (articulados e resposta a notificação), o documento 3 apresentado pelos apelados e os documentos apresentados pelos apelantes) - que impõem, no que toca a essa matéria fáctica, decisão diversa da recorrida e insusceptível de ser destruída pelas demais provas apresentadas.
11ª- Desses meios probatórios resulta:
a) Cada renda mensal dever ser paga no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeita (facto considerado como provado no Ponto III da douta sentença);
b) Terem os apelantes depositado, em 12 de Abril de 2005, todas as rendas em dívida aos apelados, vencidas em Novembro e Dezembro de 2004, e em Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2005 (facto considerado como provado no Ponto III da douta sentença) e referentes aos subsequentes meses de Dezembro de 2004, e de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2005 acrescidas da indemnização prevista na lei;
c) Não estarem em dívida, ao tempo da propositura da acção, as rendas de Setembro, Outubro e Novembro de 2004, que se haviam vencido nos antecedentes meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2004, respectivamente (facto considerado como provado nos Pontos III e IV da douta sentença).
12ª- O depósito efectuado pelos apelantes é suficiente para fazer caducar o (não invocado) direito dos apelados à resolução do contrato de arrendamento com fundamento na alínea a) do n.o 1 do artigo 64° do RAU.
13ª- Os mencionados factos que o meritíssimo julgador considerou como provados no ponto III da douta sentença colidem, em absoluto, com a decisão, circunstância que, de igual modo, determina a sua nulidade (artigo 668° no 1, alínea c) do C PC).

3. A A. apresentou, por sua vez, contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos que se mostram os competentes vistos legais, cumpre decidir.

II – FACTOS
Na douta decisão foi considerada provada a seguinte factualidade:
- Por contrato celebrado em 1 de Dezembro de 1960, A..., deu de arrendamento a C... o rés do chão do prédio sito na Rua X..., inscrito na matriz predial da freguesia de Santa Cruz sob o art. 506, mediante o pagamento da renda mensal de setecentos escudos mensais, renda essa que se cifra, actualmente, em 76,98 €, a pagar em casa do senhorio, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeita.
- O arrendamento foi celebrado pelo prazo de um ano, com início em 1/12/1960 e sucessivamente renovável por iguais períodos, destinando-se o locado ao comércio de móveis.
- C... faleceu em 6 de Fevereiro de 2004, tendo deixado como herdeiros D..., E..., F..., G..., H... e I....
- A renda referente aos meses de Setembro e Outubro de 2004 foram pagas, mediante depósito numa conta do BPI efectuado em 01/10/2004.
- Em 12/04/2005, foi efectuado o depósito na C.G.D. da quantia de 692,82 € correspondente às rendas dos meses de Novembro de 2004 a Abril de 2005, e respectiva indemnização.


IIII – DIREITO
1. Como é sabido, e flui do disposto nos arts. 684º, nº3 e 690º, nº 1, do Cód. Proc. Civil (ao qual pertencem os demais preceitos a citar sem menção de origem), o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões das alegações dos Recorrentes, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas. Assim, e tendo em mente o quadro de sintéticas proposições acima reproduzido, cuidemos das questões em tal sede suscitadas (sendo que a relativa ao efeito do recurso já se acha decidida por despacho do aqui Relator).

2. Começam os Recorrentes por dizer que a decisão ora em crise padece das nulidades previstas nas als. d) e e), do art.º 668º, por isso que não apenas condenou em objecto diverso do pedido, como, sobretudo, conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento.
E assim porquanto –concretizam-, a A. filiou exclusivamente a sua pretensão resolutiva na alínea h), do nº 1, do art.º 64º, do R.A.U., ou seja, no encerramento do arrendado por mais de um ano.
Com efeito –mais referem-, muito embora a mesma afirme, “en passant”, no artigo 42º da sua petição, que “também verdade é que os RR. não pagam a renda do arrendado desde Setembro de 2004”, o certo é que ela não pede a resolução do contrato com este fundamento, mas apenas com aqueloutro, seja, “pelo facto de os RR. terem o locado encerrado há mais de um ano.”
Nesta decorrência –concluem-, o Mm.º Juiz não podia, como fez, condenar os Recorrentes exclusivamente com base nesse pedido, na medida em que não formulado pela A., pelo que, assim não procedendo, incorreu nas apontadas ilegalidades formais.
Salvo o muito respeito –desde já se adiante-, pensamos que não lhes assiste razão.
Sem embargo, é certo que, como os ora Recorrentes observam, na conclusão com que a A. remata o seu petitório apenas se lê que –e passamos a citar-, “... a acção [deve] ser julgada provada e procedente e ser declarada a resolução imediata do contrato de arrendamento, pelo facto de os RR. terem o locado encerrado há mais de uma ano e por essa via serem os RR. condenados a despejar imediatamente as instalações arrendadas, entregando-as livre e devolutas aos AA. ...”.
Todavia -e consoante os Recorrentes também concedem-, após alegar nos artigos 17º a 41º do dito petitório a factualidade consubstanciadora desse proclamado encerramento, a A., a tal não se circunscrevendo, refere no sequente artigo 42º -como antes já se aflorou-, “Também verdade é que os RR. não pagam a renda do arrendado desde Setembro de 2004” e, imediatamente em seguida –artigo 43º-, “Motivo suficiente para se considerarem preenchidos também os requisitos de direito atinentes à pretensão dos AA.”
Ora, sendo “a pretensão dos AA.”, conforme vimos, a resolução do arrendamento e consectário despejo imediato das instalações, não restam dúvidas que, com essa referência à falta de pagamento de rendas, tem a A. em vista a configuração desse incumprimento contratual como uma adicional - atente-se na expressão “também” usada em ambos aqueles artigos, notadamente no 43º -, causa de pedir fundante de tal pretensão.
E a esta inferência nenhum obstáculo faz, salvo o muito respeito, o facto de os AA., no capítulo da “conclusão” do articulado, nenhuma explícita ligação estabelecerem entre o pedido de despejo ali formulado e tal incumprimento, apenas e só o fazendo no tocante à outra “causa petendi” alegada, encerramento do locado.
Na verdade, é sabido que –conforme se expende no Ac. do S.T.J. de 24-1-95, in Col./STJ, I, pág. 39-, a petição inicial é um todo, como tal tendo de ser entendida e interpretada. E porque assim é, bem se compreende que no Acórdão desta Relação de Coimbra de 3-2-93, in Bol. nº 424º-748, se tenha doutrinado que o juiz não pode deixar de conhecer de um pedido que, não constando embora expressamente das conclusões da p. i., está no entanto claramente formulado no articulado, onde se revela com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos correspondentes.
Ora, como vimos, é neste condicionalismo que se inscreve o caso em apreço, bastando atentar no teor daquele artigo 43º -“Motivo suficiente para se considerarem preenchidos também os requisitos de direito atinentes à pretensão dos AA.”- para se concluir pelo inequívoco intuito por parte da A. de, como dissemos, erigir também essa proclamada falta de pagamento de rendas –a par com o antes narrado encerramento do estabelecimento-, em causa justificativa do reclamado despejo.
E que assim é -que esse intuito se achava consistentemente espelhado na peça processual em apreço- e que, mercê disso, foi devidamente apreendido pelos RR, decorre da douta contestação posteriormente apresentada por estes onde, após referirem nos atinentes artigos 36º e 37º o depósito das rendas em dívida e concernente indemnização, consoante guia junta, determinativo da caducidade do direito à resolução, terminam esse mesmo articulado preconizando a improcedência da acção ao abrigo do disposto nos artigos 22º e 64º, nº 1, al. h), do R.A.U., sendo que reportando-se este último à resolução do contrato com fundamento no encerramento do locado, aquele outro reporta-se justamente ao depósito de rendas que, conjugado com o art.º 1048º do CC –que os RR. outrossim mencionam nesse art.º 37º da contestação-, determina consabidamente essa predita caducidade quando em causa o não pagamento das prestações arrenditícias.
Destarte, não se justificam, pois, quaisquer dúvidas sobre os exactos termos em que os AA. fundaram a demanda, e designadamente sobre a inclusão em tal travejamento da apontada falta de pagamento das rendas, não sendo por isso lícito aos RR. invocar qualquer efeito-surpresa, antes a sua manifestação em exame surgindo como um autêntico e indevido “venire contra factum proprium”, face àquela terminante posição por eles assumida no seu articulado de defesa.
Em tal conformidade, o Mm.º Juiz, ao conhecer desse fundamento, de modo algum ilegitimamente se imiscuiu em matéria não submetida pelas partes à sua apreciação –art.º 660º, nº 2 -, nem, por igual, ao retirar desse conhecimento as ilações que sabemos, extravasou da pretensão formulada pela A., antes, e ao invés, com todos esses parâmetros tendo devidamente compatibilizado o seu desempenho processual.
O douto despacho em foco não se acha inquinado, pois, das formais deficiências que os Recorrentes lhe assacam, pelo que esta sua objecção recursória improcede.

3. Prosseguindo, referem os Recorrentes que, diversamente do que se considerou na decisão recorrida, eles não confessaram, nem admitiram por acordo, os factos alegados sob o já acima reproduzido artigo 42º da p. i. – rememoremo-lo - “Também verdade é que os RR. não pagam a renda do arrendado desde Setembro de 2004”.
Salvo sempre o muito respeito, não podemos sufragar esta afirmação, tendo em conta, como o Mm.º Juiz também assinala, o teor do artigo 35º da contestação, onde –nem mais menos - se lê: “Certo o alegado pelos AA. no artigo 42º da p.i.”
Obtemperam, no entanto, os Recorrentes que, conjugando o teor desse artigo 35º da contestação e do seguinte artigo 36º -no qual, como também já sabemos, os RR. aludem ao depósito das rendas em dívida e indemnização moratória, remetendo para a guia junta como doc. nº 7-, com este mesmo documento, se conclui que eles, RR./Recorrentes, apenas reconheceram não haver pago as rendas vencidas a partir de Novembro de 2004, que o mesmo é dizer, as rendas referentes ao mês de Dezembro de 2004 e aos primeiros meses de 2005.
Ressalvando sempre o maior respeito, não vemos como assim se possa entender, sendo certo que os Recorrentes também sustentam que com os depósitos da aludida guia –guia onde se lê: “Pagamentos dos Meses de Novembro 04, Dezembro 04, Janeiro 05, Fevereiro 05, Março 05 e Abril 05-, pagaram, entre o mais, a renda vencida em Novembro de 2004.
Com efeito, referindo-se naquele artigo 42º da p. i. que “os RR. não pagam a renda desde Setembro de 2004”, ainda que se assumisse que a última renda paga era a referente a Outubro seguinte, para se dar a respeitante a Novembro como (também) solvida conforme esse depósito da guia –e defesa dos RR. na contestação -, então as rendas dessa mesma guia respeitariam aos seus próprios meses (Nov. a Novembro., Dez. a Dezembro, etc.), e logo a relativa ao mês de Maio de 2005 –o da apresentação da contestação-, teria de se reputar, como o Mm.º Juiz bem observa, em dívida, não podendo assim ser considerado, de qualquer modo, caduco o direito de resolução mediante válida e cabal “purgatio morae” –cfr. art.º 1048º do CC.
No entanto, os Recorrentes sustentam que com as rendas dessa guia liquidaram as rendas vencidas a partir de Novembro de 2004 –e logo a renda referente a Dezembro desse ano-, pelo que o depósito de Abril teria solvido a renda de Maio de 2005, o da contestação.
Mas a ser assim, onde o pagamento da renda respeitante ao mês de Novembro, que, como vimos, em face do alegado nesse artigo 36º da contestação só se poderia haver por paga com o primeiro depósito da guia?
Sem embargo, é certo que tendo os RR. e ora Recorrentes sido notificados pelo Mm.º Juiz, após este ter constatado que aqueles haviam aceite nesse artigo 35º da contestação não haverem pago as rendas desde Setembro de 2004, sido notificados –dizíamos-, para “comprovarem que pagaram as rendas dos meses de Setembro e Outubro de 2004, acrescidas de indemnização de 50%” (fls. 114), os mesmos vieram juntar os docs. de fls. 118 e 119. Ambos estes documentos, como deles decorre, são talões de igual número de depósitos bancários da importância da renda mensal do locado, efectuados em 1-10-2004.
Dizendo no requerimento de junção destes documentos apenas haverem reconhecido não terem pago as rendas “desde Novembro de 2004” (querendo assim inculcar o pagamento da renda referente a esse mêscomo é forçoso-, com o depósito da guia do mês de Novembro 04), acrescentam os RR. que esses documentos se destinam a provar que, à data da interposição da acção, já se achavam pagas as rendas de Setembro e Outubro de 2004 (fls. 117).
Mas assim sendo, uma de duas: ou os RR. não cumpriram a determinação do Mm.º Juiz –depósito das rendas dos (referentes aos) meses de Setembro e Outubro de 2004-, ou se o fizeram, de novo a renda relativa ao mês de Novembro 04 apenas pode ser considerada paga com o depósito do mesmo mês da guia, resultando a de Maio de 2005 em falta.
Se não efectuaram tal cumprimento, então demonstrando a satisfação da renda desse mês de Novembro (com o depósito de Outubro), fica por demonstrar, consoante judicialmente ordenado, o pagamento da renda do mês de Setembro (vencida em Agosto) e, demais disso e fundamentalmente, porque deram essa mesma renda de Novembro como evidenciadamente paga em face da guia junta com a contestação, onde, como sublinhámos, o primeiro mês referido é justamente esse mês de Novembro de 2004.
Para além destas (insuperáveis) perplexidades –melhor se diria “inconsonâncias”-, sucede ainda que –como a A. avisadamente objectou no seu pronunciamento (fls. 121) à junção dos enfocados documentos e atinente requerimento-, nada permite concluir que esses dois depósitos (a esse propósito completamente omissos), respeitem efectivamente aos meses de rendas indicados pelos RR., sendo certo que essa prova apenas a eles competia.
Quer dizer, nenhum seguro elemento se surpreende nos autos que induza no sentido de ser essa inicial afirmação confessória vertida pelos RR. no dito artigo 35º, produto de pura inadvertência, por isso que completamente inconciliável com a realidade –art.º 354º, al. c), do CC -, pelo que em face do seu inequívoco conteúdo forçoso se torna considerar a mesma –na senda do Exmº Juiz-, como plenamente válida e eficaz e, portanto, insusceptível de qualquer inflexão em outro diferente sentido.

4. Sem prejuízo do exposto, sucede ainda que mesmo que ambos esses depósitos bancários se destinassem efectivamente, como os RR./Recorrentes (supervenientemente) alegam, ao pagamento das rendas vencidas nos meses de Setembro e Outubro de 2004 -e respeitantes, conseguinte e respectivamente, aos meses de Outubro e Novembro imediatos-, sempre esse depósito relativo a Setembro –vista a respectiva data de 1 de Outubro-, se mostraria extemporaneamente efectuado, inquinando assim também o subsequente – cfr. arts. 1041º e 1042º do CC..
Demais, acontece que dimanando da cláusula 2ª do contrato de arrendamento ser o local de pagamento da renda a “casa do senhorio ou do seu procurador” (fls. 9), os RR. não invocam qualquer específico circunstancialismo justificativo da efectivação desses depósitos em estabelecimento bancário –procedimento (essa invocação) que lhes incumbia, indispensavelmente, levar a efeito: cfr., neste sentido, Jorge Aragão Seia, in Arrendamento Urbano, 5ª ed., Almedina, pág. 216 e a jurisprudência aí referenciada-, pelo que a tais depósitos nunca poderia nem pode ser concedida qualquer relevância, ou seja, como reconhecido meio substitutivo de pagamento das rendas (pretensamente) correspondentes.
Nestes termos, e em suma, o douto saneador-sentença merece confirmação, o que dita a improcedência do recurso ora apreciado.

IV – DECISÃO
Por tudo o exposto, julga-se improcedente o douto recurso de apelação, confirmando-se a decisão por ele adversada.
Custas pelos Recorrentes.