Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VIRGÍLIO MATEUS | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA MATERIAL INTERVENÇÃO ACESSÓRIA RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
Data do Acordão: | 09/18/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DA COVILHÃ - 1º J | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 329º, 330º Nº 1, 332º Nº 1 E 337º DO CPC | ||
Sumário: | Numa acção de responsabilidade civil extracontratual cujo processo corre termos entre dois particulares, a intervenção acessória de ente público provocada pelo réu com base em eventual direito de regresso não interfere na competência material do tribunal judicial. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM O SEGUINTE: I- Relatório: A... e mulher intentaram aos 21-12-2005 a presente acção sumária contra B... , reivindicando determinado prédio com base na usucapião e pedindo determinada indemnização (reconstituição natural) pelos danos que o réu lhes causou ao ter realizado ilicitamente obras de alargamento de um caminho. Na contestação, o réu alegou que em 1995, no exercício da sua actividade profissional, executou trabalhos de conservação e melhoramento do caminho, mas fê-los sob solicitação e por conta do Município da D... e em conformidade com as instruções dadas pelo Presidente da Junta de Freguesia de E... , C... . Alegando que, a proceder a acção, terá direito de regresso contra o Município e a Freguesia, pediu o chamamento destes como assistentes, ao abrigo do disposto no art. 330º nº 1 do CPC. Os AA. nada opuseram e tais terceiros foram chamados ao abrigo desse preceito. No seu articulado, o Município e a Freguesia chamados deduziram a excepção de incompetência material do tribunal, com fundamento no disposto no art. 4º nº 1 al. g) da Lei nº 13/02 de 19-2, na redacção dada pela Lei nº 107-D/03 de 31-12. Acrescentaram que C... era Presidente da Junta à data dos factos e agiu com diligência e zelo manifestamente inferiores ao que estava obrigado em razão do cargo, praticando culposamente actos ilícitos no exercício das suas funções ou por causa delas, pelo que os intervenientes, se condenados, terão direito de regresso contra aquele, nos termos dos art. 2º nº 2 do DL nº 48051 de 21-11-67 e 96º nº 2 e 97º nº 2 da Lei nº 169/99 de 18-9. Concluíram pedindo: 1º A sua absolvição da instância pela invocada incompetência material e, subsidiariamente: 2º O chamamento de C... nos termos do art. 330º do CPC. 3º A improcedência da acção. No momento do saneador, foi julgada improcedente a excepção de incompetência material do tribunal, foram redigidos factos assentes e elaborada a base instrutória ( 1 ). Dessa decisão de improcedência recorre o Município. Não houve contra-alegação. Foi tabelarmente mantida a decisão impugnada. Correram os vistos legais. Nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso. II- Fundamentos: A questão a reapreciar consiste em saber se, como pretende o Município, o tribunal judicial é materialmente incompetente, por a competência material estar legalmente deferida aos tribunais administrativos. Mas a questão concreta ainda não está correctamente enunciada. E a enunciação correcta da questão concreta é condição indispensável para uma solução correcta e minimamente aceitável. Caracterizada a causa, é mister perguntar: materialmente (in)competente em atenção a quê, ou sob que critério. Depois, é mister reverter ao caso concreto. É sabido que a competência material dos tribunais judiciais é residual, de modo que esta ordem de tribunais só é competente em razão da matéria da causa se, no caso, tal competência não estiver legalmente deferida a outra ordem jurisdicional (cfr. art. 66º do CPC). Não importa discorrermos acerca dos critérios que doutrinariamente são apontados como possíveis para atribuição da competência material aos tribunais de jurisdição administrativa: a qualidade dos sujeitos, a caracterização do acto em causa como de gestão pública ou de gestão privada, etc. A lei actual indica-nos o critério a aplicar. A causa caracteriza-se sumariamente, como consta do relatório: particulares demandam outro particular, reivindicando determinado prédio com base na usucapião e pedindo determinada indemnização (reconstituição natural) pelos danos que o réu lhes causou ao ter realizado ilicitamente obras de alargamento de um caminho; o réu provocou a intervenção de pessoas colectivas de direito público, como suas auxiliares, para eventual acção de regresso. Preceitua o art. 4º nº 1 al. g) da Lei nº 13/02 de 19-2, na redacção dada pela Lei nº 107-D/03 de 31-12 (vigente desde 1-1-2004): «Compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa». O preceito combina dois critérios cumulativos: o da qualidade dos sujeitos e o da matéria da causa. Pelo primeiro, o sujeito a quem é imputada a responsabilidade civil há-de ser uma pessoa colectiva de direito público. Pelo segundo, há-de tratar-se de matéria de responsabilidade civil extracontratual. Com efeito, num litígio, numa causa, só se questiona a responsabilidade civil extracontratual de pessoa colectiva de direito público quando o demandante (autor ou reconvinte) formula o pedido com base na responsabilidade civil extracontratual que imputa ao demandado. A questão a resolver consiste pois em saber se na causa (nesta acção sumária) se questiona a responsabilidade civil extracontratual de pessoa colectiva de direito público. A resposta só pode ser negativa. Desde logo, o litígio que o tribunal tem de dirimir através do presente processo corre apenas entre dois particulares, pois que inexiste qualquer pedido do autor formulado contra qualquer pessoa colectiva de direito público, o Município ou a Freguesia. Por outro lado, ao tribunal não compete decidir da procedência ou improcedência do pedido de indemnização com base em responsabilidade civil extracontratual de pessoa colectiva de direito público, mas sim com base em responsabilidade civil extracontratual de um particular. É certo que na causa, acessoriamente, se pôs à discussão também uma relação conexa susceptível de basear um outro pedido de indemnização. Mas isso acessoriamente. E um outro pedido de indemnização, sim, mas a formular em acção de regresso a intentar futura e eventualmente (secundum eventum litis), isto é, apenas para a hipótese de a presente acção posta por Leonido vir a proceder contra B..... Quanto a essa relação conexa, na presente acção o tribunal não tem de se pronunciar sobre qualquer pedido de indemnização nela baseado, de modo a reconhecer ou não reconhecer um crédito indemnizatório do ora réu sobre o Município ou a Freguesia e condenar ou absolver o Município ou a Freguesia. Ou seja, o tribunal judicial não irá, para efeitos decisórios, “apreciar o litígio” entre o réu e o Município ou a Freguesia, logo a sua competência material não lhe está subtraída pelo dito preceito do art. 4º nº 1 al. g). Objectar-se-á: foram formulados quesitos na base instrutória sobre a matéria alegada pelo réu segundo a qual fez trabalhos de conservação e melhoramento do caminho, mas fê-los sob solicitação e por conta do Município da D.... e em conformidade com as instruções dadas pelo Presidente da Junta de Freguesia de E...., C... . Logo, o tribunal irá conhecer dessa matéria. A refutação impõe-se. O tribunal judicial não é solicitado a conhecer decisoriamente, na presente acção, de qualquer pedido indemnizatório do ora réu contra o Município ou a Freguesia. Nem tal pedido foi formulado. Aquela formulação de quesitos é correcta e, face ao disposto no art. 332º nº 4 do CPC, a sentença constituirá caso julgado quanto ao chamado relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do réu, por este invocável em ulterior acção de indemnização. Simplesmente, nesta acção, trata-se de matéria de defesa do réu, e nesta acção os chamados, eventuais obrigados de regresso, apenas intervêm acessoriamente, isto é, como auxiliares do réu na sua defesa (art. 330º nº 1, 332º nº 1 e 337º do CPC). Esta não é acção em que tenha sido actuado o direito de regresso nos termos do art. 329º do CPC (que respeitasse à intervenção principal de condevedores solidários), de modo que o tribunal pudesse conhecer decisoriamente desse direito nesta mesma acção. Trata-se antes de prevenir eventual direito de regresso, contra entidades terceiras, que nos termos do disposto nos art. 330º ss do CPC (respeitantes à intervenção acessória) são chamadas a auxiliar o réu na presente defesa como eventuais obrigados a indemnizar o ora réu em regresso em futura acção. Nessa futura acção de regresso, se a ela houver lugar, é que teria ou terá cabimento a consideração da competência material a que se refere o citado art. 4º nº 1 al. g). Este preceito legal não tem aqui aplicação. O tribunal judicial é materialmente competente, como a 1ª instância decidiu. III- Decisão: Pelo exposto, nega-se o provimento ao agravo, confirmando-se a decisão impugnada. Custas pelo agravante. --------------------------------- (1) Não se mostra nestes autos em separado ter havido pronúncia sobre a pretensão de intervenção acessória sucessiva, o que, a ser assim, se deverá aparentemente à circunstância de essa pretensão ter sido formulada subsidiariamente. Esse ponto, porém, exorbita do âmbito do recurso. |