Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1719/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: TRABALHADORA PUÉRPERA
ABORTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA EM SEDE DE RECURSO: LIMITES A OBSERVAR.
Data do Acordão: 10/13/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 712º DO CPC, 1º, Nº 1, E 2º DA LEI Nº 4/84, DE 5/4.
Sumário: I – A reapreciação da prova, possibilitada pela utilização da gravação dos depoimentos, não afecta ou molda o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual a Relação só em situações excepcionais pode alterar a matéria de facto, na medida em que sobrelevam as operações de carácter racional e psicológico em que o julgador se baseou .
II – “Trabalhadora puérpera” é a trabalhadora parturiente ( ou seja aquela que pariu ou está para parir ) e durante os 98 dias imediatamente a seguir ao parto .

III – Período “puerpério” é o período que decorre desde o parto até que os órgãos genitais e o estado geral da mulher voltem ao estado normal anterior à gestação .

IV- Uma mulher que “aborta” nunca se poderá considerar como tendo estado na situação de “parturiente” , pelo que não lhe pode ser atribuída a qualificação de “trabalhadora puérpera” .

Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra


A..., intentou acção emergente de contrato individual de trabalho contra B..., residente em pedindo que, sendo declarada a ilicitude do despedimento de que foi alvo, seja a Ré condenada a reintegrar a Autora, com a categoria de "escriturária", no posto de trabalho que vinha ocupando à data do despedimento ou, em alternativa e se por ela vier a optar até à data da sentença, a pagar-lhe a indemnização de antiguidade calculada nos termos do n° 8 do artº 24º da Lei 4/84 e que, na data da petição, atinge o montante de € 2803,26, bem como a pagar-lhe quantias que descrimina na petição, no montante global de € 796,05, a pagar-lhe todas as prestações pecuniárias vincendas até à data da sentença, acrescidas dos juros vencidos e vincendos.
Para tanto, referiu:
Que a Ré exerce a actividade comercial de mediação de seguros e, para lhe prestar serviço, sob as suas ordens, direcção e fiscalização e mediante o pagamento da retribuição mensal de € 400,00, admitiu a Autora, com contrato de trabalho por tempo indeterminado, em 1 de Janeiro de 2003, tendo-lhe atribuído a categoria profissional de “empregada de escritório”.
Que era a única empregada de escritório da Ré, competindo-lhe exercer as
normais funções de escriturária e nomeadamente organizar os "dossiers" de mediação de seguros, elaborar as propostas de contratos de seguros, as participações de acidentes, facturas, recibos e outros documentos, fazer a correspondência com Seguradoras e Clientes, promover, junto destes, o pagamento dos prémios de seguro em atraso, deslocar-se às Seguradoras para obter os impressos, fazer pagamentos, ir aos bancos, receber e expedir correio e tratar do restante expediente, receber e atender clientes, fazer e receber chamadas telefónicas e demais tarefas inerentes à categoria profissional de escriturária. Face às funções desempenhadas, deveria ser-lhe atribuída a categoria profissional de "escriturária”, até porque a relação laboral era regulada pelo CCT dos Empregados dos Escritórios de Aveiro e suas alterações posteriores (BTE n° 12/81 e 18/03), quanto mais não fosse por força das PEs que lhes alargaram o âmbito (BTE 27/03).
Que de 11 de Setembro de 2003 a 29 do mesmo mês, a A. esteve impossibilitada de prestar serviço em consequência de complicações com a sua gravidez, conforme comunicou à Ré logo no início da baixa em 11-09-03. A gravidez da A. foi mal sucedida e viria a terminar por aborto, conforme também comunicou à Ré em 17 de Setembro.
Que em 30 de Setembro, apresentou-se a retomar o serviço e a Ré não só não a deixou retomar o seu trabalho, como a despediu verbalmente e por escrito, com o argumento de que a Autora poderia engravidar outra vez. Despedimento esse que é ilícito
Para além do mais, alegou que embora tivesse direito a 8 dias úteis de férias por ter sido admitida no primeiro semestre (mo 3°, n° 3 do Dec. Lei n° 874/76 de 28 de Dezembro), a A. apenas gozou, neste ano, 5 dias de férias, pelo que, de tal proveniência, reclama a quantia de € 60,00. E que a partir de 01-03-03, a Autora deveria ter auferido a retribuição de, pelo menos, € 467,21 (BTE 18/03 e 27/03), pelo que, de diferenças salariais, é-lhe devida a quantia de € 268,84, excluindo já os períodos de baixa por doença.
Depois de citada a Ré, realizou-se a audiência de partes, onde não foi obtido acordo, vindo depois a ser aquela regularmente notificada para contestar, o que fez.
Na sua contestação, a Ré defendeu, no essencial, que não assiste qualquer razão à Autora, uma vez que o cessou de comum acordo a relação de trabalho que existia entre Autora e Ré.
Quanto à questão da categoria, alegou que, tendo sido admitida ao serviço da Ré em 1/1/03, sem qualquer experiência profissional no ramo, só como aprendiz de escriturária ou escriturária de 3ª poderia ser categorizada. Mas é a de “Assistente Administrativa de 3ª, a categoria enquadrável para alguém com o perfil profissional da Autora. Relativamente à invocada condição de “trabalhadora puérpera” da Autora, alegou que aquela condição terminou no momento em que terá abortado; quando a A. retomou ao trabalho, tal condição já não existia.
Concluiu pela improcedência parcial da acção, aceitando dever os proporcionais de férias, subsídio de férias e Natal correspondentes ao serviço prestado pela Autora no ano de 2003.
Houve resposta na qual a A manteve a sua posição inicial.
Oportunamente a Autora declarou optar pela indemnização por despedimento ilícito, em substituição da reintegração no posto de trabalho
Prosseguindo o processo sues regulares termos veio afinal a ser proferida decisão que
Julgando a acção procedente e, consequentemente, declarando ilícito o despedimento, condenou a Ré, B..., a pagar à Autora, A..., a quantia total de € 12.476,30 (doze mil quatrocentos e setenta e seis euros e trinta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da propositura da acção (30.10.2003) quanto à quantia de € 3.132,21 e desde as datas dos vencimentos correspondentes quanto à restante quantia referente a retribuições que se foram vencendo até à data desta sentença, até integral pagamento
Discordando apelou a Ré alegando e concluindo, em síntese:
1- face à exiguidade da prova produzida e gravada, jamais a A poderia ser classificada para além de escriturária de 3ª ou Assistente Administrativa de 3ª ;
2- quanto à classificação feita na sentença recorrida de que a A seria trabalhadora puérpera, esta esbarra desde logo na resposta que foi dada à matéria de facto, pois que aí se sentenciou que a A aquando do seu despedimento “ não estava grávida, nem era lactante”
3- A sentença é pois nula( artº 668º nº 1 c) do CPC
4- No doutamente decidido não se encontram deduzidos os valores recebidos pela A a título de subsídio de desemprego
5- A douta sentença violou ainda expressamente o disposto no artº 73º nº1 do CPT, já que foi proferida mais de 10 meses após a resposta dada à matéria de facto, o que acarretou a fixação de um valor indemnizatório, bem superior ao que seria exigível e muito para além do pedido, o que está, para além do mais vedado na lei adjectiva;
6- Tal conduta integrará no mínimo a nulidade da sentença prevista no artº 661º nº1 e 668º nº 1 e) do CPC
7- A sentença recorrida violou a CRP, nomeadamente o seu artº 20º
8- O “ terminus” do contrato não pode ser classificado como um despedimento ilícito
9- Já que nos autos se mostra comprovada a existência de um documento( mod. 364), destinado ao Fundo do Desemprego , que refere motivação bem diversa para aquela cessação do vínculo laboral.
10- Ora que se saiba a A recepcionou tal documento e deu-lhe o devido fim, sem alguma vez haver questionado, quer a sua genuinidade, quer e até arguido a sua falsidade. Deste modo,
11- Face ao disposto no artº 376º do CCv, estava a Mtª Juíza “ a quo” vinculada a dar como provado o conteúdo útil daquele documento, que claramente infirma a versão de um despedimento ilícito. Mais
12- O tribunal estava impedido de tentar por via testemunhal infirmar o conteúdo útil de tal documento, já que o mesmo faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu A
13- Consequentemente o sentenciado despedimento ilícito inexistiu, face ao documentalmente comprovado, sendo que se impunha à Mtª juíza “ a quo” a apreciação e conhecimento imediato desta questão, o que não foi feito e vicia a sentença de nulidade( artº 668º nº 1 d) do CPC)
14- A douta sentença violou por errónea interpretação e aplicação, entre outras disposições legais, os artºs 373º 376º, 562º, 9º nºs 1 e 2 , 334º e 473 , todos do CCv, 668º nº 1 c), d) e e) e 661º do CPC, artº 13º nº 2 da LCCT, 73º nº 1 e 74 do CPT, 20º nº 4 da CRP e CCT dos empregados de escritório aplicável.
Contra alegou a recorrida pugnando pela manutenção do decidido
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir
Dos Factos
Foi a seguinte a factualidade dada como assente na 1º instância
1- A ré exerce, com fins lucrativos, a actividade comercial de mediação de seguros, tendo o seu estabelecimento em Laginhas, freguesia da Branca.
2- Para lhe prestar serviço no referido estabelecimento, sob as suas ordens, direcção e fiscalização e mediante o pagamento da retribuição mensal de € 400,00, a ré admitiu a autora, com contrato de trabalho por tempo indeterminado, em 01 de Janeiro de 2003.
3- A ré atribui à autora a categoria profissional de empregada de escritório.
4- A autora era a única empregada de escritório da ré, competindo-lhe exercer as normais funções de escriturária, nomeadamente elaborar as propostas de contratos de seguro, as participações de acidentes, facturas, recibos, deslocar-se às seguradoras, receber e atender clientes, fazer e receber chamadas telefónicas.
5- De 11 de Setembro de 2003 a 29 do mesmo mês, a autora esteve impossibilitada de prestar serviço em consequência de complicações com a sua gravidez, conforme a autora comunicou à ré logo no início da baixa em 11 de Setembro de 2003.
6- A gravidez da autora foi mal sucedida e viria a terminar por aborto, conforme a autora também comunicou à ré em 17 de Setembro, mediante a entrega do original do documento junto a fls. 8.
7- Em 30 de Setembro, a autora apresentou-se a retomar o serviço.
8- A ré não a deixou retomar o seu trabalho, despedindo-a verbalmente e por escrito.
9- Posteriormente a Ré entregou à Autora o documento cuja cópia se acha a fls. 6, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10- No decurso do ano de 2003 a autora gozou cinco dias de férias
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
Pelo que e “ in casu” várias são as questões que cumpre dilucidar, a saber:
- nulidades da sentença;
- alteração da matéria de facto, no que concerne á categoria e consequentemente correspondente remuneração
- enquadramento da A na situação de mulher puérpera;
- existência de despedimento ilícito
- não dedução dos subsídios de desemprego auferidos pela A.
- consequências da sentença não ter sido proferida no prazo legal.
Vejamos então, começando pelo primeiro item.
No domínio adjectivo laboral, por força do que determina o artº 77º n.º 1 do
CPT a arguição de nulidades da sentença tem que ser feita expressa e separadamente n o requerimento de interposição do recurso( itálico nosso).
Ora “ in casu” tal não sucedeu.
Tal circunstância impede desde logo o seu conhecimento por este Tribunal, como é posição firme de toda a jurisprudência dos Tribunais Superiores( cfr. p. ex. CJ/STJ, X, I, 261).
Passando agora à temática relativa á pretendida alteração da fundamentação de facto( no fundo no que concerne á categoria profissional atribuída à A e consequentemente á remuneração por ela auferida) , arrima-se a recorrente à possibilidade da Relação proceder a tal alteração nos termos do artº 712º do CPC.
Todavia e salvo o devido respeito, não se verifica que ocorra nenhuma das hipóteses em que- e segundo tal normativo- esse poder possa ser exercido.
Depois haverá que ter em consideração o seguinte:
Como se sabe , com a admissibilidade de gravação da prova produzida em audiência, a possibilidade de modificação da fundamentação de facto, pela Relação aumentou de forma substancial, não se confinando aos estreitos parâmetros das hipóteses previstas no citado artº 712º do CPC.( cfr. artºs 522-B e 690º-A do CPC e artº 68 nº2 do CPT)
Porém tal não significa que o tribunal de recurso fique portador de poderes ilimitados neste domínio.
Na verdade – e como por diversas vezes se tem já escrito em acórdãos proferidos por esta Secção( cfr. p ex. o Rec. Apelação 1510/02)- a aludida admissibilidade não se traduz na realização de um novo julgamento da matéria de facto, ideia que mais se reforça quando é consabida a relutância da consagração um pleno 2º grau de jurisdição neste domínio, por razões que se prendem com o agravamento da morosidade na administração da justiça- cfr. neste sentido Helder Martins Leitão, in “ Dos Recursos em Processo Civil, 1997, pág.86-.”
Permitimo-nos sobre este aspecto remeter para o que se escreveu no Ac desta Relação, no Rec. de Apelação n.º 128/02.
Ali se disse.”...Importa ter em atenção que o princípio segundo o qual a Relação só em situações excepcionais pode alterar a matéria de facto, não é mais do que o corolário de um outro, que é base no nosso direito processual probatório- o princípio da prova livre( artº 655º do CPC). Segundo este princípio, o tribunal aprecia livremente as provas e responde de acordo com a convicção que tenha formado acerca de cada ponto da matéria de facto da base instrutória, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, pois neste caso não pode ser dispensada.
De harmonia com tal princípio que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram no espírito do julgador acerca da existência do facto.
E sendo assim, como é, a utilização da gravação dos depoimentos em audiência constitui um simples meio posto à disposição das partes para obter a reapreciação da prova. Tal reapreciação não se traduz, porém num novo julgamento; constitui apenas um remédio para os eventuais vícios de julgamento em 1ª instância.
A gravação dos depoimentos deixa assim incólume, o princípio da prova livre, não o restringe ou limita. Em nome desse princípio, sobrelevam as operações de carácter racional e psicológico, em que se baseia a convicção do julgador, o qual pode legitimamente, até porque beneficia da imediação da prova, desvalorizar a prova gravada.
Em suma, a reapreciação da prova, possibilitada pela utilização da gravação dos depoimentos, não afecta ou molda o princípio da livre apreciação da prova”.
E este implica, reafirma-se, que as provas sejam valoradas livremente pelo julgador ( quer sejam testemunhais, periciais, depoimentos de parte, etc.), sem que exista qualquer hierarquização entre elas ( A. Varela, Miguel Bezerra, S. Nora, Manual do Processo Civil 2ª ed. pág. 471).
Cremos que no mesmo sentido opina o Autor acima citado quando escreve na já sua referida obra, a págs. 87:” a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento.
Aliás e no mesmo sentido aponta o texto preambular do D.L. 39/95 de 15/2, onde expressamente se refere que “ a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência , visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados as matéria de facto que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Ora e no caso em apreço ao fundamentar a sua decisão sobre a factualidade controvertida, a Ex. ma Juíza do Tribunal recorrido explicitou os motivos porque considerou determinada matéria de facto; quais os motivos que a levaram a considerar os depoimentos de certas testemunhas em detrimento de outras.
Todo este processo intelectual de formação da convicção é pela própria natureza das coisas praticamente insindicável por este Tribunal de recurso já que e desde logo lhe é subtraído o tal princípio da imediação.
Note-se aliás que mesmo na tese da recorrente o que sucedeu foi que a prova produzida foi exígua, para demonstrar que a A detinha a categoria profissional de escriturária.
Trata-se de um julgamento eivado de subjectividade e que de forma alguma implica que ocorreu o tal erro pontual e notório, que permite a modificação da matéria de facto em sede de recurso e é a finalidade que o legislador considerou ao permitir a gravação da prova produzida em julgamento.
Também aqui portanto não se pode acolher a pretensão da Ré.
Entende ainda a apelante que a A não deve ser considerada trabalhadora puérpera, para efeitos de receber a indemnização por antiguidade em dobro.
Vejamos então:
De acordo com o artº 1º nº 1 da L. 4/84 de 5/4, a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes, acrescentando o nº 2 do mesmo normativo que os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto á sua educação.
Por seu turno o artº 2º da mesma lei define , em síntese,
a)” trabalhadora grávida” como aquela que informe o empregador do seu estado de gestação;
b)- “ trabalhadora puérpera” como toda a trabalhadora parturiente e durante os 98 dias imediatamente a seguir ao parto
c)- “ trabalhadora lactante”, como aquela que amamenta o filho.
Ora bem.
Perante a factualidade dada como assente , é fora de dúvidas que a A na altura em que foi despedida, não estava ( já) grávida, nem era lactante, já que em consequência de complicações surgidas na gravidez, abortou.
Mas será de considerar “ trabalhadora puérpera”?
Por “ puérpera” entende-se a mulher parturiente, ou seja aquela que pariu ou está para parir.
E por puerpério, o período que decorre desde o parto até que os órgão genitais e o estado geral da mulher voltem ao estado normal anterior à gestação.
No caso concreto é indubitável, que a A, aquando da rescisão contratual, não estava para parir.
Mas terá parido?.
Pela factualidade dada como assente a resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa, pois o que ficou assente, foi que a A abortou.
E sendo assim, nunca se poderá considerar como tendo estado na situação de “ parturiente” e logicamente defini-la como “ mulher puérpera”.
Tão somente se demonstrou que a A estava grávida, teve complicações e por via disso abortou.
Por tudo isto , concluímos que à A não pode ser atribuída a definição de “ puérpera”, por os elementos fácticos que temos disponíveis, apontarem exactamente em sentido oposto, nunca se podendo olvidar que o respectivo ónus probatório, era sobre a apelante que impendia( artº 342º nº1 do CCv).
Daí que não tenha direito à indemnização calculada de acordo com o disposto no artº 24º nº 8 da citada L. 4/84, mas tão somente àquela que está prevista no artº 13º nº 3 do D.L. 64-A/89 e que se cifra atendendo à sua antiguidade e remuneração no valor de € 1. 401, 63( € 467, 21x3), neste ponto assim se concordando com a apelante.
Depois esta pretende que não se demonstrou que o contrato tivesse terminado por um se acto unilateral rescisório.
Permitimo - nos discordar.
Na realidade e basta atentar no teor do documento de fls. 10, para verificar que os dizeres ali plasmados não podem deixar de ser interpretados por um declaratário normal (cfr. artº 236º nº 1 do CCv, que consagra como é consabido em matéria de interpretação da declaração negocial a teoria da impressão do destinatário) como configurando um verdadeiro despedimento, desde logo ilícito por não precedido de processo disciplinar( artº 12º nº 1 a) do D. L. 64- A/ 89 de 27/2).
Entende porém a impugnante que através do documento de fls. 6( modelo 346) se demonstrou que o “ terminus” do contrato sucedeu por outro modo, que não o aludido despedimento.
E abona-se numa eventual força probatória plena de tal documento, o que impediria a produção de prova testemunhal sobre o ali declarado.
Em nosso modesto entender, as coisas não se passam assim.
É fora de dúvida que se está perante um documento de natureza particular( artº 363º nº 2 do CCv).
Assim sendo e nos termos do artº 376º nº 1 do CCv, o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
E acrescenta o nº 2 deste normativo, que os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.
Só que a situação é exactamente a inversa.
Na verdade e como flui do disposto nos artºs 374º e 376º ambos do CCv, a aludida força probatória, apenas existe quando o documento é apresentado contra a parte que o assinou, ficando então provados não apenas as declarações que dele consta, como também os factos compreendido na declaração, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.
Não é o que se passa no presente processo.
O documento em causa, foi emitido pela própria Ré, que o assinou e escreveu o que dele consta.
Logo não tendo sido assinado pela A, mas sim pela Ré, nunca poderia ser apresentado por esta contra aquela, no sentido que a lei plasma.
E assim não tem qualquer suporte legal a atribuição de força probatória plena, sendo por isso plenamente admissível a inquirição de testemunhas sobre a existência do alegado despedimento- cfr. artº 393 nº2 “CCv “ a contrario”-.
Também neste ponto não é de sufragar( salvo o devido respeito) a posição assumida pela Ré, neste recurso.
No que respeita à não dedução dos subsídios de desemprego entretanto percebidos pela A, também não assiste razão á recorrente.
Na verdade desde logo, trata-se de tema que a Ré nunca aflorou, nomeadamente no articulado pode deveria deduzir toda a sua defesa- cfr. artº 489º do CPC-
Portanto poder-se-á dizer que estamos perante questão nova, que não sendo de conhecimento oficioso, não é permitido a esta Relação dela conhecer.
Na verdade os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova- cfr. R. Bastos “ Notas ao CPC” Vol. III pág. 266 e Ac R.P. C.J. IV –3, 989.
Mas mesmo que assim se não entendesse, o certo é que a nosso ver, não poderia de qualquer forma a Ré ver acolhida a sua posição.
Efectivamente e nos termos do artº 13º nº 2 b) do D.L. 64-A/89 , o montante a deduzir diz respeito a rendimentos de trabalho a auferidos pelo trabalhador desde a altura do despedimento.
Como se sabe e no domínio da interpretação dos textos legais, rege o artº 9º do CCv, que determina no seu nº 1 que a interpretação não deve cingir-se á letra da lei, mas reconstituir dos textos o pensamento legislativo , tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
E acrescenta o nº 2 do mesmo normativo que não pode porém ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Ora como se viu a lei refere” rendimentos de trabalho” e tão só.
Ora o subsídio desemprego não é de forma alguma um rendimento daquela natureza.
É como se sabe uma prestação social, que visa minimizar, os efeitos nefastos para qualquer cidadão ou cidadã que resulta da perda de um emprego, a maior parte das vezes, donde lhe advinham em exclusivo os réditos para fazer face às suas despesas essenciais.
Para além disso, há que ter em conta, como se nota no Ac Rel. Porto, in C.J. XXI, I, 255 que anteriormente ao D.L. 64-A/89 vigorava o D.L. 372- A/75 de 16/7, o qual não previa qualquer dedução, nem mesmo relativo a rendimentos auferidos pelo trabalho.
Era este o entendimento imposto pela letra da lei e claramente pacífico na jurisprudência- cfr. p. ex. AD 255º, 408 -.
Ora se assim é, caso o legislador(aquando da alteração do regime legal) quisesse que as deduções a fazer abarcassem valores de outra natureza, não dia deixar expressamente de o referir, já que, repete-se, anteriormente nenhuma dedução existia.
Por todos estes motivos atendendo ao teor do texto legal e ao argumento histórico que se pode retirar do regime vigente anterior ao D.L 64-A/89, cremos que outra conclusão não se pode tirar, se não a de que não pode haver dedução do subsídio de desemprego.
E tanto assim é que o legislador no actual C. Trabalho veio expressamente, prever essa possibilidade( artº 437º nº 3) o que vale dizer que tinha perfeita consciência de que, até aí tais verbas não eram contabilizáveis para efeitos de deduções.
Se já o fossem não tinha necessidade de impressivamente o vir referir.
Por fim entende a recorrente que o facto da sentença em crise não ter sido proferida no prazo legal de 20 dias previsto no artº 73º nº 1 do CPT, veio a gravar em muito a sua situação e levou a que houvesse uma condenação para além do pedido.
É certo que o aludido prazo não foi respeitado, por motivos que desconhecemos e que não nos compete sequer conhecer.
Mas a verdade é que não estamos perante prazo peremptório, caso em que teria como consequência a extinção do direito de praticar o acto( artº 145º nºs 1,2 e 3 do CPC), mas somente de carácter indicativo e disciplinador, não perdendo obviamente a decisão minimamente a sua eficácia, por ter sido proferida para além do prazo.
E note-se que contrariamente ao que a Ré alega, não houve qualquer condenação para além do pedido, pois que, a A na sua p. inicial peticionou o pagamento de todas as prestações vincendas até á data da sentença.
É natural que o atraso na prolação da decisão aqui impugnada, tenha trazido prejuízos para a Ré.
Mas para tanto sempre poderá demandar o Estado, se houver fundamento legal para tanto, no sentido de ser indemnizada por danos que eventualmente sofreu.
E isto naturalmente sem pôr em causa, a possibilidade de os órgãos para isso competentes, poderem desencadear sanções disciplinares contra o magistrado hipoteticamente faltoso, o que até poderá suceder através da iniciativa da queixa por banda da parte que se considera lesada.
Mas tudo isso não pode colocar em crise o direito que advém para a A de perceber as quantias legalmente estabelecidas, por força do despedimento ilegal de que foi alvo.
E se foi hipoteticamente violado o artº 20 º nº 4 da CRP, pois restará a Ré, como se disse , o demandar do Estado pelos danos que teve por a decisão não ter sido proferida em prazo razoável e se se assim o entender apresentar a respectiva denúncia junta das entidades competentes e com poder disciplinar sobre o Magistrado que a proferiu.
Mas , por tudo o que se explanou, mesmo a ofensa do dito artº 20º nº 4 da C RP( a ter-se verificado) não pode ter como consequência da retirada de direitos legitimamente pertencentes( e reconhecidos judicialmente à A).
Em suma: igualmente neste ponto não é de sufragar a tese propugnada pela Ré.
Termos em que e concluindo, julgando-se parcialmente procedente a apelação, condena-se a Ré, a título de indemnização por antiguidade, a pagar á A somente a quantia de € 1. 401, 63, confirmando-se em tudo o resto, a sentença sob protesto.
Custas por A e Ré na proporção do vencimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que aquela goza.