Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
35/05.7JELSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: AUDIÊNCIA
CONTINUIDADE
GRAVAÇÃO DEFICIENTE
MOMENTO ARGUIÇÃO DA NULIDADE
Data do Acordão: 09/23/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 328º, 6 CPP E ARTº 9º DO DEC. LEI 39/95 DE 15/2
Sumário: 1. O prazo de trinta dias a que se refere o nº 6 do art.º 328º do CPP reporta-se apenas ao intervalo das sessões de audiência não sendo aplicável à fase da sentença.
2. O momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso, para arguir a nulidade por deficiência de gravação da audiência, só pode ser coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer.
Decisão Texto Integral: Em processo comum colectivo do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, por acórdão de 09.04.07, foi, para além do mais, decidido condenar cada um dos arguido A... e J..., como co-autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artº 21º nº 1 do Dec. Lei 15/93, de 22/1, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
Inconformados os arguidos interpuseram recurso.
O arguido J... formula as seguintes conclusões:
“1.° - Ficou demonstrado em sede de matéria de facto considerada provada no douto acórdão a comprovada actividade delituosa do recorrente. Todavia, a melhor valoração da prova da acusação produzida em audiência (com especial relevo para o depoimento da principal testemunha de acusação inspector da Polícia Judiciária P... inquirido e contra-instado pelo Tribunal em 26 de Março de 2008), não poderia conduzir o douto Colectivo à decisão de mérito proferida, com o reconhecimento da culpabilidade do recorrente.
2º- Na verdade, atento o depoimento da mencionada testemunhas de acusação, inspector da Polícia Judiciária (Cassete 1 e 2 nas já apontadas passagens – sobreditos 19, 20, 22, 23, 29 (o telefone com este número nunca foi encontrado) 51, 52, 53, 56, 153), que o douto acórdão reconhece como tendo sido “ um dos elemento da Polícia Judiciária que mais acompanhou a dita investigação” (a fls. 27 do douto acórdão), tendo prestado (ainda no dizer do douto mas recorrido acórdão “ um depoimento bastante importante pela visão de conjunto que permitiu obter dos “ antecedentes” da operação de apreensão de cocaína em causa nos presentes autos”- ibidem a fls. 28 do mesmo acórdão, não deveria servir “tout court" para a condenação do recorrente.
3º Pelo que o acórdão recorrido violou, por erro interpretativo, o disposto nos artºs 127º e 355º do CPP, validando meras opiniões, convicções e hesitações da apontada testemunha de acusação, inspector da Polícia Judiciária, P... e conferindo-lhes foros de imparcialidade, a ponto de fundamentar esse mesmo depoimento como essencial para o Tribunal ter alicerçado a sua convicção extraída nos termos do apontado artº 127º do CPP.
4º- Pelas apontadas razões, o recorrido e douto acórdão violou ainda, por manifesto erro interpretativo, o princípio "in dúbio pro reo" quanto ao recorrente, uma vez que nenhum nexo de causalidade - entre o facto e o sujeito activo - existe, no caso vertente, para se poder decretar a condenação do recorrente.
5º- É que, restaria demonstrar que eventuais telefonemas em que interveio o recorrente (e a Polícia não pode jurar que era a voz do recorrente que escutava, pois nunca tinha falado com este) se relacionavam com a importação de 93,5 kilos de cocaína e não apenas com a importação do grão de bico.
6.°- Ora essa destrinça não logrou o douto acórdão fazer e por isso aludimos a violação da lei (citados artº 127º e 355º do CPP e violação do princípio de presunção de inocência do arguido em Processo Penal constitucionalmente consagrada – artº 32º nº2 da CRP revista).”.
O arguido A... conclui a motivação pela seguinte forma:
“1. Conforme se verifica pelo exame das actas de discussão e julgamento, nomeadamente a efectuada em 5 de Dezembro de 2008, na qual alguns arguidos, entre os quais o ora recorrente, usaram da palavra pela última vez, e a efectuada em 7 de Abril de 2009, na qual foi lido o Acórdão final, a audiência esteve interrompida por um período superior a 30 dias.
2. Entre a sessão na qual se procedeu ao encerramento da produção de prova (5/12/2008) e leitura do Acórdão (7/4/2009) ocorreram vários adiamentos deste último no qual o Meritíssimo Juiz declarava sem efeito as datas que foram sendo aprazadas, "atendendo à evidente complexidade e vastidão do processo, bem como à necessidade de proceder a nova reunião de Colectivo (com a dificuldade acrescida de um dos respectivos membros ter sido entretanto movimentado para comarca geograficamente distante deste circulo judicial) " (fim de citação).
3. Decorrendo do sentido literal do nº 6 do artº 328° do C.P.P. e tendo em conta o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ com o nº 11/2008, sobre o processo nº 4822/07-3 de 29/10/2008 publicado no DR. I Serie n° 239 de 11 de Dezembro de 2008, o adiamento da audiência de Julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação.
4. "Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artº 363° do C.P.P".
5º. Na verdade, o nº 6 do artº 328° já citado utiliza a palavra AUDIÊNCIA e não encerramento da discussão, sendo por isso aplicável o princípio romano "ubi lex non distinguit, nec nos distinguire debemos".
6º. Para além disso, o artº 365º nº 1 expressamente refere que a deliberação segue-se ao encerramento da discussão fixando-se, posteriormente, no artº 373º um prazo curto de 10 dias para a elaboração da sentença e a sua leitura e ainda assim, "atenta a especial complexidade da causa".
7º. Considera-se, no entanto, pela fundamentação deste Acórdão que existe idêntica razão de decidir.
8º. Com efeito a fls. 8704 do DR citado diz-se nesse Acórdão:
9º. "A proximidade temporal entre aquilo que o Juiz apreendeu por sua observação pessoal e o momento em que deverá avaliá-lo na sentença, é elemento decisivo para a preservação das vantagens do princípio, pois um intervalo de tempo excessivo entre a audiência e o Julgamento tornará difícil ao julgador conservar, com nitidez, na memória os elementos que o tenham impressionado na recepção da prova, junto da sua observação pessoal sujeita a desaparecer com o passar do tempo". (fim de citação)
10. Destas palavras se pode concluir que no Acórdão do STJ atrás citado, foi sopesado o tempo entre o encerramento da discussão e a leitura da sentença.
11. E se é este o entendimento fixado neste acórdão, a sua fundamentação vai, neste caso vertente, ao encontro da situação existente. Isto é, de 5/12/2008 a 7/4/2009 distam precisamente 123 dias.
12. Mesmo descontando o período de férias do Natal e da Pascoa, num total de 21 dias, ainda restam 102 dias, pelo que, de uma forma ou de outra, não poderemos deixar de colocar em crise a memória humana, especialmente para os pequenos pormenores que são sempre insusceptíveis de ficarem gravados, como a atitude de testemunhas e arguidos, seus tiques, nervosismo ou serenidade, firmeza ou hesitação, tempo de resposta e alterações fisionómicas e corporais.
13. Mesmo admitindo uma memória mais duradoura por parte dos Meritíssimos julgadores, o que é certo é que o Advogado signatário não consegue, nem mesmo consultando os suportes técnicos lembrar-se, com a acuidade necessária, de todos os pormenores que conferem ou retiram credibilidade aos intervenientes na prova.
14. Até porque, esta audiência de julgamento, do seu início (26/3/2088) até ao encerramento da produção de prova (5/12/2008) durou precisamente 284 dias, nos quais se efectuaram 12 sessões de julgamento.
15. Lembramos que os próprios tribunais superiores, em jurisprudência uniforme, invocam a imediação de prova (e da qual estão arredados) para fundamentarem a sua recusa em sindicarem a livre convicção do julgador em primeira instância.
16. Nestes termos deverá ser determinado "in casu" a revogação da decisão recorrida, ordenando-se o seu reenvio ao Tribunal da 1ª Instância, a fim de que reveja a decisão recorrida, ordenando a repetição do julgamento de 1ª instância.
17. Ainda como questão prévia, constatou o recorrente que as suas declarações em audiência foram deficientemente gravadas sendo absolutamente impossível a sua transcrição, mínima que fosse.
18. O mandatário do recorrente contactou os serviços do tribunal indagando se os suportes técnicos originais na posse do Tribunal se encontravam em condições de inteligibilidade e a resposta da senhora funcionária confirma a mesma situação, informando que o recorrente teria aproximado demasiado a boca do microfone.
19. Seja como for, quer o recorrente quer o douto tribunal superior se acham impossibilitados de se socorrerem dessas gravações.
20. Na verdade, o advogado signatário recorda-se de diversas afirmações e explicações sobre a matéria de facto que o recorrente produziu em audiência, mas acha-se impedido de as apresentar na sua motivação do Recurso.
21. Nomeadamente, não pode o recorrente cumprir os ditames do nº 3 e 4 do artigo 412º do C.P.P., o que tem acarretado a rejeição dos recursos. Mas, se assim é, a exigência de transcrição de passagens das gravações será tão importante para o julgador como o é para o recorrente.
22. Uma das provas que o recorrente considera imporem decisão diversa da recorrida - as suas declarações - não se acha documentada com consequências inerentes sobre a eficácia da prova recolhida.
23. Jurisprudência uniforme em casos absolutamente similares tem entendido que se impõe a anulação do julgamento "in totum" com reenvio à primeira instância para a repetição do julgamento - vejam-se entre outros, Acórdãos nº 10168/05-9 e n° 10154/2002, ambos da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
24. O recorrente impugna os seguintes pontos da matéria de facto apurada no Acórdão recorrido.
25. Ponto 6- Não corresponde à verdade que os contactos do recorrente, quer pessoalmente quer por telefone, tenham tido qualquer relação com importação de produtos ilícitos.
26. O recorrente explicou em audiência a real natureza dos conhecimentos e contactos com essas pessoas.
27. Ponto 9- Debalde se procurará em qualquer chamada efectuada ou recebida por este telefone, ou outro qualquer, uma conversa onde se fala, clara ou veladamente de estupefaciente.
28. Ponto 10- O facto de o recorrente ter conhecido estas pessoas não implica que sequer lhes conhecesse qualquer actividade ilícita. Nas intercepções telefónicas fala-se de eventuais importações de frutas e não de estupefacientes.
29. O recorrente soube de detenção de uma dessas pessoas mas continuou a fazer a sua vida normal uma vez que nada tinha a ver com o sucedido.
30. Ponto 11- Vejam-se atentamente as conversações que o recorrente teve, ao telefone, com o tal Peixoto, porquanto é impossível em boa fé, retirar qualquer suspeita de envolvimento em algo ilícito.
31. Ponto 12- O E..., para o recorrente, não passava de alguém interessado em comprar fruta, especialmente bananas, ao C.... O C... solicitava a presença do recorrente para ajudar em eventuais importações, devido à sua grande experiencia anterior na importação e comércio de bananas quando ainda trabalhava por conta de outrém.
32. Ponto 13- O recorrente não conhece o tal P...; acompanhava o C... que o apresentou; para o recorrente não passava de um espanhol interessado em importações de bananas para a Europa.
33. Ponto 17- Novamente, não é possível extrair da conversa telefónica com o tal RA..., nada mais que trivialidades e hipóteses de negócios lícitos.
34. Não basta, contudo, dar-se como provado que o recorrente conversou, seria sempre necessário transcrever o que foi falado.
35. Ponto 18- Este facto é conclusivo e não corresponde à verdade no que ao recorrente se refere.
36. Ponto 19 e 20- O recorrente combinou ajudar numa importação de grão e nada mais. Nunca falou com ninguém sobre importação de algo ilícito.
37. Ponto 23- O recorrente não iria pagar as despesas da importação do grão já que a sua participação era meramente acessória. O negócio era do C... e, pela sua ajuda, o recorrente poderia receber uma comissão na venda de um dos contentores já que o C... lhe dizia que um dos contentores já tinha comprador firme.
38. Ponto 26- O recorrente não pode ter uma única conversação telefónica, naquele período ou fora dele, com vista a trazer estupefaciente em conjunto com o grão. Nem uma única.
39. Ponto 30- O recorrente falava abertamente de importação de grão ou frutas; nunca de estupefacientes nem sequer veladamente.
40. Ponto 35 a 50- estes factos correspondem à verdade, na parte que respeita ao recorrente, o qual teve o ensejo de explicar em audiência que o C... pretendia há muito tempo fazer sociedade consigo, para expandir o negócio a que ele, C..., se dedicava - importação e comércio por grosso de frutas e batatas.
41. Daí que a reactivação da firma que o recorrente possuía e que se achava adormecida, tenha parecido absolutamente natural, para o inicio desta sociedade.
42. Aliás não se vê qualquer estranheza ainda agora (depois de conhecer a existência e cocaína dissimulada no grão) porquanto o recorrente e o C... deram o seu nome e identificação abertamente - mais abertamente que isto não poderia ser.
43. O contrário seria se o recorrente e o C... constituíssem uma firma falsa, com nomes fictícios.
44. Não se vê, pois, em que é que as formalidades processadas pelo recorrente e C... para a firma ..., possam fundamentar qualquer suspeita.
45. Muito pelo contrário.
46. Ponto 48- Quanto ao armazém de Lavos retira-se até deste facto que o recorrente se limitou a arrendar aquele imóvel PARA O C..., já que o senhorio exigia a firma ASP do recorrente por não confiar na rentabilidade da firma do C... - a T....
47. O recorrente, na prática, nada pagou pois o C... devolveu-lhe a importância da renda do primeiro mês.
48. O recorrente nunca utilizou aquele armazém com excepção do estacionamento raro e ocasional de alguns dos seus camiões.
49. O incumprimento do contrato apenas pode ser imputado, na prática, ao C..., e o ponto 49 é disso bastante prova.
50. Pontos 51 a 103 - Todos estes factos correspondem à verdade, na parte que respeita ao recorrente, e apenas manifestam a sua ajuda na importação de grão.
52. Em lado nenhum destes factos se retira qualquer conhecimento do recorrente quanto à dissimulação de cocaína.
53. Ponto 55- Deste facto, fica provado que o recorrente não sabia qual era o nome da empresa expedidora. Quem sabia disto era o C....
54. O recorrente, porque mais experiente, ajudou com os documentos e facturas e contactos com o despachante.
55. Não aplicou nenhum dinheiro, nem sequer o pagamento do despacho alfandegário.
56. O negócio do grão não era seu, limitou-se a ajudar na importação e cabia-lhe a venda do único contentor para o qual o C... ainda não tinha comprador.
57. Ponto 104- Esse facto, mesmo irrelevante, não corresponde à verdade, pelo menos no que se refere ao recorrente, o qual não tinha combinado nem sequer apresentou a possibilidade de ir ao encontro do veículo que transportava os contentores. 58. Ponto 110- Só neste facto se manifesta a razão do encontro do recorrente com o condutor do camião - "uma avaria no motor do pesado".
59. O veículo em causa tinha problemas com o acelerador e o recorrente (toda a sua vida em camiões) percebe de mecânica pelo que foi lá resolver a avaria.
60. Ponto 113- Todavia, a resolução da avaria foi necessariamente muito precária, até porque, mais à frente o recorrente telefona ao condutor do pesado e diz-lhe para parar na borda para "passarem" um cabo "pela frente e depois viam", "que é assim que eu já tenho feito, já fiz mais vezes".
61. Na verdade, o que o recorrente fez e estava patente no veículo apreendido, foi estabelecer uma ligação com um arame do acelerador dentro do motor para a cabine do condutor (o qual passou a acelerar com a mão nesse arame)
62. Tratou-se de um “desenrascanço” à boa maneira portuguesa.
63. Esta improvisação justifica o acompanhamento pelo recorrente uma vez que, em qualquer altura, poderiam surgir novos problemas.
64. De notar que o douto Acórdão recorrido dá como Não Provado que "o recorrente tenha conduzido o seu veículo atrás do pesado, "por forma apenas a verificar se estava ou não a ser seguido pela Policia Judiciária" (pag. 21 - 7°periodo)
65. Ponto 114- A precariedade deste "arranjo" leva o recorrente, 'chegada à figueira da Foz, a sugerir ao condutor do pesado que era melhor deixar o pesado no parque da empresa "SP...".
66. Foi, efectivamente, o recorrente quem se lembrou de fazer estacionar o pesado no parque da SP... e explicitou as suas razões nas suas declarações em audiência.
67. O veículo podia ficar imobilizado a qualquer momento e nesse local ficava guardado até se arranjar um mecânico que resolvesse melhor a avaria.
68. Veja-se, a fls. 1133, dos autos, o relato de vigilância externo, na parte em que refere:
69. "17hl0- O T… e o Motorista X... saem do restaurante, entrando já no Opel Corsa ..........., seguem pela NI09 até uma oficina que tem um letreiro com os dizeres "electrónica" (a seguir à saída da SP...). À porta estão muitos camiões, eles parqueiam o carro e saem os dois" (fim de transcrição)
70. Pontos 121 e 122 - Esta conversa do J... segundo a qual andavam atrás dele, nunca o recorrente percebeu bem o sentido e muito menos que era a policia que andaria atrás dele.
71. O recorrente desvalorizou estas palavras, até porque se tratavam de assuntos do J... com os quais nada tinha a ver.
72. O recorrente fez a sua vida normal, foi ao seu armazém na Gala, tentou encontrar um mecânico para aquele tipo de avaria e, não o conseguindo, foi para casa, sendo interceptado pela Policia no trajecto.
73. A sua intervenção tinha terminado e, a partir daí, o C... é que dominava.
74. A este respeito, sempre se dirá que o C... estava indeciso em levar o veículo pesado para o armazém de Lavos ou para um outro armazém que tinha alugado recentemente na Morraceira à firma transportes…..
75. Esta hesitação, conforme relatou ao recorrente, devia-se ao facto de se achar em incumprimento de rendas com o senhorio no armazém de Lavos por um lado e de não se achar pronto ainda o novo armazém, por outro.
76. De qualquer forma, o recorrente nada tinha a ver com esse assunto, competindo-lhe apenas, daí para a frente, encontrar comprador para o grão de um dos contentores.
77. Que era o C... quem dominava esta operação de importação também o prova ter sido este quem contratou o António X... para efectuar o transporte.
78. Sendo um facto que as aparências estão contra o recorrente, usado na sua boa-fé de forma que ainda hoje lhe custa a crer, porquanto era amigo do pai do C... e também estimava este, o que é certo é que se acha ABSOLUTAMENTE INOCENTE.
79. O douto tribunal recorrido não conseguiu desfazer a confusão entre toda uma actividade e participação numa importação de grão e a outra actividade de dissimulação de cocaína em um dos contentores, do qual já o C... tinha comprador.
80. Todos os actos e conversas, pessoais ou telefónicas do recorrente com quem quer que seja têm a ver somente com a operação de importação de grão.
81. O recorrente pensava que as escutas telefónicas resultariam a seu favor perante os seus julgadores e de facto, lidas e relidas, em objectividade, em lado nenhum as conversas interceptadas o envolvem na parte da cocaína.
82. O douto tribunal recorrido utilizou os seus poderes de livre convicção, interpretando as conversas das escutas telefónicas de uma forma infeliz e não consentânea com a objectividade de sentido contrário do seu conteúdo.
83. Incorrem, pois, o Acórdão recorrido em ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA - o que se invoca, para os devidos e legais efeitos.
84. As transcrições das escutas telefónicas são um dado objectivo e transcrito nos autos.
85. Todavia, a despeito dessa objectividade, os mesmos podem ser interpretados de várias maneiras.
86. Durante a prestação da declaração em audiência, o recorrente podia e devia ser confrontado com essas conversas, para mais quando, ao que parece, o douto tribunal já teria uma sua interpretação em desconformidade com essas declarações.
87. O recorrente tem 58 anos de idade e não tem antecedentes criminais. O recorrente é casado, vive em casa própria e é tido, junto daqueles que consigo mais convivem de perto e interagem na comunidade onde se situa a sua casa de habitação, por pessoa trabalhadora, responsável e respeitadora.
88. O recorrente tem uma empresa de transportes, com 12 veículos pesados ao seu serviço e quinze empregados ao seu cargo. (pontos de matéria de facto provados 161 a 167 do douto acórdão recorrido e relatório do LR.S.)
89. Neste contexto, as exigências de prevenção geral e especial são mínimas pelo que a pena fixada de 6 anos e 6 meses de prisão não se acha adequada, por manifesto excesso, à intensidade da culpa
90. No caso vertente sempre se dirá que, a suspensão da execução da pena de prisão constitui uma ameaça suficientemente forte para evitar o cometimento de novas infracções, sendo o recorrente primário, trabalhador e perfeitamente inserido na comunidade onde reside.
Violaram-se as disposições:
• Artigo 328 nº 6 do C.P.P., porquanto entre o encerramento da produção de prova e a leitura da sentença passaram 123 dias.
• Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 11/2008, sobre o processo 4822/07-3 de 29-10-08, publicado no D.R. 1 serie nº 239 de 11 de Dezembro de 2008, que comi na de ineficácia toda a prova quando ocorra excesso de prazo máximo 30 dias.
• Artigo 412° nº 4 do C.P.P., "a contrario", quando a gravação da prova se achar ininteligível, não pode o recorrente cumprir a exigência legal.
• Artigo 410 nº 2 al. c) do C.P.P., por vicio de erro notório na apreciação da prova consubstanciada nas transcrições das escutas telefónicas, as quais não permitem, na sua objectividade e enquadramento com a restante matéria fáctica, as conclusões tiradas pelo douto tribunal recorrido.
• Artigo 70 nº 2 do C.P., porquanto, a pena fixada excedeu a medida da culpa.
• Artigo 50° nº 2 do C.P., porquanto não se atendeu a um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena se a mesma for fixada abaixo dos 5 anos de prisão.
Impugnação da Matéria de Facto
Artº 412º nº 3 do CPP
Os pontos de facto consubstanciados nas transcrições das escutas telefónicas (dados objectivos) acham-se incorrectamente julgados, na medida em que não permitem a interpretação que deles faz o douto acórdão recorrido.
Haverá, pois, no âmbito deste recurso que proceder ao seu estudo atento, já que foi sobre este meio de prova que essencialmente se fundamentou o douto acórdão.
Nomeadamente, importará inserir em todo o seu contexto, as frases repescadas pelo douto tribunal "a quo" no seu acórdão.
O depoimento da testemunha O..., foi desvalorizado sem razão aparente pelo douto tribunal "a quo".
Assim cumprindo a Defesa o disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 412º do C.P.P.
As provas que impõem decisão diversa são as declarações do recorrente em audiência (se porventura a sua gravação aparecer inteligível) bem como o depoimento da testemunha O... "X...", o qual já se acha transcrito nas passagens consideradas relevantes nesta Motivação, pelo que se torna inútil a sua repetição.”.
Respondeu o MP, concluindo que os recursos deverão ser julgados improcedentes.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, tendo sido requerida pelo arguido António a audiência, apôs o visto a que alude o artº 416º nº 2 CPP. Colhidos os vistos, e realizada a audiência, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:
“ 1 - Os arguidos C... e A..., ambos residentes na zona da Figueira da Foz, eram conhecidos um do outro havia diversos anos, sendo amigos, dedicando-se o arguido C... ao comércio de frutas e o arguido A... ao transporte de mercadorias;
2 - assim, o arguido C... era titular da empresa unipessoal "Frutas T…, de C…", sedeada na sua residência sita no….. Figueira da Foz;
3 - por seu turno, o arguido A... era sócio-gerente da empresa "A.S.P., , Lda.", com sede na sua residência sita na Rua … Figueira da Foz;
4 - no mês de Janeiro do ano de 2005, os arguidos C... e A... deslocaram-se ao Brasil;
5 - mais tarde, e já de regresso a Portugal, o arguido C... procedeu a importações do Brasil de contentores com limas, ocorridas no mês de Março de 2005;
6 - entretanto, e a partir de Março de 2005, aqueles dois arguidos C... e A... mantiveram diversos contactos telefónicos quer com um indivíduo português a residir em Espanha, quer com um indivíduo brasileiro a residir no Brasil, com o objectivo de prepararem a importação de estupefacientes que seriam, depois, entregues pelos arguidos a terceiros para efeitos de futura comercialização;
7 - assim, no período compreendido entre Março de 2005 e Dezembro do mesmo ano, o arguido C... utilizou o telefone móvel nº … tendo mantido através do mesmo conversas com o indicado propósito;
8 - o arguido C... utilizou ainda para aqueles fins um telefone da rede fixa instalado na sua casa, com o nº …, registado em nome da sua empresa, e um fax também registado em nome da empresa e instalado na sua casa, com o nº …;
9 - no período compreendido entre Março de 2005 e Dezembro do mesmo ano o arguido A... utilizou o telefone móvel nº …, tendo mantido através do mesmo algumas conversas com o indicado propósito;
10 - contudo, tais contactos cessaram, e os indivíduos aludidos no ponto º dos presentes factos provados vieram a ser detidos, respectivamente em Portugal e no Brasil, tratando-se de E…, detido em Almeirim, em 21 de Junho de 2005, na posse de cerca de 4.200 quilogramas de cocaína, e RA…, cidadão brasileiro, detido no Brasil, em 19 de Dezembro de 2005;
11 - com vista ao referido propósito de preparar uma futura importação de estupefacientes, o arguido C... manteve conversas telefónicas com o E... nos dias 9 e 11 de Março de 2005, 28 e 29 de Abril de 2005, 23, 24, 25 e 30 de Maio de 2005, e 15, 16 e 19 do mês de Junho de 2005, e o arguido A... manteve conversações telefónicas com o mesmo E... nos dias 6 de Abril de 2005 e 19 de Junho de 2005;
12 - tendo em vista o mesmo fim os arguidos C... e A... encontraram-se pessoalmente com o E... nos dias 11 de Março de 2005, 11 de Abril de 2005 e 6 de Maio de 2005 na Figueira da Foz, e nos dias 24 de Maio de 2005 e 16 de Junho 2005 em Lisboa;
13 - em um desses encontros, mantido em Lisboa no dia 24 de Maio 2005 (no centro comercial "El Corte Inglês"), esteve presente com os arguidos e com o E... um indivíduo de nome C…, natural da Colômbia e residente em Espanha, referenciado pelas autoridades espanholas por tráfico de estupefacientes;
14 - na conversa telefónica mantida entre o E... e o arguido C... que preparou esse encontro em Lisboa, o primeiro disse ao arguido que "eles querem acertar tudo com vocês de lá para cá", referindo-se a uma combinação entre os indivíduos a operar no Brasil e os que operavam na Europa;
15 - na sequência da detenção do E... o arguido C... passou a utilizar, a partir de Julho de 2005, outro telefone móvel, com o nº …, que forneceu aos seus interlocutores;
16 - com o mesmo propósito também o arguido C... manteve conversas telefónicas com o RA... nos dias 17, 22 e 29 de Março de 2005, 4 de Abril de 2005, 21 de Junho de 2005, 25 de Julho de 2005, 14 de Agosto de 2005 e 23, 28 e 29 de Novembro de 2005;
17 - também o arguido A... falou por telefone com o RA... no dia 22 de Março de 2005;
18 - não obstante as detenções e apreensões aludidas no ponto 10 da presente matéria factual, os arguidos C... e A... não abandonaram o propósito de virem a importar droga, continuando a manter contactos com tal finalidade, tendo passado a pretender receber os estupefacientes por outro país que não o Brasil, atenta a detenção do referido RA...;
19 - assim, a dado momento não concretamente apurado dos inícios do ano de 2006, os arguidos C... e A..., agora já em conjugação de esforços com o arguido J..., trataram de preparar em conjunto a importação de cocaína a coberto da importação de grão de bico proveniente do Uruguai;
20 - pretendiam utilizar o transporte por via marítima de contentores com mercadoria lícita, e nos quais seria dissimulado o produto estupefaciente;
21 - os arguidos J... e A... eram conhecidos um do outro havia alguns anos, pois o primeiro também trabalhara na área da camionagem;
22 - o arguido J... encetou contactos telefónicos com indivíduos residentes em países sul americanos, designadamente Brasil e Uruguai, para concretizar a importação do grão (e que traria, em conjunto, a substância estupefaciente);
23 - o mesmo arguido J... ficou incumbido também de conseguir o dinheiro para se efectuar o pagamento das despesas aduaneiras da importação;
24 - por seu turno, os arguidos A... e C... ficaram incumbidos de conseguir uma empresa em nome da qual se procederia à importação e de efectuar os contactos com a alfândega;
25 - estes dois arguidos tratariam também do transporte da mercadoria quando a mesma chegasse a Portugal, e bem assim da sua guarda em armazém;
26 - em tal sequência, no período compreendido entre Março de 2006 e 25 de Maio do mesmo ano os três arguidos utilizaram telefones móveis para combinarem entre si e com terceiros os procedimentos a desencadear com vista à importação e transporte da mercadoria que traria em conjunto o estupefaciente;
27 - nesse período o arguido A... continuou a utilizar o telefone móvel n.º …;
28 - o arguido C... continuou a utilizar o telefone móvel nº …;
29 - por último, o arguido J... utilizou o telefone móvel nº …;
30 - todavia, nas conversas mantidas através dos telefones móveis os três arguidos nunca falavam abertamente da importação que se encontravam a preparar;
31 - juntamente com F…, o arguido A... era sócio de uma sociedade comercial denominada "..., CL…,Lda.", a qual tinha como objecto social a logística e o transporte de mercadorias;
32 - tal sociedade fora criada por contrato celebrado em 29 de Setembro de 1999 e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Pombal no ano de 2001; 33 - em 2005 e 2006 a sociedade em causa não tinha, contudo, actividade, sendo que na morada da sede, sita na Rua …, em Pombal, se encontrava a laborar uma outra empresa;
34 - a sociedade "..., CL…, Lda." titulara uma conta bancária aberta no balcão de Buarcos (Figueira da Foz) do "Banco Espírito Santo, S.A." que, entretanto, fora cancelada;
35 - foi então decidido entre os arguidos que utilizariam a sociedade "..., C L…, Lda." para procederem à importação do grão, processando-se a despesa da importação em nome desta empresa;
36 - tal foi sendo transmitido pelo arguido J... às pessoas que contactava e que tratariam da exportação do grão;
37 - o arguido A... diligenciaria ainda pela reactivação da conta bancária do "Banco Espírito Santo, S.A." em nome da sociedade "..., CL…Lda.";
38 - por outro lado, foi decidido que o arguido C... passaria a ser sócio da mencionada sociedade, pois para movimentar a conta bancária seriam necessárias duas assinaturas;
39 - assim, em 2 de Maio de 2006 foi celebrado um contrato-promessa de cessão de quotas no qual o acima indicado sócio da "...,CL….", FP..., cedeu a sua quota ao arguido C..., que a aceitou, tendo o arguido A... prestado o seu consentimento a tal cessão;
40 - os arguidos A... e C... decidiram então alterar a designação da firma para ".XX.., , Lda.";
41 - o arguido C... diligenciou junto do despachante alfandegário pela remessa da documentação necessária aos trâmites alfandegários;
42 - assim, em finais de Abril de 2006 o arguido C... contactou a testemunha PG..., despachante alfandegário, e solicitou-lhe informações sobre taxas a pagar pela importação de grão desde o Uruguai;
43 - algum tempo antes, tal despachante já tratara para o arguido C... de procedimentos alfandegários respeitantes à importação desde Marrocos de contentores com batata;
44 - os arguidos procederam então, em nome da sociedade "...,XX….", à importação de dois contentores com grão, sendo que em cada contentor (com os n.os…) seriam expedidos 10.000 quilogramas de grão (200 sacos de 50 quilogramas cada);
45 - o destino dos contentores seria o porto de Lisboa;
46 - os arguidos combinaram que quando os contentores fossem desalfandegados seriam transportados do porto de Lisboa até um armazém sito em Lavos, na Figueira da Foz, arrendado pela empresa "A.S.P., Lda.", pertencente ao arguido A..., e utilizado por si e pelo arguido C..., e no qual este último guardava a mercadoria (designadamente frutas tropicais) que importava através da empresa "Frutas T...";
47 - de facto, o arguido A..., através da sua empresa "A.S.P., Lda.", arrendara, em Maio de 2000, à empresa "UU. -, Lda." três armazéns sitos em Fontes, freguesia de Lavos, na Figueira da Foz, situando-se todos juntos mas sendo independentes uns dos outros;
48 - o primeiro pagamento da renda foi efectuado pelo arguido A... mas os restantes foram-no pelo arguido C...;
49 - para pagamento de rendas em atraso, o arguido C..., em nome da sua empresa "Frutas T...", assinou, em 20 de Janeiro de 2006 e 20 de Abril do mesmo ano, letras de câmbio no montante de € 9.582 e € 7.186,50, sendo a segunda a reforma da primeira;
50 - os arguidos deixaram de pagar as rendas no decurso do ano de 2005, embora tenham continuado a utilizar o armazém;
51 - para concretizar procedimentos relativos à importação, os arguidos A... e J... encontraram-se, no dia 4 de Maio de 2006, em Lisboa, na zona de Alcântara (na sequência de conversa telefónica entre ambos mantida e pela qual combinaram reunir-se para tratar "daquele assunto");
52 - no dia 5 de Maio de 2006 (uma sexta-feira), os arguidos A... e J... falaram por telefone, pelas 12 horas e 52 minutos, tendo o primeiro perguntado ao segundo pelos "papéis" (referindo-se à documentação relacionada com a importação), ao que este último disse que ainda não conseguira falar "com o gajo";
53 - às 14 horas e 15 minutos do mesmo dia 5 de Maio de 2006, o arguido J... falou por telefone com um indivíduo de identidade desconhecida que se encontrava no Brasil e disse-lhe precisar de falar com urgência com um tal de Francisco porque os documentos ainda não tinham chegado;
54 - ainda às 20 horas e 14 minutos do referido dia 5 de Maio de 2006, os arguidos J... e A... falaram, de novo, por telefone, tendo aquele informado este que já falara com o "homem" e que "saíram de lá hoje e estão cá na terça-feira", referindo-se aos documentos que foram remetidos do Uruguai para os arguidos e respeitantes à importação;
55 - o arguido A... perguntou pelo "número", ao que o arguido J... disse que o outro "mandara fora" os papéis, o que levou a que o arguido A... manifestasse incredulidade quanto a tal, dizendo que o número era necessário para levantar a documentação ou então saber o nome da empresa expedidora, respondendo o arguido J... não saber qual era a empresa expedidora;
56 - o arguido J... mantivera a conversa com o indivíduo a residir no Brasil através de outro telefone que não o que habitualmente utilizava;
57 - no dia 7 de Maio de 2006, pelas 16 horas e 7 minutos, aqueles dois arguidos - A... e J... - voltaram a falar por telefone, perguntando o arguido A... se o arguido J... já falara com o "primo", ao que este respondeu que os documentos chegavam na terça-feira e que "vinha tudo";
58 - o arguido A... disse então que o levantamento da documentação se processaria em Leiria e perguntou se era na "D.H.L.", o que o arguido J... confirmou;
59 - no dia 9 de Maio de 2006 (uma terça-feira), os três arguidos C..., A... e J... encontraram-se em Leiria, onde se dirigiram à agência da empresa expedidora "D.H.L.", para onde fora remetida, do Uruguai, a documentação necessária ao desalfandegamento da mercadoria;
60 - pelas 13 horas e 45 minutos chegaram ao local os arguidos A... e C..., que viajavam juntos no veículo automóvel de matrícula 46-63-PL, pertença do arguido A..., enquanto o arguido J... ali já se encontrava no automóvel de matrícula 94-80- TN;
61 - pelas 14 horas e 32 minutos, e após terem entretanto almoçado, os arguidos A... e C... dirigiram-se para as instalações da agência da "D.H.L." enquanto o arguido J... aguardou no exterior;
62 - nas instalações agora referidas foi entregue ao arguido A... documentação oriunda do Uruguai e reportada à dita importação, documentação que este solicitou na agência e que era dirigida à sociedade "..., XX, Lda.";
63 - tal documentação compreendia os originais do chamado "B.L." (bill of landing), respeitando um a cada contentor, e as facturas emitidas pela empresa exportadora do grão, do que os arguidos então se inteiraram;
64 - ainda nesse dia, pelas 22 horas e 45 minutos, o arguido J... telefonou para o Uruguai e falou com um indivíduo de identidade desconhecida, ligado ao despacho alfandegário da exportação da mercadoria, a quem disse que tinham enviado dois contentores de grão e os documentos já tinham chegado mas não o "modelo A", sendo que sem este teria de pagar imposto;
64 - o interlocutor disse ao arguido J... desconhecer o que era o "modelo A";
66 - no dia 10 de Maio de 2006, pelas 9 horas, os arguidos J... e A... falaram por telefone, tendo o arguido J... indicado ao arguido A... o número de fax do despachante do Uruguai (correspondente ao número de telefone para onde ligara no dia anterior), adiantando que era preciso mandar uma cópia de um "modelo A" qualquer, pois lá (Uruguai) não conheciam o "papel";
67 - nesse mesmo dia 10 de Maio de 2006, cerca das 10 horas e 5 minutos, o arguido C... telefonou ao despachante PG..., que lhe perguntou pelos dados da empresa "..., XX, Lda." e pela documentação relacionada com a importação, tendo o arguido dito que já remetera a documentação original por correio azul e que ia remeter de seguida cópia por fax;
68 - depois, o arguido C... questionou o despachante sobre a previsível data de chegada dos contentores, tendo aquele dito não saber mas que tinham saído "de lá" no dia 29 de Abril passado;
69 - ainda nesse dia o referido despachante recebeu, via fax, a documentação em causa, referente aos dois contentores, composta pelos bill of landing, e facturas emitidas pela exportadora, constando da mesma a indicação manuscrita de que a empresa importadora era a "..., XX, Lda.";
70 - tal fax foi expedido pelas 10 horas e 43 minutos, através do nº 233930190, pertença da empresa "Frutas T..." e instalado na residência do arguido C..., sendo que a menção "XX" fora indicada pelo mesmo arguido C..., conforme acordara com o arguido A...;
71 - no dia 16 de Maio de 2006, pelas 10 horas e 39 minutos, os arguidos C... e A... falaram por telefone, dizendo o arguido A... que o arguido J... estava sem dinheiro para pagar a factura mas que lhe dissera para se "desenrascar";
72 - pelas 17 horas e 38 minutos desse mesmo dia 16 de Maio de 2006, os arguidos A... e J... combinaram pelo telefone o pagamento da quantia devida ao despachante, dizendo o primeiro que teria de fazer a transferência da conta da sociedade "..., XX, Lda." e que esta não tinha dinheiro, mais relembrando ao arguido J... que uma ou duas semanas antes lhe dissera (ele, arguido J...) que "não havia problema nenhum com isso e não sei quê e tal...";
73 - no dia 17 de Maio de 2006, às 10 horas e 1 minuto, o arguido A... disse, por telefone, ao arguido J... que no dia seguinte tinham de resolver tudo, pois na segunda "é que coiso", referindo-se à necessidade de entregar o dinheiro para pagar as despesas da Alfândega;
74 - pelas 14 horas e 26 minutos desse dia 17 de Maio de 2006 o arguido C... foi informado, por telefone, pelo despachante PG... de que o grão chegava no dia 22 do mesmo mês de Maio (uma segunda-feira), e estaria disponível para levantamento em 23 ou 24 do mesmo mês;
75 - no dia 18 de Maio de 2006, pelas 12 horas e 45 minutos, o arguido J... falou ao telefone com a testemunha VT..., seu amigo, referindo-lhe que necessitava de arranjar, ainda nesse dia ou até às 10 horas do dia seguinte, a quantia de € 2.000;
76 - o aludido VT..., cerca das 14 horas e 44 minutos do dia 18 de Maio de 2006, informou por telefone o arguido J... de que poderiam encontrar-se no dia seguinte, pelas 10 horas, altura em que aquele entregaria a este último a referida quantia de € 2.000;
77 - pelas 15 horas e 37 minutos do dia 18 de Maio de 2006, o arguido J... telefonou ao arguido A... e informou-o de que já conseguira arranjar o dinheiro (€ 2.000) para o dia seguinte, à hora de almoço;
78 - disse então o arguido A... que tinha de ser nesse próprio dia (18 de Maio de 2006) até ao final da tarde porque a "..., XX, Lda." não tinha a conta bancária activada e já a fora activar, pelo que precisava do dinheiro para depositar na conta;
79 - o arguido J... respondeu que por volta das 11 horas e 30 minutos deveria ter o dinheiro na mão, lembrando-lhe o arguido A... que no dia seguinte tinha de ser feita a transferência para o despachante;
80 - o arguido A... mencionou ainda na conversa que a conta da empresa "..., XX, Lda." estava sem movimento desde dois ou três anos e com a transferência do dinheiro "eles vão saber";
81 - pelas 9 horas e 33 minutos do dia 19 de Maio 2006, o arguido A... telefonou ao arguido J... para saber novidades, dizendo este último que estava à espera do homem que lhe trazia o dinheiro e que esperava estar lá à hora de almoço, referindo-se ao local combinado com o arguido A... para se encontrar com este e lhe dar o dinheiro;
82 - durante a manhã desse dia a testemunha VT... encontrou-se com o arguido J... e entregou-lhe, em numerário, a título de empréstimo, a quantia de € 2.000;
83 - já pelas 14 horas e 17 minutos do mesmo dia 19 de Maio de 2006, os arguidos A... e J... voltaram a falar por telefone, combinando encontrar-se ambos no "Restaurante L…, em Coimbra;
84 - os arguidos encontraram-se então em tal restaurante, tendo o arguido J... entregue ao arguido A..., em numerário, a quantia monetária de € 2.000 que recebera da testemunha VT...;
85 - nesse dia (sexta-feira), os arguidos A... e C... dirigiram-se, pelo final da tarde, ao balcão do "Banco Espírito Santo, S.A.", na localidade de Carapinheira, Figueira da Foz, a fim de falarem com o gerente e ora testemunha LP...;
86 - o aludido LP… exercera anteriormente funções no balcão de Buarcos e já conhecia o arguido A...;
87 - os arguidos A... e C... referiram então à testemunha que tinham urgência em reactivar a conta da sociedade "..., Companhia Logística e Transportes Europeus - Import e Export, Lda.", pois pretendiam fornecer a um terceiro o número de identificação fiscal (N.I.B.) da mesma para ser efectuada uma transferência;
88 - como o balcão já estava encerrado ao público, a testemunha LP... aceitou ficar com a documentação que lhe foi entregue pelos arguidos, combinando que estes teriam de lá voltar no dia útil seguinte (segunda-feira, 22 de Maio de 2006) para assinar os formulários;
89 - tal documentação continha o já acima mencionado contrato-promessa de cessão de quotas para o arguido C... e o contrato de constituição da sociedade "..., XX, Lda.";
90 - os arguidos A... e C... procederam ainda nesse dia, na presença da testemunha, ao depósito em numerário no cofre "depósito directo" da quantia monetária de € 2.000, que o arguido A... havia recebido do arguido J...;
91 - então, na segunda-feira seguinte, dia 22 de Maio de 2006, os arguidos A... e C... deslocaram-se de novo à mesma agência bancária e procederam à reactivação da mencionada conta (com o nº 0001.5138.0141), titulada pela sociedade "..., XX, Lda.", passando a constar da respectiva ficha de assinaturas, preenchida nesse dia, o nome dos dois arguidos;
92 - no mesmo dia 22 de Maio de 2006, pelas 16 horas e 13 minutos, os arguidos A... e J... falaram por telefone, perguntando o arguido J... ao arguido A... se este último ia "lá a baixo", referindo-se a Lisboa, ao que o arguido A... respondeu que estava difícil e perguntou àquele arguido J... se não viria ele para "aqueles lados", referindo-se à Figueira da Foz;
93 - estes dois arguidos encontraram-se então, pelas 21 horas e 55 minutos do dia 22 de Maio de 2006, na área de serviço das Caldas da Rainha da Auto-Estrada A8;
94 - no dia 23 de Maio de 2006 chegou ao porto de Lisboa o navio "F…", que transportava os dois referidos contentores, nºs …, com os sacos de grão importados pela firma "..., XX, Lda.", sendo que em um deles era igualmente transportada cocaína;
95 - nesse dia, pelas 14 horas e 28 minutos, o arguido C... falou, por telefone, com o despachante, que o informou de que em relação ao grão só no dia seguinte é que teria os documentos, uma vez que o navio se atrasara;
96 - o despachante informou ainda o arguido C... de que o navio se chamava "Felicitas" e que iriam marcar o contentor para a quinta-feira dessa mesma semana (dia 25 de Maio de 2006), fazendo a verificação da parte da manhã;
97 - o arguido C... disse que enviaria em tal dia um camião a Lisboa;
98 - de seguida, pelas 15 horas e 10 minutos, o arguido C... informou por telefone o arguido A... do teor da conversa mantida com o despachante;
99 - depois, o arguido C... telefonou à testemunha O..., tratado pela alcunha de "X...", que utilizava o telefone móvel nº 964014186, indivíduo encarregado pelos arguidos de ir buscar a Lisboa os contentores, e informou-o de que "aquilo", referindo-se ao transporte, era só na quinta-feira, de manhã;
100 - o A… "X..." sabia que teria de transportar os contentores para o referido armazém sito em Lavos, na Figueira da Foz, de cujas chaves dispunha, por lhe terem sido entregues em ocasião anterior;
101 - o A… "X..." já tinha efectuado, em ocasiões anteriores, diversos transportes de mercadorias pertencentes ao arguido C..., a pedido deste; 102 - no dia 24 de Maio de 2006, a "EE, Lda." facturou à "..., XX, Lda." as despesas da operação de transporte dos contentores de Montevideo para Lisboa, que foram englobadas nas despesas processadas pelo despachante, tudo no total de € 1.630,29;
103 - no dia 25 de Maio de 2006, elementos da Polícia Judiciária procederam a vigilâncias aos arguidos e seguiram os contentores desde a saída do porto de Lisboa;
104 - os arguidos haviam combinado entre si que nesse dia o arguido A... iria ao encontro do veículo pesado que transportava a mercadoria, e que só ao fim do mesmo dia o arguido se lhes juntaria, na Figueira da Foz, para, todos juntos, procederem ao descarregamento daquela;
105 - durante o dia os arguidos mantiveram-se em contacto telefónico para se darem conhecimento uns aos outros do desenrolar do transporte da mercadoria;
106 - os referidos contentores com o grão e o estupefaciente foram transportados em um veículo pesado de mercadorias conduzido pela testemunha António "X...", de marca "DAF" e matrícula 65-76-FI;
107 - tal veículo pesado saiu pelas 10 horas e 53 minutos do porto de Lisboa (cais da "Liscont"), apenas com o aludido António "X..." no seu interior, e seguiu pela Auto-Estrada A 1 até à saída do nó de Aveiras, prosseguindo viagem pela Estrada Nacional (E.N.) nº 1;
108 - às 10 horas e 53 minutos, o arguido C... falou por telefone com o António "X...", que lhe disse já ir a caminho;
109 - na zona de Turquel-Carvalhal (ao quilómetro 87 da E.N. nº 1), pelas 12 horas e 50 minutos, o António "X..." parou a viatura e encontrou-se com o arguido A..., que ali o esperava, tendo ido almoçar juntos a um restaurante existente nas imediações denominado "O Melhor da Nacional";
110 - pelas 14 horas e 20 minutos, e depois de terem resolvido uma avaria no motor do pesado, voltaram à estrada, seguindo viagem juntos na E.N. n. ° 1 em direcção a Leiria, conduzindo o arguido A... o seu automóvel ligeiro atrás do pesado;
111 - às 14 horas e 26 minutos, o arguido C... voltou a telefonar ao António "X..." e perguntou-lhe se já tinha almoçado, ao que o motorista disse que sim e que tinham perdido uma hora por causa de uma avaria no pesado;
112 - no nó de Leiria, pelas 15 horas e 10 minutos, ambos os veículos (o pesado de matrícula …e o ligeiro de matrícula …) saíram da E.N. nº 1 e seguiram para a E.N. nº 109, em direcção à Figueira da Foz;
113 - o arguido A... telefonou ao António "X..." pelas 14 horas e 25 minutos, dizendo-lhe para parar em uma borda para passarem pela frente e depois viam, "que é assim que eu já tenho feito... já fiz mais vezes";
114 - às 15 horas e 59 minutos, já junto à Figueira da Foz, o arguido A... falou por telefone móvel com o António "X..." e disse-lhe que era melhor deixar o pesado no parque da empresa "SP...";
115 - o referido António "X..." perguntou ao arguido A... se não era para levar o pesado para o "armazém", referindo-se ao armazém de Lavos, e o arguido A... disse-lhe que era melhor ficar ali;
116 - pelas 16 horas e 4 minutos, o pesado e o veículo conduzido pelo arguido A... estacionaram no parque de pesados da "SP...", na Figueira da Foz; 117 - às 16 horas e 10 minutos, o António "X..." informou telefonicamente o arguido C... de que estacionara na "SP..." e perguntou-lhe se o "resto", referindo-se ao descarregamento do pesado, ficava para o dia seguinte;
118 - o arguido C... disse ao António "X..." que não sabia mas que ainda lhe dizia alguma coisa;
119 - dali o arguido A... seguiu no seu automóvel, acompanhado pelo António "X...", para a zona da Gala, na Figueira da Foz, onde se encontraram, pelas 16 horas e 30 minutos, com o arguido C..., que ali os aguardava no restaurante "Ilha da Morraceira";
120 - pelas 16 horas e 54 minutos, o arguido A... saiu do restaurante, sozinho, e, após ter passado a conduzir o automóvel de matrícula …, dirigiu-se para os armazéns da "AS.P., Lda.", sitos no Parque Industrial da Gala;
121 - às 18 horas e 55 minutos, os arguidos A... e J... falaram por telefone, tendo este último perguntado ao primeiro se estava tudo "a rolar" ou não, ao que aquele disse que já cá estava "em cima", referindo-se aos contentores com o estupefaciente;
122 - aí, o arguido J... disse que não podia ir para lá porque andavam atrás dele, referindo-se a elementos policiais que o vigiavam, dizendo "se calhar é por causa do coiso";
123 - tal telefonema foi efectuado através de um telefone instalado em um estabelecimento de cafetaria;
124 - durante a tarde desse dia 25 de Maio de 2006 o arguido J... passou algumas vezes pelas imediações da sua casa, sita em Mem Martins, tendo-se apercebido, em determinado momento não apurado, que, na realidade, estava ser seguido e vigiado, do que deu conhecimento ao arguido A... nos termos referidos no ponto 122 dos presentes factos provados;
125 - pelas 19 horas, quando regressava à zona da sua residência, conduzindo o automóvel de matrícula …, o arguido J... foi abordado pelos elementos policiais que aí o aguardavam;
126 - do mesmo modo, depois de se ter deslocado entre o restaurante "Ilha da Morraceira" e o Parque Industrial da Gala, a partir deste conduziu o arguido A... o indicado automóvel de matrícula …;
127 - o arguido A... veio a ser interceptado por elementos da Polícia Judiciária pelas 20 horas e 56 minutos, quando se encontrava numa bomba da "BP" da estação dos caminhos de ferro;
128 - o arguido A... tinha consigo, que lhe foram apreendidos após revista, um telefone móvel de marca "Nokia", modelo "6310i", com cartão da operadora "TMN" a que corresponde o nº …, avaliado em € 10, e ainda a quantia monetária de € 840;
129 - o arguido C..., por seu turno, veio a ser abordado pela Polícia Judiciária cerca das 21 horas, quando se encontrava dentro de um estabelecimento de cafetaria sito em Maiorca, Figueira da Foz;
130 - o arguido C... tinha consigo, que lhe foram apreendidos após revista, um telefone móvel de marca "Nokia", modelo "6230i", com cartão da operadora "TMN" a que corresponde o nº …, avaliado em 100 €, e a quantia monetária de € 45;
131 - na posse do arguido J... foram encontrados e a este apreendidos, após revista, um telefone móvel de marca "Siemens", modelo "A70", com cartão SIM da operadora "TMN" a que corresponde o nº …, um cartão de segurança da operadora "TMN" respeitante àquele número, um cartão de segurança da "TMN" respeitante ao nº …, e dois cartões de carregamento da operadora "Optimus" respeitantes, cada qual, aos nºs … e …;
132 - mais foi apreendido ao arguido J... o automóvel de matrícula …, de marca "BMW" e modelo "525TDS", avaliado em € 9.328;
133 - no interior do veículo aludido no ponto 132 dos presentes factos provados foram encontrados e apreendidos ao arguido J... os documentos de identificação do veículo, um mapa da rede viária de Itália e outro da zona de Milão, um telefone móvel de marca "Sagem", modelo "My 100x", com cartão da "TMN", e quatro facturas da empresa "Frutas T...", pertença do arguido C..., datadas de Maio de 2002;
134 - foi ainda apreendido ao arguido J... o automóvel de matrícula …, de marca "BMW" e modelo "346L", avaliado em € 8.325, e respectivos documentos de identificação;
135 - pelas 19 horas e 30 minutos do dia 25 de Maio de 2006, a Polícia Judiciária realizou busca (devidamente autorizada por mandado judicial) na casa do arguido J..., em Mem Martins, na qual foram encontrados e apreendidos ao arguido diversas folhas de faxes oriundas de Montevideo, Uruguai, reportadas a exportações de mercadoria referente ao ano de 2005, e um recorte de papel com anotação manuscrita do número de telefone fixo e do fax instalado na casa do arguido C... (e acima indicado no ponto ~ dos presentes factos provados);
136 - o veículo pesado que continha os contentores, e que fora estacionado nos termos referidos supra no ponto 116 da presente matéria fáctica assente, esteve sempre sob vigilância policial, não se tendo verificado nenhuma movimentação junto do mesmo;
137 - para aceder ao pesado e contentores a Polícia Judiciária efectuou busca a casa da testemunha António "X...", tendo-lhe apreendido as chaves da viatura e ainda as chaves do armazém sito em Lavas;
138 - em este armazém procedeu-se igualmente a uma busca, já com a presença dos arguidos A... e C..., tendo sido aí apreendida uma máquina empilhadora de marca "Toyota", modelo "25", avaliada em € 3.000, pertença do arguido C...;
139 - no armazém foram encontrados ainda imensas embalagens de sumos tropicais fora de prazo de consumo, limas podres e restos de café;
140 - os mencionados contentores foram, entretanto, levados pela Polícia Judiciária para o porto comercial da Figueira da Foz para aí serem abertos e vistoriados;
141 - a partir das 23 horas do dia 25 de Maio de 2006 procedeu-se à abertura dos contentores, com a presença dos arguidos C... e A...;
142 - dentro do contentor com o nº SCMU … vieram a ser encontrados, pelas 00 horas e 30 minutos já do dia 26 de Maio de 2006, para além dos 200 sacos que continham o grão importado, e misturados com aqueles, colocados próximo do final do contentor e no seu fundo, cinco sacos de serapilheira que se verificou conterem um total de 85 embalagens, todas com cocaína, no total de 93.546,700 gramas deste produto estupefaciente;
143 - tal produto tinha presente, ao nível de grau de pureza, 80,4% do princípio activo da cocaína;
144 - o segundo contentor, com nº MSKU …, apenas continha no seu interior 200 sacos com grão de bico;
145 - o local onde dentro do contentor vinham os sacos com a cocaína não possibilitava que daí fossem retirados sem a descarga total ou quase total da carga do contentor;
146 - no interior da cabine do pesado de matrícula …foi encontrada e apreendida a documentação relacionada com o transporte dos contentores com o grão para o destinatário, a empresa "..., XX Lda.", designadamente a guia de saída do camião com os dois contentores já indicados, a guia de transporte em nome da sociedade "A.S.P., Lda.", pertença do arguido A..., e o documento alfandegário de transporte emitido em nome da sociedade "..., XX, Lda.";
147 - a partir das 10 horas e 50 minutos do dia 26 de Maio de 2006 foi efectuada busca à casa do arguido A..., sita no nº … Figueira da Foz, e aí foram encontrados e apreendidos quatro cartões de embarque referentes a viagens efectuadas pelo arguido ao Brasil e um cartão com uma anotação manuscrita referente a um número de telefone móvel do arguido J...;
148 - a partir das 11 horas e 10 minutos do dia 26 de Maio de 2006 foi efectuada busca à casa do arguido C..., sita no n. ° …, Figueira da Foz, e aí foram encontrados e apreendidos um subscrito da "TMN" referente ao cartão nº …, facturas e extractos dos meses de Dezembro de 2005 a Março de 2006 da "TMN" reportados a, entre outros, aquele número de telefone, facturas e documentos relacionados com importações efectuados pelo arguido de frutas provenientes do Brasil e ocorridas no ano de 2005 e de batata proveniente de Marrocos e ocorrida em Abril de 2006;
149 - no interior da viatura automóvel de matrícula …, utilizada pelo arguido A..., foi encontrado, e apreendido ao arguido, um exemplar do jornal "Correio da Manhã" do dia 25 de Junho de 2005, onde constava, na página 10, a notícia da acima (no ponto 10 destes factos provados) mencionada apreensão dos 4.200 quilos de cocaína no armazém de Almeirim, na sequência da qual fora detido o E...;
150 - ao arguido A... foi apreendido o veículo automóvel de matrícula …, marca "Mitsubishi", modelo "Space Runner", avaliado em € 1.096, e respectivos documentos de identificação;
151 - no dia 29 de Junho de 2006, encontrando-se já presos, os arguidos A... e C... fizeram chegar ao balcão do "Banco Espírito Santo, S.A." da Carapinheira, em nome da sociedade "..., XX, Lda.", um documento assinado por ambos no qual solicitavam o cancelamento da conta nº 0001.5138.0141;
152 - ocorreu igualmente, por determinação judicial, a apreensão dos saldos das contas bancárias tituladas pelos arguidos A... e C..., o primeiro nos "Banco Santander Totta, S.A." e "Banco Espírito Santo, S.A." e o segundo no "Banco Espírito Santo, S.A.";
153 - os arguidos C..., A... e J... sabiam que o grão por cuja importação todos diligenciaram trazia, dissimulado no contentor de transporte, cocaína, visando com a sua participação na descrita actividade auferir contrapartida de natureza patrimonial, de montante não concretamente apurado;
154 - os três arguidos conheciam a natureza estupefaciente da cocaína apreendida;
155 - a cocaína destinava-se, depois de descarregada do contentor pelos arguidos, a ser entregue por estes, para revenda, a terceiros não identificados;
156 - os três arguidos apenas importaram o grão para com este produto ser "camuflada" a importação da cocaína, único produto cuja comercialização verdadeiramente lhes interessava;
157 - a cocaína apreendida aos arguidos, se tivesse chegado a ser comercializada no mercado europeu, teria rendido lucros de valor não concretamente apurado;
158 - na venda a retalho em Portugal é usual cada grama de cocaína ser transaccionado pela quantia de € 50, pelo que os cerca de 93.546 gramas renderiam aos retalhistas, pelo menos, a quantia de € 4.677.300;
159 - os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei, tendo actuado em conjugação de esforços e mediante acordo prévio;
160 - o arguido C... veio a falecer, por doença, em 19 de Agosto de 2007;
161 - o arguido A... tem 12 veículos pesados ao serviço da sua empresa de transportes "A.S.P., Lda.", bem como 15 empregados a seu cargo;
162 - é ainda sócio de uma empresa detentora de um restaurante;
163 - estudou até ao nível correspondente ao 6° ano de escolaridade básica;
164 - é casado e vive em casa própria;
165 - a sua mulher assumiu igualmente os destinos da actividade empresarial da "A.S.P., Lda.";
166 - o casal tem uma filha com 30 anos, já economicamente independente;
167 - o arguido A... é tido, junto daqueles que consigo mais convivem de perto e interagem na comunidade onde se situa a sua casa de habitação, por pessoa trabalhadora, responsável e respeitadora;
168 - não tem antecedentes criminais;
169 - o arguido J... trabalhou, há diversos anos atrás, como condutor de pesados de transportes internacionais e, mais recentemente, passou a explorar uma oficina de reparações automóveis, área em que desenvolve alguns "biscates";
170 - frequentou o antigo 7° ano (correspondente ao actual 12° ano) do ensino
secundário;
171 - habita em casa própria;
172 - é divorciado e vive em união de facto;
173 - do seu extinto casamento nasceu um filho, actualmente com 26 anos de idade, a viver com a avó paterna, e tem ainda mais dois filhos, com 23 e 8 anos, fruto da sua actual relação, e consigo conviventes;
174 - junto da comunidade onde reside desfruta o arguido J... de uma imagem de homem pacato e dedicado à família;
175 - não tem antecedentes criminais.”.
Factos não provados:
“ Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa. Assim, e designadamente, não se provou que:
- a deslocação dos arguidos C... e A... ao Brasil (mencionada no ponto 1. dos factos provados) se tenha destinado a preparar, já nessa altura, a importação de estupefacientes para Portugal;
- na agência da empresa "D.H.L.", em Leiria, na ocasião referida nos pontos 61 a 63 da factualidade assente, tenha o arguido A... dito à funcionária que o atendeu não saber o número da carta ou o nome do remetente;
- na ocasião aludida no ponto 86 dos factos provados a testemunha LP... conhecesse já o arguido C...;
- fosse frequente a testemunha António "X..." realizar transportes de mercadorias a pedido do arguido A...;
- no trajecto até à Figueira da Foz, na ocasião mencionada no ponto 110dos factos assentes, tenha o arguido A... conduzido o veículo por forma apenas a verificar se estava ou não a ser seguido pela Polícia Judiciária;
- a máquina empilhadora referida no ponto 138 da matéria fáctica provada se encontrava no armazém por se destinar a ser utilizada no descarregamento do pesado que transportava os contentores;
- fossem os três arguidos a vir a perceber o valor mencionado no ponto 158 da matéria factual apurada;
- o arguido J... haja utilizado, na prática dos factos ora sujeitos a julgamento, outro número de telefone móvel para além do n.º …;
- as quantias monetárias e os saldos das contas bancárias apreendidas aos arguidos C... e A... fossem provenientes da prática dos factos ora sujeitos a julgamento.”.
Motivação de facto:
“ Para alicerçar a sua convicção, o Tribunal atribuiu relevância ao conjunto da prova produzida, analisada criticamente, segundo as regras da experiência da vida.
Com efeito, este foi um dos julgamentos em que se fez sentir, de forma evidente, a necessidade de adopção de um especial senso crítico na depuração dos contributos processuais (maxime, testemunhais) prestados em sede de audiência, sobretudo se comparados com os demais elementos existentes já em sede de inquérito (essencialmente, o produto da apreensão da substância estupefaciente e as intercepções telefónicas efectuadas). Por isso, o ditame do art. 127º do Código de Processo Penal (C.P.P.) - com o seu apelo às regras da experiência e à livre convicção da entidade julgadora - revelou-se de uma especial acuidade e oportunidade na apreciação da prova produzida (e, também, não produzida), por forma a, de modo realista e convincente, edificar a estrutura sustentadora de uma ciência minimamente resistente a dúvidas, incertezas e aporias.
O que acaba de ser dito entronca em uma ideia básica: a de que a verdade judicial não é (nem pode ser) uma verdade "absoluta", no sentido de uma verdade "ontologicamente" indestrutível. A verdade judicial alicerça-se em factos alcançados ­e alcançáveis - através da interpretação e depuração dos diversos elementos probatórios produzidos e analisados em audiência de julgamento (quando a mesma ocorra) ou relativamente aos quais as partes (quando o processo as admita) estão de acordo quanto à significação e valoração próprias. A convicção do julgador baseia-se, pois, em esse conjunto de elementos, mediante a produção de um juízo de verosimilhança a que as normais regras da experiência comum não poderão ser alheias.
Assim, e posta esta pequena nota introdutória, importa realçar ter ficado formado um todo probatório que, na sua coerência e persuasão, conduziu à comprovação do essencial da tese factual descrita no douto despacho de acusação (e, por consequência, da pronúncia).
Da parte dos arguidos, houve posturas processuais diversas.
Assim, o arguido J... usou do (legítimo, aliás) direito ao silêncio, vindo apenas a prestar alguns esclarecimentos quanto à sua situação vivencial.
Por seu turno, o arguido A... começou por não emitir quaisquer declarações, acabando, já no términus da audiência de julgamento, por apresentar a sua versão dos factos. No essencial, defendeu a ideia de ser totalmente falso, no que a si diz respeito, o teor da acusação pública. A importação do grão partiu da iniciativa do arguido C..., na sequência, aliás, da vontade insistentemente por ele expressa no sentido de trabalhar em uma base sólida na importação e venda de fruta e produtos agrícolas. A (entretanto assim denominada) "..., XX, Lda." seria a empresa adequada para, uma vez em actividade, o arguido C... pôr em marcha os seus desígnios de trabalho, acedendo o arguido A... a prestar-lhe todo o auxílio necessário (tanto mais que se tratava - o arguido C... - do filho de um grande amigo, com um percurso de vida marcado por diversos problemas, designadamente de saúde, e trabalhando em áreas - como, por exemplo, a importação de bananas - que o declarante dominava). Ao deparar-se com a descarga da cocaína de um dos contentores, viu-se, pois, o arguido A... confrontado com uma situação para si totalmente inesperada e inusitada, que desconhecia em absoluto e cujos exactos contornos e razão de ser apenas o falecido arguido C... poderia certamente esclarecer (se vivo ainda fosse). Aliás, a circunstância de acompanhar a viagem (praticamente completa) do pesado que transportou a droga (escondida entre o grão) de Lisboa até à zona da Figueira da Foz explicou-a o arguido A... com o simples facto de tal lhe ter sido pedido pelo condutor do veículo (o António "X..."), afligido com a avaria que persistia na mecânica do pesado - quando se encontrava na zona de Aveiras, não muito distante de Lisboa - e que o arguido A... ­estando então, por acaso, também relativamente perto do local -, com a sua experiência nessa área, poderia tentar debelar com maior facilidade e "despacho". A ida do arguido A... até junto do pesado e o seu acompanhamento (como que em "escolta") implicou, não obstante, que o mesmo deixasse de tratar dos assuntos por ele pensados para esse mesmo dia. Por outro lado, a sua relação com o arguido J... era, ao cabo e ao resto, algo que vinha de 10 ou 15 anos antes, por haverem trabalhado juntos em transportes, nada de ilícito ou ilegal os ligando ou (tanto quanto sabe o arguido A...) ao arguido C....
Esta versão entroncou, em um ou outro ponto, no depoimento da testemunha António Gonçalves de Oliveira (precisamente o dito António "X..."), que de forma visivelmente titubeante, desconexa e atrapalhada referiu ter sido contratado, na véspera, pelo arguido C... tendo em vista o levantamento dos contentores de grão em Lisboa (com todas as démarches que tal operação implicasse junto do despachante). No dia seguinte, já com o pesado carregado, confrontou-se com a avaria que o levou a solicitar o auxílio do arguido A..., pessoa do "ramo dos camiões" e muito "desenrascada", que deixou de fazer o que tinha a fazer de seu para ajudar a testemunha. Disse esta última, ainda, que fora a primeira vez que realizara um transporte de mercadorias para a "..., XX, Lda." (embora já o tivesse feito, em diversas ocasiões anteriores, para a "Frutas T...", a pedido do arguido C...), não tendo também a menor ideia de que os arguidos A... e C... fossem sócios, desde algum tempo antes, precisamente da "..., XX, Lda." ... (pelo que a chamada e a presença do arguido A... junto da mercadoria transportada pelo pesado acabou por ser o fruto da atitude da testemunha, que, sem o saber, "aproveitou" a curiosa coincidência de se encontrar aquele arguido por perto...). Ao chegarem à zona da Figueira da Foz foi a testemunha esperando as ordens telefónicas do arguido C... no sentido de lhe ser indicado o concreto armazém onde descarregar o pesado, mostrando­-se todavia tal arguido C... indeciso e sem explicar o que fazer; perante este quadro, decidiu a testemunha (cansada da viagem e do esforço físico e psicológico causado pelo stress do arranjo improvisado da avaria do pesado) deixar o veículo no parque de estacionamento da fábrica "SP...", na Figueira da Foz, ao invés de o fazer no armazém sito na zona de Lavos, destino ab initio julgado "natural" em se tratando de mercadoria - pensava a testemunha - (apenas) destinada ao arguido C......
Ora, para além do resultado da apreensão da substância estupefaciente - 85 embalagens, todas contendo cocaína, no total de 93.546,700 gramas deste produto (cfr. autos de abertura e vistoria de contentores de fis. 1142 e 1143, fotografias dos contentores e da droga apreendida de fis. 1144 e 1145 e 1152, autos de teste rápido e de apreensão da substância estupefaciente apreendida de fis. 1146 e 1151, autos de pesagem e exame da mesma substância estupefaciente de fis. 1147 e 2301) -, contida(s) em um dos contentores transportados pelo pesado conduzido pela testemunha António "X...", outros elementos se revelaram extremamente importantes para a demonstração do irrealismo das versões factuais apresentadas pelo arguido A... e pelo dito António "X...".
Desde logo, saliente-se que o conteúdo das transcrições relativas às diversas intercepções telefónicas das conversas mantidas entre os arguidos é, em si mesmo (e devida e habilmente interpretado), bastante importante para que se perceba qual o correcto enfoque a dar ao envolvimento de todos os três arguidos na actividade ligada à recepção e à (pensada) posterior remessa da cocaína (não deixando o Tribunal de dizer, em jeito de nota, que na senda do recente Ac. T.C. nº 293/2008, de 2915/2008, in D.R.-lI série, de 117/2008, lhe parece relativamente clara a conformidade e pertinência legal das escutas telefónicas enquanto meio de obtenção de prova - arts. 187º e ss. C.P.P. -, e bem assim da tomada em consideração das conversações assim obtidas para efeitos de prova).
Em todo este contexto, notar-se-ão, pois, as conversações mantidas entre os arguidos C... e A... e entre este último e o arguido J..., sobretudo a propósito da reactivação da "..., XX, Lda." enquanto empresa destinada a conseguir a importação do grão de bico provindo do Uruguai e, por tal via, garantir uma aparência de legitimidade comercial a toda a envolvência do verdadeiro objecto da actividade pensada pelos arguidos. Isto é, o aparente back to business da "..., XX, Lda." teve a presidi-lo um intuito muito claro e definido, precisamente o da recepção da cocaína dissimulada na importação do grão de bico, e diversas conversações telefónicas interceptadas e transcritas nos autos denotam isso mesmo, sobretudo se devidamente apreciadas à luz da conjugação dos demais elementos probatórios existentes no processo, maxime, e "à cabeça", o resultado da apreensão efectuada, mas também os depoimentos testemunhais prestados, desde logo pelos elementos policiais daqui a pouco referidos.
Pense-se (e a título de mero exemplo) no seguinte ponto: a dada altura, em conversação mantida, em 10 de Maio de 2006, pelos arguidos A... e J... - e na sequência de um evidente e insistente forcing telefónico do arguido J... tendo em vista a obtenção da documentação, a ser remetida do Uruguai, respeitando à exportação esperada pelos arguidos -, foi o arguido A... informado pelo arguido J... dos algarismos identificadores do número de fax do despachante do Uruguai - correspondente ao número de telefone para onde ligara no dia anterior -, adiantando o mesmo arguido J... que era preciso enviar para o exportador a cópia de um "modelo A" qualquer, pois lá (Uruguai) não conheciam esse "papel", e só assim o exportador poderia pedir o "modelo A" relativo à exportação em causa; no entanto (e aqui, crê o Tribunal, muito relevantemente para o nosso caso), mais fez notar o arguido J... ao arguido A..., em jeito de aviso, que "o gajo não tá dentro do resto, ah?", "nem preços nem nada. Isso não tem nada a ver" [cfr. fls. 12 a 14 do apenso G, relativo às transcrições das conversações mantidas através de telefone móvel utilizado pelo arguido J...; no mais, e a propósito deste ponto, leiam-se, com muito interesse, todas as demais transcrições, contidas no apenso G, das conversas telefónicas mantidas pelo arguido J... para o Uruguai a propósito da questão da vinda da "mercadoria" e das concomitantes conversações entre tal arguido e o arguido A... acerca do andamento das diversas démarches efectuadas quer para a obtenção da documentação necessária à vinda do material importado quer para a consecução do dinheiro necessário ao levantamento desse mesmo material (acabando por ser o arguido J... a obter junto do seu amigo VT..., testemunha nos autos, o empréstimo do montante de € 2.000 com que seria pago o trabalho do despachante - cfr., a este específico propósito, fls. 14 a 16 do apenso G)].
Interessante será, igualmente, o conjunto de conversações telefónicas mantidas pelos arguidos, das quais decorre uma clara concertação na preparação da vinda da substância estupefaciente, assim se percebendo a óbvia divisão de tarefas entre todos eles tendo em vista a prossecução de tal escopo.
Fica, por isso, muito difícil (rectius, impossível) de perceber a posição do arguido A... quando, em audiência de julgamento (e ainda que de forma não inteiramente assumida), tentou veicular a ideia de que, ao cabo e ao resto, a vinda da "mercadoria" do Uruguai foi algo que apenas disse respeito ao arguido C..., "alma e corpo" da "renascida" "..., XX, Lda.", acontecendo estar aquele arguido A... a acompanhar a vinda do pesado que transportava o grão de bico e a cocaína porque tal lhe fora pedido (nos moldes já há pouco expostos) pelo condutor António "X...", e nada mais que isso. Ou seja, uma total ignorância por parte do arguido A... no tocante à existência de droga no interior de um dos contentores transportados pelo pesado e, até, um total alheamento quanto ao negócio da importação do grão de bico, algo da inteira iniciativa do arguido C...... Mas como explicar, pois, o evidente - e diário - envolvimento do arguido A... em tudo o que disse respeito àquela mesma importação? Sobretudo quando é o conteúdo das intercepções telefónicas relativas ao mesmo arguido que no-lo mostram, sem grande margem para dúvidas? Como explicar, por exemplo, que no dia 23 de Maio de 2006 - a terça-feira imediatamente anterior ao dia 25 de Maio de 2006, dia da descarga dos contentores provindos do Uruguai -, e em conversa telefónica, tenha o arguido C... dito ao arguido A... "Aquilo só quinta-feira", respondendo este último "Está bem" e acrescentado "Diz ao teu amigo que há lá um pneu para mudar e uma válvula p'ra arranjar." (fls. 14 do apenso C l, relativo às transcrições das conversações mantidas através de telefone móvel utilizado pelo arguido C...)? Como explicar, também, que no dia do transporte dos contentores de Lisboa até à Figueira da Foz - isto é, 25 de Maio de 2006 - tenha sido o arguido A..., ao cabo e ao resto, a determinar ao António "X..." que deixasse a "camioneta" no parque de estacionamento da "SP...", dizendo, além do mais, "Então não deixas a camioneta na SP...?" e, perante a indecisão do "X...", acrescentado "Se calhar é melhor. Ali no parque."? E como explicar que ao ser depois questionado pelo mesmo "X..." "É para lá ficar? Não é para ir para o armazém?", haja respondido ainda o arguido A... "Era melhor. Vá. Fica ali.", dizendo então o António X... "Estava à espera que dissessem alguma coisa." (fls. 30 e 31 do apenso A, relativo às transcrições das conversações mantidas através de telefone móvel utilizado pelo arguido A...)? Como explicar, ainda, a conversação telefónica mantida entre o mesmo arguido A... e o arguido J..., no referido dia 25 de Maio de 2006, com o pesado já estacionado no parque da "SP...", quando perguntou o arguido J... "Está a rolar ou não está?" e respondeu o arguido A... "Já cá está em cima." (fls. 32 e 33 do referido apenso A de transcrições)? Como se compatibiliza, então, esta (na opinião do Tribunal) relativamente clara envolvência do arguido A... na "sorte" momentânea do pesado com o por si invocado alheamento a tudo o que disse respeito àquele transporte?
Importa, depois, fazer uma evidente referência aos depoimentos das testemunhas encarregadas da realização da investigação policial conducente ao presente processo, depoimentos que se mostraram globalmente convictos, circunstanciados e coerentes.
Assim, e mais concretamente, P… é um dos elementos da Polícia Judiciária que mais acompanhou a dita investigação e, por isso mesmo, soube esclarecer de modo pormenorizado a forma como, na sequência de uma informação emitida pela autoridade policial brasileira à sua congénere portuguesa, se chegou à suspeita de que (presumivelmente) os arguidos C... e A... pretendiam receber em Portugal substâncias estupefacientes provindas do estrangeiro; falou, com conhecimento de causa, das diligências investigatórias em que participou (por exemplo, as vigilâncias e seguimentos aos arguidos C... e A... documentados a fls. 71 e 72 - cfr. também fotografias e respectivas legendas de fls. 73 e 74 -, 112 e 113, 120 e 121 - cfr. fotografias e respectivas legendas de fls. 123 a 125 -, 973 e 974 - cfr. documento de fls. 975, relativo ao mapa das entregas diárias de encomendas na agência de Leiria da empresa "D.H.L.", e fotografias e respectivas legendas de fls. 976 a 978 -, 1039 - cfr. fotografias e respectivas legendas de fls. 1040 e 1041 -, e 1129 a 1133 - cfr. fotografias e respectivas legendas de fls. 1134 a 1137 -, assim como as escutas telefónicas já acima referidas), diligências essas que incidiram e deram a perceber todo um conjunto de movimentações empreendidas pelos arguidos desde antes (bastante antes) da reactivação da "..., XX, Lda." até ao levantamento dos contentores contendo cocaína e transporte dos mesmos de Lisboa à Figueira da Foz (transporte este que a testemunha acompanhou de perto - cfr. relato de fls. 1129 a 1133, fotografias de fls. 1134 a 1137 e respectivas legendas - em automóvel no seguimento do veículo conduzido pelo arguido A..., que a testemunha revistou e em relação a quem apreendeu os documentos e objectos referidos de fls. 1170 a 1177). Ou seja, foi um depoimento bastante importante pela visão de conjunto que permitiu obter dos "antecedentes" da operação de apreensão de cocaína em causa nos presentes autos (explicando ainda que a detenção de RA... e E... - e nas condições em que ocorreu - apenas fez "esfriar" temporariamente, e não desaparecer, o ânimo dos arguidos na recepção de estupefaciente provindo do estrangeiro).
AR… interveio na diligência externa a que se referem o relato de fls. 973 e 974, o documento de fls. 975 e as fotografias e respectivas legendas de fls. 976 a 978, aquando do encontro dos arguidos C..., A... e J... na agência de Leiria da empresa "D.H.L.".
AA… esteve incumbido da vigilância efectuada ao arguido J..., intervindo na direcção da operação que culminou na busca realizada à casa de habitação do mesmo arguido e apreensões daí advindas, no dia 25 de Maio de 2006, e na qual tomaram também parte as testemunhas ,,, e ,,, (autos de busca de fls. 1055 e 1056 e de apreensão de fls. 1119 e 1122, e documentos apreendidos de fls. 1057 a 1118 - tratando-se os de fls. 1057 a 1087 de documentos, na sua maioria em língua castelhana, atinentes a preços de mercadorias uruguaias e contactos de despachantes de tal país, e os de fls. 1113 a 1116 de facturas da "Frutas T..." -, 1120 e 1121 e 1123 e 1124); para além de pormenores prestados por estas três testemunhas quanto à dita operação em casa do arguido J..., a testemunha AA…falou ainda da forma como as escutas efectuadas em tempo real foram permitindo perceber a razão pela qual, no referido dia da apreensão da droga, cada um dos arguidos se deslocou para o seu "lado" (a fim de, pelo menos prima facie, criarem uma aparência de afastamento em relação ao que cada um deles foi fazendo em tal dia).
A testemunha …foi o coordenador da investigação da Polícia Judiciária e (pese embora, aqui e ali, algum "empolgamento" ou mesmo alguma "militância" no modo como quis veicular a sua mensagem) denotou conhecimento sobre a maior parte das movimentações dos arguidos e, por isso, explicou a razão por que mandou avançar para a realização da apreensão dos contentores trazidos pelo veículo pesado no dia 25 de Maio de 2006, quando o mesmo foi estacionado pelo condutor António "X..." no parque da empresa "SP...".
Tiago Alexandre Faneca actuou na vigilância que se iniciou em Lisboa, em 11 de Março de 2005, e seguiu até à zona dos armazéns situados em Lavos, relativamente a um pesado da empresa "Frutas T..." que transportava (supostamente) limas, prolongando-se tal vigilância - aos ditos armazéns - pelo dia 14 do mesmo mês (cfr. relato de fls. 112 e 113, informação de fls. 114 e 115, relato de fls. 120 e 121, informação de fis. 122, fotografias e respectivas legendas de fls. 123 a 125 e informação de fls. 127); a testemunha esteve igualmente presente, no dia 24 de Maio de 2005, no centro comercial "EI Corte Inglês", onde os arguidos C... e A..., na sequência de comunicações telefónicas nesse sentido mantidas pelo arguido C... (cfr. fls. 26 a 33 do apenso C das transcrições), se encontraram com o E... e dois indivíduos sul-americanos (sendo um deles o colombiano C… - cfr. relato de diligência externa de fls. 317 e 318, fotografias e respectivas legendas de fls. 319 a 322, informação policial de fls. 323 e ficha fotográfica e respectiva legenda de fls. 324); muito depois, em 22 de Maio de 2006, a testemunha interveio na vigilância efectuada aquando da reunião dos arguidos A... e J... na área de serviço da auto-estrada A8, em Caldas da Rainha (fls. 1039), acabando a testemunha - aqui em grande sintonia com a sua colega …- por focar também a respectiva intervenção, no dia 25 de Maio de 2006, na operação de seguimento ao pesado de Lisboa até à Figueira da Foz, no descarregamento dos respectivos contentores, bem como na revista e nas apreensões levadas a cabo em relação ao arguido A… (auto de fls. 1158 e documentos de fls. 1159 a 1168); para além disso, levou também a cabo (com outros colegas seus), no dia seguinte (26 de Maio de 2006), a busca e as apreensões na casa de habitação do aludido arguido C... (cfr. auto de fls. 1196 e 1197 e documentação de fls. 1198 a 1396).
Por seu turno, a testemunha …(também aqui com a testemunha …) interveio na busca e nas apreensões realizadas na casa de habitação e nos armazéns do arguido A... (autos de fls. 1403, 1411, 1419 e 1422, e documentos de fls. 1404 a 1410, 1412 a 1418, 1420 e 1421 - este, note­se, o recorte de um jornal datado de 25 de Junho de 2005, relativo à notícia da apreensão policial, ao acima referido E..., de 4.200 quilogramas de cocaína -, e 1423 a 1445).
Adérito Ferreira Rebelo esteve presente em duas vigilâncias: a primeira ocorreu no dia 6 de Maio de 2005, no restaurante "O Teimoso", na Figueira da Foz, onde os arguidos C... e A... se encontraram com o E... e, da parte da tarde desse mesmo dia, saíram até à marina da Figueira da Foz onde visionaram algumas embarcações ali repousadas nas águas; a segunda vigilância, já referida, tratou-se da que decorreu no dia 24 do mesmo mês de Maio de 2005, no centro comercial "El Corte Inglês" de Lisboa.
A finalizar o âmbito das testemunhas policiais, refiram-se, ainda, … e …., que realizaram algumas operações de vigilância a encontros protagonizados pelos arguidos, focando a segunda testemunha ora aludida igualmente a sua análise no contexto que levara, em Junho de 2005, à detenção do E... com 4.200 quilogramas de cocaína na sua posse.
Depois - e já fora do domínio dos elementos policiais, tem de fazer-se uma óbvia alusão à testemunha PG…, despachante oficial do porto de Lisboa, contactado que foi pelo arguido C... sobretudo para obter a informação relativa às taxas que haveriam de ser pagas com a importação de grão de bico vindo do Uruguai, sendo que o mesmo arguido pareceu surpreendido quando a testemunha lhe perguntou se o pacto social da empresa importadora permitiria o desalfandegamento de tal mercadoria).
Por seu turno, a testemunha LP… atestou, na sua qualidade de funcionário bancário, a reactivação da conta titulada em nome da "..., XX, Lda." junto do balcão de Buarcos do "Banco Espírito Santo, S.A.", através do (pressuroso) depósito, pelos arguidos C... e A..., do montante de € 2.000.
VT..., velho conhecido do arguido J..., confirmou o empréstimo de € 2.000 por si efectuado a tal arguido, na sequência do "aflito" pedido do mesmo, e mediante a explicação de que se encontrava (ele, arguido J...) em fase de mudança de actividade - mais exactamente, do ramo da camionagem para a instalação de uma oficina de automóveis - e sem capacidade económico-financeira para, só com o seu dinheiro, suportar todas as despesas a que tinha de fazer face.
… era, no ano 2000, trabalhadora da empresa "UU., Lda.", dona de um armazém sito em Lavos (a que se referem as fotografias de fls. 1952 a 1955) que veio a ser arrendado aos arguidos A... e C..., embora com o sujeito formal do contrato "UU., Lda.", ou seja, a empresa de transportes do arguido A.... A testemunha confirmou, no mais, o documento escrito relativo a tal contrato, constante da cópia junta a fls. 1455 e 1456 (e a cópia da letra de câmbio e da reforma de fls. 1457 e 1458).
Quanto a …, trata-se de um empregado de escritório da empresa "…", confirmando que esta mesma empresa veio a arrendar, já em 2006, um outro armazém, pertencente à "UU., Lda.".
… é filho do arguido J... e forneceu alguns elementos sobre o modus vivendi do seu pai, confirmando, no entanto e a propósito, não ter sido nunca a importação ou a comercialização de fruta o respectivo domínio de actividade (tendo sido, isso sim, a camionagem e, pouco tempo antes dos factos aqui em discussão, a oficina de mecânica, o business do arguido); valeu ainda, para a caracterização da situação existencial de vida do arguido, o relatório de fls. 4071 a 4074 e, no tocante à ausência de antecedentes criminais, o certificado de fls. 4147.
Quanto ao contexto vivencial do arguido A... e à personalidade que transparece para aqueles que mais de perto consigo lidam, para além das declarações do próprio valeram os depoimentos das testemunhas …(industrial de arroz reformado), …(antigo colega de trabalho), …(ex-empregado), …, …, …, … e …(amigos de há várias anos), a que acresceu ainda, obviamente, o teor do relatório social de fls. 4067 a 4069; para a aferição do (inexistente) passado criminal do arguido relevou o teor do certificado de fls. 4148.
Importa ainda dizer que a par de todos os elementos probatórios já mencionados - onde avulta o teor das apreensões efectuadas (maxime, da substância estupefaciente), dos depoimentos testemunhais e das relevantíssimas transcrições das intercepções telefónicas constantes dos apensos A, B, C, C1, D, E, F e G (e respectivos registos magnéticos juntos nos CD's que os acompanham) -, relevaram também na formação da convicção do Tribunal, devidamente analisados, os documentos de fls. 1463 a 1486 (cópias de facturas, bill o/landing e certificados de exportação juntas ao processo pelo despachante e testemunha PG...), 1627 e 1628 (registo de matrícula de firma), 2012 (factura), 2016, 2059, 2438 a 2446,2491 e 2632 (elementos bancários), 2672 a 2686 (contratos) e 3404 (certidão do assento de óbito do arguido C...), bem como os autos de apreensão de fls. 1411, 1419 (relativos a documentos) e 1459 (referente a uma máquina empilhadora), os autos de exame (a telefones móveis) de fls. 1964 a 1979 e de avaliação (a máquina empilhadora e a automóveis) de fls. 2650 e 2687 a 2695, o relatório da polícia uruguaia de fls. 1980 a 1982 e respectiva tradução de fls. 1985 a 1988, assim como o relato de diligência externa de fls. 1950 e 1951 e fotografias de fls. 1952 a 1956 (referentes à vistoria dos armazéns onde seriam recepcionados os contentores provindos do Uruguai).
Pois bem, todo o manancial que vem sendo referido concorreu para a estruturação da ideia de que os três arguidos uniram esforços em tomo de um objectivo comum bem definido, qual fosse, o de conseguir a recepção de substâncias estupefacientes com o fim de, logo de seguida, a expedirem para outrem (e auferirem com tal operação os inerentes proventos económicos).
Com efeito, mais uma vez se pergunta: como explicar os diversos encontros dos arguidos C... e A... com o E... (este último acompanhado, em mais do que uma ocasião, por indivíduos sul americanos), como explicar as conversações telefónicas mantidas pelo arguido C... com o referido E..., breves dias antes de este último ser detido, em Junho de 2005, na posse de 4.200 (!) quilogramas de cocaína?
E como explicar que cerca de um ano depois tenha o pesado conduzido pela testemunha António "X..." transportado, na carga importada pela "..., XX, Lda." (empresa da actividade dos arguidos C... e A...), cerca de 90 quilogramas de cocaína? Ainda para mais, quando a mencionada importação foi o resultado de um conjunto de difíceis, complexas e angustiantes démarches levadas a cabo por todos os três arguidos? E assumindo também o arguido J... uma parte privilegiada dos contactos com o Uruguai? E J... este que - ex-camionista e a desfazer-­se (ou tendo-se pouco tempo antes desfeito) de uma oficina de mecânica - não negociava, de todo, na importação de frutas ou legumes?
Crê, pois, o Tribunal (e sem prescindir de uma realista aferição do diverso material probatório existente à luz das normais regras da experiência) que tudo inculca, de modo coerente e concatenado, a ideia da demonstração dos elementos básicos e essenciais constantes da douta acusação pública (e, consequentemente, da pronúncia) proferida(s) contra os três arguidos.
Por fim, decorre também de todo o exposto que a factualidade dada como não provada resulta da falta de produção consistente de elementos idóneos à demonstração de tal matéria factual. “.
*
Da análise das conclusões resulta serem as seguintes as questões colocadas pelos recorrentes e pela ordem em que serão apreciadas:
- Saber se houve violação do princípio da continuidade da audiência;
- Verificar se a gravação das declarações prestadas pelo arguido Aniceto é ininteligível;
- Impugnação da matéria de facto;
- Saber se se verifica o erro notório na apreciação da prova;
- Medida da pena.
Passemos então à sua análise.
A) Da continuidade da audiência
Entende o recorrente A... que a prova perdeu eficácia, porquanto entre o encerramento da discussão e a leitura da sentença decorreram mais de 30 dias
É um facto que a audiência teve o seu início em 26 de Março de 2008 (fls. 3836), desenrolando-se a produção de prova durante várias sessões e cujo encerramento ocorreu no dia 5 de Dezembro de 2008 (fls. 4145), data em que se designou para a leitura do acórdão o dia 9 de Janeiro de 2009, o qual viria sucessivamente a ser adiado até 7 de Abril de 2009, dia em que o respectivo acórdão foi proferido (fls. 4213).

Porém desde já se dirá que ao recorrente não assiste razão.
Vejamos porquê.

Nos termos do artº 328º nº 1 CPP, a audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento.

Por sua vez estipula-se no nº 6 do referido preceito, que o adiamento não pode exceder trinta dias e se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção da prova já realizada.

Consagra-se no referido preceito o princípio da concentração da audiência, cujas razões, no dizer de Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, Tomo III, pág. 222., são óbvias “ para além de evitar o arrastamento da fase da audiência por largo período de tempo, pretende-se sobretudo que não haja possibilidade de manipulação da prova, ajustando-a à que entretanto foi produzida, e que os juízes possam manter freso na memória tudo quanto se passou em audiência de julgamento, pois que o seu juízo há-de basear-se apenas nas provas produzidas ou examinadas na audiência.”.

Ora como nos parece evidente este prazo de trinta dias reporta-se apenas ao intervalo das sessões de audiência.

E compreende-se que assim seja pois se pretende desse modo que a prova produzida não se desvaneça da mente do julgador.

É que a produção da prova termina com o encerramento da discussão.

E esta ocorre quando, findas as alegações, o juiz pergunta ao arguido se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa, ouvindo-o em tudo o que declarar a bem dela, após o que a declara encerrada (artº 361º nºs 1 e 2 CPP).

Assim a leitura da sentença já não está abrangida pelo referido preceito, o qual, como vimos, cobre apenas a fase da audiência.

Em suma, diremos que o disposto no nº 6 do artº 328º CPP, não é aplicável ao período de tempo decorrido entre o encerramento da audiência e a sentença, mas sim entre as várias sessões de julgamento em que durar a produção da prova, cujo lapso de tempo não pode ser superior entre elas a 30 dias Cfr. neste sentido AcSTJ 97.10.15, CJSTJ 3/97, pág. 197; AcRL 01.11.13, CJ 5/01, pág. 131, AcRC 02.05.29, CJ 3/02, pág. 47, AcRL 02.12.05, CJ 5/02, pág. 141..

Daí que não sendo tal preceito aplicável à fase da sentença, se julgue improcedente o recurso neste ponto.

B) Da gravação das declarações prestadas pelo arguido A…
Alega o recorrente ser completamente impossível transcrever as suas declarações, porquanto as mesmas se encontram deficientemente gravadas, o que impossibilita o recorrente e o tribunal superior de ter acesso às mesmas, sendo certo que essa é para o recorrente uma das provas que considera impor uma decisão diversa da recorrida.
Mais refere ter contactado os serviços do tribunal indagando se os suportes originais se encontravam em condições de inteligibilidade, tendo sido confirmado que a situação era a mesma.
Termina pedindo a anulação de todo o julgamento, devendo o mesmo ser reenviado para repetição.
Pois bem, em matéria de gravação de audiência, estabelece o artº 9º do Dec. Lei 39/95 de 15/2 (aplicável ex vi artº 4º CPP):
«Se, em qualquer momento se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que esta for essencial ao apuramento da verdade».
Ouvido o CD onde se procedeu ao registo sonoro das declarações do recorrente, verifica-se que efectivamente, é a este tribunal de recurso completamente impossível entender aquilo que foi dito pelo arguido.
E acrescentamos ainda, que não se entende como é que o Ministério Público na 1ª instância, na resposta que apresentou ao recurso tenha dito que apesar da qualidade técnica da gravação, as declarações eram audíveis e perceptíveis.
É que as únicas intervenções que são audíveis e perceptíveis são apenas as dos intervenientes que colocam as questões ou que pedem esclarecimentos.
À excepção dos segundos iniciais em que o arguido começa a responder, toda a sua intervenção é imperceptível, inviabilizando que se entenda o que quer que seja!
Quais as consequências jurídicas dessa deficiente gravação, quando, como é o caso, essas declarações são invocadas no acórdão recorrido e na motivação pois o recorrente pretende suportar-se nelas com vista à impugnação da matéria de facto?
Como é sabido antes das alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei 48/2007 de 29/8, a jurisprudência maioritária enquadrava a situação como uma irregularidade, tendo nesse âmbito sido proferido o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2002·, que veio estabelecer que “A não documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, contra o disposto no artigo 363.º do Código de Processo Penal, constitui irregularidade, sujeita ao regime estabelecido no artigo 123.º, do mesmo diploma legal, pelo que, uma vez sanada, o tribunal já dela não pode conhecer.”.
Só que a situação entretanto mudou de figura, com a alteração introduzida por aquela Lei, passando o artº 363º CPP, a ter a seguinte redacção:
“As declarações prestadas oralmente são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade”.
Quer dizer a situação passou a integrar uma nulidade, dependente de arguição. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado, 16ª edição, pág. 764.
Ora tal arguição feita neste recurso não pode deixar de ser considerada tempestiva, uma vez que o ilustre defensor só ao pretender elaborar a motivação do recurso da matéria de facto poderia ter detectado as deficiências dessa gravação.
É que é bom ter presente que, conforme resulta da lei o direito a recorrer das decisões só surge com a prolação de uma decisão desfavorável e que seja susceptível de recurso (Cfr. artº 61º nº 1 f) CPP).
Como se escreveu no AcSTJ nº 4/2009 de 09.02.18 DR I Série de 09.03.19. “ No caso de decisão condenatória, a verificação da existência dos pressupostos dos quais, «nos termos da lei», depende a recorribilidade (admissibilidade, instâncias e graus de recurso) só pode ocorrer quando seja proferida a decisão, pois será apenas o conteúdo da decisão (qualificações e âmbito das questões decididas; natureza dos crimes; penas aplicadas) que permite aferir, perante a natureza «desfavorável» da decisão, quais os termos e a amplitude da recorribilidade.
O momento em que é proferida a decisão será «aquele em que se configura o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de conhecida a decisão final surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um abstracto direito constitucional ao recurso, o concreto 'direito material' em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário» (cf., v. g., José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, p. 189).
Deste modo, anteriormente à decisão final sobre o objecto do processo, no termo da fase do julgamento em 1.ª instância, não estão concretizados, nem se sabe se processualmente vão existir, os pressupostos de exercício do direito ao recurso, que como «direito a recorrer» de «decisão desfavorável», concreto e efectivo, apenas com aquele acto ganha existência e consistência processual.
No que respeita ao arguido, o momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso só pode ser, assim, coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer. “.
Aliás tal interpretação é a que melhor se harmoniza com o transcrito artº 9º do Dec. Lei 39/95, no qual se prevê expressamente a repetição, para o caso de “em qualquer momento” se verificarem deficiências e falhas na gravação, ou se a gravação for inaudível ou deficiente (o sublinhado é nosso).
E neste caso tais deficiências, por razões alheias ao recorrente, influenciam no exame da decisão da causa, pois impossibilitam este tribunal de recurso de reavaliar a apreciação dos meios de prova, conforme dispõe o artº 412º nº 6 CPP.
É que outra interpretação que não seja a de se admitir a arguição da nulidade da gravação no recurso interposto da matéria de facto, viola o artº 32º nº 1 da Constituição, que consagra o direito ao recurso como uma das garantias de defesa em processo penal, pois lhe restringe excessiva e desproporcionadamente o direito de impugnar as nulidades ocorridas na gravação de uma anterior sessão de julgamento.
É que, repete-se, só depois de proferida a sentença é que o arguido sabe se vai ou não recorrer da matéria de facto.
Há pois que proceder à repetição das declarações do recorrente.
Assim, tendo a nulidade ocorrido em 6 de Outubro de 2008 (fls. 4112), data em que o recorrente prestou as declarações, todos os restantes actos que dele dependeram ficaram igualmente afectados, isto é, as alegações orais, a prestação das últimas declarações a que alude o artº 361º CPP, a elaboração do acórdão e a sua leitura que deverão ser repetidos para a sanação do vício (artº 122º CPP).
Face ao exposto fica prejudicada a apreciação das restantes questões.

DECISÃO

Nestes termos, os Juízes desta Relação acordam em julgar improcedente a questão prévia da continuidade da audiência, e procedente a referente ao deficiente registo sonoro das declarações do recorrente A..., declarando inválidos os actos anteriormente referidos, devendo proceder-se à sua repetição.
Sem custas.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).
Coimbra, 23 de Setembro de 2009.