Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
603/07.2TACBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
CASO JULGADO
Data do Acordão: 02/11/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 71º,72º,74º CPP, 288º, A) E E),493º, 1 E 2 CPC, 107º RGIT
Sumário: 1. O IGFSS é um instituto público dotado de autonomia administrativa e financeira, personalidade jurídica e património próprio. Daí que uma das suas atribuições seja “assegurar e controlar a cobrança das contribuições e das formas de recuperação de dívida à segurança social”.
2. O facto do IGFSS ter outro meio para obter o pagamento das quantias em dívida, nomeadamente a execução fiscal, não impede o recurso ao pedido de indemnização civil em processo penal.
3. Não constitui caso julgado para efeito de dedução de novo pedido civil, a decisão que o julga improcedente, por diverso enquadramento penal dos factos que sustentam o pedido civil.
Decisão Texto Integral: Recurso nº 603/07.2TACBR-A.C1
3ª Juízo Criminal de Coimbra

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

O Instituto de Segurança Social – IP/Centro Distrital de Coimbra, não se conformando com o despacho proferido pelo Mmo Juiz que não recebeu o pedido de indemnização civil, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:

1.ª - Foi deduzida acusação (fls ) pelo digno Procurador Adjunto do Ministério Público junto do 3.° Juízo Criminal de Coimbra, em processo comum com intervenção do Tribunal Singular, em co-autoria material, contra "P..."; J...; M...

2.ª - pelo crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelo art. 27.°- 8 do RJIFNA aprovado pelo Dec-Lei 20-A/90, de 15/01, na redacção introduzida pelo Dec-lei 394/93, de 24/11e 140/95 de 14/06 e actualmente 107.°, do Regime das infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/06.

3.ª - Foi o recorrente notificado da douta acusação (fls 217 a 219) e esta Instituição, na sua qualidade de ofendido, deduziu, nos termos dos art. 74.°, 75.°, 76.° e 77.° do Código de Processo Penal, pedido de Indemnização Civil, que se encontra junto aos autos (fls 229 a 234).

4.ª - Tal pedido de Indemnização civil não foi admitido pelo 3° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra.

5.ª - Ora, o art. 71.° do CPP consagra o princípio da adesão obrigatória, só facultando a possibilidade de dedução de pedido de indemnização civil em separado, perante o Tribunal civil, nos casos taxativamente previstos no art. 72.° do CPP.

6.ª - Sendo incompreensível o despacho proferido pelo Mmo. Juiz a quo, pois de acordo com o regime do art. 72.° do CPP supra referido, não existe qualquer fundamento legal para a não admissão do referido pedido.

7.ª - Apesar de o 3.° Juízo Criminal de Coimbra não ter recebido o pedido de indemnização civil, tem o aqui recorrente, enquanto Instituto Público, legitimidade para requerer o pedido de indemnização civil. Tanto mais que,

8.ª - o aqui recorrente foi lesado no seu património, pois não deram entrada nos cofres da Segurança Social quotizações sociais no montante de € 52.786,27 ao qual devem acrescer juros de mora vencidos e vincendos os quais, reportados Junho/2007 são no valor de € 34.356,16, tudo no montante global de € 87.142,43 , conforme se peticionou no pedido de indemnização civil junto aos autos a fls 229 a 234.

9.ª - É notório, que a conduta ilícita dos demandados - não entrega das quantias descontadas das remunerações pagas aos trabalhadores e gerentes da empresa “P... – Construções, Lda" - é causa directa e necessária de um elevado prejuízo patrimonial ao demandante ISS/IP Centro Distrital de Coimbra e,

10.ª - encontram-se preenchidos todos os requisitos legais que constituem os arguidos na obrigação de indemnizar, designadamente, o consignado no princípio geral consignado no art. 483 e ainda nos artigos 562.°, 563.°, n.º 1 do 564.° e n.ºs 1 e 2 do art. 566.°, todos do CC.

11.ª - Como atrás ficou dito, tanto da letra da lei, como da doutrina e da jurisprudência supra invocada, tem sido esse o entendimento doutamente trilhado.

12.ª - Assim sendo, mesmo que, eventualmente, exista uma execução fiscal a correr os seus termos, onde se pretenda cobrar os créditos correspondentes à indemnização aqui reclamada (cotizações) , tal facto não retira à segurança social o interesse em agir, tanto mais que, relativamente aos membros dos órgão estatutários/e ou gerentes de facto, o lesado não dispõe de título executivo,

13.ª - resulta cristalino que a segurança social tem todo "o interesse em agir para melhor obter meios de cobrança dos seus créditos". Além disso,

14.ª - Além disso, o pedido de indemnização civil é um mecanismo legal que qualquer lesado pode utilizar no âmbito de um processo-crime sendo este um meio eficaz, para o recorrente/lesado e ofendido poder ressarcir-se do seu crédito.

15.ª - No sentido do propugnado, invoca-se o decidido nos Acórdãos da Relação de Évora de 04/06/30, no processo 912/04.1 in WWW.dgsi.pt; da Relação de Guimarães de 01/04/28 in CJ,II/01, pág.295, da Relação de Coimbra, 4ª secção de 07/03/21, no recurso 1525/02 e da Relação de Coimbra de 06/11/21, 48 secção, no recurso 181/03.

16.ª - Tendo com a 1ª parte do douto despacho recorrido, sido violados os arts. 71.° e 72.° do CPP e 483.°, 562.°. 563.° nº 1, 564.° nºs 1 e 566.° n.ºs 1 e 2 do C. Civil

17.ª - Os arguidos "P... -Construções, Lda" "J..." e "M...estavam acusados e pronunciados, no processo 809/04 do 1° Juízo Criminal de Coimbra, pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social do art.º 27.° B do RJIFNA, onde a Segurança Social deduzir pedido cível, por força do principio da adesão.

18.ª - Tendo-se procedido ao julgamento, foi entendido, na decisão de 07/03/19, julgar a acusação improcedente, na qualificação lá perfilhada, tendo os arguidos sido absolvidos. Mas entendendo-se verificado um crime diferente - dos art.º 105.° e 107.° do RGIT -, face à oposição dos arguidos, na continuação do julgamento, foram eles absolvidos da instância.

19.ª Relativamente ao pedido cível, deduzido - repetimos -, por força do principio da adesão com base no crime que era imputado aos arguidos, na qualificação efectuada, em que foram absolvidos da acusação, foi esse pedido julgado improcedente e os mesmos absolvidos do pedido - como não podia deixar de ser, como se refere e aceite.

20.ª Tendo os ditos arguidos sido acusados e pronunciados, no presente processo, por crime por que foram, antes, absolvidos da instância, a Segurança Social, por força do princípio da adesão relativamente ao crime que, agora lhes é imputado, deduziu pedido cível.

21.ª O caso julgado que se formou, na absolvição dos arguidos do pedido cível, foi-o relativamente ao pedido cível deduzido, por força do princípio da adesão, relativamente ao crime que lhes era imputado e por que foram julgados e absolvidos.

Não em relação aos factos criminais por que estão agora acusados e pronunciados, e, por que foram, antes, absolvidos da instância e hão-de, agora, ser julgados.

22.ª É, assim completamente diferente o crime que faz parte do objecto concreto do presente processo.

E, sendo diferente o objecto concreto - a causa de pedir -, não há qualquer caso julgado - ­art.º 498 n.ºs 1 e 4 do CPC.

23.ª foram violados, na 2ª parte do douto despacho recorrido, os arts 498.° nºs 1 e 4 e 673.° do CPC e o art.º 84 do CPP.

Nestes termos, e nos mais de direito,

sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juizes Desembargadores, deve dar-se provimento ao presente recurso interposto pela ofendida e parte cível, revogando-se a decisão recorrida no que respeita ao pedido cível, considerando-se o Tribunal competente e a recorrente ter interesse em agir, não se verificando haver caso julgado e assim, será feita a verdadeira e costumada

JUSTIÇA

O Exmo juiz manteve o seu despacho.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs visto.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

É este o despacho recorrido:

O Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra do Instituto de Segurança Social, IP deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos J... e M...pedindo que os mesmos sejam condenados a pagar, solidariamente, cotizações para a segurança social no montante de € 52.786,27.

O presente processo teve origem numa certidão proveniente do processo comum singular n9 809/04.6TACBR do 29 Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra.

Nesse processo nº 809/04.6TACBR, onde havia sido apresentado semelhante pedido, foi proferida decisão final cujo teor, quanto ao pedido de indemnização é o seguinte: «Julga-se improcedente o pedido cível e, consequentemente, absolvem-se os demandados do pedido» (tis 212).

A fim de não ser proferida decisão surpresa, foi convidado o "de mandante civil" a, querendo, em oito dias, se pronunciar acerca da eventual situação de caso julgado.

O Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra do Instituto de Segurança Social, IP reconhece a absolvição mas diz que tal se deveu a qualificação por crime diferente e que foram absolvidos devido ao princípio da adesão.

Mais acrescenta que o caso julgado que se formou, na absolvição do pedido cível, foi-o relativamente ao pedido cível deduzido, por força do princípio da adesão, relativamente ao crime que lhes era imputado e por que foram julgados e absolvidos. Não em relação aos factos criminais por que estão agora acusados e pronunciados, e, por que foram, antes, absolvidos da instância e hão-de, agora, ser julgados.

É, assim completamente diferente o crime que faz parte do objecto concreto do presente processo.

E, "sendo diferente o objecto concreto -a causa de pedir--, não há qualquer caso julgado --art9 198º, nºs 1 e 4 do CPC".

Cumpre decidir.

Tem vindo a ser entendido que este "pedido de indemnização" não é "civil" mas respeita a matéria que se enquadra na jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais ou que, se tal se não entender, sempre o requerente carece de interesse em agir por já ter a correr termos a respectiva execução para cobrança dos mesmos valores.

A cobrança das dívidas à segurança social tem um regime próprio.

O Decreto-Lei n. 42/2001, de 9 de Fevereiro considera dívidas à segurança social todas as contraídas perante as instituições do sistema de solidariedade e segurança social pelas pessoas singulares e colectivas, designadamente as relativas a contribuições sociais e taxas (art. 29;).

De acordo com o art. 39; do mesmo diploma legal é competente para instauração e instrução do processo de execução de dívidas à segurança social a delegação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social do distrito da sede do devedor, para o qual são remetidas as certidões de dívida (Cfr. tb. Artºs 3º;, nº; 3 alínea a), parte final e 22º do DL nº; 215/2007, de 29.05).

O mesmo diploma legal confere competência aos tribunais tributários de 1ª instância para decidir os incidentes, embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária (art. 59;).

O tribunal tributário é o detentor do poder jurisdicional para apreciar as questões relativas às dívidas à segurança social, incluindo a eventual responsabilidade subsidiária dos arguidos.

Os tribunais judiciais apenas exercem jurisdição em áreas não atribuídas a outras ordens jurídicas - competência residual (art. 211º;, n.º; 1 da Constituição da República Portuguesa).

Dispõe, ainda, o art. 18º;, n.º; 1, da LOFT J que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

Atento o disposto nos artigos 212º;, n.º; 3, da Constituição da República Portuguesa, estamos na presença de uma relação jurídica de natureza tributária cujo conhecimento compete aos tribunais administrativos e fiscais.

O desrespeito pelas regras de jurisdição produz efeito processual semelhante à falta de competência em razão da matéria, cuja violação determina a incompetência absoluta do tribunal que conduz à absolvição da instância cível (art. 101º;, 288º;, n.º;1 , alínea a) do Código de Processo Civil, ex vi art. 4º; do Código de Processo Penal).

Como resulta dos artigos 71º; e 72º;, do Código de Processo Penal, o princípio da adesão só se verifica quando o pedido de indemnização ou é deduzido no "tribunal civil" "em separado" ou é "enxertado" e "deduzido no processo penal respectivo".

Para além disso, para cobrança do peticionado a lei já estabeleceu a remessa da certidão para atinente instauração do processo de execução de dívida à segurança social pelo IGFSS (vd. DL n9; 42/2001, de 09.02 e artº 22º;, nº;s 1 e 2, do DL nº; 215/2007, de 29.05) pelo que tal execução já"se mostra em curso.

Os valores em dívida à segurança social já foram liquidados por parte da administração.

Desde que não seja impugnada a liquidação, nem deduzida oposição à execução, fica definida a situação contributiva constituindo tal liquidação título executivo apto à instauração de execução para cobrança das quantias devidas.

Na verdade, os interesses da segurança social já estão protegidos e salvaguardados, pois o legislador com vista a proteger o regular funcionamento do sistema de segurança social, garantindo o cumprimento das contribuições devidas, estabeleceu o regime do Decreto-Lei n.º; 42/2001, de 09.02.

«»

No que concerne à possibilidade aparentemente absoluta de enxerto de acção declarativa prevista no Código de Processo Penal, pelo que supra se sustenta, a mesma carece de fundamento.

O princípio da adesão com a faculdade/obrigatoriedade de enxertar acção declarativa no processo penal pressupõe por um lado a necessidade de tal acção (subjacente o princípio da economia processual) com vista a declarar o direito; por outro lado, é pressuposto que o tribunal comum onde a mesma é enxertada tenha poderes de jurisdição para decidir a relação material subjacente.

Nesta conformidade, as normas previstas no artº 71 e seguintes não são normas de competência/jurisdição mas apenas normas de «conexão».

Aliás, tanto é assim que mesmo em matéria de factos constitutivos do crime - que tenham natureza fiscal/parafiscal--- o tribunal criminal terá que respeitar a competência dos tribunais tributários: por isso a necessidade de suspensão do processo em casos de impugnação da liquidação ou de oposição à execução (fiscal ou parafiscal) prevista no referido artº 47º do RGIT.

Nesta conformidade este tribunal carece de jurisdição para decidir o que se reconduz à relação material atinente às contribuições para segurança social.

«»

Para além de tal questão, verifica-se a excepção de caso julgado.

O presente processo teve origem numa certidão proveniente do processo comum singular nº 809/04.6TACBR do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra.

Nesse processo nº 809/04.6TACBR, onde havia sido apresentado semelhante pedido, foi proferida decisão final cujo teor, quanto ao pedido de indemnização é o seguinte: «Julga-se improcedente o pedido cível e, consequentemente, absolvem-se os demandados do pedido» (fls 212).

Assim, parece que esta causa não passa de mera repetição da anteriormente enxertada no processo que deu origem à certidão mãe deste.

Vejamos se há identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado (artº 497º, CPC).

Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (art2 4982, CPC).

O Sr. Prof. Antunes Varela ensina que "para sabermos se há ou não repetição da acção, deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no artº 498º, mas também à directriz substancial traçada no nº 2 do artigo 497º, onde se afirma que a excepção da litispendência (tal como a do caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior" ["Manual...", 2! edição, pág. 302J.

No caso em apreço, é certo que todas as partes são as mesmas.

Ambos os pedidos são iguais: «que os mesmos sejam condenados a pagar, solidariamente, cotizações para a segurança social no montante de € 52.786,27» (cfr. fls 230).

O pedido traduz-se na providência que o autor solicita ao tribunal.

Partindo da noção que resulta dos artºs 274º, nº 2, alínea c) e 498º, nº 3, CPC, pode entender-se o pedido como o efeito pretendido pelo impetrante como forma de tutela do seu interesse.

É, como refere o Sr. Prof. Alberto dos Reis, "a pretensão de tutela jurisdicional visada pelo requerente" ["Código de Processo Civil Anotado", vol. 11, pág. 388), ou "o efeito jurídico que pretende obter", como refere o Sr. Prof. Antunes Varela [RLJ, ano 1152, pág. 245).

Confrontando os pedidos temos que são absolutamente semelhantes.

Ora, acerca do pedido foi já foi proferida a seguinte decisão, em relação à qual não foi interposto qualquer recurso: «Julga-se improcedente o pedido cível e, consequentemente, absolvem-se os demandados do pedido» (fls 212).

Mostra-se decidida a primeira causa por sentença que já não admite recurso (artº 497º, nº 1, 2ª parte, do CPC).

No que respeita à causa de pedir igualmente se apura coincidência.

A causa de pedir é o facto jurídico concreto de que emerge o direito do autor, e fundamenta a sua pretensão.

Qualquer que seja o sentido da expressão «factos criminais» que o ISS,IP invoca, o certo é que os factos concretos plasmados no requerimento inicial são exactamente os mesmos em qualquer dos «enxertos».

Assim, compulsados os articulados em causa e o anteriormente referido, logo se apura identidade de partes, de pedidos, de causa de pedir, assim se verificando a excepção de caso julgado.

Pelo exposto, e nos termos vistos, considero este tribunal carente de jurisdição bem como considero verifica da a excepção dilatória de caso julgado, nos termos do disposto nos artºs 288º, nº 1 alíneas a) e e) e 493º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil por força do artº 4º do Código de Processo Penal, relativamente ao "pedido de indemnização civil" apresentado pelo Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra do Instituto de Segurança Social, IP pelo que não recebo o pedido de indemnização.

Dispõe o artº 71º do CPP, que “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei” e, nomeadamente, nos casos previstos no artº 72º do mesmo diploma legal.

E, dispõe o artº 74º, nº 1 do CPP, que “o pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente”.

E lesado de acordo com Simas Santos e Leal-Henriques, no “Código de Processo Penal anotado”, I, 2ª ed., 405) é “toda aquela pessoa (singular ou colectiva) que tenha sofrido, por efeito do crime, prejuízos no seu património material ou moral e que de acordo com a lei civil mereçam a protecção do direito”.

O IGFSS é um instituto público dotado de autonomia administrativa e financeira, personalidade jurídica e património próprio. Daí que uma das suas atribuições seja “assegurar e controlar a cobrança das contribuições e das formas de recuperação de dívida à segurança social”

Ora, as entidades patronais são responsáveis perante as Caixas de Previdência, pelas contribuições devidas pelos trabalhadores em relação ao tempo em que estiveram ao serviço - artº 6º do DL 103/80, de 9/5.

E, nos termos do disposto no artº 107º, nº 1 do RGIT, “as entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos nºs 1 e 2 do artigo 105º”.

No caso vertente, foi deduzida acusação contra “P... – Construção, Lda”, J... e M…, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos arts 27º - B do RJIFNA aprovado pelo DL nº 20-A/90 de 15/1, na redacção introduzida pelo DL nº 394/93, de 24/11 e 140/95 de 14/6 e actualmente 107º do Regime das Infracções Tributárias. Consta da acusação que os arguidos no período entre Junho de 2000 a Março de 2003 apropriaram-se de quotizações sociais no montante de € 52.786,27.

Portanto, o IGFSS ficou privado do montante em causa. O prejuízo aqui em causa emerge da prática de um crime. No tipo legal de crime p.p. no artº 107º, nº 1 do RGIT tutela-se “o interesse do Estado na boa cobrança das receitas que lhe permitem sustentar o sistema de segurança social e, de alguma forma, também um interesse (ainda estatal, comunitário) na justiça e na equidade contributivas: sendo as prestações contributivas dos trabalhadores uma das várias fontes de receitas do orçamento da segurança social, a não entrega pontual das mesmas determinará um maior esforço contributivo das outras fontes de receitas, fazendo recair sobre terceiros cumpridores os efeitos negativos do incumprimento de alguns devedores”.

“O direito do IGFSS a receber as prestações contributivas dos trabalhadores, não sendo - ele próprio - o interesse particularmente tutelado na norma penal em referência, encontra-se mediatamente protegido na mesma: daí que lhe seja lícito, enquanto lesado, isto é, prejudicado no seu património com a prática do crime, deduzir o competente pedido cível, no âmbito de processo penal instaurado.

(Ac da Évora de 30/6/2004, processo nº 912/04-1 in www.dgsi.pt).

O facto do ISS ter outros meios para obter o pagamento das quantias em dívida, nomeadamente a execução fiscal, é pouco relevante. Na verdade, o facto de ISS ter título executivo que lhe permite cobrar, em execução fiscal, a dívida em questão não é menos verdade é que tal execução só poderia ser intentada contra a arguida “P…” que figura como devedora no título de cobrança. Em relação aos dois restantes arguidos, o ora recorrente não possui título executivo, sendo que a respectiva responsabilidade, porque subsidiária só se efectiva por reversão do processo de execução fiscal, sujeita aos condicionalismos previstos na lei.

Assim, para obter título executivo contra todos os arguidos, sempre o recorrente teria que formular o pedido cível dos autos, como o fez.

Mas ainda que assim não fosse, isto é, ainda que se entendesse que o recorrente dispõe de título executivo contra todos os arguidos, ainda assim não haveria fundamento para a rejeição do seu pedido cível mas, tão somente, para a sua condenação em custas, ao abrigo do preceituado no artº 449º, nºs 1 e 2, al. c) do CPC - neste sentido, cfr. Acs. RG de 21/10/2002 e de 28/04/2003, CJ ano XXVII, 4º, 287 e ano XXVIII, 2º, 295, respectivamente.

E, como é obvio, para conhecer do pedido de indemnização cível é competente o tribunal judicial, no caso em análise, o 3º Juízo Criminal de Coimbra.

Entendeu o Sr juiz que, em relação ao pedido cível se mostra verificada a excepção dilatória de caso julgado, nos termos do disposto nos arts 288º, nº 1 als a) e e) e 493, nº 1 e 2 do CPC.

Ora, os arguidos “P...”, J... e M...estavam acusados, no processo 809/04.6TACBR do 1º Juízo Criminal de Coimbra, pela prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social do artº 27º B do RJIFNA, onde a Segurança Social deduziu pedido cível, por força do princípio de adesão.

Tendo sido efectuado julgamento por decisão de 19/3/2007 julgou-se a acusação improcedente, “na qualificação aí perfilhada, absolvendo os arguidos, nesse enquadramento; e, verificando-se preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal de crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts 107º e 105º, 4 e 5 (este na redacção da Lei 53-A/2006, de 29/12), 6º, 1 e 7º, todos do RGIT – Lei 15/2001, de 5/06, em relação à P... – Construção, Limitada; p. e p. pelos arts 107º e 105º, 4 e 5 (este na redacção da Lei 53-A/2006, de 29/12), 6º,1 e 7º, 3, todos do RGIT – Lei 15/2001, de 5/06, em relação a J...; e p. e p. pelos arts 107º e 105º, 4 (este na redacção da Lei 53-A/2006, de 29/12), 6º,1 e 7º, 3, todos do RGIT – Lei 15/2001, de 5/06, em relação a M…, face à oposição dos arguidos na continuação do julgamento por tal matéria, absolvem-se os mesmos da instância nesta parte.

Julga-se improcedente o pedido cível e, consequentemente, absolvem-se os demandados do pedido”.

Portanto, os arguidos/demandados foram absolvidos do pedido cível porque o Tribunal entendeu e, como tal decidiu que “o princípio de adesão só se verifica quando do objecto do processo criminal faz parte o crime que é causa de pedir da acção cível. Naqueles casos em que a causa de pedir não é um crime que faça parte do objecto do processo, o pedido cível é inadmissível”.

Portanto, os arguidos foram absolvidos, por se ter entendido que aqueles factos de que vinham acusados integravam a prática de um crime diferente, crime esse de que, agora, estão a ser acusados.

O Tribunal entendeu que a actuação dos arguidos não era punível criminalmente pelo crime imputado e por isso absolveu os arguidos dentro daquele enquadramento jurídico. Assim sendo, não havia possibilidade de condenar os arguidos em indemnização, uma vez que a indemnização aqui em causa tem que emergir da prática de um crime.

As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa. Se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado (artº 497 do CPC).

Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

No caso vertente, não há dúvidas que estamos perante os mesmos sujeitos e o mesmo pedido mas, não já, quanto á causa de pedir.

Na verdade há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Ora, tal não acontece nos presentes autos. O pedido cível aqui deduzido emerge da prática de um crime pelo qual os arguidos foram acusados e que não é o mesmo crime pelo qual os arguidos foram absolvidos. Os arguidos foram absolvidos por se terem provados factos, que integram a prática de outro crime diferente e, por isso, foram absolvidos do pedido cível.

O pedido cível agora deduzido tem por base os factos dados como provados e que integram a prática de um crime diferente.

Logo, não há identidade de causa de pedir.

Assim, não se formou caso julgado.

Nesta conformidade, decidem os juizes desta Relação em, dando provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que admita o pedido de indemnização civil.

Sem tributação

Coimbra,

Alice Santos

Belmiro Andrade