Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
975/06.6TMCBR-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: PROTECÇÃO DA CRIANÇA
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Data do Acordão: 09/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTº 35º DA LEI Nº 147/99, DE 1/09; Nº 1 DO ARTIGO 3º DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA.
Sumário: I – O artigo 35º da Lei nº 147/99, de 1.9, deve ser lido de modo integrado, alternativo e no sentido crescente de gravidade, não sendo obviamente por mero acaso ou má leitura do legislador que a parentalidade – consanguínea ou adoptiva – assume o primeiro lugar entre as medidas – provisórias ou definitivas – de promoção e protecção das crianças e jovens em risco.
II - Conforme consagra o nº 1 do artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança – todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança (cf. alínea a) do artigo 4º da Lei nº 147/99, de 1/9; e nº 2 do artigo 1978º do CC) – e sabendo nós que o ”superior interesse da criança”, enquanto conceito jurídico indeterminado, carece de preenchimento valorativo, cuja concretização tem que acolher e respeitar o quadro constitucional que lhe confere um conjunto de direitos e vincula o Estado a protegê-lo, visando o seu desenvolvimento integral, então, consideramos que vale a pena corrermos riscos no interesse das menores e aplicar-lhes uma medida que as faça regressar, provisoriamente, ao seio familiar muito próximo – avós – onde seguramente vão encontrar a paz que necessitam.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes que constituem a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra.

            Por decisão sumária, o relator proferiu no âmbito do processo de protecção e promoção a seguinte decisão:

                Nos termos expressos, julga-se o recurso – embora com fundamentos totalmente diferentes dos defendidos pela apelante – procedente e consequentemente:

1. Revoga-se a decisão recorrida na parte em que aplicou a medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição às menores M… e L...

2.  Aplica-se às menores M… e L…, nos termos dos artigos 3º, nºs 1 e 2 alíneas b), c) e e), 35º, nº 1, alínea b) e 37º, todos da LPCJP a medida provisória de apoio junto de outro familiar – avós maternos – que ficarão com a responsabilidade de promoverem a segurança, saúde, educação e bem-estar das menores.

3. De modo a afastar qualquer comportamento da mãe/apelante capaz de potenciar ou agravar o perigo que com a presente medida se pretende afastar, só poderá visitar as filhas em casa dos avós maternos, na presença destes e sem possibilidade de com elas conviver no exterior[1].

4. O pai, sempre que venha a Portugal, pode conviver com as filhas, visitando-as em casa dos avós maternos.


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            Quer os membros da Comissão de Protecção de Menores quer as Técnicas do Instituto da Segurança Social acompanharão a aplicação desta medida, dando imediatamente conta ao Tribunal de alguma conduta/comportamento por parte da mãe das menores potenciador de colocar em causa a finalidade da medida aplicada ou de agravamento do perigo em que as menores se encontram.

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            Transitada em julgado a decisão, remeta cópia para as Técnicas do Instituto da Segurança Social – EMAT – que elaboraram o relatório as quais entrarão em contacto com os avós maternos dando-lhes conta da aplicação da medida e do seu conteúdo, informando-os que qualquer comportamento por parte da filha/apelante como capaz de perturbar a paz e segurança das menores deve ser-lhes imediatamente comunicado.

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            Transitada em julgado a decisão, remeta cópia para o CAT de D… que deverá proceder à entrega das crianças às Técnicas do EMAT – Equipa Multidisciplinar de Assessoria aos Tribunais – que as entregará posteriormente na residência dos avós maternos.

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                A decisão sumária teve como ponto referencial e único os interesses dos menores e não com qualquer outra questão colateral àquela realidade que no plano nacional – por via de Leis ordinárias e da Constituição – quer no plano internacional – por força dos tratados ratificados por Portugal e que vigoram na nossa ordem jurídica – estamos obrigados a observar.

                As crianças passaram a assumir no contexto das responsabilidades parentais e nos processos de promoção e protecção um papel central que passa necessária e obviamente por lhes conferir o direito a que o seu processo de desenvolvimento e integração na sociedade ocorra com a normalidade possível, normalidade que pode até levar a que no âmbito de promoção e protecção se determine o seu internamento em estabelecimento apropriado, caminho seguido pela 1ª Instância e aqui corroborado, nos termos que passaremos a equacionar, quer pelo Digno Procurador Geral Adjunto quer pelo Ilustre Advogado. 

                Defende o Digno Procurador-geral Adjunto que e passamos a citar:

                A mãe delega as suas funções parentais nos seus pais. No entanto os avós das menores têm idades próximas dos 80 anos e questões de saúde limitativas e inerentes à faixa etária, nomeadamente, o avô materno. Apesar de os avós desempenharem um papel relevante no que diz respeito aos cuidados básicos de higiene e alimentação, estes não usufruem de independência face à progenitora. As suas limitações não permitem a imposição de regras e um modelo consentâneo de educação a uma menor com as características específicas da M...

A M… manifesta-se satisfeita quando passa férias com o pai. De modo a salvaguardar a segurança da M… sugerimos a aplicação da medida de acolhimento em instituição. Os avós maternos que sempre prestaram grande apoio às netas, mostram-se impotentes para as proteger devidamente pois sofrem – como já sofreram no passado – represálias da progenitora, o que acarretou prejuízos para a M… e para a L...

                (…)

                Deve, em conferência, ser proferido acórdão que mantenha a douta decisão recorrida, aliás proferida a título provisório e para, no imediato, proteger a saúde, a formação e segurança das menores.


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                Também o pai das menores reclamou para a conferência enquadrando as conclusões que a seguir se passam a transcrever:

…   


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                A mãe das menores apresentou a sua resposta e em síntese concluiu:

...


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                2. Delimitação do objecto da conferência.

Ø Erro de julgamento.

Ø Nulidade da sentença nos termos do disposto nas alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 668º do CPC.

Ø A decisão viola os artigos 69º da CRP e artigos 3º, nº 1, 4º, alíneas a) e e) e 34º, alíneas a) e b) todos da LPPCJP.

Ø A sentença violou o disposto no nº 4 do artigo 712º do CPC.

Ø A sentença violou os nºs 5 e 6 do artigo 36º, o nº 1 do artigo 67º e 68º da CRP; a alínea g) do nº 4 da LPPCJP, o artigo 1903º do CC e artigo 9º da Convenção sobre os Direitos da Criança.

Ø Viola a sentença o artigo 8º, § 3º da CNUSDC, o nº 6 do artigo 36º da CRP, o nº 1 do artigo 1878º e o nº 2 do artigo 1905º do CC.

Ø Erro de julgamento – violação dos direitos do progenitor


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                3. Cumpre decidir

                3.1 – Reclamação para a Conferência por parte do Exmo. PGA junto deste Tribunal da Relação.

                Começando pela reclamação para a Conferência por parte do Exmo. Procurador-geral Adjunto que exerce funções junto deste Tribunal da Relação, diremos que nos fica a sensação que os fundamentos expressos na decisão sumária não foram, salvo o devido respeito, devidamente interiorizados por aquele Ilustre Magistrado.

                Na verdade e sem discutirmos a bondade técnico-jurídica da decisão, da mesma emerge de modo evidente os cuidados que o Tribunal manifestou no interesse daquelas duas crianças, sendo, quiçá, mais fácil optar por uma decisão que sufragando o entendimento da decisão recorrida assente unicamente nos relatórios elaborados pelos Serviços Técnicos da Segurança Social e pela Relatório de Avaliação Psicológica que sendo elementos de grande utilidade no desenho factual da realidade que envolve aquelas duas crianças, não pode nem deve o Tribunal lançar-lhes uma leitura acrítica sob pena de ser completamente desnecessária a sua intervenção, violando-se o artigo 205º da CRP.

Note-se de modo a afastar dúvidas ou pré-juízos sobre o que este Tribunal decide: tais elementos são importantíssimos mas não podem deixar de ser conjugados com toda a realidade envolvente à vida de duas crianças. O Exmo. Procurador-geral Adjunto ataca a decisão sumária apenas a partir da transcrição de um conjunto de parágrafos constantes de tais relatórios para concluir e passamos a citar que: os avós não usufruem de independência face à progenitora e atento o contexto da vida sócio-familiar das menores, no imediato e a título provisório apenas a medida de acolhimento em instituição permite salvaguardar a saúde, a formação e a segurança das referidas menores.

                Como se pode constar através da leitura da decisão sumária, o seu subscritor sentiu necessidade de ampliar a matéria de facto de modo a ter uma visão completa da situação o mesmo é dizer que a decisão a proferir não podia deixar de ter em linha de conta os superiores interesses das crianças realidade que exprimiu de modo claro, em português escorreito e sustentado juridicamente[2]. Continuamos a pensar que o artigo 35º da Lei nº 147/99, de 1.9 deve ser lido de modo integrado, alternativo e no sentido crescente de gravidade não sendo obviamente por mero acaso ou má leitura do legislador que a parentalidade – consanguínea ou adoptiva – assume o primeiro lugar entre as medidas – provisórias ou definitivas – de promoção e protecção das crianças e jovens em risco.

                Preocupados com o interesse das menores foi elaborada uma decisão sumária que teve por finalidade afastar os malefícios que a conduta da progenitora projectava no são desenvolvimento das crianças, mas não deixou de equacionar a medida de apoio junto de outros familiares o que fez nos seguintes termos:
                E que dizer da aplicação da medida de apoio junto de outros familiares?
            Conhecemos, através dos factos provados, que os avós maternos sempre prestaram grande apoio às netas, mas mostram-se impotentes para as protegerem pois sofrem represálias da progenitora, o que acarretou prejuízos para a M… e L...
             Terá falido a possibilidade da aplicação desta medida, ou ainda existe margem de segurança que no interesse das menores justifique a sua aplicação?

Embora a sua família biológica – pai e mãe – por razões conhecidas não possam assumir as obrigações que decorrem do exercício das responsabilidades parentais, também entendemos que a aplicação de uma medida tão extrema e final a duas crianças tão jovens não é o caminho que melhor serve os seus interesses. 

            É a pensar na M… e L… e nos seus direitos a uma vida tranquila, segura e afectiva que consideramos que o seu Projecto de Vida não passa pela medida de apoio junto da mãe pelas razões já insistentemente mencionadas, como o afastamento do pai na Suíça também não permite a aplicação desta medida. Todavia, entendemos que entre corrermos o risco da mãe tentar interferir junto dos pais na educação das menores e estas permanecerem numa instituição, entendemos que mais vale integrá-las junto dos avós maternos que lhes tributarão a segurança, o carinho e o amor que merecem, a continuarem ainda que provisoriamente numa instituição que seguramente por elas tudo fará, mas que por razões que nos parecem óbvias é incapaz de lhes transmitir a qualidade de afecto que só a consanguinidade ou a adopção querida e sentida são capazes de transmitir.

Conforme consagra o nº 1 do artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança – todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança – cf. alínea a) do artigo 4º da Lei nº 147/99, de 1.9; nº 2 do artigo 1978º do CC – e sabendo nós que o ”superior interesse da criança”, enquanto conceito jurídico indeterminado, carece de preenchimento valorativo, cuja concretização tem que acolher e respeitar o quadro constitucional que lhe confere um conjunto de direitos e vincula o Estado a protegê-lo visando o seu desenvolvimento integral, então consideramos que vale a pena corrermos riscos no interesse das menores e aplicar-lhes uma medida que as faça regressar, provisoriamente, ao seio familiar muito próximo – avós – onde seguramente vão encontrar a paz que necessitam, afastado que seja o perigo que decorre dos contactos com a mãe[3] nos termos enunciados na matéria de facto provada, em particular conferindo-lhes mecanismos que lhes permitam a necessária segurança e apoio, caso a mãe insista em condutas que fragilizem a relação entre avós e netas e que de novo coloque em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação e bem-estar que se pretende harmonioso e integral.

Repetimos: embora compreendamos as posições avançadas na decisão recorrida, entendemos que as menores merecem – têm o direito – regressar ao seio de uma família que as ama – avós maternos – afastando-se, todavia, o perigo real e potencial de contactarem com a mãe fora dos moldes que o Tribunal terá o cuidado de fixar. Naturalmente que esta medida pressupõe – os autos nada dizem sobre esta questão – que a residência dos avós maternos é distinta da residência da mãe, embora possa eventualmente ser na mesma localidade.
                Como se vê, não deixámos, não fugimos, não olvidámos que, pese o enorme apoio que dão às netas, os avós maternos mostram-se impotentes para as protegerem pois sofrem represálias da progenitora, o que acarretou prejuízos para a M… e a L...

                Mas justificará esta «impotência» a aplicação da ultima ratio das medidas de promoção e protecção ou valia e valerá a pena considerando os reais interesses das menores mantê-las no meio social e familiar onde cresceram, conferindo à mãe APENAS o direito de visita sem qualquer possibilidade de interferir na segurança, saúde e educação e bem-estar das menores ou de com elas – crianças – conviver fora da residência dos avós.

                Mas mais. O Tribunal conhecedor das reacções da mãe acautelou os interesses das crianças quer através da Comissão de Protecção de Menores quer das Técnicas do Instituto da Segurança Social a quem conferiu a responsabilidade de acompanhamento e de reportarem imediatamente ao Tribunal a quo qualquer tentativa por parte da mãe em sobressaltar, inquietar ou pôr em crise a tranquilidade e o normal desenvolvimento que as menores têm DIREITO.

                Parece-nos claro: entre entregar duas crianças – provisoriamente – aos avós maternos que embora pessoas idosas nunca regatearem o apoio necessário às netas – é assim que entendemos a matéria de facto a partir dos relatório – e enviá-las para o acolhimento em instituição, não tivemos dúvidas, tal como modestamente, continuamos a não ter, que a solução encontrada e que está explicada na decisão sumária é a que melhor serve os interesses das menores, decisão que não deixa os avós maternos entregues a si próprios mas antes lhes confere uma almofada de segurança que passa pela Comissão de Protecção de Menores e pelas Técnicas do Instituto de Segurança Social que tomarão as medidas necessárias em conjugação com o Tribunal desde que a «mãe» no desrespeito pelo decidido insista em colocar as crianças em risco ou limite as suas relações com o progenitor.

                Em conclusão: renovando os respeitos devidos pelo Exmo. PGA não encontramos razões que nos levem a acolher os fundamentos que doutamente explanou no seu requerimento para a conferência.


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                3.2 – Reclamação para a Conferência por parte do progenitor

                3.2.1 – Nulidade da decisão sumária – alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC

                Defende o progenitor/reclamante que «a sentença não fundamenta o regime de visitas que lhe consagrou, designadamente a razão pela qual este é em casa dos avós maternos que os visita, pelo que nesta parte é nula».

                Não raras vezes constatamos que os apelantes confundem a legítima discordância com os fundamentos e subsequente pronunciamento decisório o que caracteriza eventual erro de julgamento mas nunca uma nulidade da alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC.

                Senão vejamos:

                  É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Só se verifica esta nulidade “quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de factos ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão”[4].

                Sublinhe-se, de modo a afastar quaisquer equívocos, que estamos no âmbito de um processo de promoção e protecção de menores em risco e por esta razão a centralidade da fundamentação e da decisão giram em torno do interesse dos menores daí que tenhamos escrito:

Embora a sua família biológica – pai e mãe – por razões conhecidas não possam assumir as obrigações que decorrem do exercício das responsabilidades parentais, também entendemos que a aplicação de uma medida tão extrema e final a duas crianças tão jovens não é o caminho que melhor serve os seus interesses. 

            É a pensar na M… e L… e nos seus direitos a uma vida tranquila, segura e afectiva que consideramos que o seu Projecto de Vida não passa pela medida de apoio junto da mãe pelas razões já insistentemente mencionadas, como o afastamento do pai na Suíça também não permite a aplicação desta medida. Todavia, entendemos que entre corrermos o risco da mãe tentar interferir junto dos pais na educação das menores e estas permanecerem numa instituição, entendemos que mais vale integrá-las junto dos avós maternos que lhes tributarão a segurança, o carinho e o amor que merecem, a continuarem ainda que provisoriamente numa instituição que seguramente por elas tudo fará, mas que por razões que nos parecem óbvias é incapaz de lhes transmitir a qualidade de afecto que só a consanguinidade ou a adopção querida e sentida são capazes de transmitir.

Conforme consagra o nº 1 do artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança – todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança – cf. alínea a) do artigo 4º da Lei nº 147/99, de 1.9; nº 2 do artigo 1978º do CC – sabendo nós que o ”superior interesse da criança” enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização tem que acolher e respeitar o quadro constitucional que lhe confere um conjunto de direitos e vincula o Estado a protegê-lo visando o seu desenvolvimento integral, então, consideramos que vale a pena corrermos riscos no interesse das menores e aplicar-lhes uma medida que as faça regressar, provisoriamente, ao seio familiar muito próximo – avós – onde seguramente vão encontrar a paz que necessitam, afastado que seja o perigo que decorre dos contactos com a mãe[5] nos termos enunciados na matéria de facto provada, em particular, conferindo-lhes mecanismos que lhes permitam a necessária segurança e apoio, caso a mãe insista em condutas que fragilizem a relação entre avós e netas e que de novo coloque em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação e bem-estar que se pretende harmonioso e integral.

Repetimos: embora compreendamos as posições avançadas na decisão recorrida, entendemos que as menores merecem – têm o direito – regressar ao seio de uma família que as ama – avós maternos – afastando-se, todavia, o perigo real e potencial de contactarem com a mãe fora dos moldes que o Tribunal terá o cuidado de fixar. Naturalmente que esta medida pressupõe – os autos nada dizem sobre esta questão – que a residência dos avós maternos é distinta da residência da mãe, embora possa eventualmente ser na mesma localidade.

                Quando tomámos a decisão de aplicar a medida a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 35º da LPPCJP não podíamos deixar de ter em consideração duas realidades: a primeira prendia-se com o potencial perigo que pode/podia representar para as menores a sua entrega à mãe com as consequências que sabemos quanto à negação dos direitos do progenitor: a segunda relacionava-se com o facto deste – o progenitor – trabalhar na Suíça e não ser este o processo próprio para regular o exercício das responsabilidades parentais que no entanto não deixámos de acolher estabelecendo o regime de visitas do progenitor sempre que este esteja em Portugal, ocorrendo o regime de visitas em casa dos avós maternos como se sublinha e explica em toda a sentença. Repetimos: fixámos uma medida provisória num processo de acordo com o artigo 35º, 1, b) da LPPCJR e naturalmente se as CRIANÇAS foram entregues aos avós maternos o pai e mãe, para as visitarem, devem respeitar os interesses das menores e nesse sentido as visitas devem ocorrer em casa dos avós.

                Logo que esteja fixada uma medida definitiva ou que haja acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais naturalmente que o tribunal, relativamente ao progenitor que não fique com a guarda das crianças regulará o respectivo regime de visitas.

                Em conclusão: salvo o devido respeito não encontramos fundamento para a arguida nulidade.


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3.2.2 Nulidade da alínea c) do nº 1 do artigo 668º do CPC

                Pode ler-se na sua douta conclusão r) o seguinte: pelo exposto, a sentença em causa, ao determinar a medida de apoio junto de familiares – avós maternos – não elimina a situação de perigo vivida pelas menores, potenciando a sua verificação, o que, aliás reconhece expressamente, pelo que erra na apreciação dos factos provados é contraditória nos seus fundamentos e decisão.

                Naturalmente que cada «parte» tem sobre a decisão sumária uma visão particular que pode confundir-se com interesses de carácter particular em detrimento dos reais e efectivos direitos de duas crianças de 13 e 8 anos que foram institucionalizadas pela basilar razão da progenitora ter criado uma situação de risco e perigo para as menores que impunha remover. Proferida decisão sumária que teve como princípio, orientação e exclusiva finalidade proteger os direitos de duas crianças o Tribunal entendeu, embora como é seu apanágio no respeito por opinião distinta, que não havia razão objectiva que levasse à aplicação de uma medida tão drástica e radical como é a de acolhimento em instituição e daí ter procurado um caminho alternativo que apoiado pelos serviços técnicos da Segurança Social e pela Comissão de Protecção de Menores conferiria às crianças a retoma do seu meio natural e por isso entendeu que os avós maternos, enquadrados tecnicamente, têm possibilidades de cuidar das netas, com os afectos e carinhos que só os avós sabem manifestar.

                Refere o reclamante, embora sem qualquer sustentação factual ou jurídica que a decisão sumária não elimina a situação de perigo vivida pelas menores, potenciando a sua verificação, o que, aliás reconhece expressamente. Naturalmente que tal afirmação merece a nossa total e frontal discordância na medida em que a decisão sumária é claríssima quanto aos fundamentos que determinaram a alteração da medida provisória de acolhimento em instituição por apoio junto dos avós maternos e daí que também entendamos que não se verifica a invocada nulidade.

                Determina a alínea c) do nº 1 do artigo 668º do CPC:

                É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

                No que concerne a esta nulidade passamos a transcrevemos, por expressivo, o pensamento do Supremo Tribunal de Justiça. «As causas de nulidade de acórdão, taxativamente enunciadas nesse artigo 668º, não incluem no seu elenco – é bom dizê-lo – o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…). Trata-se de vício da estrutura do acórdão, por contradição entre as suas premissas de facto e de direito, e a conclusão, existindo, por isso, quando os fundamentos invocados conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas sim a um resultado diverso. Para que determinada situação possa ser contemplada nessa alínea c), necessário se torna que exista uma real contradição entre os fundamentos e a decisão. O raciocínio do julgador terá de padecer de um vício real. A fundamentação aponta num sentido, a decisão segue caminho oposto»[6].

                Também o Sr. Prof. Antunes Varela ensina: «a alínea c) do nº 1 do artigo 668º refere-se à contradição real entre fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erros materiais, seja na fundamentação, seja na decisão; nos casos abrangidos por aquela alínea há um vício real do julgador quando a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente[7].

                Aplicando estes ensinamentos à situação em apreço, concluímos que a decisão sumária reclamada não padece do apontado vício, já que os factos dado como assentes e a integração deles no direito, levam e teriam que levar, sob o ponto de vista lógico, à decisão proferida. Pode legitimamente discordar-se da medida de promoção e protecção aplicada em substituição da anterior, mas tal entendimento não corporiza a invocada nulidade mas antes uma discordância relativamente ao pronunciamento decisório que entendemos ser o que mais se adequa aos interesses das menores.

                Também por aqui falece a reclamação.


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                3.2.3 Nulidade da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC

                Sustenta o progenitor/reclamante que «a sentença em crise refere “por razões óbvias” que o pai não pode assumir as obrigações inerentes ao exercício das responsabilidades parentais» invocando em, abono da sua tese o relatório da Faculdade de Psicologia de Coimbra onde se refere: pelo contrário, o pai das meninas surge como o progenitor capaz de dar condições para a promoção do bem-estar e desenvolvimento das crianças e de lhes assegurar estabilidade e suporte que tantos precisam.

                Declara esta norma:

                É nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

                Esta nulidade verifica-se quando o Juiz deixe de tomar posição sobre todas as causas de pedir invocadas na petição, sobre todos os pedidos formulados e mesmo sobre as excepções suscitadas ou de conhecimento oficioso, isto sem prejuízo do conhecimento de alguma delas prejudicar a apreciação das restantes (artigo 660º, nº 2 do CPC).

                Consultando os autos verificamos que o Tribunal a quo, de acordo com o que entendeu ser o superior interesse das crianças, aplicou imediata e provisoriamente a medida de acolhimento em instituição – cf. folhas 37 – medida que não foi acolhida pela progenitora que interpôs o necessário recurso – folhas 39 a 55 – contra-alegando o aqui progenitor que «trata-se de uma decisão irrepreensível e a final concluiu pela manutenção do decidido» – folhas 58 a 66 – idêntica posição foi tomada pelo Ministério Público nas suas doutas contra-alegações de folhas 67 e 68.

                Como se verifica o progenitor acolheu a medida contra alegando contra a posição da recorrente progenitora, quando podia, se fosse essa a sua pretensão, interpôs recurso da decisão de 1ª Instância e expressar que no interesse das menores deveria acolher-se a previsão da alínea b) do nº 1 do artigo 35º da LPPCJP e serem-lhe provisoriamente entregues as suas duas filhas. Se tivesse seguido este caminho, teríamos naturalmente que nos debruçar sobre o objecto do recurso e se não o fizéssemos incorreríamos na aludida nulidade. Mas não. O reclamante progenitor limitou-se nas suas doutas contra alegações a sufragar legitimamente a medida avançada pela 1ª Instância sem se disponibilizar, por via de recurso principal, para que a medida de promoção e protecção fosse a da entrega provisória ao progenitor o que, considerando o relatório da faculdade psicologia de Coimbra não teríamos razões para deixar de acolher, desde que salvaguardados os direitos da progenitora a contactar com as filhas.

                Como tentámos ilustrar só agora é que essa disponibilidade é manifestada sendo que se trata de uma questão claramente nova que devia ter sido aventada em sede própria ou seja antes da prolação da decisão que institucionalizou as crianças de modo a que o contraditório fosse respeitado, o Tribunal a quo se debruçasse sobre essas possibilidade nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 35º do LPPCJP e que na eventualidade de ser acolhida a parte que com ela eventualmente não concordasse questionasse a sua bondade por via do competente recurso.

                Afastado o perigo que justificou a aplicação de medida provisória e tomada uma decisão definitiva, então, os pais, seguramente no interesse das filhas, tomarão as decisões no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais que melhor defendam os interesses das crianças.

                Como se vê a decisão sumária não abordou tal questão uma vez que a mesma não havia sido suscitada e daí que não tenha cometido a nulidade que o reclamante lhe imputa.


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3.2.4 A decisão viola os artigos 69º da CRP e artigos 3º, nº 1, 4º, alíneas a) e e) e 34º, alíneas a) e b) todos da LPPCJP

O reclamante considera na alínea r) das suas doutas conclusões que a decisão sumária «comete erro de julgamento ao substituir a medida de acolhimento pela medida de apoio junto a familiares – avós maternos – para além de violar os artigos 69º da CRP e artigos 3º, nº 1, 4º, alíneas a) e e) e 34º, alíneas a) e b) todos da LPPCJP».

No que concerne ao erro de julgamento, a decisão sumária reclamada refere de modo expressivo as razões/motivações que no interesse das menores determinaram a substituição da medida – cf. item 3.5 da decisão sumária. Ali e após se ter feito o necessário enquadramento constitucional – artigo 69º – aludiu-se aos princípios orientadores que subjazem ao artigo 4º da Lei nº 147/99, de 1.9 dos quais evidenciamos o “superior interesse da criança, proporcionalidade e actualidade».

                Ao ler-se a decisão sumária fica-se com a firme certeza de que o relator levou unicamente em linha de conta todos aqueles princípios e em particular aqueles que acabámos por individualizar. Temos para nós como seguro, considerando a matéria de facto provada, que as menores deveriam sair da alçada da mãe uma vez que considerámos inaceitáveis as condutas que visavam o afastamento das crianças do progenitor através de chantagem exercida pela mãe, tal como entendemos que a sua personalidade instável criava um perigo a todos os títulos censurável para o normal desenvolvimento das menores e nesse sentido afastámos a progenitora como meio e modo de afastar os riscos e perigos que as suas condutas potenciavam. Aqui tivemos necessariamente em conta os interesses das menores bem como o direito do progenitor a relacionar-se normal e saudavelmente com as filhas.

                No que concerne ao princípio da proporcionalidade e actualidade não podemos, a partir do mesmo referencial – interesse das menores –, deixar de considerar que a lei propõe um conjunto de medidas hierarquizadas consoante a situação de perigo que prejudicam a saúde, o desenvolvimento e a normal integração social das menores, medidas que devem ser analisadas pelo tribunal em função da concreta situação de perigo e modo da sua remoção. No caso em apreço entendemos excessivo que se retirasse duas crianças que embora se encontrassem numa situação de perigo na medida em que a mãe usava de um conjunto de estratagemas com a finalidade de evitar que convivessem com o pai, a verdade é que também considerámos que existia no contexto familiar uma solução que tecnicamente acompanhada determinaria a remoção do perigo em que se encontravam, a sua manutenção no seio familiar e possibilitava, em pé de igualdade, que convivessem com cada um dos progenitores removendo, deste modo, o perigo justificativo da aplicação de uma medida de promoção e protecção.

                Continuamos a acreditar que para o saudável desenvolvimento das menores torna-se necessário o seu regresso ao seio familiar – agora junto dos avós maternos – que devidamente acompanhado e sindicado quer pelas Técnicas do Instituto da Segurança Social quer pelo Comissão de Protecção de Menores nos dão a garantia da efectiva remoção do perigo sem necessidade de aplicação de uma medida tão extrema e desenraizante como é a sua institucionalização que em nosso modesto ver só deve ser utilizada em situações de incapacidade das restantes medidas para a remoção do perigo e defesa dos interesse das menores, dando-se sempre prevalência a medida menos gravosa quando a mesma satisfaça os fundamentos e finalidades da lei que mais não são do que a protecção dos jovens e crianças em risco.

                Concluindo, continuamos a considerar que a medida aplicada devidamente acompanhada é aquela que melhor serve os interesses das menores e possibilita um mais salutar desenvolvimento das relações com o seu progenitor na medida em que se escoram num ambiente normalizado e não institucionalizado que repetimos é a última ratio das medidas de promoção e protecção.

                O que foi dito afasta a invocada violação do artigo 69º da CRP na medida em que foi a pensar nas crianças e nos seus direitos que substituímos a medida de acolhimento em instituição por apoio junto dos avós maternos, medida que teve em consideração que as menores não podem ser penalizadas por condutas da sua progenitora quando a lei permite a remoção do perigo em que se encontravam através de uma outra medida que respeitando os seus interesses as mantém no seu meio natural. E foi por consideramos abusiva a conduta da mãe que entendemos necessária a remoção do perigo que advinha de tal comportamento para o são e integral desenvolvimento das menores e aplicámos uma medida de promoção e protecção que defendia e defende os seus interesses.

Também o reclamante imputa à decisão sumária a violação dos artigos 3º, nº 1, 4º, alíneas a) e e) e 34º, alíneas a) e b) todos da LPPCJP.

Voltando a sublinhar o respeito que nos merece tal entendimento, a verdade é que se trata de uma realidade conclusiva reportada unicamente a um quadro legal sem o necessário enquadramento factual que possa conduzir a tais conclusões.

No que concerne ao artigo 3º, nº 1 da Lei nº 147/99, de 1/9 [8] não colocámos em causa a legitimidade de intervenção, limitando-nos, no interesse das menores, a substituir uma medida de promoção e protecção que classificámos de excessiva em face das situações de perigo concretas a que as menores estavam expostas e entendemos que os seus direitos ficavam devidamente acautelados e o perigo removido se regressassem ao seu meio natural, a casa dos avós maternos a quem, e por motivos relacionados quer com a sua idade quer com o afastamento de eventuais atitudes da progenitora, lhe conferimos o necessário apoio técnico por parte do Organismo e Comissão com responsabilidades no acompanhamento da vida dos menores e com competências para junto dos Tribunais comunicarem a existência de qualquer situação que, não respeitando o decidido, fosse potenciadora de colocar em causa a paz e a tranquilidade dos avós maternos com a necessária repercussão negativa na vida das crianças.

Quanto à violação do artigo 4º, alíneas a) e e) da Lei nº 147/99, de 1/9 voltamos a afirmar que a decisão sumária não violou o conteúdo normativo acima identificado, o que já foi emerge, de resto, com total clareza da sua leitura. Pode defender-se que o quadro factual que está inscrito na decisão sumária impõe no interesse dos menores a aplicação da medida de promoção e protecção vocacionada para casos extremos onde o perigo só pode ser removido através da institucionalização e não através de qualquer outra medida das que taxativa e hierarquicamente estão desenhadas no artigo 35º da Lei nº 147/99, de 1/9, mas não foi este o entendimento avançado na decisão sumária e que aqui sufragamos. Embora expostas a sua situação de perigo que impunha uma legítima intervenção e a aplicação de medida proporcional e adequada à sua remoção, entendemos no interesse das menores que outra medida existia que sem necessidade de as afastar do seu meio familiar e concomitantemente desse garantias de normal e saudável relacionamento com o progenitor nos desse a TODOS mas em particular às menores as necessárias condições para crescerem de modo saudável e em paz. Foi isso que se entendeu: entre a sua institucionalização e o regresso a meio familiar em particular à família dos avós, optámos por este caminho por ser o mais consentâneo com os princípios que emanam do artigo 4º da Lei nº 147/99, de 1.9. São estas as razões que nos levam à consideração que a decisão sumária não violou aqueles princípios antes os analisou correctamente em face da realidade factual que emana dos autos e que legitimou a intervenção do Ministério Público no quadro das medidas de promoção e protecção.

Sobre a violação que o reclamante imputa à decisão sumária – alíneas a) e b) do artigo 34º da Lei nº 147/99, de 1/9 – impõe-se a sua transcrição:

As medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e protecção visam:

a) Afastar o perigo em que estes se encontram.

b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral.

Tal como se encontra desenhada a douta reclamação, verificamos que é uma única a razão justificativa da alegada violação das alíneas a) e b) do artigo 34º da Lei nº 147/99, de 1/9 por parte da decisão sumária: a substituição por referência às filhas menores do progenitor/reclamante da medida de acolhimento em instituição pela medida de apoio junto de outro familiar que foi decretada em substituição daquela.

Tal como sempre não nos desviaremos um milímetro daquilo que modestamente entendemos ser o interesse das menores e nesse sentido não podemos deixar de reincidir na afirmação de que a medida decretada pelo Tribunal a quo não encontra apoio na matéria de facto indiciariamente provada, nem as acções da progenitora, embora totalmente censuráveis, assumem uma tal perigosidade que a única forma de a afastar seria a institucionalização das menores de modo a acabar com qualquer tipo de contacto entre mãe e filhas. Tivemos e temos como correcto o entendimento que, sem menosprezar a situação de perigo, leve em consideração na sua essência o interesses daquelas duas crianças interesse que se evidencia considerando a sua tenra idade na necessidade de manterem contactos com o progenitor nas condições avançadas na decisão reclamada – recorde-se que vive e trabalha na Suíça – mas também por contactarem com a progenitora aqui com os cuidados e limitações que aquela decisão patenteia. Não temos dúvidas, atendendo ao quadro factual que os autos projectam, que a institucionalização das duas crianças é mais penalizante para elas do que para a progenitora e nesse sentido sublinhámos a necessidade de encontrar uma medida alternativa que afastasse o perigo resultante das condutas da progenitora mas que simultaneamente lhes proporcionasse condições de vida que promovessem a sua segurança, a sua saúde, formação, educação e bem-estar, enfim o seu desenvolvimento pleno.

No contexto dos autos quem melhor do que os avós podem assegurar as exigências vazadas na alínea b) do artigo 34º da Lei nº 147/99, de 1/9?

O facto dos avós serem os pais da mãe – avós maternos – não é condição de perigo para os menores bem antes pelo contrário já que a matéria de facto nos diz que os avós maternos sempre prestaram grande apoio às netas, mostram-se impotentes para as protegerem pois sofrem de represálias da progenitora o que acarretou prejuízos para a M… e L… – facto g. a L… costuma dormir em casa dos avós maternos ao fim-de-semana e gosta bastante dos avós – facto l.

Temos uns avós que sempre prestaram grande apoio às netas, mas que têm claras e objectivas dificuldades em as protegerem das investidas da progenitora. O que fez o Tribunal: considerando a clara afectividade existente entre netas e avós era e é importante que tais laços se mantenham e se fortaleçam, o que a suceder só vai ao encontro dos interesses das menores.

E que fazer a uma mãe que tem uma conduta desajustada quer para com os pais quer para com os filhos?

                Criar condições reais e objectivas para afastar tal perigo, sensibilizando quem no terreno tem a responsabilidade – Técnicas de Serviço Social, Comissão de Protecção – de acautelar e proteger os interesses dos menores para nesta situação em concreto tomarem as providências necessárias para que as crianças se sintam seguras em casa dos avós, removendo ou comunicando a quem de direito toda e qualquer acção da progenitora que coloque em causa o seu bem-estar. Naturalmente seria mais fácil, mas menos exigente e responsabilizante para quem tem a função de decidir, no respeito pelo interesse das menores, escorar-se nas atitudes da progenitora, na idade dos avós e concluir pelo ajustamento da medida de acolhimento em instituição.

Dissemos na decisão sumária que no contexto da provisoriedade entendíamos e respeitávamos o caminho percorrido e a conclusão encontrada, todavia, também dissemos que valia a pena, no interesse das crianças, apostar nos avós maternos e dar-lhes condições para cumprirem um dos mais notáveis desígnios que é, ainda que provisória e temporariamente, educarem e formarem as suas netas, educação e formação que tem a montante um dos aspectos mais significativos nas relações inter-pessoais: o afecto e o amor. E foram estas as razões que nos levaram a não desistir das menores a perscrutar um outro caminho onde à institucionalização se sobrepusessem os afectos e o amor e acreditando que as instituições que trabalham no terreno seriam/são capazes de ajudar aqueles avós na sua tarefa, afastando e ou denunciando eventuais comportamentos da progenitora que tenham a virtualidade de potenciar qualquer risco. É verdade é que entre uma relação tão forte como aquela que existe entre avós e netas e a institucionalização destas, optámos conscienciosamente pela aplicação de uma outra medida por ser aquela que modestamente respondia/responde de modo mais eficaz e afirmativo aos interesses das menores.

São estas as razões que nos levam a não sufragar a posição do reclamante.


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                3.2.5 – Ampliação da matéria de facto – artigo 712º, nº 4 do CPC

                Refere o progenitor/reclamante que e passamos a citar só poderia tribunal de recurso, para uma boa decisão, solicitar ao tribunal recorrido que informe se o pai manifestou ou manifesta disponibilidade para que as menores lhe fossem lhe sejam entregues e se possui as condições económicas e sociais para o seu bem-estar (…) pelo que a sentença devia ampliar a matéria de facto nos termos do nº 4 do artigo 712º do CPC face à insuficiência para apreciar o melhor interesse sãs menores (…).

                Proceda-se à leitura da decisão sumária e facilmente verificamos que no limite das possibilidades deste Tribunal, considerando os elementos disponíveis e ainda o facto de se tratar de um processo urgente, aditámos um conjunto de factos que nos pareceram importantes à boa decisão da causa considerando os interesses das menores. Voltamos a sublinhar que não discutimos as qualidades pessoais, morais e económicas do progenitor para assumir a guarda das filhas, nem tão pouco questionamos a possibilidade de se lhes aplicar a medida de promoção e protecção a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 35º da Lei nº 147/99, de 1/9.

O que afirmamos é que o reclamante/progenitor em momento algum deste processo colocou a possibilidade de às menores ser aplicada medida a que acima aludimos.

Não questionamos as qualidades do progenitor/reclamante para assumir tais responsabilidades, mas também não podíamos nem devíamos decretar tal medida quando os relatórios se limitam a referir, é certo, as qualidades do progenitor/reclamante mas com a indicação que o mesmo tem a sua vida estabilizada na Suíça, o que determinaria que a mãe, pese todos os seus comportamentos, seria apanhada por uma decisão surpresa – artigo 3º do CPC – já que não foi chamada a tomar posição sobre a aplicação de tal medida nem ela se desenhou como possível no âmbito deste procedimento provisório.

Renovando os respeitos devidos, não havia lugar à aplicação do nº 4 do artigo 712º do CPC já que do processo constavam todos os elementos necessários à tomada de posição que defendesse os interesses dos menores.

De resto, nada emerge dos autos que permita sequer duvidar da relação estreita entre avós maternos e netas, tal como nada resulta do processo que possibilite a afirmação de que os avós maternos colocariam qualquer entrave às visitas que o progenitor/reclamante pretenda fazer às menores.

Quanto à afirmação de que o regime de visitas fez «tábua rasa dos direitos do progenitor e das menores, desponta a razão e o preconceito do julgador» – conclusão Z) – não podemos deixar de aqui deixar rasto da nossa mais veemente repulsa por tais considerandos na medida em que entendemos que os recursos servem para impugnar despachos/sentenças/acórdãos que mereçam a legítima discordância das partes e não para afrontar quem não se conhece apontando-lhe condutas que claramente rejeitamos e que a DECISÃO SUMÁRIA em qualquer das suas passagens não deixa transparecer. Bem antes pelo contrário, tal decisão foi pensada, analisada, fundamentada e decidida apenas tendo por pano de fundo os interesses das menores, ainda que aceitemos que os seus interesses – os das menores – possam de algum modo conflituar com os interesses do progenitor/reclamante.


*

                3.2.6 - A sentença violou o nºs 5 e 6 do artigo 36º, o nº 1 do artigo 67º e 68º da CRP; a alínea g) do nº 4 da LPPCJP, o artigo 1903º do CC e artigo 9º da Convenção sobre os Direitos da Criança.

                Vejamos cada norma de per si.

                Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos – nº 5 do artigo 36º da Constituição da República Portuguesa.

                Não podíamos estar mais de acordo com o progenitor/reclamante, mas quando se verifica alguma das situações enunciadas no artigo 3º da Lei nº 147/99, de 1/9 então o progenitor que através da sua conduta causa perigo ao normal desenvolvimento das crianças tal perigo tem que ser removido aplicando-se uma das medidas de promoção e protecção a que alude o artigo 35º da Lei nº 147/99, de 1/9. Foi o que fez o Tribunal de 1ª Instância aplicando a medida de acolhimento em instituição, foi o fez o Tribunal da Relação através de decisão sumária quando entendeu que o interesse das menores e a remoção do perigo ficam satisfeitos com a sua entrega aos avós maternos devidamente assessorados pelas Técnicas da Segurança Social e pela Comissão de Protecção de Menores. Seguramente que considerando a provisoriedade da medida e a manifestação de vontade revelada em sede de recurso pelo progenitor/reclamante, que o Tribunal de 1ª Instância aquando da aplicação da medida definitiva e da regulação das responsabilidades parentais não deixará de ter em conta novos desenvolvimentos desde que os mesmos venham ao encontro dos interesses das menores e respeitem os direitos de cada um dos progenitores tendo em conta as suas particularidades.

                Como se vê, este Tribunal no interesse das menores retirou a sua guarda à mãe e entendeu aplicar a medida de promoção e protecção de apoio junto dos avós maternos, definindo o que até aí não estava definido mas entendeu ser um DIREITO do progenitor/reclamante a um regime de visitas claramente provisório, como provisória é a medida que foi decretada.

                Onde e como a decisão sumária viola aquele preceito constitucional não logramos alcançar.

                No que respeita à violação do nº 6 do artigo 36º da CRP – os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante acção judicial – seguramente por limitação nossa não alcançamos como e onde é que a decisão sumária separou as menores do seu progenitor, quando ao invés limitou de modo claro a relação da progenitora com as menores e conferiu, por ser de direito, um direito de visitas ao progenitor/reclamante.

                Como se vê, a decisão sumária não afastou as filhas do progenitor antes pelo contrário tomou uma decisão que tem como pano de fundo o respeito pelos direitos parentais ao definir ainda que provisoriamente um regime de visitas no âmbito de um processo de promoção e protecção que tem por finalidade identificar o perigo e removê-lo e não tratar das questões relativas ao exercício das responsabilidades parentais. Mesmo assim, repetimos, tivemos em linha de conta o facto do pai trabalhar na Suíça e o direito das menores em com ele privarem sempre que o mesmo se encontre em Portugal.

                Isto não é violar o direito do progenitor, isto é salvaguardar os interesses de legítima reciprocidade do contacto do pai com as filhas.

                Declara o nº 1 do artigo 67º da CRP:

                A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.

                Relendo a decisão sumária constatamos dois aspectos que respeitam e potenciam a família enquanto elemento fulcral da sociedade: na impossibilidade dos progenitores em conjunto educarem, tratarem e protegerem as duas filhas, a sua guarda foi confiada mãe enquanto o progenitor trabalhava e residia na Suíça. Está claramente documentado na matéria de facto que a mãe colocou as crianças numa situação de perigo potenciado pela chantagem que sobre elas exercia, impondo-lhes que não falassem do pai o que com este não convivessem. Contextualizado o problema levou à intervenção do Ministério Público e subsequente decisão judicial que removeu o perigo e decretou a institucionalização das crianças. Esta mãe, embora nos termos constitucionais tenha direito à protecção do Estado, tal, direito cede quando conflitua com o superior interesse das menores e com os direitos do progenitor.

                Resolvido o problema através da institucionalização e interposto o respectivo recurso, entendeu este Tribunal, no respeito pelo superior interesse das crianças e dos legítimos direitos do progenitor, decretar uma medida em substituição daquela que fizesse regressar as crianças ao seu meio natural através do apoio dos avós maternos, definindo um regime de visitas ao progenitor, ou seja, interpretou aquele conceito – família – de modo mais alargado envolvendo nele os avós e o progenitor/reclamante, na certeza que dos autos nada respiga que permita concluir que a relação entre avós maternos e progenitor não seja uma relação respeitosa e responsável porque voltada unicamente para a felicidade das menores e para que, durante a provisoriedade da medida decretada, estas possam viver em segurança e de modo saudável. Quanto aos contactos com a progenitora optou-se por limitá-los impondo-lhe uma responsabilidade acrescida no respeito pelo direitos das menores em contactarem com o pai.

                É a esta “família” onde sabemos existir uma mãe com um carácter disfuncional, um pai com direitos em estar com as filhas e estas com o direito de com ambos conviverem, sendo que cada um dois progenitores em particular a progenitora não pode deixar de respeitar os direitos de personalidade das menores, não pode interferir na sua formação e educação tal como não pode interferir junto das filhas relativamente à relação que estas têm o direito de manter com o pai.

                Como se vê, embora com um conceito de «família» algo mitigado não deixámos de ter em conta o superior interesse das crianças em conviver com o pai, em chamar à razão da mãe para não interferir em tal relação permitindo-lhe em simultâneo contactar com as filhas e conferir aos avós maternos e enorme responsabilidade de provisoriamente educarem e salvaguardarem os interesses das netas, o que farão com o amor e afecto que é comum à maioria dos avós e com o apoio das instituições com responsabilidades na sinalização da existência de qualquer facto que possa colocar em risco a saúde das crianças.

                Também por aqui não encontramos razões que nos levem a considerar que a decisão sumária violou tal norma constitucional.

                Outra maleita legal que o progenitor/reclamante aponta à decisão sumária é a de ter violado o artigo 68º da CRP, que preceitua:

1. Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.

2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.

3. As mulheres têm direito a especial protecção durante a gravidez e após o parto, tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período adequado, sem perda de retribuição ou de quaisquer regalias.

4. A lei regula a atribuição às mães e aos pais de direito de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar.

Liminarmente referimos que não encontramos fundamento que justifique que o progenitor/reclamante defenda a violação daquele preceito constitucional por parte da Decisão Sumária. O processo que analisámos e decidimos situa-se no âmbito do processo de promoção e protecção dos direitos das crianças e jovens que estejam em risco e nesse sentido não abordámos qualquer realidade em que o Estado e a sociedade tivessem violado os direitos dos progenitores, tal como entendemos e partilhamos com a lei fundamental que a maternidade e paternidade são «valores sociais eminentes» que natural e obviamente merecem todo o respeito nos termos e condições definidos por Lei Ordinária. Relativamente aos nºs 3 e 4 deste preceito só por excessiva abrangência é que o progenitor/reclamante os integrou nas suas doutas conclusões como normas violadas pela Decisão Sumária.

Voltando à Lei nº 147/99, de 1/9 o progenitor/apelante focaliza-se na alínea g) do artigo 4º para considerar ter este Tribunal, através da Decisão Sumária, violado aquela norma que declara:

A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e jovem em perigo obedece aos seguintes princípios: prevalência da família na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção.

 Não podemos deixar de manifestar o nosso total acordo quanto à prevalência da adopção de uma medida de promoção e protecção que integre as crianças e ou jovens no seio familiar em detrimento de outras que os distanciem da família. Confrontados com um pai e mãe que não vivem em comum – a mãe em Portugal e o pai na Suíça – verificando-se que a mãe assumiu condutas totalmente despropositadas e ilegais com a finalidade de limitar ou mesmo impedir o relacionamento das filhas com o pai, criando por via de um desajustamento de personalidade um perigo real e efectivo ao seu crescimento, o Tribunal a quo decretou a medida de acolhimento em instituição.

Dando natural prevalência ao interesse das menores e constatando que na família alargada – avós maternos – havia quem podia provisoriamente tomar sobre a sua responsabilidade a educação e formação das menores sem interferências perniciosas da mãe, então, considerámos, no superior interesse daquelas duas crianças e dado a relação amorosa e afectiva que reciprocamente existe, dar prevalência à família alargada e fazer regressar as duas jovens ao seu meio natural, respeitando assim o princípio ínsito na alínea g) do artigo 4º da Lei nº 147/99, de 1/9.

Como se vê, não se verifica a violação de tal princípio, mas antes uma concordância total com a sua previsão.

Aponta o progenitor/reclamante à Decisão Sumária a violação do artigo 1903º do CC o que seguramente se terá ficado a dever a um qualquer lapso de escrita. Na verdade, o artigo 1903º do CC integra no Código Civil a Subsecção IV relativa ao exercício das responsabilidades parentais, expressando aquele artigo que quando um dos pais não puder exercer as responsabilidades parentais por ausência, incapacidade ou outro impedimento decretado pelo tribunal, caberá esse exercício unicamente ao outro progenitor ou, no impedimento deste a alguém da família de qualquer deles, desde que haja um acordo prévio e com validação legal.

  Como se sabe estamos no âmbito de um processo de promoção e protecção que tem um regime processual e substantivo próprio e ao qual não se aplicam as regras que disciplinam e regulam o exercício das responsabilidades parentais. Expresse-se, por referência à alínea y) das conclusões que a matéria de facto não evidencia qualquer hostilidade por parte dos avós maternos por referência ao progenitor, devendo mais uma vez aqui referir-se que pese a substituição da medida de promoção e protecção por parte deste Tribunal – alínea b) do nº 1 do artigo 35º da Lei nº 147/99, de 1/9 -, os avós estão vinculados a cumprir o determinado na decisão sumária ou seja a respeitar as netas e o progenitor sempre que este for visitar as filhas. Também aqui qualquer violação do determinado pelo Tribunal deve ser comunicado ao Ministério Público, reafirmando-se o facto que as menores não podem nem devem ser estigmatizadas por comportamentos da mãe justificativos da aplicação de uma medida de promoção e protecção. Se a mãe e os avós[9] não souberem respeitar a decisão do tribunal significa que não têm qualquer respeito pelos direitos das menores em relacionarem-se saudavelmente com o pai, o que não será admitido pelo Tribunal que tem mecanismos impeditivos de tal conduta, mecanismos que, seguramente, terão em linha de conta o superior interesses das menores e a disponibilidade manifestada pelo progenitor para ficar com a guarda das filhas.

                Imputa o progenitor/apelante a violação por parte do tribunal do artigo 9º da Convenção dos Direitos da Criança, norma que determina:

1. Os Estados Partes garantem que a criança não é separada dos seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem os negligenciarem a criança ou no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver que ser tomada.

2. Em todos os casos previstos no nº 1 todas as partes interessadas devem ter a possibilidade de participar nas deliberações e de dar a conhecer os seus pontos de vista.

3. Os Estados Partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança.

4. (…)

Embora não possamos deixar de repetir o que temos vindo a afirmar relativamente ao superior interesse das crianças e com isso discordar da violação por parte deste tribunal do conteúdo da norma que acima transcrevemos. O superior interesse das menores foi claramente acautelado na decisão sob censura, interesses que passaram pela remoção de uma situação de perigo com a sua entrega aos avós maternos, jogando as Técnicas da Segurança Social a Comissão de Protecção de Menores um papel relevante quer no cumprimento da decisão sumária quer na sinalização de algum comportamento por parte da progenitora capaz de colocar em crise o direito que as menores têm a um crescimento saudável que também passa por poderem relacionar-se livremente com o progenitor. Sendo estes os dois referenciais – superior interesse das crianças e o direito do pai a um normal relacionamento com as filhas – o tribunal entendeu excessiva a medida de acolhimento em instituição e de acordo com as alíneas a), e), f) e g) do artigo 4º da Lei nº 147/99, de 1/9 considerou que existindo avós maternos que tinham e têm uma estreita relação com as netas como, de resto emana dos factos assentes, e como o Tribunal as não abandonou mas antes lhes criou um apoio através quer da Segurança Social quer da Comissão de Menores, então, no SUPERIOR INTERESSE DAS MENORES e no respeito pelo direitos do progenitor, substituiu a medida decretada pelo Tribunal a quo e decretou a medida de apoio junto de outro familiar medida de cariz provisória e por isso sempre susceptível de ser alterada caso se emirjam factos que claramente aconselhem a aplicação de uma outra medida que sublinhados deverá sempre ter em conta o superior interesse das menores e ser proporcional ao perigo que determinou a intervenção das diversas instituições na defesa dos interesses das crianças.

Aqui e tanto quanto logramos perceber dos autos, dois pais desavindos na sequência de um divórcio, uma mãe que indevidamente utilizou as filhas numa contenda que não era a delas, chantageou-as e assumia atitudes nocivas para o normal desenvolvimento das filhas quando as proibia de falar ou conviver com o pai.

                Já por diversas vezes nos perguntámos se tal conduta embora claramente censurável potenciava um tal perigo para o normal desenvolvimento das crianças e para a sua segurança, que justificava a aplicação da medida de acolhimento em institucionalização?

A nossa resposta, sempre orientada no respeito pelos direitos das crianças, foi negativa.

Que havia que remover a situação de perigo não se questiona, que as menores deveriam ser sujeitas a medida de promoção e protecção também não questionamos, todavia, e de acordo com a matéria disponível e que nos conferiam uma relação amorosa e segura entre avós e netas optámos por decretar a medida de apoio junto de familiares que coadjuvados pela Segurança Social e Comissão de Protecção de Menores, nos davam a segurança de remoção do perigo, de respeito pelos direitos das crianças e do seu progenitor.

                Como se vê, não conseguimos alcançar qualquer razão/fundamento que justifique a institucionalização de duas crianças, quando no seio da sua família – avós maternos – pode alcançar-se a finalidade da lei: remover o perigo e alcançar um processo de desenvolvimento, ainda que provisório, mas saudável e afectivo para estas duas crianças.


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                3.2.7 Viola a sentença o artigo 8º, § 3º da CNUSDC, o nº 6 do artigo 36º da CRP, o nº 1 do artigo 1878º e nº 2 do artigo 1905º do CC?

Erro de julgamento – violação dos direitos do progenitor.

                Sobre este novo quadro legal que o progenitor/reclamante considera ter sido violado pela decisão sumária, sublinhamos que a violação do nº 6 do artigo 36º da Constituição já foi por nós apreciada e decidida e daí que não repitamos aqui o que acima dissemos e para onde remetemos o reclamante.

                Quanto à Convenção das Nações Unidas damos conta que o artigo 8º é apenas composto pelos nºs 1 e 2 e que o artigo 9º tem um nº 3 com a seguinte redacção:

Os Estados Partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança.

                Tendo por referência a Decisão Sumária onde e como é que a mesma desrespeita o direito das crianças ou viola o direito do progenitor a um relacionamento saudável com as filhas?

                Com todo o respeito, uma leitura da Decisão Sumária mais preocupada na defesa dos direitos das crianças do que centrada no desencontro dos progenitores, rapidamente concluía: a institucionalização como última ratio das medidas de promoção e protecção só deve ser aplicada em casos extremos e quando nenhuma das outras é adequada à remoção do perigo e à salvaguarda dos direitos das crianças; que a aplicação da medida de apoio junto de outros familiares – ainda que avós maternos – é muito mais saudável para as menores desde que o tribunal tenha encontrado mecanismos preventivos à exposição das crianças a qualquer conduta potencialmente perigosa vinda do lado da mãe; que a Decisão Sumária respeitou os direitos do progenitor ao fixar, provisoriamente, um regime de visitas que naturalmente e se for esse o caso será regulado com muito mais detalhe no âmbito do processo próprio o que claramente não é um processo de aplicação provisória de uma medida de promoção e protecção.

                Uma leitura da Decisão Sumária com os olhos postos no superior interesse das menores concluiria sem margem para dúvidas que a medida decretada respeitava o seu superior interesse e o interesse do progenitor e por isso ao contrário do que refere nas suas doutas conclusões o nº 3 do artigo 9º da CNUSDC de 1989 foi por nós respeitado e por isso não pode falar-se em violação de tal preceito.

                No que respeita aos artigos 1878º, nº 1 – conteúdo do poder paternal – 1905º[10] – alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação judicial de bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento – não há qualquer violação na medida em que a decisão sumária não tomou posição quanto ao seu conteúdo, reafirmando-se que estamos no âmbito de um processo de aplicação provisória de uma medida de promoção e protecção.

                Pelas razões acima aduzidas, consideramos que os interesses das menores e os direitos do progenitor a visitá-las está devidamente salvaguardado através da aplicação da medida de apoio junto de outro familiar – avós maternos – que devidamente acompanhados pela Segurança Social e Comissão de Protecção de Menores removem qualquer perigo que pudesse ressurgir através de eventual conduta menos própria e adequada aos interesses das menores evidenciada pela progenitora. O meio familiar AINDA QUE PRÓXIMO tem virtualidades para o são e normal desenvolvimento das crianças que a melhor das instituições de acolhimento não consegue dar. O amor e afecto constrói-se ao longo da vida e daí que tenhamos entendido que O SUPERIOR INTERESSE daquelas duas crianças ficava/fica mais salvaguardado se voltarem ao seio da família – avós maternos – onde existem recíprocos laços de forte amor e afecto que claramente contribuirão para a satisfação integral dos direitos das menores que passa como é óbvio pelo contacto com os progenitores nos termos plasmados na Decisão Sumária, sendo-lhes proporcionada as condições e meios necessários a um são e sustentado desenvolvimento físico e moral.

                Decisão

                Nos termos e com os fundamentos expressos acorda-se em negar provimento à reclamação e consequentemente mantém-se a Decisão Sumária de folhas 76 a 93.

                Custas pelo reclamante – artigo 446º do CPC.

                Notifique.

                Coimbra[11], 18 de Setembro de 2012


[1] Estão afastados contactos quer no intervalo das aulas quer quando estas terminem.
[2] A discordância é um direito mas não pode deixar de assentar em critérios de idêntica densidade técnica jurídica. Não basta dizer que a medida aplicada não é correcta, mas antes se impõe à luz do interesse dos menores apresentar em face do quadro factual disponível uma medida alternativa à que foi aplicada, sendo que esta medida – cujo mérito jurídico é sempre discutível – não foi tomada de animo leve, nem a ela está subjacente outra realidade, nem preconceito, nem outro interesse que não seja o de acautelar os interesses de duas crianças de 13 e 8 anos de idade. Com todo o respeito se há algo que transparece da decisão é o cuidado em apontar para uma decisão que não retirando as crianças do seu meio natural, as proteja das investidas da mãe que veio demonstrando uma enorme falta de competências parentais para cuidar das crianças em particular quando as usa como arma de arremesso na «guerra» que mantém com o progenitor.
[3] Não se pretende o afastamento da mãe, antes se entende delimitar a sua intervenção junto das filhas através de um regime que permita potenciar afectos e afastar condutas a todo o título perniciosas para a saúde e segurança das menores.
[4] Sr. Prof. José Lebre de Freitas – Srs. Drs. Montalvão Machado e Rui Pinto – Código de Processo Civil Anotado, onde citam jurisprudência em idêntico sentido. Exmo. PGA, C. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2004, pág. 558.
[5] Não se pretende o afastamento da mãe, antes se entende delimitar a sua intervenção junto das filhas através de um regime que permita potenciar afectos e afastar condutas a todo o título perniciosas para a saúde e segurança das menores.
[6] Ac. STJ, datado de 21.5.1998, CJSTJ, Ano VI, tomo II, pág. 96. Este acórdão estrutura a sua posição nos ensinamentos do Sr. Prof. Antunes Varela, Manual do Processo Civil, 2ª edição, págs. 686 e 690; Sr. Prof. J. A. Reis, Código Processo Civil Anotado, V, pág. 141 e num outro acórdão do STJ, datado de 21.10.1988, BMJ 380, pág. 444.   
[7] Manual de Processo Civil, 1984, pág. 671.
[8] Que declara: a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
[9] Reafirmamos a inexistência de qualquer facto que nos leve a concluir que os avós não respeitam as netas e consequentemente a vontade que têm em estar com o pai.
[10] Seguramente por lapso o progenitor/reclamante faz alusão ao nº 2 do artigo 1905º do CC, no entanto o artigo 1905º introduzido pelo artigo 1º da Lei nº 61/2008, de 31.10 tem um corpo único.
[11] Acórdão elaborado e revisto pelo relator.