Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2564/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: CURA MARIANO
Descritores: RECONVENÇÃO
GARANTIA DA SUA ADMISSÃO
SERVIDÃO DE PASSAGEM
APARÊNCIA DOS ACTOS POSSESSÓRIOS
USUCAPIÃO
EXTINÇÃO POR DESNECESSIDADE
Data do Acordão: 12/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUIZOS CÍVEIS DE COIMBRA - 5º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1287º ; 1547º, Nº 1 ; 1548º ; E 1569º, Nº 2, DO C. CIV. .
Sumário: I – A admissão de um pedido reconvencional apenas garante a sua legalidade formal, não resultando daí qualquer juízo sobre o seu mérito, pelo que a circunstância de terem sido considerados provados os factos que o fundamentam não é suficiente para garantir a sua procedência . Esta depende ainda da operação de aplicação do direito aos factos e nada obsta a que daí resulte que o pedido seja improcedente .
II – Uma das formas de constituição do direito de servidão é por usucapião – artº 1547º, nº 1, do C. Civ. – sendo necessário que exista uma situação possessória correspondente ao exercício de um direito de servidão por um determinado período de tempo – artº 1287º C. Civ.

III – Apesar de ter existido uma mudança do traçado da servidão, o respectivo direito é o mesmo, passando apenas a ter como objecto um novo caminho implantado no mesmo prédio serviente, o que não determina que se tenha iniciado uma nova situação possessória relativamente a essa nova localização .

IV – Considerando que os actos de posse correspondentes ao exercício de um direito de servidão são de curta duração, como sucede com as servidões de passagem, a lei exige que se verifiquem sinais materiais exteriores dessa passagem, visíveis e permanentes, como garante da publicidade dessa posse qualificada .

V – Constituindo uma passagem, ou um caminho, uma faixa de terreno delimitada e desimpedida, destinada ao trânsito de pessoas e/ou animais ou veículos, a existência duma passagem com marcas das rodas dos veículos que nelas transitem é um sinal inequívoco, visível e permanente de que ocorre uma situação possessória correspondente ao exercício de um direito de servidão .

VI – A desnecessidade de uma servidão corresponde a uma falta de justificação objectiva para a manutenção de um encargo para o prédio serviente, atenta a inutilidade ou escassa utilidade que a existência da servidão representa para o prédio dominante .

VII –Apesar de, normalmente, a situação jurídica de desnecessidade resultar duma alteração das circunstâncias do prédio dominante, nada impede que essa situação já ocorresse no momento da constituição da servidão por usucapião, e nada justifica que, nesses casos, o proprietário do prédio serviente não possa requerer a extinção de um encargo para o seu prédio que não tem justificação .

Decisão Texto Integral:
Autores: A...
B...
C...
D...
E...
F...
G...
H...

Réus: I...
J...
K...


*
Os Autores propuseram a presente acção, alegando, em síntese, o seguinte:
- os 1ºs e 2ºs são donos e possuidores, na proporção de 1/2 indivisa para cada casal, dos artº matriciais rústicos 1368º e 1372º;
- os 3º e 4º são donos e possuidores, na proporção também de 1/2 indi-visa para cada casal, do artº matricial rústico 1369º;
- os 2ºs são, ainda, donos e possuidores de pleno direito do artº matricial rústico 1370º;
- os Réus I... e J... e marido, enquanto contitula-res da herança aberta por óbito do marido da 1ª, Manuel Cardoso, são em comum donos e possuidores do art. matricial rústico 1366º;
- todos este prédios situam-se no mesmo local – Ribeira da Quinta – da freguesia de S. Martinho de Árvore, no enfiamento uns dos outros, considerando o sentido Norte/Sul, sendo o dos Réus o situado mais a Norte;
- o prédio dos Réus está onerado com uma servidão de passagem de pessoas, animais, tractores e alfaias agrícolas a favor dos prédios dos Autores;
- esta servidão serve para acesso aos planos inferiores dos respectivos prédios, situados a Nascente e com um desnivelamento de cerca de 11/12 metros, numa zona caracterizada por barreira íngreme e abrupta;
- a passagem pelo prédio dos Réus fez-se desde 1963 a 1985 por uma faixa localizada no limite Norte do prédio destes, tendo, à volta de 1985, pelos então proprietários e possuidores desse prédio, com o consentimento dos Autores e antepossuidores, sido deslocada do extremo Norte, para o extremo Sul;
- sucessivamente e por ambas estas servidões os Autores e antepossuido-res efectuaram a correspondente passagem, de forma a adquirir e no exercício do direito de servidão de passagem que ora reclamam;
- a constituição dessa passagem pela sua 1ª forma à volta do ano de 1963, foi contemporânea e consequente do fraccionamento do mesmo e único prédio que então todos os ora ajuizados formavam aquando do decesso do anteproprietá-rio de todos eles – então um só – Manuel Rodrigues Teixeira;
- este direito de passagem foi exercido efectivamente até Novembro de 2001, sem embargo de desde 1994/1995 o falecido marido da 1ª Ré se ter come-çado a opor a essa passagem, o que só conseguiu integralmente naquela data (Novembro de 2001) com um depósito de inertes no leito de passagem;
- desde então ficaram os Autores impedidos da exploração agrícola nos termos que discriminam e relativamente ao qual reclamam as referenciadas indem-nizações, onde também se incluem danos não patrimoniais consequentes da ofensa pessoal em que se traduziu o desapossamento.
Concluíram, pedindo que os Réus sejam condenados:
- a reconhecer que o respectivo prédio está onerado com uma servidão que tem a extensão de cerca de 120 metros por 2,5 de largura, implantada ao longo e sobre a parcela do terreno dos Réus situada mais a Sul, ou entendendo-se tal não ser possível, que a servidão tem uma extensão de aproximadamente 220/230 metros, sobreposta a uma faixa do terreno dos Réus localizada no limite Norte deste;
- a restituírem a eles Autores a posse de servidão que vier a ser reconhe-cida, desobstruindo a parcela de terreno onde se implanta;
- a repararem aos Autores os danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes advieram em consequência dos ilícitos civis que descrevem, pagando-lhes mais concretamente:
- indemnização no montante de € 3.300,00, correspondentes aos danos liquidáveis e já liquidados, acrescidos de juros legais;
- indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimo-niais - lucros cessantes, pela perda de produção em cada ano por que durar o impedimento da exploração agrícola, acrescidos de juros legais.

Os Réus contestaram, excepcionando a caducidade da providência requerida, invocando a ininteligibilidade dos pedidos e alegando o seguinte:
- contíguo ou confinante com os prédios dos Autores, para Norte, e com as mesmas características, fica um outro prédio rústico pertencente actualmente a Manuel Neves Rebola e Manuel Reis Teixeira, cunhados entre si, o qual, conjunta-mente com os prédios dos ora Autores, constituíram em tempos um só e mesmo prédio, pertencente aos avós destes;
- estes nunca passaram para o então seu prédio pelo prédio dos Réus, fazendo-o antes do plano superior directamente para o plano inferior por escadi-nhas escavadas no solo, a pé;
- foi no tempo em que os Autores A... e C... se torna-ram arrendatários do prédio ora dos Réus, nessa sua condição de arrendatários e em seu abuso que foi exercida alguma passagem, mas a que se opôs o marido da 1ª Ré, já falecido, logo em 1988;
- cada um dos Autores pode, sem grande dificuldade, fazer acesso directo do plano superior para o plano inferior dos respectivos prédios, sem com tal onerar injustificadamente os ora Réus, a quem prejudicam desnecessariamente.
Concluíram pela caducidade da providência interposta pelos Autores, pela sua absolvição da instância por ininteligibilidade dos pedidos formulados pelos Autores, pela sua absolvição dos pedidos, ou, quando e caso se entenda que os Autores beneficiam de uma servidão de passagem, onerando o prédio deles Réus, que deve a mesma ser declarada extinta por desnecessária, com as inerentes conse-quências, deduzindo, assim, pedido reconvencional.

Os Autores responderam, pugnando pela improcedência das excepções e da reconvenção.

A p.i. inicialmente apresentada foi corrigida a convite do tribunal.

Foi proferido despacho saneador, através do qual se relegou o conheci-mento da excepção da “caducidade” para momento ulterior e se declarou desde logo improcedente a arguição da ineptidão da p.i..

Realizou-se audiência de julgamento e no decurso desta os Autores declararam desistir do pedido de constituição de servidão a favor dos artigos rústi-cos 1370º e 1372º.

Posteriormente foi proferida sentença que decidiu o seguinte:
“a) declarar constituída uma servidão de passagem a pé e de carro adqui-rida por usucapião pelos Autores em benefício dos seus arts. matriciais rústicos 1368º e 1369º, onerando o art. matricial rústico 1366º dos Réus, servidão de passa-gem essa que tem o início na via pública, a poente de todos os prédios, estendendo-se daí numa linha recta situada no extremo sul do prédio dos Réus referido, ocu-pando uma faixa com cerca de 120 metros de extensão por cerca de 2,5 metros de largura deste último, até atingir o topo da barreira existente a Nascente, onde vira descencionalmente para Sul através de uma rampa recortada na barreira, em troço sobreposto a prédio de terceiros (art. matricial 1367º) até atingir os prédios dos Autores e a tal destinado;
b) condenar os Réus a tal reconhecer e respeitar, estando designada-mente obrigados a mantê-la desobstruída e desimpedida para efectivo e integral exercício do correspondente direito de passagem por cada casal de Autores e na estrita medida da sua titularidade e necessidade correspondente;
c) condenar os Réus a indemnizar, solidariamente, cada casal de Autores em € 250,00 (duzentos e cinquenta Euros), bem como a indemnizar os Autores pelos prejuízos materiais que cada um deles teve, em função da sua titularidade nos arts. matriciais 1368º e 1369º, correspondente à perda de exploração agrícola no ano civil de 2002, prejuízos esses a liquidar em execução de sentença;
d) do demais contra si peticionado vão os Réus expressamente absolvi-dos;
e) absolver ainda expressamente os Autores da totalidade do pedido reconvencional”.

Desta sentença interpuseram recurso os Réus, com os seguintes funda-mentos:
“ - Deve ser declarada a caducidade da acção, nos termos do ano 1282° do C. Civil.
- Os AA. peticionam na presente acção a constituição/reconhecimento, em alterna-tiva, de duas servidões de passagem distintas pelo prédio dos RR. descrito em O) dos factos assen-tes, para os seu prédios descritos de A) a C) dos mesmos factos.
- Na sentença, porém, foi entendido de que se tratava da afirmação e reconhecimento da mesma e única servidão de passagem.
- Desta forma, foi alterado o objecto da acção, pelo que, os RR. foram condenados em objecto diverso do pedido.
- Assim, dada a condenação dos RR. em objecto diverso do pedido, a sentença é nula nos termos do disposto no ano 660º, n° 1, al. e), do C.P.C..
- Foi declarada a constituição de uma servidão de passagem a pé e de carro adquirida por usucapião pelos AA. em beneficio dos seus artigos matriciais rústicos 1368 e 1369.
- As servidões prediais só podem ser adquiridas por usucapião se forem aparentes, isto é, se se revelarem por sinais visíveis e permanentes, que têm que ser inequívocos (ano 1293°, al. a), e 1548°, ambos do C. Civil).
- Por outro lado, a usucapião só opera ao fim de 20 anos, desde que a posse seja não titulada, presumindo-se de má-fé, como é o caso dos autos (artº 1296º do C. Civil).
- A servidão em apreço não se revela por sinais visíveis e permanentes inequívocos, nem tem, como ficou provado, tempo para que possa ser constituída por usucapião.
- Neste caso, a acção devia, como deve, ser julgada improcedente, com as legais conse-quências.
- Na decisão recorrida fez-se, neste caso, incorrecta interpretação e aplicação dos referi-dos normativos legais do C. Civil e também do ano 1287° do mesmo diploma legal.
- A verificar-se ter havido mudança na servidão de passagem, a consequência teria, e terá, que ser a mesma, uma vez que, a servidão, para além da falta dos referidos sinais e do tempo de constituição, foi mudada para prédio de terceiros, implicando, por isso, também, o aumento dos sujeitos da relação, ignorando-se se houve ou não consentimento desses terceiros.
- Ora, a mudança, só por si, implica a extinção da servidão originária e o nascimento de uma nova servidão;
- Nas circunstâncias referidas essa extinção e o nascimento de nova servidão é mani-festa, pelo que, também por estas razões, a acção devia ter sido julgada improcedente.
- Neste caso, fez-se incorrecta interpretação e aplicação dos artº 1543° e 1568°, do C. Civil.
- Revelam-se incorrectamente julgados os pontos de facto apontados nestas alegações, bem como os quesitos no mesmo referidos.
- Na verdade, as respostas que ora se verberam radicam no facto de se ter ignorado a materialidade fluente, séria e isenta dos depoimentos das indicadas testemunhas dos RR., e de se ter credibilizado os depoimentos, eivados de contradições, das testemunhas dos AA. Manuel Rebola, Eugénio Roque e José Elisio da Silva, cujos depoimentos foram ainda contrariados pelo requerimento dos Auotres de fls. 209.
- Os depoimentos das testemunhas referidas impunham que se julgassem como "não provados" os pontos de facto elencados no n° 5 destas alegações, a que foi dada resposta positiva, e que se julgassem como "provados" os quesitos 69º, 70º e 72º como deve ser, ao abrigo do disposto no ano 712° n° 1, alíneas a) e b) do C.P.C..
- Deste modo, desaparecem os pressupostos fácticos que determinaram a decisão em recurso a declarar constituída a servidão de passagem de pé e de carro adquirido por usucapião pelos AA. em beneficio dos seus artigos matriciais rústicos 1368 e 1369, sendo, pois, óbvia e manifesta a improcedência da pretensão dos AA..
- Por outro lado, é também óbvio que a decisão não está correctamente fundamentada, pelo que, deve ser anulada, devendo ser ordenado ao Tribunal recorrido que a fundamente devida-mente, tendo em conta os depoimentos gravados, nos termos do ano 712º, n° 5, do C. P. C..
- A sentença recorrida, quanto ao pedido reconvencional, é nula nos termos do art° 668º, n° 1, al. c), do C.P.C., uma vez que existe, inequivocamente, oposição entre os fundamentos e a decisão, pelo que, deve ser revogada a decisão e proferido acórdão que julgue o pedido reconven-cional procedente.
- Sem prescindir, no caso da acção ser confirmada, deve o pedido reconvencional ser julgado procedente, e em consequência, ser a servidão de passagem declarada julgada extinta por desnecessidade, nos termos do artº 1569º, n° 2, do C. Civil, de que se fez incorrecta interpretação e aplicação”.
Concluíram pela procedência do recurso e pela revogação da sentença recorrida.
Os Autores apresentaram contra-alegações em que defenderam a altera-ção da resposta ao quesito 29º, por erro na apreciação da prova, e a anulação das respostas aos quesitos 84º e 85º, por serem conclusivas.
Concluíram pela confirmação da sentença recorrida.

Os Réus responderam à ampliação do objecto do recurso.

Foi proferido despacho negando a existência de qualquer vício que determine a nulidade da sentença.

Em cumprimento de Acórdão deste tribunal, foi proferido novo despa-cho fundamentando as respostas dadas aos quesitos da base instrutória, nos termos do artº 712º, nº 5, do C.P.C., nada mais tendo sido alegado posteriormente.

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DA NULIDADE DA SENTENÇA
Os Réus arguíram a nulidade da sentença com os seguintes fundamentos:
- Ao reconhecer-se na sentença a existência da mesma e única servidão de passagem, quando os Réus pediram o reconhecimento de duas servidões em alternativa, condenou-se em coisa diferente do peticionado;
- Ao admitir-se o pedido reconvencional e ao julgarem-se provados os factos que o fundamentavam, a decisão a proferir tinha que ser necessariamente a sua procedência, pelo que se verifica uma contradição entre os fundamentos e a decisão, quando esta julgou improcedente o pedido reconvencional.
- Ao não conhecer-se da caducidade do direito dos Autores, omitiu-se pronúncia sobre questão que não era possível ignorar.
Da leitura da p.i. corrigida resulta, sem grande esforço interpretativo, que a pretensão dos Autores era a do reconhecimento de um direito de servidão sobre um prédio dos Réus, por usucapião, somando-se as posses sucessivas sobre dois caminhos em locais distintos, tendo a servidão por objecto o último desses cami-nhos. E para a hipótese desta pretensão não proceder, o reconhecimento de um direito de servidão sobre o prédio dos Réus, por usucapião, tendo por objecto o primeiro desses caminhos.
Na sentença aderiu-se à pretensão principal dos Autores, tendo-se reco-nhecido a constituição do direito de servidão, por usucapião, tendo por objecto o último caminho, por soma das posses sucessivas sobre os dois caminhos, pelo que em nada se violou a manifestação do princípio do dispositivo constante do artº 661º, nº 1, do C.P.C..
Relativamente à improcedência do pedido reconvencional, a sua admis-são apenas garante a sua legalidade formal, não resultando daí qualquer juízo sobre o seu mérito, pelo que a circunstância de terem sido considerados provados os factos que o fundamentavam não é suficiente para garantir a sua procedência. Esta depende ainda da operação de aplicação do direito aos factos e nada obsta a que da realização dessa operação resulte que o pedido seja improcedente, porque dos factos alegados não se conclui a existência do direito invocado.
Foi isso que sucedeu neste caso, constando da fundamentação jurídica da sentença as razões pelas quais não deve proceder o pedido reconvencional. Não existe, pois, qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão, pelo que também não há, neste particular, qualquer nulidade da sentença.
A excepção da caducidade da acção, arguida pelos Réus, foi conhecida e decidida na sentença recorrida, pelo que não se revela que esta tenha omitido questão sobre a qual deveria ter-se pronunciado.
Pelo exposto não procede a arguição pelos Réus de que a sentença é nula, mostrando-se a mesma perfeitamente válida.

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DOS FACTOS
Os Réus impugnaram a decisão da matéria de facto, dizendo discordar das respostas aos quesitos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 35º, 36º, 37º, 39º, 40º, 41º, 42º, 50º, 63º, 64º, 69º, 70º, 72º e 83º, perante a prova produzida.
A matéria destes quesitos respeita ao exercício pelos Autores de actos de posse de um direito de servidão de passagem sobre um prédio dos Réus, que o tribunal de 1ª instância considerou provados, e à prática por um antecessor dos Réus de actos que impediram o exercício pelos Autores desse direito.
Relativamente à prática de actos de posse pelos Autores e seus anteces-sores da invocada passagem pelo prédio dos Réus em dois locais diferentes (pelo limite norte do prédio até 1985 e pelo limite sul após esta data), depuseram nesse sentido Manuel Rebola (co-proprietário do prédio confinante a sul com o prédio dos Réus), Maria Ramalho e José Elísio (que trabalhou durante muitos anos em prédios próximos), e Eugénio Roque (que reside há muitos anos no local), os quais disseram ter presenciado esses actos. Relativamente à mudança do local de passa-gem em 1985 foi decisivo o depoimento de José Estêvão que foi incumbido pelo anterior proprietário do prédio dos Réus de efectuar as obras de construção da nova passagem.
Em sentido contrário depuseram César Gonçalves (filho de um anterior proprietário do prédio dos Réus), Agostinho Cardoso (irmão do anterior proprietá-rio do prédio dos Réus) Manuel Teixeira (co-proprietário do prédio confinante a sul com o prédio dos Réus), e Maria Nazaré Catarino (casada com a testemunha anterior).
Apesar de nos encontrarmos perante conjuntos de depoimentos de sen-tido oposto, a versão relatada pelas testemunhas arroladas pelos Autores é segura-mente mais credível.
Na verdade, do conjunto da prova produzida resultou, com segurança, que os Autores têm cultivado os planos inferiores dos prédios rústicos com os artº 1368º e 1369º, apesar de nem sempre o fazerem todo o ano, pelo que a eles tem que necessariamente aceder com equipamentos e produtos agrícolas. Dado não se indiciar, minimamente, a existência de qualquer acesso pelos planos superiores dos seus prédios, revela-se lógica, normal e de acordo com as regras da experiência a existência das passagens referidas pelas testemunhas arroladas pelos Autores acima referidas, o que foi confirmado pelo depoimento, oficiosamente determinado, da testemunha José Estêvão, o qual se revelou, sem sombra de suspeita, isento.
Note-se também que, relativamente, às testemunhas arroladas pelos Réus, a testemunha César Gonçalves invocava um conhecimento até há 30 anos, Agostinho Cardoso efectuou o seu depoimento de forma manifestamente parcial e Manuel Teixeira e Maria Nazaré não foram peremptórios em negar a possibilidade dos Autores terem utilizado regularmente as referidas passagens, sem que eles se tenham apercebido.
Por estas razões concorda-se plenamente com o conteúdo das respostas aos quesitos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 50º, 69º, 70º e 72º.
Quanto à matéria dos quesitos 35º, 36º, 37º, 39º, 40º, 41º, 42º e 83º, a mesma respeitava aos actos praticados pelo marido da Ré I..., para impedir os Autores de utilizarem a passagem do limite sul do seu prédio.
As respostas a estes quesitos mostram-se de acordo com o conjunto de depoimentos prestados a estes quesitos, concordando-se em que a imprecisão e a divergência nesses depoimentos sobre as datas em que tais actos ocorreram apenas permitisse que esses actos fossem localizados, com segurança, como se fez nas referidas respostas.
Quanto à resposta aos quesitos 63º e 64º, atenta a restante factualidade provada, a mesma encontra-se de acordo com o funcionamento das regras da experiência da vida, não merecendo qualquer censura.
Os Autores alargaram o âmbito do recurso, impugnando a resposta ao quesito 29º. Perguntava-se aí, se nas passagens alegadas pelos Autores as rodeiras se mantiveram ao longo dos anos polidas e compactadas. A resposta foi “não pro-vado”. As testemunhas Manuel Rebola, Maria Ramalho, José Elísio e Eugénio Roque referiram que nas referidas passagens se notava a existência das marcas das rodas dos carros e tractores que por ali transitavam, pelo que apesar de não se poder dizer que nessas passagens se mantiveram ao longo dos anos rodeiras polidas e compactadas, pode-se afirnar, com segurança, que nessas passagens existiam marcas das rodas dos veículos que por elas transitavam, dando-se assim uma res-posta restritiva ao mencionado quesito.
Os Autores puseram ainda em causa as respostas aos quesitos 84º e 85º, dizendo que as mesmas são conclusivas.
No quesito 84º respondeu-se “provado” à seguinte pergunta: “Qualquer um dos Autores pode construir, no respectivo prédio, na parte que cultiva, passa-gem do plano superior para o plano inferior, de forma oblíqua, ao viés ?”
No quesito 85º considerou-se provado que “dessa forma e por aí qual-quer um dos Autores comproprietários dos artº 1368º e 1369º, a pé, de tractor, ou outro meio poderá aceder à exploração do plano inferior do respectivo prédio”.
Estas respostas não traduzem factos já passados, mas factos de existência possível, mas que não deixam de ser factos, não sendo de modo algum meras conclusões.
Do exposto resulta que relativamente à matéria de facto considerada provada na 1ª instância, apenas se justifica a alteração da resposta dada ao quesito 39º, improcedendo no demais, nesta parte, quer o recurso interposto pelos Réus, quer a ampliação que foi efectuada pelos Autores.

São, pois, os seguintes os factos provados:

I - Os Autores A... e esposa e C... e esposa são, na proporção de 1/2 indivisa, para cada casal, donos e possuidores dos seguintes prédios:
a) prédio composto de terreno de cultura de rega e arroz, sequeiro com 14 oliveiras, vinha e 3 oliveiras, com a área de 3470 m2, confrontando a Norte com Alberto Rodrigues Teixeira, a Nascente com Vala do Norte, a Sul com E... e do Poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de S. Martinho de Árvore sob o artº 1368º;
b) prédio composto de terra de cultura com 50 oliveiras, vinha, com 20 oliveiras e arroz, com a área de 4190m2, confrontando a Norte com Alberto Rodrigues Teixeira, do Nascente com Vala do Norte, do Sul com limite da fregue-sia, e do Poente com limite da freguesia, inscrito na mesma matriz rústica sob o artº 1372º (al. A) dos Factos Assentes).

II - Os Autores António dos Santos e esposa, e António do Nascimento e esposa são, na proporção de 1/2 (metade) indivisa para cada casal, donos e pos-suidores do seguinte prédio: prédio composto de terra de cultura de rega e sequeiro com 22 oliveiras, vinha com 16 oliveiras, com a área de 7.480m2, confrontando a Norte com José Maria Teixeira, a Nascente com Vala do Norte e a Poente com caminho, inscrito na mesma matriz rústica da freguesia de S. Martinho de Árvore sob o artº 1369º (al. B) dos Factos Assentes).

III - Os ditos Autores C... e esposa são ainda donos e pos-suidores do prédio composto de terra de cultura com 12 oliveiras, com área de 860m2, confrontando a Norte com G..., a Nascente com G..., do Sul com Alberto Rodrigues Teixeira e do Poente com caminho, inscrito igualmente na mesma matriz rústica da freguesia de S. Martinho de Árvore sob o artº 1370º (al. C dos Factos Assentes).

IV - Por sua vez, os Réus, I... e J... e marido, enquanto contitulares da herança aberta por óbito do marido da primeira, Manuel Cardoso (falecido em 11.02.2002), são em comum donos e possuidores do prédio rústico também situado no mesmo local -Ribeira da Quinta- da freguesia de S. Martinho de Árvore, que se compõe de terra de cultura com 70 citrinos, 30 olivei-ras, vinhas, com 18 oliveiras, com a área de 16.000m2, confrontando a Norte com Amadeu Marques dos Santos, do Nascente com Vala do Norte, do Sul com Alberto Rodrigues Teixeira e do Poente com caminho, inscrito na matriz rústica respectiva sob o artº 1366º (al. D dos Factos Assentes).

V - Os prédios propriedade dos Autores e Réus vindos de referir, situam-se no enfiamento uns dos outros, considerando o sentido de Norte para Sul, sendo que o dos Réus é o que se implanta mais a Norte de todos (al. E dos Factos Assentes).

VI - Os prédios dos Autores têm uma configuração sensivelmente rec-tangular, situando-se ainda em 2 planos contínuos mas desnivelados entre eles, com um plano situado a Nascente e outro a Poente, aquele num plano/nível inferior a este (al. F dos Factos Assentes).

VII - Alegando haverem sido esbulhados da posse da actual servidão, os ora Autores propuseram contra os ora Réus, em 29.05.2002, uma providência cautelar de restituição provisória de posse, a qual foi decretada por despacho de 24.06.2002 e efectivada materialmente em 5.07.2002 (alínea G dos Factos Assentes).

VIII - O desnível aludido em VI é de cerca de 11/12 metros (resposta ao quesito 1º).

IX - O mesmo caracteriza-se por uma “barreira” desnivelada, com uma configuração oblíqua de um ângulo não inferior a 120º, considerando o plano da base inferior do terreno, a nascente (resposta ao quesito 2º).

X - Desde 1963 a 1985, sensivelmente, o acesso ao plano inferior dos prédios dos ora Autores aludidos nos pontos I a III, fazia-se através de passagem localizada no limite Norte do prédio dos Réus aludido em IV, totalmente implan-tada neste imóvel, saindo de Poente da via pública que aí passava e passa, esten-dendo-se em recta ao longo daquele limite para Nascente, por uma extensão de cerca de 120 metros até ao topo da referenciada barreira (respostas aos quesitos 3º e 4º).

XI - Essa passagem tinha largura não inferior a 2 metros e ao chegar ao ponto mais a Nascente do plano superior do prédio dos Réus aludido em IV, virava a Sul através de corte oblíquo na barreira, estendendo-se descensionalmente até ao plano inferior do mesmo prédio, num troço com uma extensão aproximada de 50 metros (respostas aos quesitos 5º, 6º, 7º, 8º e 9º).

XII - Após atingir este plano inferior, a passagem continuava sensivel-mente com a mesma largura para Sul, atravessando transversalmente o prédio dos Réus, numa extensão de cerca de 80/90 metros, dando depois acesso às parcelas inferiores dos prédios dos AA. aludidos nos pontos I a III (respostas aos quesi-tos 10º, 11º e 12º).

XIII - À volta de 1985, pelos proprietários e possuidores do prédio alu-dido em IV, foi a passagem deslocada do extremo Norte deste prédio para o extremo Sul (situado com referência ao primeiro a cerca de 80/90 metros), o que foi feito por modo a reduzir a extensão daquela passagem sobreposta ao prédio aludido em IV (respostas aos quesitos 13º e 14º).

XIV - Não houve oposição por parte dos Autores e antepossuidores (resposta ao quesito 15º).

XV - Após aquela mudança, a passagem passou a sair da via pública a Poente e estendendo-se daí até ao topo da já referenciada barreira a Nascente, sobreposta e implantada no prédio referido em IV, ficou a ocupar deste uma faixa com cerca de 120 metros de extensão por cerca 2,5 metros de largura (resposta ao quesito 16º).

XVI - E ao atingir a nascente o mencionado topo da barreira, aí virava descensionalmente para Sul, através de rampa recortada na barreira que permitia o acesso para os planos inferiores dos prédios referidos nos pontos I a III (resposta ao quesito 17º).

XVII - Rampa esta que na parte superior, na continuação da passagem, se iniciava junto a marco que no local assinala o ponto de passagem da linha de definição da extrema Sul do prédio aludido em IV, estendendo-se depois descen-cionalmente até à base daquela barreira, em troço já sobreposto a prédio de tercei-ros, continuando de seguida para Sul até atingir os prédios dos Autores aludidos nos pontos I a III, na sua parcela situada a nascente (respostas aos quesitos 18º, 19º e 20º).

XVIII - Qualquer destas passagens - por uma e posteriormente pela outra - foi feita pelos Autores e antepossuidores quer da via pública a Poente para a parte inferior dos seus prédios, quer no sentido inverso (resposta ao quesito 21º).

XIX - A passagem era feita, ao tempo da serventia aludida em 1º lugar, a pé, com carros de tracção animal e/ou animais, só o tendo passado a ser também com tractores já no tempo da serventia aludida em 2º lugar, quer para cultivarem aquelas parcelas dos imóveis, quer para aí levarem adubos, produtos e utensílios necessários para esse efeito e/ou aí apascentarem animais, quer ainda para, por iguais meios e modos, daí retirarem frutos, produtos e utilidades geradas pela respectiva exploração (respostas aos quesitos 22º, 23º e 24º).

XX - Fizeram tal sempre à vista de terceiros e também dos antepossui-dores dos Réus e até destes (resposta ao quesito 25º).

XXI - Nessa medida convencidos e seguros de que exerciam um direito oponível àqueles (resposta ao quesito 26º).

XXII - Nessa medida sempre reclamando e afirmando aquele direito (resposta ao quesito 27º).

XXIII - Tal direito era reconhecido por todos quantos ao longo dos decénios assistiram ao atravessamento, nomeadamente os antepossuidores dos Réus (resposta ao quesito 28º).

XXIV - Os prédios ora com os artigos matriciais 1367º a 1372º pertence-ram anteriormente a um tal Manuel Rodrigues Teixeira (resposta ao quesito 31º).

XXV - No período temporal anterior a 1963 existia uma passagem ainda mais a Norte do prédio ora descrito em IV (resposta aos quesitos 32º e 33º).

XXVI - Nos inícios da década de 90 do século XX, o falecido marido da Ré I... (Manuel Cardoso) passou a dizer que não autorizava que os Autores passassem pelo seu prédio, então já pelo extremo Sul do mesmo (tal como defi-nido em XIII), o que fez publicamente, chegando a ameaçar agredir os Autores (respostas aos quesitos 35º, 36º, e 37º).

XXVII - Não obstante estes continuaram a fazê-lo como no passado (resposta ao quesito 38º).

XXVIII - Na sequência, o dito Manuel Cardoso abriu uma vala transver-sal à saída da via pública, mas na parcela do seu prédio, por onde os Autores passa-vam, procurando impedi-los de o continuar a fazer (resposta ao quesito 39º).

XXIX - Esta vala foi desde logo por estes últimos aterrada, continuando estes a aceder ao seu prédio nos mesmos termos de sempre (respostas aos que-sitos 40º e 41º).

XXX - Em data não concretamente apurada do ano de 2001, o referen-ciado Manuel Cardoso fez transportar para o seu prédio várias cargas de inertes (terra, ervas e entulho diverso) que depositou e amontoou no imóvel e na parcela sobre a qual os Autores sempre passaram (resposta ao quesito 42º).

XXXI - Depositando os ditos inertes à entrada e ao cimo da rampa melhor identificada em XVI e XVII (resposta ao quesito 43º).

XXXII - Os Autores, na sequência, diligenciaram pela desobstrução da passagem (resposta ao quesito 44º).

XXXIII - Mas o dito Manuel Cardoso, enquanto foi vivo, no uso das respectivas faculdades físicas, a tal se opôs, dizendo publicamente que quem fosse apanhado a fazê-lo tinha de se haver com o mesmo (respostas aos quesitos 45º e 46º).

XXXIV - Após o decesso deste, os ora Réus, na qualidade aludida em IV, têm-se oposto à retirada daqueles inertes, dizendo que não consentirão que os Autores o façam (respostas aos quesitos 47º e 48º).

XXXV - Estão desde então os Autores impedidos de aceder a Sul à refe-renciada rampa, ou provir do plano inferior dos seus prédios, por os tractores, atrelados, máquinas agrícolas ou outros meios de transporte não terem espaço dis-ponível para manobrar (respostas aos quesitos 49º, 50º e 51º).

XXXVI - Os Autores não puderam cultivar as parcelas inferiores dos seus respectivos prédios com os arts. matriciais 1368º e 1369º, no ano de 2002, com forragens, hortícolas, milho, tubérculos diversos e outros, nem aí proceder a outras actividades (respostas aos quesitos 52º e 53º).

XXXVII - No ano de 2002 tais Autores deixaram de obter a normal produção de milho (resposta ao quesito 56º).

XXXVIII - Perda de produção que igualmente se verificará por cada cultura anual que foram impedidos de realizar no futuro (resposta ao quesito 57º).

XXXIX - No ano de 2002 o milho foi na zona em média vendido a 20 cêntimos o Kg (resposta ao quesito 58º).

XL - Na povoação de Quimbres, onde os Autores residem, são de algu-mas dezenas os habitantes, todos são conhecidos e muito ligados por parentesco (resposta ao quesito 59º).

XLI - Os comportamentos protagonizados pelos Réus e pelo seu ante-cessor Manuel Cardoso foram do conhecimento público na zona, também o tendo sido as tentativas dos Autores para desimpedirem a parcela ajuizada (respostas aos quesitos 60º e 61º).

XLII - Para além do litígio ajuizado, nada se apurou em desabono dos Autores (resposta ao quesito 62º).

XLIII - Os actos dos Réus e antecessor fizeram os Autores sentirem-se desconsiderados, desrespeitados e afrontados nos respectivos direitos (resposta aos quesitos 63º e 64º).

XLIV - Contíguo ou confinante com os prédios dos AA., para Norte, fica uma terra de cultura pertencente hoje em comum e partes iguais a Manuel Rebola e Manuel Reis Teixeira, prédio este que tem as mesmas características (plano superior e plano inferior) dos prédios aludidos nos pontos I a III (respos-tas aos quesitos 65º e 66º).

XLV - Este prédio e os prédios dos Autores aludidos nos pontos I a III constituíram em tempos um só e mesmo prédio pertencente aos avós dos Autores António, C..., F... e H... e também do Manuel Teixeira e da mulher do Manuel Rebola (resposta ao quesito 67º).

XLVI - Posteriormente, em data não concretamente apurada da década de 60 do século XX, esse prédio foi dividido pelos filhos daqueles avós dos Auto-res, José Maria, Álvaro e Alberto Teixeira (resposta ao quesito 68º).

XLVII - Em alguns dos prédios dos Autores existem ainda hoje escadi-nhas escavadas no solo (resposta ao quesito 71º).

XLVIII - A dada altura os Autores António e C... tornaram-se arrendatários do prédio que hoje é dos Réus, aludido em IV (resposta ao que-sito 73º).

XLIX - Após a Ré I... e o marido comprarem o prédio aludido em IV, em 1986, e o mesmo lhes ter sido entregue pelos rendeiros, passados alguns anos e já nos inícios da década de 90 do século XX, aqueles proibiram os Autores de passar, como antes faziam, na extrema Sul, passando a cultivar o prédio aludido em IV na sua totalidade, de Norte a Sul (respostas aos quesitos 77º e 78º).

L - Ainda assim persistia uma passagem, na referida extrema Sul, de tractor, por cima das culturas, sem o consentimento dos ditos Manuel Cardoso e Ré I... (respostas aos quesitos 79º e 80º).

LI - Foi então que este Manuel Cardoso abriu a vala a que se aludiu em XXVIII (resposta ao quesito 81º).

LII - A qual foi na sequência tapada, vindo a ter lugar uma passagem por pessoa não identificada, embora apenas na altura das sementeiras e das colheitas (resposta ao quesito 82º).

LIII - Na sequência, o Manuel Cardoso, em data não concretamente apurada do ano de 2001, colocou entulho no local da passagem, na extrema Sul do prédio (resposta ao quesito 83º).

LIV - Qualquer um dos Autores pode construir, no respectivo prédio, na parte que cultiva, passagem do plano superior para o plano inferior, de forma oblíqua, ao viés (resposta ao quesito 84º).

LV - Dessa forma e por aí qualquer um dos Autores comproprietários dos arts. 1368º e 1369º, a pé, de tractor ou outro meio poderá aceder à exploração do plano inferior do respectivo prédio (resposta ao quesito 85º).

LVI - Opção esta que foi tomada pelos referenciados Manuel Rebola e Manuel Teixeira em relação ao respectivo prédio que tem características idênticas aos dos ora Autores (resposta ao quesito 86º).

LVII - A constituir-se a passagem pela extrema Norte do prédio aludido em IV que foi referenciada nos pontos X a XII, ela passaria pelo meio da parte urbana desse prédio, onde estão todos os arrumos e animais dos Réus (resposta ao quesito 87º).

LVIII - Nas passagens referidas em X e XIII existiam marcas das rodas dos veículos que por elas transitavam (resposta ao quesito 29º).

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O DIREITO
Neste recurso há que responder às seguintes questões jurídicas suscitadas pelos Réus nas suas alegações:
Estamos perante uma acção de defesa da posse duma servidão, cujo direito caducou, nos termos do artº 1282º, do C.C. ?
Não estão reunidos os requisitos necessários à constituição do direito de servidão a favor dos Autores, por usucapião, por não se ter completado em nenhuma das servidões o lapso de tempo exigido por lei, não podendo ser somadas as duas posses, e por nenhuma delas ter sinais visíveis e permanentes ?
Admitindo-se que o direito de servidão se constituiu, deve o mesmo ser julgado extinto, por desnecessidade ?

Da caducidade da acção
Apesar dos Autores terem pedido a condenação dos Réus a restituírem a posse duma servidão de passagem sobre um prédio destes, não se limitaram a basear este pedido numa situação possessória, tendo antes alegado a constituição e existência de um direito real de servidão e pedido o seu reconhecimento judicial.
Assim, o pedido de restituição de posse não se insere numa acção de defesa da posse, nos termos do artº 1278º, do C.C., mas sim numa acção de reivin-dicação, prevista nos artº 1311º e 1315º, do C.C., que inclui o pedido de reconhe-cimento judicial do direito real em causa e a consequente restituição do objecto desse direito.
A acção de reivindicação é imprescritível (artº 1312º), não estando sujeita ao prazo de caducidade das acções possessórias previsto no artº 1282º, do C.C., pelo que o direito reclamado pelos Autores na presente acção não caducou.

2. Da constituição do direito de servidão por usucapião
Uma das formas de constituição do direito de servidão é por usucapião (artº 1547º, nº 1, do C.C.), sendo necessário que exista uma situação possessória correspondente ao exercício de um direito de servidão por um determinado período de tempo (artº 1287º, do C.C.).
Provou-se que, desde 1963 a 1985, o acesso ao plano inferior dos pré-dios dos ora Autores, fazia-se através de passagem localizada no limite Norte do prédio dos Réus, totalmente implantada neste imóvel.
Em 1985, pelos então proprietários e possuidores do prédio dos Réus, foi a passagem deslocada do extremo Norte deste prédio para o extremo Sul.
A passagem era feita pelos Autores e seus antecessores, ao tempo da ser-ventia aludida em 1º lugar, a pé, com carros de tracção animal e/ou animais, só o tendo passado a ser também com tractores já no tempo da serventia aludida em 2º lugar, quer para cultivarem aquelas parcelas dos imóveis, quer para aí levarem adubos, produtos e utensílios necessários para esse efeito e/ou aí apascentarem animais, quer ainda para, por iguais meios e modos, daí retirarem frutos, produtos e utilidades geradas pela respectiva exploração.
Os Autores praticaram tais actos, sempre à vista de terceiros e também dos antepossuidores dos Réus e até destes, convencidos e seguros de que exerciam um direito oponível àqueles.
Nos inícios da década de 90 do século XX, o falecido marido da Ré Ira-cema (Manuel Cardoso) passou a dizer que não autorizava que os Autores passas-sem pelo seu prédio, então já pelo extremo Sul do mesmo, o que fez publicamente, chegando a ameaçar agredir os Autores. Não obstante estes continuaram a fazê-lo, como no passado, até que, em data não concretamente apurada do ano de 2001, o referenciado Manuel Cardoso fez transportar para o seu prédio várias cargas de inertes (terra, ervas e entulho diverso), que depositou e amontoou no imóvel e na parcela sobre a qual os Autores sempre passaram, impedindo-os assim de continua-rem a utilizar a referida passagem.
Do exposto resulta que os Autores e seus antecessores praticaram actos de posse, correspondentes ao exercício de um direito de servidão pela primeira das passagens referidas, durante um período de 22 anos, e pela última passagem men-cionada durante um período de 16 anos, sendo que nos últimos 11 anos destes 16, os referidos actos foram praticados com oposição dos proprietários do prédio onde se situava a passagem.
Tendo-se provado que os Autores e seus antecessores agiram convenci-dos e seguros de que exerciam um direito oponível aos Réus e seus antecessores, a posse correspondente ao exercício do direito de servidão deve qualificar-se de boa fé (artº 1260º, nº 1, do C.C.), pelo que o lapso de tempo necessário aos Autores para adquirirem a titularidade do correspondente direito de servidão, por usuca-pião, era de 30 anos quando se iniciaram os actos de posse (artº 526º a 529º, do Código de Seabra Vide a interpretação dada à redacção destes artigos por CUNHA GONÇALVES, em “Tratado de direito civil”, vol. III, pág. 698-702, da ed. da Coimbra Editora, de 1930.
) e apenas de 15 anos, a partir de 1-6-1967, data em que entrou em vigor o C.C. de 1966 (artº 1296º, do C.C.).
Atenta esta sucessão de prazos legais, para verificar quando ocorreu a aquisição do respectivo direito de servidão, deve contar-se o último prazo de 15 anos, estabelecido no C.C. de 1966, a partir da data da entrada em vigor deste diploma, conforme o disposto no artº 297º, nº 1, do C.C..
Deste modo se conclui que os Autores adquiriram, por usucapião, o direito de servidão equivalente à posse que vinham exercendo desde 1963, em 1-6-1982.
Assim, quando se verificou a mudança do sítio da passagem em 1985, por iniciativa dos proprietários do prédio serviente, já havia decorrido o tempo necessário aos Autores adquirirem, por usucapião, o direito de servidão, pelo que não era necessário que decorresse qualquer período de tempo no exercício da passagem pelo novo traçado, para que o direito de servidão dos Autores tivesse por objecto o novo caminho.
Apesar de ter existido uma mudança do traçado da servidão, o respectivo direito é o mesmo Vide neste sentido TAVARELA LOBO, em “Mudança e alteração da servidão”, pág. 129, da ed. da Coimbra Editora, de 1984.
, passando apenas a ter como objecto um novo caminho implan-tado em quase todo o seu traçado no mesmo prédio serviente (a passagem que se situava junto ao limite norte do prédio dos Réus, passou a situar-se junto ao limite oposto – o limite sul), encontrando-se apenas uma pequena parte do seu percurso sobreposta a um prédio pertencente a terceiros.
Esta última circunstância não determina que se tenha iniciado uma nova situação possessória, relativamente à parte do caminho situada no prédio dos Réus. Nessa parte, a posse é a mesma que a iniciada em 1963, tendo apenas existido uma alteração do local onde ocorriam os actos de posse, pelo que o direito de servidão, adquirido por usucapião, passou a ter como objecto o novo caminho traçado no prédio dos Réus Já quanto à parte do caminho que passou a atravessar prédio de terceiros inicia-se uma nova situação possessória, correspondente a novo direito de servidão, cujo prazo para a respectiva aquisição, por usucapião, só se inicia em 1985.
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Os artº 1293º, a) e 1548º, nº 1, do C.C., impedem, que se constituam por usucapião servidões não-aparentes.
As servidões não-aparentes são as que não se revelam por sinais visíveis e permanentes (artº 1548º, nº 2, do C.C.).
O estabelecimento desta proibição transitou do artº 2273º, do Código de Seabra que, por sua vez, a havia copiado dos artº 690 e 691, do Código de Napo-leão, o qual tentou conciliar a possibilidade de constituição do direito real de servi-dão, por usucapião, conferida pelo direito justinianeu, com as proibições existentes nalguns “costumes franceses” Os “costumes franceses” são compilações escritas do direito consuetudinário das diversas regiões de França, efectuadas nos séculos XV e XVI, por ordem real.
, reflectindo velhos receios.
Na verdade, no direito romano Sobre a constituição das servidões pelo exercício da posse durante determinado período de tempo, no direito romano, vide MAX KASER, em “Direito privado romano”, pág. 170-171, da ed. da Gulbenkian, de 1999, e SANTOS JUSTO, em “Direito privado romano III”, pág. 183-186, da ed. da Coimbra Editora, de 1997.
, após ter-se permitido a constituição de qualquer servidão rústica por usucapio, a Lex Scribonia de usucapione servitutium, por volta do ano 50 A.C., veio proibir esta forma de aquisição do direito de servidão Durante a vigência desta lei continuaram, contudo, a considerarem-se validamente constituídas as servidões exercidas durante tempos imemoriais., de modo a evitar a fácil constituição de direitos de servidão sobre prédios, apro-veitando o descuido ou a ausência dos seus proprietários Vide D´Ors, em “Derecho Privado Romano”, i 195, da ed. de 1991.. Mas, Justiniano, quando em 528 converteu a longi temporis praescriptio num modo de aquisição do domínio e em 531 a fundiu com a figura da usucapio, voltou a admiti-la como modo de consti-tuição das servidões (passados 10 anos entre presentes e 20 anos entre ausentes).
Aproveitando a distinção jurídica efectuada pelo famoso Bartolo de Sas-soferrato entre servidões contínuas e descontínuas e aparentes e não aparentes, o Código de Napoleão vai adoptar uma solução de compromisso entre a opção justinianeia, (adoptada nos “costumes de Artois e Douai”) e uma posição de proibi-ção absoluta deste modo de aquisição do direito de servidão (constante dos “cos-tumes de Paris, Orléans e Normandie”), e seguir a solução já adoptada por outros “costumes” (Auvergne e Lorraine). Nos seus artº 690 e 691 apenas admite a aquisi-ção por usucapião, após 30 anos de posse, das servidões contínuas e aparentes.
Seguindo este modelo, foi essa também a solução adoptada pela versão original do nosso Código de Seabra no seu artº 2273º O mesmo sucedeu com o C.C. Espanhol (artº 537-539) e o C.C. Italiano de 1865 (artº 610).
Se era esta também a opção de COELHO DA ROCHA, em “Instituições de direito civil português”, no § 599, do Livro 2º, na pág. 470, do tomo 2º, da 6ª ed., já CORREIA TELLES adoptava a solução que veio a ser consagrada com a revisão do Código de Seabra de 1930 e que consta do C.C. vigente, em “Digesto Português”, no § 454, na pág. 76, do tomo III, da ed. de 1836.
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Porém, em 1930, pelo Decreto nº 19.126, de 16-12, foi alterada a redac-ção deste artigo, o qual passou apenas a não admitir a constituição, por usucapião, das servidões não aparentes, possibilitando, assim, que as servidões qualificadas como descontínuas, os seja as que dependiam de facto do homem (§ 2º, do artº 2270º, do Código de Seabra), como as servidões de passagem, pudessem ser adqui-ridas por usucapião desde que fossem aparentes Esta atenuação das restrições à aquisição do direito de servidão, por usucapião, também ocorreu no direito italiano, onde o novo Código Civil, de 1942, no seu artº 1061, introduziu igual alteração.
. Esta alteração resultou da constata-ção das situações de injustiça que causava aquela proibição, nomeadamente quando eram praticados actos correspondentes ao exercício de um direito de servidão durante longo período, sendo o respectivo direito por todos reconhecido Escreveu CUNHA GONÇALVES, em “Tratado de direito civil”, vol. III, pág. 652, da ed. da Coimbra Editora, de 1930: “Não era equitativo que um proprietário, por exemplo, tendo atravessado durante 30 anos o prédio vizinho, no qual estabeleceu uma estrada calcetada para seu uso, não pudesse adquirir essa servidão, apesar de longamente conhecida e consentida por sucessivos proprietários do prédio serviente, só porque os jurisconsultos classificaram de descontínua tal servidão”.
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Foi a solução desta última redacção do artº 2273º, do Código de Seabra, que transitou para o artº 1548º, nº 1, do C.C. A redacção deste artigo resultou do artº 7º, do Anteprojecto de Pires de Lima, constante do B.M.J. nº 64, pág. 5 e seg., onde nas notas explicativas se escreveu: “não se modifica a doutrina actual, e aproveita-se do artº 2270º, com alterações, o conceito de servidão não aparente”.
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A estas restrições à admissibilidade da aquisição do direito de servidão por usucapião presidiram sempre dois receios Escreveu PIRES DE LIMA, na nota explicativa ao artº 7º, do Anteprojecto do título sobre servidões prediais do actual C.C., constante do B.M.J. nº 64, pág. 13: “Em primeiro lugar confundem-se com facilidade as servidões não aparentes com os actos de mera tolerância, vulgares quando há boas relações de vizinhança, relações que o legislador deve fomentar e não contrariar. Em segundo lugar, desde que não existam sinais visíveis, pode o proprietário ignorar a prática de actos constitutivos de servidão”.
Vide as mesmas razões, em PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em “Código Civil anotado”, vol III, pág. 629, da 2ª ed. da Coimbra Editora, RODRIGUES BASTOS, em “Notas ao Código Civil”, vol. V, da ed. do Rei dos Livros, de 1997, JUAN ROCA JUAN, em anotação ao artº 539, do C.C. Espanhol, em “Comentario del Codigo Civil”, tomo I, ed. do Ministério de Justicia, de 1993, DEMOLOMBE, em “Cours de Code de Napoléon”, vol. XII, tomo 2, pág. 252-253, da 5ª ed., de Durand-Hachette, FRANÇOIS CHABAS, em “Biens”, tomo II, 2º Volume, pág. 435, da 8ª ed., de Montchrestien, BERGEL / BRUSCHI / CIMAMONTI, em “Les biens”, pág. 342, da ed. de L.G.D.J., de 2000, ALEX WEILL, em “Les biens”, pág. 550, da 2ª ed., de Dalloz.
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- O primeiro resultava do facto das características dos actos possessórios correspondentes ao exercício deste direito real permitirem o seu desconhecimento pelo proprietário do prédio serviente, o que impediria que este reagisse a essa posse.
- O segundo tinha presente a ideia de que, sendo difícil a distinção entre as servidões aparentes e os actos de mera tolerância, a admissibilidade da constitui-ção dessas servidões, por usucapião, dificultaria o desenvolvimento das boas rela-ções de vizinhança, pelo fundado receio que assaltaria as pessoas de verem conver-tidas em situações jurídicas de carácter irremovível, situações de facto de mera condescendência, cortezia ou obsequiosidade.
De modo a evitar a concretização destes riscos exigiu-se na lei vigente O artº 2270º, do Código de Seabra apenas dizia que “as servidões aparentes eram as que se revelavam por sinais exteriores”.
que as servidões fossem aparentes, isto é que se revelassem por sinais visíveis e permanentes (artº 1548º, nº 1 e 2, do C.C.) O artº 689, do C.C. Francês, refere-se a “obras exteriores que anunciam a existência duma servidão, como uma porta, uma janela ou um aqueduto”; o artº 532, do C.C. Espanhol, alude a “sinais exteriores que estão continuamente à vista, que revelam o uso e aproveitamento das servidões”; e o artº 1061, do C.C., Italiano, fala em “obras visíveis e permanentes destinadas ao seu exercício”.
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Os sinais devem ser elementos materiais exteriores, inequivocamente indicativos da existência duma situação fáctica de dependência do prédio serviente em relação ao dominante.
Estes sinais devem ser visíveis, isto é devem ser facilmente observáveis por quem frequente o local onde se situam os prédios em causa, de modo a que a referida situação possa ser facilmente conhecida por todos os interessados, nomea-damente o proprietário do prédio serviente.
A existência de sinais também deve ser permanente Os sinais não têm de ser forçosamente os mesmos durante todo o tempo da posse. A existência de sinais, que podem mudar, é que tem de manter-se durante esse tempo. Vide neste sentido CUNHA GONÇALVES, em “Tratado de direito civil”, vol. III, pág. 652, da ed. da Coimbra Editora, de 1930, pág. 623, GONÇALVES RODRIGUES, em “Da servidão legal de passagem”, pág. 74, da ed. da Almedina, de 1962, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em “Código Civil anotado”, vol III, pág. 630, da 2ª ed. da Coimbra Editora., de modo a revelar que a referida situação possessória se prolonga pelo tempo necessário à sua aquisi-ção por usucapião.
Considerando que os actos de posse correspondentes ao exercício de um direito de servidão são de curta duração, como sucede com as servidões de passa-gem, estas exigências garantem que não se verifiquem situações de clandestinidade, que possam escapar à observação do proprietário do prédio serviente, e permitem uma distinção clara entre meros actos de aproveitamento de atitudes de tolerância, cortezia ou obsequiosidade, e o exercício de actos de posse, correspondentes a um direito de servidão.
A necessidade da existência dos referidos sinais exteriores resulta na exi-gência duma publicidade da posse qualificada. Se, em regra, para que se verifique uma aquisição do direito por usucapião, a posse mantida durante um determinado período de tempo deve ser pública (artº 1297º, do C.C.), no caso dos direitos de servidão, essa publicidade não se basta com um exercício dos actos de posse de modo a permitir o seu conhecimento pelos interessados (artº 1262º, do C.C.), nomeadamente o proprietário do prédio serviente. Além desse exercício à vista de toda a gente, é também necessário que existam sinais materiais exteriores, visíveis e permanentes, da existência da situação possessória, correspondente a um direito de servidão.
Neste caso, além da já analisada situação possessória que se manteve com as caracterísiticas e o tempo necessário à aquisição do respectivo direito, por usucapião, relativamente aos seus sinais exteriores provou-se que, relativamente ao primeiro local do prédio dos Réus, por onde os Autores passavam para acederem ao plano inferior dos seus prédios, existiu, desde 1963 a 1985, uma passagem, ou seja um caminho, com largura não inferior a 2 metros, localizado no limite Norte do prédio dos Réus, totalmente implantado neste imóvel, saindo de Poente da via pública que aí passava e passa, estendendo-se em recta ao longo daquele limite para Nascente, por uma extensão de cerca de 120 metros até ao topo duma barreira, onde virava a Sul através de corte oblíquo na barreira, estendendo-se descensio-nalmente até ao plano inferior do mesmo prédio, num troço com uma extensão aproximada de 50 metros. Após atingir este plano inferior, a passagem continuava sensivelmente com a mesma largura para Sul, atravessando transversalmente o prédio dos Réus, numa extensão de cerca de 80/90 metros, dando depois acesso às parcelas inferiores dos prédios dos Autores.
Após a mudança da localização deste caminho, ocorrida em 1985, a pas-sagem passou a sair da via pública a Poente e estendendo-se daí até ao topo da já referenciada barreira a Nascente, sobreposta e implantada no prédio dos Réus, ficou a ocupar deste uma faixa com cerca de 120 metros de extensão, por cerca 2,5 metros de largura, e ao atingir a nascente o mencionado topo da barreira, aí virava descensionalmente para Sul através de rampa recortada na barreira que permitia o acesso para os planos inferiores dos prédios dos Autores. Esta rampa que, na parte superior, na continuação da passagem, se iniciava junto a marco que no local assi-nala o ponto de passagem da linha de definição da extrema Sul do prédio dos Réus, estendia-se depois descencionalmente até à base daquela barreira, em troço já sobreposto a prédio de terceiros, continuando de seguida para Sul até atingir os prédios dos Autores, na sua parcela situada a nascente.
Em ambos os caminhos descritos existiam marcas das rodas dos veículos que por eles transitavam.
Constituindo uma passagem, ou um caminho, uma faixa de terreno deli-mitada e desimpedida, destinada ao trânsito de pessoas e/ou veículos, a existência duma passagem, com marcas das rodas dos veículos que neles transitavam, no prédio dos Réus, da via pública para os prédios dos Autores, é um sinal inequívoco, visível e permanente, de que ocorria uma situação possessória correspondente ao exercício de um direito de servidão Em consonância, opinaram GONÇALVES RODRIGUES, em “Da servidão legal de passagem”, pág. 74, da ed. da Almedina, de 1962, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em “Código Civil anotado”, vol III, pág. 630, da 2ª ed. da Coimbra Editora, e os seguintes Acórdãos:
? da Relação do Porto, de 1-10-1981, na C..J., Ano VI, tomo 4, pág. 202, relatado por JÚLIO SANTOS (relativo a um trilho de carro, existente em épocas certas do ano).
? do S.T.J., de 5-7-1984, no B.M.J. nº 439, pág. 479, relatado por CÉSAR MARQUES (relativo a uma vereda de terra permanentemente batida).
? do S.T.J., de 14-1-1998, no B.M.J. nº 473, pág. 484, relatado por CARDONA FERREIRA (relativo a um carreiro, tipo vereda demarcada).
? da Relação do Porto, de 21-1-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por FERNANDO SAMÕES (relativo a caminho com trilho).
? da Relação de Coimbra, de 4-5-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por REGINA ROSA (relativo a caminho que se encontra com faixa batida e sem vegetação).
? da Relação de Lisboa, de 18-1-2005, no site www.dgsi.pt, relatado por ISAÍAS PÁDUA (relativo a caminho não agricultado e bem batido).
Em sentido contrário pronunciaram-se os seguintes Acórdãos:
? da Relação de Coimbra, de 12-1-1982, na C.J., Ano VII, tomo 1, pág. 80, relatado por BALTAZAR COELHO (relativo a caminho velho de trilho certo).
? da Relação de Évora, de 4-11-2004, relatado por TAVARES DE PAIVA, no site www.dgsi.pt, relatado por (relativo a caminho pavimentado)..
Na verdade, a existência das mencionadas passagens, com marcas do trânsito dos veículos que nelas passavam, são elementos exteriores que indicavam claramente que pessoas utilizavam aquelas faixas de terreno do prédio dos Réus para acederem aos prédios dos Autores, com um cariz que nada tinha de clandes-tino, nem correspondia a uma simples tolerância, cortesia ou obsequiosidade dos proprietários desse terreno. Além disso eram sinais perfeitamente visíveis a quem frequentasse aquele local, nomeadamente os proprietários do prédio onde elas foram traçadas, tendo-se provado que elas se mantiveram durante o tempo em que os Autores praticaram os actos de posse correspondentes ao exercício de um direito de servidão, isto é de 1963 a 1985, na primeira passagem, e após esta última data, até 2001, na segunda passagem.
Estamos, pois, perante a prática de actos possessórios correspondentes ao exercício de direito de servidão, em servidão aparente, pelo que esse direito era susceptível de ser adquirido por usucapião, nos termos dos artº 1547º, nº 1, e 1548º, do C.C., como foi.
E, mesmo que se entendesse que um caminho, com sinais de trânsito de veículos, não constitui um sinal inequívoco da existência duma situação possessória correspondente ao exercício de um direito de servidão (servidão não-aparente), neste caso, sempre teria que se efectuar uma interpretação restritiva do artº 1548º, nº 1, do C.C., de modo a este não se aplicar às situações em que se prove que essa situação possessória foi reconhecida pelos proprietários do prédio serviente
Os tribunais franceses tem sido pródigos em efectuar interpretações restritivas da norma que proíbe a aquisição do direito de servidão, por usucapião, das servidões não-aparentes, nomeadamente quando existe uma situação possessória conhecida pelo proprietário do prédio serviente, como dão conta FRANÇOIS CHABAS, em “Biens”, tomo II, 2º Volume, pág. 436, da 8ª ed., de Montchrestien, BERGEL / BRUSCHI / CIMAMONTI, em “Les biens”, pág. 343-344, da ed. de L.G.D.J., de 2000, e ALEX WEILL, em “Les biens”, pág. 552-553, da 2ª ed., de Dalloz.
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Na verdade, visando a proibição do artº 1548º, do C.C., evitar que os proprietários de um prédio possam ser surpreendidos por uma posse de difícil conhecimento ou extravasando atitude de mera tolerância, cortesia ou obsequiosi-dade, o funcionamento dessa proibição perde a sua razão de ser quando a situação possessória foi conhecida e até reconhecida como tal pelos próprios proprietários do prédio serviente, como ocorreu neste caso.
Nestas situações, também as servidões não-aparentes podem ser adquiri-das por usucapião, não se aplicando o disposto no artº 1548º, nº 1, do C.C., numa interpretação restritiva deste preceito.
Assim, atento tudo o que foi acima exposto deve concluir-se que os Autores adquiriram, por usucapião, o direito de servidão que tem por objecto o segundo caminho acima referido existente no prédio dos Réus.

3. Da extinção do direito de servidão por desnecessidade
Os Réus pretendem que se declare extinto o direito de servidão acima referido por desnecessidade.
Dispõe o artº 1569º, nº 2, do C.C., que as servidões constituídas por usu-capião podem ser judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.
Apesar de, na versão original do Código de Seabra (artº 2313º), esta forma de extinção apenas se encontrar prevista para as servidões de prédios encra-vados, já então se discutia se a mesma era aplicável a outras servidões Vide essa discussão, com citação de jurisprudência, em “Código Civil Português anotado”, vol IV, pág. 252-253, da 2ª ed., de DIAS FERREIRA.
. Na revisão deste diploma, operada pelo Decreto nº 19.126, de 16-12-1930, estendeu-se essa forma de extinção das servidões às que fossem constituídas por usucapião (§ único do artº 2279º), efectuando-se assim uma distinção entre as servidões de constitui-ção voluntária e imposta. Apesar da discussão que esta solução sempre suscitou e que se reflectiu nos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966 Efectuando o relato destas polémicas vide TAVARELA LOBO, em “Mudança e alteração da servidão”, pág. 143-151, da ed. da Coimbra Editora, de 1984.
, manteve-se a solução introduzida em 1930 Escreveu PIRES DE LIMA, na nota explicativa ao artº 30º, do Anteprojecto do título sobre servidões prediais do actual C.C., constante do B.M.J. nº 64, pág. 34: “O nº 2, corresponde ao § único do artº 2279º, introduzido em 1930. Nada tenho a dizer à doutrina em si, que se harmoniza com a ideia generalizada de que deve ser libertada a terra, sempre que possível. É certo que, com mais um passo, se englobariam na disposição todas as servidões prediais, qualquer que tivesse sido o título constitutivo. No entanto, há uma certa diferença entre as servidões constituídas por prescrição ou por contrato. Nas primeiras foram os factos que as impuseram e são agora os factos que justificam a sua extinção; nas segundas há um acordo a respeitar, e nem sempre se conhecem as razões que determinaram os interessados a aceitá-lo. Praticamente, a aplicação do princípio às servidões constituídas por contrato ou por testamento, seria negar o direito à sua constituição quando não fossem necessárias ao prédio dominante, já que, uma vez constituídas, podiam ser declaradas extintas, a todo o tempo, por vontade unilateral. Hesitei quanto à solução a dar às servidões constituídas por destinação do pai de família. Mas, como nestas há, ou se supõe haver, um acordo tácito, entendi dever sujeitá-las ao regime geral”.
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A desnecessidade corresponde a uma falta de justificação objectiva para a manutenção de um encargo para o prédio serviente, atenta a inutilidade ou escassa utilidade que a existência da servidão representa para o prédio dominante. Este juízo de proporcionalidade deve ser encontrado na ponderação das circunstâncias concretas de cada caso.
Provou-se que qualquer um dos Autores pode construir, no respectivo prédio, na parte que cultiva, passagem do plano superior para o plano inferior, de forma oblíqua, ao viés, podendo dessa forma e por aí qualquer um dos Autores comproprietários dos arts. 1368º e 1369º, a pé, de tractor, ou outro meio, aceder à exploração do plano inferior do respectivo prédio. Esta opção foi, aliás, tomada por Manuel Rebola e Manuel Teixeira em relação a prédio que tem características idênticas aos dos ora Autores.
Os Réus fundamentaram a sua pretensão no facto dos Autores poderem aceder à parte dos seus prédios servidas pela passagem que onera o prédio daque-les, através de caminho a construir nos próprios prédios dominantes.
O § único do artº 2279º, do Código de Seabra, previa três hipóteses de verificação de desnecessidade da servidão: “por terem cessado as correspondentes necessidades deste prédio, por ser impossível já satisfazê-las por via daquelas servi-dões ou porque o proprietário dominante pode fazê-lo por qualquer outro meio igualmente cómodo”. O actual artº 1569º, nº 2, não previu estas hipóteses, não por discordar que as mesmas constituíssem casos de desnecessidade, mas sim porque essa especificação se apresentava como redutora, como enumeração taxativa, e desinteressante, como indicação exemplificativa Vide PIRES DE LIMA, na nota explicativa ao artº 30º, do Anteprojecto do título sobre servidões prediais do actual C.C., constante do B.M.J. nº 64, pág. 34-35.
. Daí que deva continuar a conside-rar-se que uma das situações em que se pode verificar a desnecessidade duma servidão seja a possibilidade da utilidade que ela proporciona poder ser obtida por outro meio. Esta situação exigirá, porém, um juízo de proporcionalidade entre o grau de desagravamento do prédio serviente resultante da extinção da servidão e a dimensão dos custos, incómodos e inconvenientes da alternativa apontada.
A decisão recorrida, apesar da prova da factualidade descrita, julgou improcedente a pretensão dos Réus, por seguir o entendimento que apenas uma alteração das circunstâncias existentes à data da constituição da servidão, pode motivar a sua extinção por desnecessidade Esta posição mostra-se também referida por OLIVEIRA ASCENSÃO, em “Direito civil. Reais”, pág. 439-440, da 4ª ed., da Coimbra Editora, e em “Desnecessidade e extinção dos direitos reais”, pág. 10-12, da separata da Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, vol. XVIII, 1964, e pelos seguintes Acórdãos:
? da Relação de Coimbra, de 25-10-1983, na C.J., Ano VIII, tomo 4, pág. 62, relatado por ATAÍDE DAS NEVES.
? da Relação do Porto, de 2-12-1986, na C.J., Ano XI, tomo 5, pág. 229, relatado por TATO MARINHO.
? da Relação do Porto, de 7-3-1989, na C.J., Ano XIV, tomo 2, pág. 189, relatado por METELLO DE NÁPOLES.
? da Relação de Coimbra, de 13-6-1995, na C.J., Ano XX, tomo 3, pág. 41, relatado por CARDOSO DE ALBUQUERQUE.
? do S.T.J., de 25-11-1999, no site www.dgsi.pt, relatado por SIMÕES FREIRE.
? da Relação do Porto, de 14-2-2000, no site www.dgsi.pt, relatado por PAIVA GONÇALVES.
? da Relação do Porto, de 26-2-2002, no site www.dgsi.pt, relatado por SOARES DE ALMEIDA.
? da Relação do Porto, de 4-4-2002, no site www.dgsi.pt, relatado por SALEIRO DE ABREU.
? da Relação de Coimbra, de 16-4-2002, na C.J., Ano XXVII, tomo 2, pág. 23, relatado por SILVA FREITAS.
? do S.T.J., de 7-11-2002, no site www.dgsi.pt, relatado por FERREIRA GIRÃO.
? da Relação do Porto, de 26-11-2002, na C.J., Ano XXVII, tomo 5, pág. 182, relatado por LEMOS JORGE.
? do S.T.J., de 27-11-2003, no site www.dgsi.pt, relatado por FERREIRA GIRÃO.
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Apesar de, normalmente, a situação jurídica de desnecessidade resultar duma alteração das circunstâncias do prédio dominante, nada impede que essa situação já ocorra no momento da constituição da servidão por usucapião, e nada justifica que, nesses casos, o proprietário do prédio serviente não possa requerer a extinção de um encargo para o seu prédio que não tem justificação Vide, neste sentido os seguintes Acórdãos:
? do S.T.J., de 27-5-1999, no B.M.J. nº 487, pág. 313, relatado por FERREIRA DE ALMEIDA.
? da Relação de Lisboa, de 30-1-2003, na C.J., Ano XXVII, tomo 1, pág. 90, relatado por ANTÓNIO VALENTE.
? da Relação de Coimbra, de 29-6-2004, no site www.dgsi.pt, relatado por JAIME FERREIRA.
? da Relação de Coimbra, de 28-9-2004, na C.J., Ano XXIX, tomo 1, pág. 18, relatado por ARTUR DIAS.
? da Relação de Coimbra, de 15-2-2005, no site www.dgsi.pt, relatado por MONTEIRO CASIMIRO.
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Na verdade, embora uma servidão traga, necessariamente, proveito ao prédio dominante, uma vez que é este o seu requisito existencial, esse proveito pode não se justificar face à dimensão do encargo que resulta para o prédio ser-viente. Deste modo pode alguém ter adquirido, por usucapião, um direito de servi-dão sobre outro prédio em que a sua utilidade não justifique esse encargo, pelo que deve ser concedido o direito ao proprietário do prédio onerado requerer a extinção de tal encargo, por desnecessidade deste.
Apesar de se ter provado que os Autores podem aceder ao plano inferior dos seus prédios por caminho implantado nestes mesmos prédios do plano supe-rior para o plano inferior, de forma oblíqua, ao viés, deixando assim de ser necessá-ria a utilização da servidão existente no prédio dos Réus, não se alegou e, conse-quentemente, não se provou quais as vantagens resultantes da libertação da servi-dão (nomeadamente se os Réus poderão aproveitar economicamente a faixa da servidão, ou se a mesma terá que continuar a ser um caminho para estes acederem ao plano inferior dos seus prédios), nem a dimensão dos custos, incómodos e inconvenientes da abertura do referido acesso no prédio dos Autores. Perante a ausência destes dados, imprescindíveis para o tribunal efectuar um juízo de propor-cionalidade devidamente ponderado, não é possível concluir pela desnecessidade da servidão existente Sobre a necessidade destes elementos serem apurados para se poder ajuizar da desnecessidade da servidão, vide o Acórdão da Relação de Coimbra, de 28-9-2004, na C.J., Ano XXIX, tomo 1, pág. 18, relatado por ARTUR DIAS.
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Como o ónus da prova dos requisitos da desnecessidade competia aos Réus (artº 342º, nº 2, do C.C.), deve a respectiva pretensão improceder.
A acrescer a esta falta de alegação de factos suficientes para a procedên-cia do pedido reconvencional, a abolição pela reforma processual de 1995/1996 do processo especial de arbitramento de cessação de servidão, determinou, para quem pretende fazer valer esse direito, com os fundamentos que foram invocados neste processo, o ónus de alegar ou a realização das obras necessárias à construção do meio alternativo à servidão existente, ou a sua disponibilidade para proceder nos autos ao depósito da quantia necessária à realização dessas obras.
Na verdade, por identidade de razão com o disposto no artº 1568º, do C.C., a propósito da possibilidade do proprietário serviente exigir a mudança do local da servidão, também recai sobre este o dever de custear a realização das obras de construção do meio alternativo à servidão existente, cuja concretização funda-menta a desnecessidade desta Vide, neste sentido, TAVARELA LOBO, em “Mudança e alteração da servidão”, pág. 157-158, da ed. da Coimbra Editora, de 1984, e os seguintes Acórdãos:
? da Relação de Coimbra, de 2-2-2001, no site www.dgsi.pt, relatado por ARAÚJO FERREIRA.
? da Relação de Coimbra, de 28-9-2004, na C.J., Ano XXIX, tomo 1, pág. 18, relatado por ARTUR DIAS.
? da Relação de Guimarães, de 13-4-2005, no site www.dgsi.pt, relatado por PEREIRA DA ROCHA.

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Antes da reforma do C.P.C., operada em 1995/1996, este diploma previa como processo especial de arbitramento, a acção de cessação de servidão, prevendo o artº 1057º o seguinte:
“1. A sentença que autorize a cessação ou a mudança de servidão não produz efeito sem que estejam concluídas as obras de que dependa a cessação ou a mudança.
2. As dúvidas que se levantem sobre o facto de estarem ou não feitas as obras nos termos fixados são resolvidas pelo juiz, ouvidas as partes e procedendo às diligências que forem necessárias”.
O tribunal, homologando ou alterando o acto dos peritos, fixava as obras a realizar para se tornar efectiva a cessação da servidão, subsistindo esta enquanto não fossem executadas essas obras. A eficácia da sentença que decretava a extinção da servidão ficava, pois, condicionada à realização das obras necessárias a essa extinção, à custa do proprietário serviente, podendo o juiz proceder nesse mesmo processo à verificação da ocorrência dessa condição.
À eliminação da maior parte dos processos especiais de arbitramento presidiu a ideia que residindo a sua especialidade na necessidade de realização de um arbitramento, precedendo a decisão judicial, o processo comum declarativo era perfeitamente apto a comportar essa tramitação, como se refere no preâmbulo do D.L. nº 329-A/95. Contudo, não sendo admissíveis no nosso sistema as sentenças cuja eficácia fica condicionada à verificação de um evento futuro incerto Vide, neste sentido, LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, em “Código de processo civil anotado”, vol. 2º, pág. 653, da ed. da Coimbra Editora, de 2001, e ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA, em “Manual de processo civil”, pág. 665, nota 1, da ed. da Coimbra Editora, de 1984.
, o processo comum necessita, neste caso, duma adaptação que satisfaça os interesses em jogo, devendo o julgador utilizar a faculdade concedida no artº 265º - A, do C.P.C. Apontando a necessidade de se procederem a adaptações na forma de processo comum quando são propostas acções a que correspondiam as antigas formas especiais dos processos de arbitramento, vide ABRANTES GERALDES, em “Temas da reforma do processo civil”, vol. I, pág. 94, da ed. da Almedina, de 1997..
À semelhança do que sucede em situações idênticas (v.g. acção de execu-ção específica ou de exercício de direito de preferência) deve o requerente da extinção da servidão revelar a sua vontade de proceder ao pagamento do custo das obras necessárias à construção do meio alternativo à servidão existente, consig-nando-o em depósito à ordem do respectivo processo, em prazo fixado pelo tribu-nal, previamente à prolação da sentença.
Ora, os Réus, em momento algum, manifestaram essa disponibilidade, nem requereram a fixação do valor das obras necessárias aos Autores construírem nos seus prédios uma passagem do plano superior destes para o plano inferior, pelo que também, por esta razão, nunca poderia ter sido decretada a extinção da servi-dão requerida.
Deste modo, por razões diferentes das apontadas na decisão recorrida quanto ao pedido reconvencional, deve esta manter-se, sendo também nesta parte improcedente o recurso dos Réus.

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DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pelos Réus e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida, embora com fundamentação parcialmente diferente.

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Custas do recurso pelos Réus.

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Coimbra, 6 de Dezembro de 2005