Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1547/05.8TBVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
DIREITO DE REGRESSO
SEGURADORA
Data do Acordão: 12/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM- 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ALÍN. C) DO ART.º 19.º DL N.º 522/85 DE 31.12, INTERPRETADO DE ACORDO COM O ACÓRDÃO UNIFICADOR DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ N.º 6/02 DE 28.5.02
Sumário: a) – Proposta acção para exercício do direito de regresso por seguradora com base em condução de veículo automóvel de segurado seu com uma taxa de álcool no sangue de 0,87 g/l, a alegação na contestação de que o acidente se devera exclusivamente a condições climatéricas adversas (chuva intensa e piso “encharcado”) e à escuridão da hora e do local (1H40 e A1) e à deficiente sinalização do veículo terceiro, que circulava à sua frente com os farolins traseiros partidos e onde embateu, tal constitui matéria de excepção;

b) – A falta de resposta à contestação por parte da A. determinou a prova, por acordo, de tal matéria, nos termos dos art.ºs 785.º, 505.º e 490.º, n.º 2, do CPC;

c) – O juízo afirmativo, sem mais, de uma testemunha, condutor do veículo terceiro, que aquando do embate pensou que o condutor ou ia embriagado ou drogado e não corroborado pelo militar da GNR que tomou conta do acidente, não permite concluir pela incorrecção do julgamento da matéria de facto respeitante à não prova do reflexo do álcool no organismo do R.

d) – Embora revogado pelo n.º 1, alín. a) do art.º 94.º do DL n.º 291/07 de 21.8 o DL n.º 522/85 de 31.12, porque vigente à data do acidente, é o aplicável ao caso dos autos, mormente no que tange ao direito de regresso da seguradora previsto na alín. c) do seu art.º 19.º interpretado de acordo com o Acórdão Unificador de Jurisprudência do STJ n.º 6/02 de 28.5.02;

e) – A doutrina de tal acórdão mantém a sua força vinculativa no âmbito temporal em que é aplicado, no sentido de que “a alín. c) do art.º 19.º do DL n.º 522/85 de 31.12 exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

A...” propos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Ourém contra B... acção com forma de processo sumário, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 7.718,86, acrescida de juros vencidos e vincendos, correspondente à indemnização que a A. teve de pagar a terceiros, por danos causados pelo R. sob influência do álcool, enquanto condutor de veículo automóvel nela seguro.

Citado, o R. contestou, alegando que na ocasião do acidente conduzia com concentração, prudência e no pleno uso das suas faculdades físicas e mentais, que não se encontravam afectadas, obnubiladas ou diminuídas e que o acidente ocorreu exclusivamente porque chovia intensamente, o piso encontrava-se encharcado, era de noite, estava escuro e o local não tinha qualquer iluminação, o veículo terceiro, de matrícula 00-00-FO, tinha cerca de 10 anos de idade e apresentava os farolins traseiros partidos, sujos e baços, o que tudo impedia a sua visibilidade a uma distância superior a 50 m, pelo que só se apercebeu da sua presença a escassos metros de distância e, ao guinar para a esquerda, não conseguiu evitar o embate com a frente direita do veículo na traseira esquerda daquele veículo, sendo que os efeitos quanto ao despiste dos veículos foi potenciado pela falta de aderência do piso em consequência da chuva intensa.

Entendendo não se verificarem os pressupostos da alín. c) do art.º 19.º do DL n.º 522/85 de 31.12 concluiu pela improcedência da acção e absolvição do pedido.

Proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente (FA) e fixada a base instrutória (b. i.) houve lugar a reclamação da A. no sentido de os art.ºs 9.º e 14.º da b. i. deverem ter-se como assentes e as alíns. h), j), k), l), m), n), o) e p) dos FA passarem para a b. i. já que, não sendo matéria de excepção a que a A. devesse responder, a mesma teria de considerar-se controvertida, para lá de alguma ser conclusiva como “chovia intensamente”, “no local do acidente não existia iluminação”, “o piso estava encharcado”.

O R. respondeu à reclamação, no sentido da manutenção dos FA e da b. i., designadamente a razão por que ocorreu o acidente, que é matéria de excepção, impeditiva e/ou extintiva do direito invocado ela A., já que se não limitou a contraditar os factos constitutivos da causa de pedir – a condução sob influência do álcool – antes alegou factos que, a provarem-se, obstaculizam a pretensão da A. e, porque a eles não respondeu, tais factos, haver-se-ão por confessados, nos termos dos art.ºs 490.º e 505.º do CPC.

A reclamação foi deferida apenas quanto à matéria do art.º 14.º da b. i., que transitou para a alín. r) dos FA, já que quanto à demais, no que respeita à do art.º 9.º foi mantida porque impugnado o valor concreto da taxa de álcool no sangue e quanto à das mencionadas alíns. dos FA porque constituía matéria de defesa por excepção peremptória, desde logo porque as circunstâncias climatéricas em que se deu o acidente poderão ter o efeito extintivo do direito da A., a esta cabendo a impugnação na resposta, cuja apresentação omitiu, pelo que se consideraram admitidos por acordo, nos termos do n.º 2 do art.º 490.º do CPC.

Procedeu-se a julgamento com gravação da respectiva audiência e lida a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada não houve reclamação.

Foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente por não provada, de cujo pedido absolveu o R.

Inconformada com o assim decidido, recorreu a A., de facto e direito, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

a) – A recorrente apresentou reclamação do despacho saneador que deu como matéria assente os factos constantes das alíns. h), j), k), l), m), n), o) e p);

b) - Os factos em causa foram alegados pelo recorrido em sede de contestação;

c) - Os factos dados como assentes não revestem matéria de excepção, uma vez que os mesmos não constituem matéria impeditiva, modificativa ou extintiva do direito;

d) – A A. não poderia ter respondido aos mesmos, pelo que e tratando-se de factos com matéria subjectiva e indeterminada, como por exemplo “no momento do embate chovia intensamente” e “o piso estava encharcado”, caberia ao R. a respectiva prova, motivo pelo qual os factos em causa deveriam ser aditados à b. i. e retirados dos FA;

e) – Os factos constantes daqueles alíneas somente consubstanciam uma versão diferente do acidente ocorrido daquela inicialmente apresentada pela A.

f) – Mesmo na eventualidade de se provarem os factos alegados pelo R. em sede de contestação e incluídos na Matéria Assente, mesmo assim, poder-se-ia concluir pela culpa do R. no sinistro e que este tinha as suas capacidades diminuídas aquando do mesmo, pelo que teria a recorrente direito de regresso sobre o R.

g) – Na decisão sobre a matéria de facto dependente de prova, a Ex.ma Juíza a quo conclui que não deu como provado o art.º 13.º da b. i. com fundamento nos factos objecto da reclamação do despacho saneador;

h) – Os factos erradamente dados como assentes tiveram influência preponderante quer na resposta à matéria de facto, quer em sede de sentença;

i) – O despacho recorrido violou o disposto na alín. e) do n.º 1 do art.º 508.º-A, no n.º 1 do art.º 511.º e no n.º 2 do art.º 660.º, do CPC;

j) – O depoimento da testemunha C...., condutor do veículo terceiro, permite dar uma resposta positiva aos art.ºs 10.º a 13.º da b. i.

l) – Foi a própria testemunha que afirmou que no 1.º contacto tido com o R. ficou com a percepção de que este se encontrava “bêbado ou drogado”;

m) - Atendendo à prova produzida em audiência de julgamento resultou demonstrado que a quantidade de álcool de que o R. era portador não podia por isso e segundo os mais elementares critérios de normalidade e de bom senso, deixar de afectar as suas capacidades de condução, como efectivamente aconteceu;

n) – Está cientificamente demonstrado que a taxa de álcool de que o R. era portador turvou-lhe a mente, retardou os seus reflexos, provocou uma superestimação das suas capacidades e consequente subestimação dos riscos, retirando-lhe, assim, a destreza e discernimento necessários para atentar no veículo que o precedia e manter a distância necessária para, assim, conseguir travar o seu carro em segurança, para além de ter provocado uma diminuição substancial das suas capacidades de percepção visual e de concentração;

o) – Deverá concluir-se que a taxa de álcool de que o R. era portador foi a causa do acidente ou contribuiu de modo manifesto (concausal) para a ocorrência e extensão dos danos ocorridos;

p) – Independentemente da nulidade arguida quanto ao despacho que indeferiu a reclamação da b. i., a prova produzida em audiência de julgamento permite, por si só, considerar provados os art.ºs 10.º a 13.º da b. i. e, ainda, dar como não provadas as alíns. h), k), l) e m), dadas, de forma incorrecta, como assentes no despacho saneador.

Houve lugar a resposta, onde o R. recorrido concluiu como no despacho que decidiu a reclamação e como na sentença recorrida.

Colhidos os vistos cumpre apreciar, sendo que são questões a decidir:

a) – Impugnação do despacho proferido sobre a reclamação contra os factos considerados como assentes nas alíns. h), j), k), l), m), n), o), e p), o que passa por apreciar se tal matéria constituiu defesa por impugnação ou defesa por excepção;

b) - Impugnação da matéria de facto dada às respostas de não provado aos art.ºs 10.º a 13.º da b. i.,  e que deverão passar a provado com base no depoimento da testemunha C....;

c) – O nexo de causalidade entre o acidente e a taxa de álcool de que o R. era portador aquando do acidente.

Vejamos.


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            II. Fundamentação

            1. De facto

            Foi a seguinte a factualidade dada como provada pela 1.ª instância:

a) – A A. é uma sociedade que se dedica à actividade seguradora;

b) – No âmbito do exercício da sua actividade a A. celebrou com o R. o contrato obrigatório de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice AU......., através do qual assumiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação do veículo automóvel de passageiros, matrícula 00-00-QI;

c) – Ao Km 110,56, na A1, no dia 19.12.04, pela 1H40, ocorreu um embate entre o QI, conduzido pelo R. e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca M..., modelo P..., matrícula 00-00-FO, conduzido por C....;

d) – O QI e o FO circulavam na A1 no sentido Torres Novas – Fátima, tendo o QI embatido com a parte da frente do lado direito na traseira do lado esquerdo do FO, que seguia à sua frente;

e) – O FO perdeu o controlo, tendo rodopiado e entrado em despiste, embatendo por sua vez com a parte traseira do lado esquerdo e lateral esquerda nas barras de protecção da A1, imobilizando-se na berma da faixa de rodagem;

f) – Após o embate o QI começou a rodopiar, imobilizando-se na berma da faixa de rodagem, em posição contaria ao sentido de marcha em que seguia;

g) – O local onde se deu o embate é uma recta;

h) – No momento do embate estava de noite e no local não existia iluminação;

i) – Chovia intensamente e o piso estava encharcado;

j) – O FO tinha os farolins traseiros partidos, sujos e baços;

l) – O FO seguia a 40 km/h;

m) – O condutor do QI só se apercebeu da presença do FO poucos metros antes do embate;

n) – Guinando para a esquerda para evitar o embate;

o) – O salvado, no valor de € 3.000,00, do FO, ficou com C...;

p) – A A., em 21 de Fevereiro [ a referência a Novembro é mero lapso] de 2005 solicitou por escrito ao R. o pagamento da quantia por si dispensada em consequência do embate, no montante de € 7.275,14;

q) – Por força da cobertura decorrente do contrato acima referido a A. pagou à “ D....Aluguer de Viaturas, SA” a quantia de € 485,52 a título de aluguer de viatura de substituição necessária durante o tempo de imobilização do FO;

r) – Como consequência do embate o FO teve danos no valor de € 6.624,67;

s) – A A. entregou a C... a título de indemnização por perda total do veículo FO a quantia de € 6.054,00;

t) – A A. entregou ao Centro Hospitalar E..., pelos cuidados médicos prestados a C..., em consequência do embate, a quantia de € 51,00;

u) – A A. entregou à “F...” a quantia de € 675,12 para pagamento das despesas de reparação pelos danos causados pelo FO, em consequência do embate, designadamente 6 barras, 6 prumos, 6 amortecedores e um marco hectométrico;

v) – A A. entregou a C... a quantia de € 9,50, a título de despesas por serviços médicos prestados;

x) – O R., no momento do embate, conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 0,87 g/l.


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            2. De direito

            Como é sabido, nos termos do disposto dos art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do CPC, o âmbito do recurso é fixado pelas conclusões das alegações da recorrente, a partir das quais já acima elencámos as questões que são submetidas à nossa apreciação.

            Comecemos, então, pela 1.ª.

            a) – Impugnação do despacho proferido sobre a reclamação à selecção da matéria de facto dada como assente nas alíns. h), j), k), l), m), n), o) e p).

            A A. estrutura a presente acção com vista ao exercício do direito de regresso das importâncias que pagou, contra o R., condutor seu segurado, nos termos da alín. c) do art.º 19.º do DL n.º 522/85 de 31.12 então vigente à data do acidente, ou seja, de que agiu sob influência do álcool, essa sendo a causa (ou concausa) do acidente de viação em que se envolveu.

            Por seu turno, o R., na contestação, alegou que conduzia com concentração, prudência e no pleno uso das suas faculdades físicas e mentais e que o acidente ocorreu exclusivamente porque no momento chovia intensamente, o piso encontrava-se encharcado, era noite e escuro e o veículo onde embateu apresentava deficiências na iluminação posterior, uma vez que tinha os farolins partidos, sujos e baços, circulava a velocidade inferior a 40 Km/h, de modo que só se apercebeu da sua presença quando já se encontrava a escassos metros de distância dele, então guinando à esquerda para evitar o embate.

            A A., notificada da apresentação da contestação, não respondeu.

            Então, a Ex.ma Juíza, face à falta de resposta, considerando a matéria de excepção e, assim, admitida por acordo, verteu-a nos FA, com o que se insurgiu a A. em reclamação que com esse fundamento viu indeferida e ora impugna em sede de recurso, como lho faculta o n.º 3 do art.º 511.º do CPC.

            Adiantando, a A. carece de razão.

            De acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 487.º do CPC “o réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor, defende-se por excepção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido”.

            A negação dos factos integradora da impugnação pode ser uma negação directa, frontal, rotunda, completa, ou ser, apenas, uma negação indirecta, qualificada ou per positionem, reconhecendo o réu, neste último caso, a realidade dos factos, ou de parte deles, invocados pelo autor, mas dá-lhes uma versão diferente, contrariando a verificação dos factos constitutivos do direito do autor.

            A defesa por excepção compreende toda a defesa indirecta, assente num ataque de flanco contra a pretensão do autor e trata-se de defesa que, sem negar a realidade dos factos articulados na petição, nem atacar isoladamente o efeito jurídico que deles pretende extrair, assenta na alegação de factos novos tendentes a repelir a pretensão do autor.[1]

            É sabido que nem sempre é clara a zona de fronteira entre negação motivada e a excepção peremptória, devendo então recorrer-se ao sentido da alegação das partes nos articulados e ao efeito jurídico por elas pretendido.

            Com vista à procedência da acção alegou a A. que o facto de o A. conduzir sob influência do álcool foi a causa (ou uma das causas) do acidente.

            Não logrando provar esse facto, à luz da mencionada alín. c) do art.º 19.º do DL n.º 522/85 e do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.º 6/02 de 28.5.02 (DR, I-A, de 18.7.02) veria a acção naufragar.

            O R., por seu turno, aceitando alguns factos da petição (como o embate e até conduzir com álcool, embora impugnando a respectiva taxa), aduziu factos novos, não reconvertíveis a simples nova versão do acidente, que uma vez provados, neutralizam o direito da A. por, afinal, afastar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob efeito do álcool e o acidente, no sentido de que não foi por conduzir nesse estado que o acidente se deu, mas por outro motivo, qual fosse a reduzida visibilidade dadas as condições climatéricas e a deficiente sinalização do veículo que seguia à sua frente e onde embateu e cujos farolins estavam partidos.

            Trata-se de matéria, esta, extintiva do direito da A. e, por isso, excepção peremptória (n.º 3 do art.º 493.º do CPC).

            E a ela não respondendo a A., nos termos dos art.ºs 785.º, 505.º e 490.º, n.º 2, do CPC, andou bem a Ex.ma Juíza ao dá-la como provada e incluí-la nos FA, uma vez considerada admitida por acordo.

            Quanto a serem subjectivas e indeterminadas ou conclusivas as expressão de “chovia intensamente” e “o piso estava encharcado”, só a 1.ª contém alguma relatividade valorativa, mas ainda assim é perfeitamente perceptível por quem quer que seja e nada tem que ver com a circunstância de poder ser, ou não, admitida por acordo e constar dos FA.

            Nas suas alegações fez a recorrente alusão a nulidade processual do n.º 1 do art.º 201.º do CPC, resultante da “falta de correcção do elenco dos factos assentes. Não é perceptível o alcance da alegação. Dir-se-á, contudo, nenhuma nulidade existir. Existiu impugnação, que se indefere.

            Em suma, não merece censura o despacho que indeferiu a reclamação aos FA do despacho saneador, que nenhuma disposição legal violou e por isso se mantém.


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            b) - Impugnação da matéria de facto das respostas de não provado aos art.ºs 10.º a 13.º da b. i.

            Perguntava-se na b. i. sob os art.ºs:

            10.º - “A quantidade de álcool que o R. tinha no sangue afectou as suas capacidades de condução, turvando-lhe a mente?”

            11.º - “ E retardou-lhe os reflexos?”

            12.º - “Causou uma superestimação das suas capacidades e consequente subestimação dos riscos, retirando ao réu a destreza e discernimento necessários para atentar no veículo que o precedia e manter a distância necessária para conseguir travar em segurança?”

            13.º - “O álcool causou ao R. uma diminuição substancial das capacidades de percepção visual e de concentração?”

            A eles respondeu o tribunal não provado, com fundamento em que “apesar de ter ficado demonstrado que o R. seguia com uma taxa álcool no sangue de 0,87 g/l, não se apurou que tal fosse causal do acidente, tanto mais que, acrescem várias causas de natureza climatérica que podem ter estado na origem do acidente em termos de juízos de normalidade.

            Nenhuma das testemunhas inquiridas foi capaz de relacionar a eclosão do acidente com o facto de o R. ter ingerido bebidas alcoólicas.

            Depuseram todas as testemunhas de modo que se afigurou sério, credível e isento”.

            Sustenta agora a A. recorrente que o depoimento do condutor terceiro C...é bastante para dar como provada tal matéria.

            Será?

            - Ouvido o seu depoimento gravado, a este propósito limitou-se a dizer que o R. lhe dizia que ia a andar bem e que “quando ouvimos o embate até pensámos que estava embriagado ou drogado”, para depois dizer não saber se cheirava a álcool e que estava “desnorteado” e “nervoso”.

            Ouvido também o depoimento do militar da GNR G...., que tomou conta da ocorrência e procedeu ao teste de álcool no local, a este propósito referiu não ter ideia que o R. cambaleasse ou tivesse hálito a álcool, sempre assumindo um comportamento correcto, normal.

            Falecem, assim, elementos para concluir pela incorrecção do julgamento da matéria de facto sobre tais factos, pelo que improcede a impugnação.


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            c) - Nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente

            Com já salientámos, o acidente em causa ocorreu na vigência do DL n.º 522/85 de 31.12 pelo que, não obstante revogado pelo art.º 94.º, n.º 1. alín. a) do DL n.º 291/07 de 21.8, em cuja alín. c) do n.º 1 do art.º 27.º instituiu um regime mais favorável ao direito de regresso, é aquele, contudo, o aplicável e, no que aqui importa considerar, no respeitante à alín. c) do art.º 19.º, interpretado no sentido em que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ de 28.5.02 o veio fazer, isto é, de que esse normativo “exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de casualidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.

            Não importa mais reeditar as posições que antes dele se confrontaram e de que o seu texto dá notícia, mormente a prova por presunção e a força da prova científica, que a A. traz à liça e que encontra resposta no própria acórdão quando refere tratar-se de um facto relativizado, uma vez que as circunstâncias em que a influência do álcool potencializa uma condução irregular variam de pessoa para pessoa e nem o grau de alcoolemia pode ser fixado em termos de ser presunção segura de que fosse ele o causador da manobra que levou ao acidente.[2]

            A jurisprudência a que estamos obrigados seguir no âmbito daquele quadro legal e que mantém a sua força vinculativa[3], é clara:

            - Agir sob a influência do álcool na condução é um facto que depende de pessoa para pessoa. Não é suficiente que o condutor esteja sob influência do álcool, necessário sendo que esse facto seja a causa (ou uma das causas) do acidente. É necessário que o réu demandado aja sob influência do álcool e não apenas que ele conduza etilizado nos termos puníveis ou pelo Código Penal ou pelo Código da Estrada. Diz a lei, agir sob a influência do álcool e não estar sob a influência do álcool.

            Ora, nos termos do n.º 1 do art.º 342.º do Cód. Civil à A. cabia a prova de que o acidente se devera a condução sob a influência do álcool e que fora por isso que o mesmo ocorreu.

E tal não resultou provado, como concluiu a sentença recorrida “designadamente porque o embate ocorreu de noite, com chuva intensa, sendo que o FO não circulava correctamente sinalizado em termos luminosos”.

            Não merece, assim, censura, também nesta parte a decisão recorrida.


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            3. Resumindo e concluindo

            a) – Proposta acção para exercício do direito de regresso por seguradora com base em condução de veículo automóvel de segurado seu com uma taxa de álcool no sangue de 0,87 g/l, a alegação na contestação de que o acidente se devera exclusivamente a condições climatéricas adversas (chuva intensa e piso “encharcado”) e à escuridão da hora e do local (1H40 e A1) e à deficiente sinalização do veículo terceiro, que circulava à sua frente com os farolins traseiros partidos e onde embateu, tal constitui matéria de excepção;

            b) – A falta de resposta à contestação por parte da A. determinou a prova, por acordo, de tal matéria, nos termos dos art.ºs 785.º, 505.º e 490.º, n.º 2, do CPC;

            c) – O juízo afirmativo, sem mais, de uma testemunha, condutor do veículo terceiro, que aquando do embate pensou que o condutor ou ia embriagado ou drogado e não corroborado pelo militar da GNR que tomou conta do acidente, não permite concluir pela incorrecção do julgamento da matéria de facto respeitante à não prova do reflexo do álcool no organismo do R.

            d) – Embora revogado pelo n.º 1, alín. a) do art.º 94.º do DL n.º 291/07 de 21.8 o DL n.º 522/85 de 31.12, porque vigente à data do acidente, é o aplicável ao caso dos autos, mormente no que tange ao direito de regresso da seguradora previsto na alín. c) do seu art.º 19.º interpretado de acordo com o Acórdão Unificador de Jurisprudência do STJ n.º 6/02 de 28.5.02;

            e) – A doutrina de tal acórdão mantém a sua força vinculativa no âmbito temporal em que é aplicado, no sentido de que “a alín. c) do art.º 19.º do DL n.º 522/85 de 31.12 exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.

            Assim sendo, soçobrando todas as conclusões do recurso importa manter a decisão recorrida.


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            III. Decisão

            Face a todo o exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e manter a sentença recorrida.

            Custas pela apelante.


[1] A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, “Manual de Processo Civil”, 2.ª ed., págs. 288 e 291.
[2] V. em sentido idêntico, o Ac. desta Relação de 15.9.09 que subscrevemos como 1.º adjunto no Proc. 489/04.9TBSEI.C1, onde era recorrente a mesma seguradora recorrente dos autos.
[3] E mantém-se, para as situações em que é aplicável, enquanto publicado não for outro acórdão com a mesma força e pese embora a referida alteração legislativa entrada em vigou a 20.10.07. V. Ac. STJ de 13.11.03, Proc. 03B3128/ITIJ.