Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3547/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: PAGAMENTO ANTECIPADO EM EXECUÇÃO
POR ENTREGA DE DINHEIRO
Data do Acordão: 01/18/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS. 873º E 874º DO CPC .
Sumário: I – Tendo a reclamação de créditos como função proporcionar a venda do bem penhorado livre dos direitos reais de garantia que o oneram, o pagamento ao credor reclamante cujo crédito seja reconhecido só pode fazer-se por força do valor do bem objecto dessa garantia .
II – Não havendo garantias a favor dos credores admitidos numa dada reclamação sobre uma quantia em dinheiro penhorada e já depositada na acção, nenhum impedimento legal existirá a que possa ser adjudicado e imediatamente entregue essa importância em dinheiro, pois em nada serão afectados os demais credores do executado com tal acto .
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. No 2º Juizo Cível do Tribunal da Comarca de Aveiro correm os seus termos os autos de execução (de sentença), com forma de processo sumário, para pagamento de quantia certa, instaurados (em data anterior a 15/9/2003), pela exequente, A..., contra o executado, B....
2. Nesse processo foram penhorados ao executado, e com vista ao pagamento da quantia exequenda, um bem imóvel e bem assim o depósito bancário na importância de € 23.571,15 (tendo a entidade bancária em causa depositado, em 1/10/2003, tal montante à ordem do srº juíz do processo, o qual é insuficiente para pagamento da quantia exequenda).
3. Após ter sido dado cumprimento do disposto no artº 864 do CPC, apresentaram-se a reclamar os seus créditos a Caixa Económica Montepio Geral e o Magistrado do MºPº, em representação da Fazenda Pública.
A 1ª reclamando um crédito total de € 40.648,99, acrescida de juros, e referente a um empréstimo concedido ao executado, e que foi garantido por uma hipoteca voluntária constituída sobre aquele imóvel penhorado.
O 2º reclamando um crédito no montante de € 61,85, resultante do imposto de contribuição autárquica em dívida, relativo ao ano de 2002, a incidir sobre o referido imóvel que foi penhorado.
Reclamações de créditos essas que foram admitidas liminarmente.
4. Mais tarde, e na sequência de outro já feito juntar aos autos, a exequente veio, através do seu requerimento de fls. 85 (e que corresponde a fls. 31 da cópia certificada destes autos de recurso), entrado na secretaria do tribunal em 21/11/2003, solicitar, com base nas razões aí aduzidas, que lhe fosse adjudicado e entregue de imediato aquele montante do saldo bancário que foi penhorado nos autos de execução, mediante prévia dedução ao mesmo do montante das custas prováveis e demais encargos do processo, a calcular pela secretaria .
5. Pedido esse que não mereceu oposição do executado, sendo que nessa altura em que foi formulado ainda não havia sido proferida sentença de graduação dos créditos reclamados.
6. Porém, tal pretensão da exequente veio a ser indeferida pelo despacho de fls. 90 (que corresponde agora a fls. 35 destes autos de recurso), proferido em 9/12/2003, com o fundamento de a exequente não poder então obter tal pagamento, mas só após o trânsito em julgado da sentença de reconhecimento e graduação dos créditos reclamados e segundo a ordem nela determinada.

7. Não se tendo conformado com tal despacho decisório, a exequente dele veio interpor recurso,o qual foi admitido, como agravo, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
8. Nas correspondentes alegações de recurso que apresentou, a exequente-agravante concluiu as mesmas nos seguintes termos:
I- Sobre a quantia depositada não incidem quaisquer ónus ou obrigações de pagamento ou encargos que não sejam satisfação do crédito da Exequente/Agravante e o pagamento das custas,
II- Uma vez que sobre aquele bem penhorado não incidiu qualquer reclamação de crédito que deva ser admitida ou graduada, porquanto,
III- As únicas reclamações de créditos incidiram sobre o (outro) bem imóvel penhorado, com invocação exclusiva de garantia real sobre o mesmo, decorrente quer do privilégio imobiliário especial, quer da hipoteca,
IV- Assim sendo líquido que nunca os credores reclamantes poderão ser pagos ou ver o seu crédito graduado em pagamento pelo depósito penhorado;
V- Foi já proferido o despacho previsto no nº 1 do Artº 866º do CPC, sendo possível o levantamento pela Exequente/Agravante da quantia depositada, para pagamento parcial do seu crédito dado à execução, deduzido o montante das custas, a liquidar e informar pela Secretaria, como se admite no nº 1 do Artº 873 e no Artº 874º do CPC.
VI- Com o que, para além de não haver qualquer prejuízo dos demais credores nem do tribunal, se evitará igualmente a penalização da Agravante, como resultaria de continuar a privá-la da referida quantia que, salvo apenas o encargo das custas, lhe será sempre destinada em pagamento.
VII- Assim não se entendendo, e salvo sempre o devido respeito pela opinião contrária, no douto Despacho recorrido, além das citadas normas legais, violou-se ainda o disposto nos artigos 24º do Código da Contribuição Autárquica, 744º nº 1 e 736º, nº 2 do Código Civil,
VIII- Acrescendo que à pretensão da Exequente/Agravante não houve qualquer oposição do Executado – por tudo isso (e porque sobre o depósito em questão não incidiu a reclamação de qualquer crédito) poderia ser autorizado o seu levantamento mesmo que ainda não tivesse sido proferido o despacho previsto no nº 1 do Artº 866º do CPC”.

9. Não foram apresentadas contra-alegações.

10. Foi proferido, de forma tabelar, despacho a sustentar o despacho agravado.

11. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir-
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II- Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se que se define o objecto e delimita o âmbito dos recursos, isto é, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitados pelas conclusões das alegações dos recorrentes, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC, bem ainda, a esse propósito, entre muitos outros, Acs. da RC de 5/11/2002; do STJ de 27/9/94, de 13/3/91, de 25/6/80, e da RP de 25/11/93, respectivamente, in “CJ, Ano XXVII, T5, pág 15; CJ, Acs. do STJ, Ano II, T3 – 77; Act. Jur. Ano III, nº 17, pag. 3; BMJ nº 359-522 e CJ, Ano XVIII, T5 –232).
Vem, também sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec, e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.)
2. Ora calcorreando as conclusões do recurso verifica-se que a única grande questão que importa aqui apreciar e decidir consiste em saber se a srª juiza do tribunal a quo andou ou não bem ao ter indeferido o pedido da exequente de levantamento ou entrega da importância do saldo bancário que se encontra penhorado nos autos de execução (e mediante prévia dedução das custas prováveis em divida a juízo e demais encargos do processo a calcular previamente pela secretaria)?
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3. Os factos
Os factos essenciais a tomar em consideração, e a serem dados como assentes, são aqueles que acima deixámos descritos sob os nºs 1 a 6 do ponto I, e cujo teor, por uma questão de economia, aqui se dá por inteiramente reproduzido
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4. O direito
Apreciemos então a questão acima enunciada.
Questão essa que, no fundo, passa por saber se a pretensão da exequente (de obter o levantamento ou entrega da importância correspondente ao saldo bancário que foi penhorado) terá de aguardar pelo trânsito em julgado da sentença de graduação dos créditos que foram reclamados no apenso à execução.
Vejamos então.
Começaremos por dizer que, dada a data da instauração da acção executiva a que se reportam os presentes autos, a referida questão será analisada à luz dos dispositivos legais do CPC vigentes à data da entrada em vigor da actual reforma executiva introduzida pelo DL nº 38/2003 de 8/3 (cfr. artºs 21, nº 1, e 23).
Para a resolução do questão em apreço importa atentar no teor dos seguintes normativos legais.
Artº 872 (sob a epígrafe “modos de efectuar o pagamento”):
“1. O pagamento pode ser feito pela entrega de dinheiro, pela adjudicação dos bens penhorados, pela consignação judicial dos seus rendimentos ou pelo produto da respectiva venda”.
2. (...)
Artº 873 (sob a epígrafe “termos em que pode ser efectuado o pagamento”):
“1. As diligências necessárias para a realização do pagamento efectuam-se independentemente do prosseguimento do apenso da verificação e graduação de créditos, mas só depois de proferido despacho a que se refere o nº 1 do artº 866 (e que diz respeito, acrescentamos nós, ao despacho a admitir ou a rejeitar as reclamações de créditos que hajam sido apresentadas); exceptua-se a consignação judicial de rendimentos, que pode ser requerida pelo exequente e deferida logo em seguida à penhora”.
2. O credor citado para o concurso só pode ser pago na execução pelos bens sobre que tiver a garantia e conforme a graduação do seu crédito” (sublinhado nosso).
Artº 874 “Tendo a penhora recaído sobre moeda corrente ou sobre crédito em dinheiro cuja importância foi depositada, o exequente ou qualquer credor que deva preferi-lo será pago do seu crédito pelo dinheiro existente”.
E sabido que, como regra ou norma, nas execuções em que tenha havido reclamação de créditos, o pagamento, ou seja, a distribuição pela exequente e pelos credores, nomeadamente do produto dos bens vendidos ou adjudicados, só se fará depois de verificados e graduados definitivamente os créditos cuja reclamação tenha sido admitida.
Mas será que no caso apreço se terá que aguardar por esse momento?
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que não e pelo seguinte:
Como resulta da matéria factual acima descrita, na execução em causa foram penhorados um bem imóvel e um saldo ou depósito bancário na importância de € 23.571,15.
Oportunamente, após ter sido dado cumprimento do disposto no artº 864 do CPC, apresentaram-se a reclamar os seus créditos a Caixa Económica Montepio Geral e o Magistrado do MºPº, em representação da Fazenda Pública.
A 1ª reclamando um crédito total de € 40.648,99, acrescida de juros, e referente a um empréstimo concedido ao executado, e que foi garantido por uma hipoteca voluntária constituída sobre aquele imóvel penhorado.
O 2º reclamando um crédito no montante de € 61,85, resultante do imposto de contribuição autárquica em dívida, relativo ao ano de 2002, a incidir sobre o referido imóvel que foi penhorado.
Reclamações de créditos que foram objecto de despacho a admiti-las liminarmente.
Ora as garantias de que gozam tais créditos reclamados (garantia hipotecária, quanto ao primeiro, e privilégio imobiliário especial, quanto ao segundo, nos termos, respectivamente, do artº 686, nº 1, do CC e artºs 24, nºs 1 e 2, do Código da Contribuição Autárquica e 735, nºs 2 - 2ª parte – e 3, 744, nº 1, do CC) apenas e tão só incidem sobre o referido bem imóvel.
Logo, e como resulta do nº 2 do artº 873 do CPC, acima transcrito, tais credores reclamantes só poderão ser pagos na execução em curso pelo aludido imóvel e nos termos que ficarem estabelecidos na sentença graduatória dos créditos que vier a ser proferida.
Aliás, a tal propósito, afigura-se oportuno aqui citar o prof. Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, pág. 531”), quando escreve que “tendo a reclamação de créditos como função proporcionar a venda do bem penhorado livre dos direitos reais de garantia que o oneram, o pagamento ao credor reclamante, cujo crédito seja reconhecido, só se pode fazer por força o valor do bem objecto de garantia: se outros bens forem penhorados, por eles pode pagar-se o exequente, mas não o credor que sobre eles não tenha garantia” (sublinhado e negritos nosso).
Ora face ao exposto, e considerando, por um lado, que sobre a importância em dinheiro que se encontra igualmente penhorada os credores admitidos não gozem de qualquer garantia, e, por outro, que o pedido (tendo em conta o requerimento que motivou o despacho recorrido) da exequente foi proferido depois do despacho (de admissão dos créditos reclamados) a que alude o artº 866 ex vi nº 1 do artº 873, ambos do CPC, afigura-se, assim, que, no caso em apreço, nenhum impedimento legal existirá a que se defira a pretensão da exequente (sendo certo que tratando-se de quantia em dinheiro, que está depositada à ordem do srº juiz do processo, na sequência da penhora efectuada, e não existindo outros credores, para além da exequente, a preferirem sobre ela, a regra, nesse caso, como resulta dos dispositivos legais supra citados, é proceder à sua entrega imediata ao exequente).
Todavia, um pequeno obstáculo poderia entravar tal pretensão e que resulta do estatuído no artº 451 do CPC ao preceituar que “as custas da execução saem precípuas do produto dos bens penhorados”.
O que, numa primeira análise mais ligeira, poderia inviabilizar tal pretensão de entrega.
Porém, a exequente naquele seu requerimento, ao forrmular tal pretensão, pede que essa entrega seja efectuada mediante prévia dedução à importância depositada do montante das custas prováveis e demais encargos do processo, a calcular pela secretaria .
Sendo assim, fica também, garantido o pagamento das custas em dívida a final, e salvaguardado o fim daquele dispositivo legal.
Ora essa solução afigura-se-nos, tal como afirma a exequente/agravante, que não põe em causa os interesses dos outros dois credores reclamantes, que acautela os interesses do Estado no que concerne à garantia do pagamento das custas que, a final, forem devidas, e, ao mesmo tempo, evitará a penalização daquela de continuar a ver protelado, inutilmente, a satisfação de um crédito que já há muito reclama, e que lhe permitirá, com tal entrega, passar desde logo a dispor e fruir de uma parte do mesmo.
Nesses termos, e pelas razões expostas, decide-se julgar procedente o agravo, e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que defira a pretensão da exequente no sentido de lhe ser, desde já, entregue a importância em dinheiro que se encontra penhorada e depositada nos autos de execução, deduzida que seja do montante das custas prováveis em dívida a final e demais encargos do processo, a calcular, previamente, pela secretaria.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso (de agravo), revogando-se o despacho recorrido, o qual, em consequência, deverá ser substituído por outro que defira a pretensão da exequente no sentido de lhe ser, desde já, entregue a importância em dinheiro que se encontra penhorada e depositada nos autos de execução, deduzida que seja do montante das custas prováveis em dívida a final e demais encargos do processo, a calcular, previamente, pela secretaria.
As custas do recurso entrarão na regra de custas a final.

Coimbra, 18/01/2005